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O emprego da Polícia Militar em eventos de futebol profissional e a responsabilidade da segurança, sob a nova Lei Geral do Esporte

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Agenda 09/12/2024 às 08:12

A PM pode ser empregada em evento esportivo profissional? Dentro e fora do estádio de futebol?

1. INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos, a Polícia Militar tem sido um pilar na segurança dos grandes eventos esportivos, atuando não só na segurança ao redor do estádio de futebol, quanto internamente neste evento com fins lucrativos. Tais presenças, em regra, encontram-se amparadas no Decreto-Lei Federal, nº 667/69, e na Constituição Brasileira de 1988, que atribuem a ação preventiva da instituição militar.

Certo que a Polícia Militar desempenha um papel crucial na garantia da segurança dos torcedores, contudo, com o crescimento da população brasileira, houve um aumento significativo na demanda por segurança. Em contraste, observou-se uma redução no efetivo policial. Esse descompasso é evidenciado por dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio do Perfil Nacional das Instituições de Segurança Pública. Em 2020, o total de policiais militares ativos no Brasil era de 385.883, enquanto em 2018 esse número era de 414.932, o que representa uma queda de cerca de 9% no contingente policial. Ao mesmo tempo, segundo o IBGE (2023), a população brasileira cresceu 6,5% entre 2010 e 2022, o que corresponde a um aumento de aproximadamente 12 milhões de habitantes.

Portanto, o objetivo deste artigo é avaliar, com o advento da Lei Geral do Esporte nº 14.597/2023 e diante de um cenário de impossibilidade por parte da Polícia Militar de atender uma demanda de segurança de jogo de futebol profissional, quais as soluções possíveis para que determinado evento não seja prejudicado e os seus participantes possam usufruir, com segurança, do seu direito social ao lazer, consolidado na Constituição da República Federativa do Brasil.


2. ÓRGÃO PÚBLICO E SEUS SERVIÇOS

Segundo a Lei Federal nº 13.460/17, que trata dos serviços públicos da administração pública, em seu art. 2º, inciso II, define serviço público como “Atividade administrativa ou de prestação direta ou indireta de bens ou serviços à população, exercida por órgão ou entidade da administração pública” (Brasil, 2017).

Não por outra razão, o dever constitucional da Polícia Militar, órgão integrante da administração direta do Poder Executivo Estadual, é a preservação da ordem pública e o policiamento ostensivo, nos termos do que dispõe a Constituição Federal de 1988, em seu art. 144, §5º, litteris:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

[...]

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

[...]

§5º às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (Brasil,1988). Grifo nosso.

2.1. Princípios

A administração pública é orientada por princípios que fundamentam suas ações na oferta de serviços à sociedade. Nesse contexto, a Polícia Militar, enquanto órgão administrativo, deve seguir esses princípios, garantindo a eficiência, a legalidade e a moralidade na prestação de seus serviços. A observância desses princípios é essencial para assegurar que a atuação da instituição seja legítima e esteja em consonância com os direitos e expectativas da população. Vamos, então, analisar alguns desses princípios:

2.1.1. Finalidade

O princípio da finalidade, segundo Mello, é:

Em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais que isso: é uma inerência dele; está nele contido, pois corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob pretexto de cumpri-la. (MELLO, 2014, p. 109-110).

2.1.2. Impessoalidade

Expresso no art. 37 da CF/88, o princípio da impessoalidade determina que a administração aja sempre baseada no interesse público, sem participação de interesses privados, evitando privilégios.

Para reforçar, Celso Antônio Bandeira (2014) diz:

Nele se traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismos nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou da isonomia. (MELLO, 2014, p. 117)

Mantendo o mesmo raciocínio, admitimos que “A administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento” (Di Pietro, 2011, p.68).

2.1.3. Supremacia do interesse público

Segundo Marcelo e Vicente (2014):

O princípio da supremacia do interesse público é característico do regime de direito público e, como visto anteriormente, é um dos pilares do denominado regime jurídico-administrativo, fundamentando todas as prerrogativas especiais de que dispõe a administração como instrumentos para a consecução dos fins que a Constituição e as leis lhe impõem. Decorre dele que, existindo conflito entre o interesse público e o interesse particular, deverá prevalecer o primeiro, tutelado pelo Estado, respeitados, entretanto, os direitos e garantias individuais expressos na Constituição, ou dela decorrentes. (ALEXANDRINO e PAULO, 2014, p. 188) grifo nosso.

Portanto, a supremacia do interesse público deve atender às necessidades de toda a população, usufruindo, consequentemente, de igual forma.

2.1.4. Reserva do possível

De origem alemã, segundo Arakaki (2013), o princípio da reserva do possível passou a ser adotado pelo Judiciário brasileiro, como forma de justificar impossibilidades de prestação de serviços sociais por ausência de recursos ou condições financeiras por parte do Estado.

Tal princípio, segundo o autor, é responsável por limitar a responsabilidade do Estado, conforme suas condições material, orgânica e orçamentária disponíveis.

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Em 2009, a primeira turma do Superior Tribunal de Justiça - STJ, no recurso em mandado de segurança nº 28.962 - MG, por unanimidade, decidiu:

O art. 6º da Constituição Federal, que preconiza a saúde como direito social, deve ser analisado à luz do princípio da reserva do possível, ou seja, os pleitos deduzidos em face do Estado devem ser logicamente razoáveis e, acima de tudo, é necessário que existam condições financeiras para o cumprimento de obrigação. De nada adianta uma ordem judicial que não pode ser cumprida pela Administração por falta de recursos (Brasil, 2009, p.02, grifo nosso).

Em decisão colegiada mais recente, no julgamento do recurso especial n. 1828993/RS que tratava da necessidade da presença de profissionais da enfermagem em cada Unidade de Suporte Básico de Vida Terrestre (USB), o STJ acordou:

A exigência de enfermeiro nas Ambulâncias de Suporte Básico -Tipo B e nas Unidades de Suporte Básico de Vida Terrestre (USB) do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU, em vez de trazer benefícios, findaria por prejudicar o sistema de saúde, pois esses veículos - que compõem 80% da frota do SAMU, segundo informações prestadas como amicus cúria e pelo CONSELHO NACIONAL DE SECRETARIAS MUNICIPAIS DE SAÚDE - CONASEMS - não poderiam circular sem a contratação de milhares de enfermeiros em todos os rincões do país, o que não é factível nas condições orçamentárias atuais, em clara ofensa ao princípio da reserva do possível (Idem, grifo nosso).

Portanto, a jurisprudência do STJ, conduz no sentido de que é aceitável, o Estado, caso não possua condições financeiras e/ou de agentes para dispor serviço, respalde sua negativa na prestação de tal serviço, embasado no princípio da reserva do Possível.

Entretanto, a segunda turma do Supremo Tribunal Federal - STF, no agravo regimental no recurso extraordinário, ARE 745.745 AgR / MG, ao abordar o tema, relatou: “A questão da reserva do possível: reconhecimento de sua inaplicabilidade, sempre que a invocação dessa cláusula puder comprometer o núcleo básico que qualifica o mínimo existencial” (Brasil, 2014, p. 01).

Logo, a jurisprudência do STF compreende que o princípio da reserva do possível não pode ser reconhecido, quando há o comprometimento do mínimo existencial de direitos sociais. No entanto, não há definição objetiva na jurisprudência da Corte Suprema sobre o que se considera núcleo básico para o mínimo existencial, havendo apenas casos específicos que foram considerados, após análise da corte, como mínimo existencial. Entretanto, a Advocacia Geral da União – AGU (2019) expõe o entendimento da doutrina sobre o mínimo existencial. Assim, vejamos: a doutrina majoritária define o mínimo existencial como o conjunto básico de Direitos Fundamentais à Dignidade da Pessoa Humana, incluindo saúde, Educação, acesso à Justiça e assistência aos desamparados, como alimentação, vestuário e abrigo aos desamparados (Brasil, 2019).

Com isso, ressalvada a exceção do mínimo existencial, o Estado, caso justifique que não tenha mínimas condições de oferecer determinado serviço, poderá limitar suas ações de acordo com o princípio da reserva do possível, ainda mais quando se tratarem de demandas não voltadas ao interesse de toda a coletividade.


3. DIREITOS SOCIAIS E A OBRIGAÇÃO ESTATAL

Compreendendo os direitos sociais, são valiosas as precisas lições de Garcia (2004, p.335), quando afirma:

Os direitos sociais, espécie dos direitos fundamentais, são considerados direitos fundamentais de segunda geração ou de segunda dimensão e são atuações positivas por parte do estado com a finalidade de oferecer aos indivíduos o alcance da justiça social.

Consequentemente, o Estado como detentor do poder público tem o dever de garantir os direitos considerados como sociais, elencados no art. 6º da Constituição Federal de 1988, ipsis litteris:

Art.6. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (Brasil, 1988, grifo nosso).

Logo, pode-se afirmar que é obrigação do Estado promover os direitos sociais de maneira justa e igualitária. O Estado, ao construir praças públicas, investir no esporte e prover policiamento em todos os municípios do Estado, são alguns exemplos de promoção social que todos os indivíduos possuem direito de maneira isonômica, sem privilégios.

Inclusa nos direitos sociais, a segurança pública, também denominada de segurança interna de um país, pode ser definida assim:

As atividades de segurança interna são as que buscam preservar a ordem pública e proteger os integrantes da coletividade da violência, com prevenção e repressão às atividades delituosas. A segurança interna recebe, comumente, a denominação segurança pública (Garcia, 2010, p. 338).

Percebe-se, nesse contexto, que a segurança pública está pautada na coletividade geral, com o objetivo de coibir e reprimir ações criminosas que perturbem a ordem pública.

Nesse contexto, abordando outro direito social, o direito ao lazer, é necessário, antes de aprofundar no tema, estudar a Carta Magna sobre o conteúdo a respeito. Percebe-se que é atribuição do Poder Público, através do princípio da impessoalidade, incentivar o lazer para todas as pessoas, sem distinção, em conformidade com a Constituição Federal que assim determina, em seu Art. 217: É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: [...] § 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social (Brasil, 1988, grifo nosso).

Logo, o Poder Público tem a função de incentivar o lazer, balizado nos princípios já abordados, a fim de que promova um bem-estar social que beneficie a todos, sem distinção.


4. PRESTAÇÃO DE SEGURANÇA EM EVENTO PELA PM

A Polícia Militar é um dos órgãos integrantes da segurança pública, prevista na Constituição da República Federativa do Brasil, que tem a atribuição como representante do Poder Público de realizar a segurança dos cidadãos brasileiros em seu território. Entretanto, tal missão, em regra, objetiva preservar a ordem pública, conforme já visto no art. 144 da Carta Magna.

Por conta do seu caráter preventivo, o órgão militar também cumpre o policiamento em diversos tipos de eventos, não só embasado no artigo 6º da Constituição Federal que garante o direito social ao lazer e à segurança, mas também, balizado pelo Decreto-Lei Federal, nº 667/69, especificamente, em seu art. 3º, alíneas b e c, conforme visto anteriormente.

4.1. Normas sobre taxa Estatal

Para prestar um exercício de Poder de Polícia ou disponibilização de serviços públicos, algumas unidades da Federação resolveram normatizar a cobrança de taxas para autorizar o emprego policial em eventos, a exemplo do Pará, do Piauí e do Distrito Federal. Então vejamos:

4.1.1. Polícia Militar do Pará

Em 27 de dezembro de 1996, no Estado do Pará, foi sancionado, pelo então governador da época, a instituição de taxa de Segurança pela prestação de serviços públicos ou atividades específicas, decorrentes do exercício do poder de polícia por órgãos do Sistema de Segurança Pública, através da lei estadual nº 6.010/96. Em seu artigo 2º estabelece:

Art. 2º - A Taxa de Segurança tem como fato gerador a efetiva ou potencial utilização, por pessoa determinada, de qualquer ato decorrente do exercício do Poder de Polícia, serviço ou atividade policial-militar, inclusive policiamento preventivo, prestados ou postos à disposição do contribuinte por qualquer dos órgãos do Sistema de Segurança Pública (art. 3º da Lei nº 5.944/96), exceto o Departamento de Trânsito do Estado do Pará - DETRAN-PA (Pará, 1996, grifo nosso).

A taxação do policiamento preventivo, através da lei estadual, acabou sendo objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI - 1942/PA, por parte do Conselho Federal da Ordem de Advogados do Brasil que, junto ao Supremo Tribunal Federal - STF, questionou a cobrança, sob o argumento de que o Estado estaria privatizando seus serviços, prestando serviço aos pagantes em detrimento dos nãos pagantes, violando, assim, os princípios republicanos da isonomia.

Ao analisar o dispositivo em questão, o STF decidiu:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO TRIBUTÁRIO. TAXA. SEGURANÇA PÚBLICA. EVENTOS PRIVADOS. SERVIÇO PÚBLICO GERAL E INDIVISÍVEL. LEI 6.010/96 DO ESTADO DO PARÁ. TEORIA DA DIVISIBILIDADE DAS LEIS. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se consolidou no sentido de que a atividade de segurança pública é serviço público geral e indivisível, logo deve ser remunerada mediante imposto, isto é, viola o artigo 145, II, do Texto Constitucional, a exigência de taxa para sua fruição. 2. Da argumentação exposta pela parte requerente não se extrai a inconstitucionalidade in totum do dispositivo impugnado, assim se aplica ao caso a teoria da divisibilidade das leis, segundo a qual, em sede de jurisdição constitucional, somente se deve proferir a nulidade dos dispositivos maculados pelo vício de inconstitucionalidade, de maneira que todos aqueles dispositivos legais que puderem subsistir autonomamente não são abarcados pelo juízo de inconstitucionalidade. 3. Ação direta de inconstitucionalidade a que se dá parcial procedência, a fim de declarar inconstitucional a expressão “serviço ou atividade policial militar, inclusive policiamento preventivo” constante no artigo 2º da Lei 6.010/96 do estado do Pará, assim como a Tabela V do mesmo diploma legal (Brasil, 2015, grifo nosso).

Portanto, a suprema corte concordou, em parte, com o ajuizamento da demandante, e decretou a inconstitucionalidade de alguns dispositivos da lei, a saber: expressão “serviço ou atividade policial militar, inclusive policiamento preventivo” constante no artigo 2º da Lei 6.010/96 do estado do Pará, assim como a Tabela V do mesmo diploma legal que trata do valor da hora por PM empregado em evento.

A lei não foi, por completa, declarada inconstitucional pelo STF, pois:

Verifica-se que a taxa não se aplica apenas ao serviço de segurança prestado pela polícia militar, mas também a atos administrativos do serviço de identificação e de investigação do instituto médico legal, de polícia administrativa (como fornecimento de alvarás, certidões etc.), bem como relativos a academias de polícia e ao corpo de bombeiros, atos esses que não são atacável pela fundamentação da presente ação direta, que se restringe ao ataque do serviço de segurança prestado pela polícia militar, a que está ligada exclusivamente à tabela V também impugnada (Brasil, 2015).

Logo, os órgãos de segurança pública, até podem instituir taxas, desde que sejam serviços públicos específicos e divisíveis, conforme art. 145, inciso II, da Constituição Federal:

Art. 145, II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição (Brasil, 1988, grifo nosso).

4.1.2. Polícia Militar do Piauí

O Estado do Piauí em 1988, promulgou a Lei n. 4.254/1988, disciplinando a cobrança de taxa pelo Estado. Entretanto, mais de 30 anos depois da vigência da lei, após questionamento da Procuradoria Geral da República - PGR, através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 7.035, em vista à lei, argumentando sobre o assunto:

Na conformação do sistema tributário nacional estabelecido pela Constituinte de 1988, taxas somente podem ser instituídas pelos poderes públicos em duas situações: em decorrência do exercício de poder de polícia ou em face da utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis prestados à contribuinte ou postos à sua disposição (Brasil, 2022).

Com base nos argumentos apresentados pela PGR, o STF acatou em parte as alegações da requerente e decidiu pela inconstitucionalidade de alguns dispositivos da lei em comento, conforme se vê:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO TRIBUTÁRIO. INC. III DO ART. 4º, ART. 6º, ART. 15, ITEM 6 DA TABELA I DO ANEXO ÚNICO DA LEI N. 4.254/1988, ALTERADA PELAS LEIS NS. 4.455/1991, 5.114/1999 E 6.741/2015, DO PIAUÍ. ATOS DE VISTORIA E ALVARÁS DE FUNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS E REALIZAÇÃO DE EVENTOS. SERVIÇO PÚBLICO ESPECÍFICO E DIVISÍVEL (UTI SINGULI) ATRIBUÍDO A ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA. TAXA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SERVIÇOS PÚBLICOS PRESTADOS POR ÓRGÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA COM CARÁTER GERAL E INDIVISÍVEL (UTI UNIVERSI). IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA POR TAXA. PRECEDENTES. OFENSA AO DISPOSTO NO INC. II E § 2º DO ART. 145 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PARA OBTENÇÃO DE CERTIDÕES EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS PARA DEFESA DE DIREITOS OU ESCLARECIMENTO DE SITUAÇÕES DE INTERESSE PESSOAL. AL. “B” DO INC. XXXIV DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. Os atos listados nos itens 6.3, 6.4, 6.7, 6.8, 6.9, 6.10 e 6.17 da Tabela I do Anexo Único da Lei n. 4.254/1988, do Piauí, são de efetivo exercício do poder de polícia estatal praticados no interesse específico de determinados administrados, objetivando aferir a compatibilidade das suas pretensões particulares aos imperativos públicos de segurança. Não se cuidam de serviços de segurança pública prestados indistintamente à população. 2. É inconstitucional o disposto no item 6.6 da Tabela I do Anexo Único da Lei n. 4.254/1988, do Piauí: serviço de segurança pública, exercido pela polícia ostensiva e judiciária para cobertura de eventos particulares, que não constitui fato gerador de taxa pelo caráter indivisível e universal da atividade desenvolvida. Precedentes.

[…]

5. Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar inconstitucional o disposto nos itens 6.5 e 6.6 da Tabela I do Anexo Único da Lei n. 4.254/1988, do Piauí

(ADI 7.035, ministra Cármen Lúcia, DJe de 29 de junho de 2022) (Idem, grifo nosso).

Logo, no entendimento do STF, a segurança pública até pode taxar seus serviços, desde que sejam efetivo exercício do poder de polícia praticados no interesse específico de determinados administrados e que não se cuidem de serviço prestado indistintamente à população.

Desse modo, como na lei havia também taxação de serviço de polícia ostensiva, possuidor de caráter indivisível e universal, nisso foi considerado inconstitucional pela Suprema Corte brasileira.

4.1.3. Polícia Militar do Distrito Federal

O Governo do Distrito Federal em 1998, através do Decreto N° 19.972, estipulou a cobrança de taxa de segurança para eventos – TSE, consubstanciado na Lei nº 1.732, de 27 de outubro de 1997 que instituía a taxa de segurança de eventos com fins lucrativos.

A taxa de segurança, segundo o Decreto (1998), era antecipadamente recolhida dos promotores dos eventos, sob pena de não autorizá-los, e separada para cada órgão de segurança pública com valor fixado em unidades fiscais de referência (UFR), por cada homem empregado e hora prevista para o Evento. Os recursos obtidos da cobrança tinham destino exclusivo à manutenção e aquisição de equipamentos para cada órgão de segurança pública. Porém, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil acionou o Supremo Tribunal Federal, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – (ADI 2692) alegando a inconstitucionalidade da transferência dos custos da atividade de segurança pública a particulares.

E assim, foi decido pelo STF (2022):

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 1.732, DE 27 DE OUTUBRO DE 1997, E DECRETO N. 19.972, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1998, AMBOS DO DISTRITO FEDERAL. TAXA DE SEGURANÇA PARA EVENTOS. SEGURANÇA PÚBLICA. SERVIÇO GERAL E INDIVISÍVEL. 1. O serviço de segurança pública tem natureza universal, devendo ser prestado a toda a coletividade ainda que o Estado se veja na contingência de fornecer condições de segurança a grupo específico. 2. O serviço de segurança deve ser remunerado mediante impostos, jamais por meio de taxas. 3. Pedido julgado procedente para declarar-se a inconstitucionalidade da Lei n. 1.732, de 27 de outubro de 1997, e por arrastamento do Decreto n. 19.972, de 30 de dezembro de 1998, ambos do Distrito Federal (Brasil, 2022, p. 1).

Portanto, com a procedência do ajuizamento posto pelo Conselho Federal da OAB, foi declarada inconstitucional a lei n. 1.732, de 27 de outubro de 1997 e por arrastamento o Decreto n. 19.972, de 30 de dezembro de 1998, pois o posicionamento do STF é de que o serviço de segurança pública tem natureza universal e, por conta disso, jamais pode ser remunerado por meio de taxas, apenas por impostos, baseando-se inclusive no art. 145 da Constituição Federal que elenca os tributos:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I - impostos;

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas (Idem,1988, grifo nosso).

Observa-se que a própria Carta Magna disciplina que as taxas só podem ser instituídas nos serviços públicos específicos e divisíveis, contrastando com a atividade fim da Polícia Militar que é o serviço universal de prestador de segurança.

Sobre o autor
Ismael da Guia Silva

Capitão da Polícia Militar de Alagoas do Quadro de Oficiais do Estado Maior Bacharel em Direito Pós graduado em Ciências Jurídicas Instrutor da PMAL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Ismael Guia. O emprego da Polícia Militar em eventos de futebol profissional e a responsabilidade da segurança, sob a nova Lei Geral do Esporte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7831, 9 dez. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111913. Acesso em: 12 dez. 2024.

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