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A Lei Geral de Proteção de Dados e o compartilhamento de dados com as inteligências artificiais

Agenda 12/12/2024 às 07:49

Os sistemas de IA utilizam dados como matéria-prima essencial para seu funcionamento e aprimoramento.

A Inteligência Artificial (IA) é uma realidade que permeia o cotidiano das pessoas, desempenhando um papel cada vez mais proeminente na resolução de problemas do dia a dia. Com a ascensão do ChatGPT, fica evidente a capacidade da IA de aprimorar a interação humana e pequenas atividades do cotidiano. Em consonância com esse avanço, a expressão "inteligência artificial" foi considerada a palavra do ano pelo dicionário de inglês Collins, refletindo seu papel central em diversas discussões globais. Esse amplo reconhecimento e uso generalizado da IA impulsionaram iniciativas em todo o mundo.

Pela primeira vez, 28 países, incluindo o Reino Unido, Estados Unidos, China e Brasil, concordaram em proteger a segurança da IA na Declaração de Bletchley. Reconhecendo os desafios relacionados à IA, esses países uniram esforços para colaborar na abordagem de ameaças, especialmente na área de cibersegurança, biotecnologia e infodemia. A Declaração ressalta o potencial de danos significativos, até catastróficos, decorrentes das diversas capacidades da IA, com ênfase na proteção da privacidade dos dados.

Nesse sentido, o governo dos Estados Unidos assinou um decreto histórico, liderado pelo presidente Joe Biden, para regulamentar a IA. Esse decreto estabelece importantes medidas, como o compartilhamento de resultados de testes de segurança por desenvolvedores de sistemas de IA, testes rigorosos para garantir a segurança, diretrizes para identificar conteúdo gerado por IA, monitoramento de riscos relacionados à IA e orientações para o uso ético e seguro da IA pelas forças militares dos EUA.

À medida que as Inteligências Artificiais se integram cada vez mais à vida cotidiana, os governos ao redor do mundo estão atentos à busca de soluções para as possíveis consequências do uso inadequado dessa tecnologia. Neste artigo, analisaremos os principais riscos que as IAs podem representar para a privacidade e a proteção de dados pessoais, fazendo referência à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).


SISTEMA DE PROTEÇÃO DE DADOS

A interseção entre a proteção de dados pessoais e a IA é evidente, uma vez que os sistemas de IA utilizam dados como matéria-prima essencial para seu funcionamento e aprimoramento. Diante dessa conexão inevitável, é fundamental compreender os benefícios que essa relação pode proporcionar aos agentes regulados, se bem gerenciada.

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) do Brasil argumenta que é a entidade adequada para regulamentar a IA no país, evitando fragmentação regulatória e sobreposição de competências, inclusive foi essa a sua conclusão na análise preliminar do Projeto de Lei nº 2338/2023. No entanto, outros órgãos reguladores podem desempenhar esse papel, desde que garantam segurança jurídica, previsibilidade e redução de custos para os agentes regulados e os titulares de dados.

A relação entre os direitos dos titulares de dados e aqueles afetados por sistemas de IA é evidente, com destaque para o direito à informação e o direito de acesso e transparência, previstos tanto no Projeto de Lei 2.338/23 quanto na LGPD. Ambos os sistemas asseguram o acesso a informações claras e adequadas aos titulares de direitos.

O Projeto de Lei 2.338/23 também prevê o direito do titular de contestar e solicitar revisão de decisões tomadas com base em IA, o que está relacionado ao direito de solicitar revisão ou informações sobre decisões automatizadas na LGPD. É importante observar os requisitos estabelecidos no Projeto de Lei para o exercício desse direito e sua relação com a LGPD.

Analisando o projeto, verifica-se que deixa explícito alguns pontos, como: a importância de centralizar a tecnologia na pessoa humana; o respeito aos direitos humanos e aos valores democráticos; a privacidade, a proteção de dados e a autodeterminação informativa; justiça, equidade e inclusão; transparência, explicabilidade, inteligibilidade e auditabilidade.

Ainda, as definições de risco na IA estão diretamente relacionadas aos dados pessoais, especialmente os sensíveis, visto que seu tratamento amplifica os riscos nos sistemas de IA. A conformidade com a LGPD é fundamental para mitigar esses riscos, especialmente o tratamento de "alto risco" de acordo com a Resolução CD/ANPD 02.

Além disso, os mecanismos de governança nas regulamentações da IA se assemelham à governança estabelecida na LGPD. A avaliação de impacto algorítmico (AIA) para sistemas de IA de alto risco está alinhada com a elaboração de relatórios de impacto à proteção de dados (RIPD) na LGPD. A criação de programas de governança por meio de códigos de boas práticas e de governança para agentes de IA no Projeto de Lei 2.338/23 também se assemelha à regulamentação da LGPD.

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Esses pontos de contato sugerem a importância de aproveitar a experiência e as práticas existentes no mercado para facilitar a adaptação dos agentes regulados. A experiência adquirida com a LGPD, que trouxe mudanças estruturais e culturais, pode ser um guia valioso para a regulamentação da IA, visando uma transição menos traumática no mercado.


CONCLUSÃO

A regulamentação da IA é um passo crucial em direção a um uso ético e seguro da tecnologia. É fundamental que as conexões entre a LGPD e a futura regulamentação da IA sejam analisadas para aproveitar a experiência adquirida com a proteção de dados pessoais. Isso proporcionará segurança jurídica, previsibilidade e redução de custos para os agentes regulados e os titulares de dados.

À medida que avançamos nesse campo, é importante repensar as definições de agentes de IA na regulamentação brasileira, buscando uma abordagem mais técnica e precisa. A busca por uma regulamentação menos traumática deve ser o objetivo, lembrando que a adaptação é um processo contínuo.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e a regulamentação da Inteligência Artificial (IA) desempenham papéis fundamentais na preservação dos direitos individuais e na promoção do uso responsável da tecnologia. O próximo passo nesse percurso deve ser cuidadosamente planejado, embasado em aprendizados extraídos da implementação da LGPD. O objetivo é construir um ambiente regulatório que beneficie a sociedade como um todo, ao mesmo tempo em que evitamos criar leis que meramente reproduzam a LGPD e cerceiem a inovação em detrimento de uma proteção impraticável aos dados pessoais.


REFERÊNCIAS

FOLHA DE SÃO PAULO. 'Inteligência artificial' bate 'nepo baby' e é a palavra do ano, diz dicionário Collins. 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/10/inteligencia-artificial-bate-nepo-baby-e-e-a-palavra-do-ano-diz-dicionario-collins.shtml . Acesso em: 12 nov. 2023.

GOVERNO BRITÂNICO. Countries agree to safe and responsible development of frontier AI in landmark Bletchley Declaration. 2023. Disponível em: https://www.gov.uk/government/news/countries-agree-to-safe-and-responsible-development-of-frontier-ai-in-landmark-bletchley-declaration . Acesso em: 12 nov. 2023.

HELDER, Darlan. Biden assina 1º decreto para regulamentar inteligência artificial nos EUA; veja os principais pontos. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2023/11/01/biden-assina-1o-decreto-para-regulamentar-inteligencia-artificial-nos-eua-veja-os-principais-pontos.ghtml . Acesso em: 12 nov. 2023.

KESSLER, Daniela Seadi; IZAY, Carolina Portella. Como a relação entre proteção de dados pessoais e IA pode beneficiar os agentes regulados? 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/390337/protecao-de-dados-pessoais-e-ia-pode-beneficiar-os-agentes-regulados . Acesso em: 12 nov. 2023.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. ANPD publica análise preliminar do Projeto de Lei nº 2338/2023, que dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-publica-analise-preliminar-do-projeto-de-lei-no-2338-2023-que-dispoe-sobre-o-uso-da-inteligencia-artificial . Acesso em: 12 nov. 2023.

Sobre o autor
Keiffer Becker

Possuo graduação em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. Pós-graduado em Direito Empresarial pelo Escola Brasileira de Direito - EBRADI. Fui membro titular da Comissão de Direito Securitário da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de Santa Catarina. Sou o atual presidente da Comissão de Direito Administrativo, Vice-presidente da Comissão de Moralidade Pública e membro da Comissão de Negócios Internacionais, Tecnologia e Investimentos em Startups, todas da OAB Subseção Palhoça. Tenho experiência nas áreas do Direito Empresarial, Propriedade Intelectual, Contratos, e atuação efetiva em demandas complexas de Direito Administrativo e Direito Público em geral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BECKER, Keiffer. A Lei Geral de Proteção de Dados e o compartilhamento de dados com as inteligências artificiais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7834, 12 dez. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111879. Acesso em: 27 dez. 2024.

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