Sumário: 1. Introdução. 2. Do dever de lealdade processual. 3. A quem se dirige o dever de lealdade. 4. Conseqüências decorrentes da quebra ao dever de lealdade. 4.1. Da multa por prática de ato atentatório ao exercício da jurisdição. 4.2. Da multa, indenização, pagamento de custas e honorários advocatícios por ato eivado de má-fé. 4.3. Multa por atentado ao processo de execução. 5. Conclusão. 6. Bibliografia.
1. Introdução
No Brasil, de uns tempos para cá, fixou-se pontual e inegável fortificação à idéia de efetividade da prestação jurisdicional a partir de conduta processual socialmente exigível ou aceitável dos cidadãos nas lides.
De fato, por meio do prosseguimento à reforma do Código Processual Civil pátrio, mais especificamente pela Lei 10.358, de 27 de dezembro de 2001, definiu-se de forma absoluta o dever de colaboração de todos, partes ou não, com a operacionalidade e efetividade do processo; tonificou-se a exigência de posturas essencialmente éticas por parte dos litigantes e terceiros, instando-os a cooperar com a celeridade do procedimento judicial o que, em última análise, reflete na atuação e eficiência do órgão jurisdicional na aplicação do direito [01].
Hoje, há a disposição do dever de lealdade e probidade no processo como um dos pilares de sustentação do sistema jurídico-processual, motivo pelo qual se afigura de importância continental não só a sua correta compreensão, como também a dos instrumentos processuais existentes que garantem a sua fixação [02].
2. Do dever de lealdade processual
A lealdade compreende postura ética, honesta, franca, de boa-fé, proba que se exige em um estado de direito; ser leal é ser digno, proceder de forma correta, lisa, sem se valer de artimanhas, embustes ou artifícios.
Em sede de direito processual, a lealdade, na concepção teleológica, significa a fidelidade à boa-fé e ao respeito à justiça, que, entre outras formas, se traduz não só pela veracidade do que se diz no processo, mas também pela forma geral como nele se atua, incluindo-se aí, o que não se omite. [03]
Trata-se, em realidade, a lealdade de um dever a ser observado pelo jurisdicionado. Está intimamente ligada ao princípio da probidade processual, segundo o qual cabe às partes sustentarem suas razões dentro da ética e da moral, na observação de Nery e Nery, não se utilizando da chicana e fraude processual. Divide-se a probidade em: a) dever de agir de acordo com a verdade; b) dever de agir com lealdade e boa-fé; c) dever de praticar somente atos necessários à sua defesa. [04]
Parte da doutrina italiana, entre ela Virgílio Andrioli, difere lealdade de probidade, salientando que a primeira corresponde ao fato de se ser sincero, não compactuando com a má-fé e a traição, ao passo que a segunda diria respeito à atuação com retidão. [05] A doutrina brasileira, no entanto, não tem feito tal distinção, tratando a lealdade e a probidade como sinônimos.
Seja como for, tem-se, hoje, que tanto as partes como terceiros que participam da lide têm o dever de firmar postura socialmente adequada, colaborando [06] com o Poder Judiciário na busca da efetivação da Justiça. Tal concepção fundamenta-se na idéia fecunda de bem comum, a partir da eficácia do sistema jurídico-social empregado hodiernamente, sendo pressuposto exigível básico de uma sociedade que deseja ser justa e solidária.
Com efeito, a partir do momento em que se definiu que o processo civil se situa no ramo do direito público [07], tendo perspectiva coletiva fundada no bem comum da sociedade, afastando-se das idéias de liberalismo e individualismo [08], sucumbiu a perspectiva defendida por doutrina mais antiga, cuja orientação era no sentido de não haver dever de colaboração das partes, principalmente, da demandada, por considerar que tal circunstância se assemelharia a um instituto inquisitivo e contrário à livre disponibilidade das partes, podendo até mesmo ser considerado um "instrumento de tortura moral". [09] Ora, hoje, a idéia de que a mentira pode ser cogitada como arma legítima, de fato, não encontra mais espaço, seja no direito pátrio, seja na doutrina moderna [10] alienígena [11].
Particularmente, pode-se afirmar que, no Brasil, há no processo civil, ao contrário do que se evidencia no processo penal por razões lógicas, [12] o dever de colaboração, que emerge não só das regras infraconstitucionais (art. 339 do CPC) [13], mas da própria Constituição quando define, no art. 3º, inc. I, o propósito de construir uma sociedade "justa e solidária" [14] e dispõe, como um dos fundamentos do estado de direito o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, cuja conotação dada pela doutrina moderna tem sido, como já se disse em outra oportunidade [15], no sentido de que o mesmo garante não somente acesso à justiça, mas sim a consagração do direito de o jurisdicionado receber, em uma lide, a declaração do que faz jus da forma mais rápida e efetiva possível, cumprindo o Estado um anseio social de ver distribuída a justiça de forma adequada e célere. A perspectiva de acesso à justiça está atrelada ao de uso adequado e racional do processo, enquanto instrumento posto a serviço dos litigantes para dirimir conflitos.
É absolutamente correto afirmar que o dever de cooperação deriva da publicização [16] do processo civil, como conseqüência da natural evolução do estado liberal para o estado social. [17]
A deslealdade, o abuso de direito e a chicana processual, de fato, descredibilizam a prestação da Justiça, não só porque maltratam a parte adversa que sofre os seus efeitos, mas também porque prejudicam o Estado [18] e a própria sociedade, que acabam pagando o preço de ter uma prestação jurisdicional que perde tempo e dinheiro com atitudes desarrazoadas e absolutamente despropositadas, deixando-se de atender, nesse momento, pleitos legítimos.
Ora, conforme bem lembra Mauro Cappelletti, o processo está "ao serviço do direito substancial, do qual tende a garantir a efetividade, ou melhor, a observância, e para os casos de inobservância, a reintegração." [19] Tem absoluta razão Barbosa Moreira quando leciona que o processo é "social" e, enquanto tal, não se verifica contraposição entre juiz e partes, mas sim a colaboração entre estes. [20]
Sem dúvida, o travamento do litígio dentro da boa-fé e lealdade conduz à entrega da justiça de forma mais eficiente [21], motivo pela qual se encontram como exigências nas mais diversas legislações processuais dos países da Europa-Ocidental [22], bem como das Américas [23]. A concepção de ética no processo encontra suporte no delineamento de duração do mesmo de acordo com o uso racional do tempo processual, aliás, perspectiva essa bem desenvolvida pela doutrina italiana [24] e tipificada no art. 111 da Constituição peninsular.
A inteligência doutrinária contemporânea e atualizada, com efeito, tem de forma pacífica propugnado essa orientação de colaboração que, no nosso sentir, nasce como fenômeno natural de um sentimento de exigibilidade de honestidade, bem como de procura do justo ao menor custo possível. Ada Pellegrini Grinover, a propósito, corretamente afirma que o processo contemporâneo é informado por princípios éticos, ficando ultrapassada a concepção de que seria mero instrumento técnico. É meio ético voltado à pacificação social, tendo as partes, embora empenhadas em obter a vitória, convencendo o juiz de suas razões, dever de cooperação com o órgão judiciário, de modo que sua posição dialética no processo possa emanar um provimento jurisdicional o mais aderente possível à verdade. [25]
Podem-se apontar, no Código Processual Civil em vigor, diversas obrigações que decorrem do princípio de lealdade e probidade processual, entre elas, os de:
- expor os fatos em juízo conforme a verdade (art. 14, I);
- proceder com lealdade e boa-fé (art. 14, II);
-não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento (art. 14, III);
- não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito (art. 14, IV);
-cumprir com exatidão os provimentos mandamentais (art. 14, V, primeira parte)
-não criar embaraço à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final (art. 14, V, segunda parte);
- não empregar expressões injuriosas (art. 15);
- não lançar, nos autos, cotas marginais ou interlineares (art. 161);
- não usar do processo para conseguir objetivo ilegal (art. 17, III);
-não opor resistência injustificada ao andamento da lide (art. 17, IV);
-não proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo (art. 17, V);
- não provocar incidentes manifestamente infundados (art. 17, VI);
-não interpor recurso com intuito manifestamente protelatório (art. 17, VII);
-colaborar com o Poder Judiciário para o descumprimento da verdade (art. 339)
- comparecer em juízo, respondendo ao que for interrogado (art. 340, I);
- submeter-se à inspeção judicial, que for julgada necessária (art. 340, II);
- praticar o ato que lhe for determinado (art. 340, III);
-tratar as testemunhas com urbanidade, não lhes fazendo perguntas ou considerações impertinentes, capciosas ou vexatórias (art. 416, § 1.º);
- não fraudar a execução (art. 600, I);
- não se opor maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos (art. 600, II);
- não resistir injustificadamente às ordens judiciais na execução (art. 600, III);
- indicar ao juiz onde se encontram os bens sujeitos à execução (art. 600, IV).
O descumprimento de tais disposições imperativas, por lógico, afronta o princípio da lealdade processual, devendo ensejar conseqüências aos seus autores. Em verdade, deve-se reprimir a deslealdade, porquanto ela coloca em risco a correção da manifestação jurisdicional [26], à medida que, além de protelar o desfecho da lide, na linguagem de Alcides de Mendonça Lima, pode iludir, mal orientar ou burlar a atuação do Estado no seu propósito de fazer justiça e preservar a legalidade [27].
Como bem observou Alcalá–Zamora "el proceso debe servir para discutir lo discutible, pero no para negar la evidencia, ni para rendir por cansacio al adversario que tenga razón; há de representar um camino breve y seguro para obtener una sentencia justa y no un vericueto interminable y peligroso para consumar um atropello." [28]
3. A quem se dirige o dever de lealdade
Não há sentido exigir-se conduta proba somente daqueles que têm o seu direito material posto em lide - as partes - deixando-se de lado outros que podem ter atuação primordial no litígio ou na satisfação da ordem judicial emitida.
O diploma processual brasileiro, neste diapasão, foi extremamente feliz ao incluir expressamente responsabilidade de terceiros no processo. A partir da redação do art. 14 do Código Processual Civil, introduzida pela Lei 10.358/01, verifica-se que o dever de lealdade é não só daquele que pleiteia no processo (autor) como daquele a quem é pedido algo (réu), mas também de terceiros, pessoas estranhas à lide que, por qualquer razão, acabam participando do feito, isto é, advogados, procuradores, membros do Ministério Público, magistrados, oficiais de justiça, testemunhas, peritos, intérpretes, escrivães, auxiliares da justiça, autoridades coatoras (em caso de mandado de segurança), entre outros.
Seguindo a orientação de impor lealdade a todos que participam da lide é que o legislador brasileiro dispôs, no artigo acima aludido, um parágrafo, no sentido de que quem não cumprir com exatidão os preceitos mandamentais ou criar embaraço à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final, incorrerá em ato qualificado como "atentatório ao exercício da jurisdição", podendo responder por multa, sem prejuízo de outras sanções de natureza criminal, civil ou processual. Os advogados, todavia, segundo a redação de tal dispositivo legal, sujeitam-se unicamente aos estatutos da Ordem dos Advogados do Brasil.
Cumpre esclarecer que os advogados não tiveram seu dever de lealdade afastado pela redação de tal norma. Interpretação nesse sentido, por certo, não apresenta qualquer lógica. O fato de a nova lei ter disposto que compete às "partes e a todos aqueles que de qualquer forma participam do processo", alterando a redação que antes impunha dever de lealdade às "partes e de seus procuradores", deve ser interpretado no sentido de que o dever dos procuradores se insere entre a dos terceiros e não que tenha sido afastada.
Ora, não se pode cogitar a exigibilidade de conduta íntegra de todos que participam do processo excluindo-se, justamente, a dos advogados, cuja atuação é imprescindível, devendo respeito não só ao processo, mas também ao seu exercício profissional [29]. Aliás, tal obrigação dos causídicos decorre de uma interpretação sistemática do próprio CPC, calhando ler-se o art. 14 em consonância com o próprio art. 15 (é defeso às partes e seus advogados) e o título do Capítulo II do Livro I (Dos deveres das partes e seus procuradores), onde também estão inseridos os deveres de conduta. Os advogados estão sujeitos sim à lealdade e, inclusive, a um código de ética próprio [30].
Corretamente observa José Eduardo Carreira Alvim que o princípio da lealdade processual passa, sem dúvida, pela pessoa dos procuradores das partes, motivo pelo qual não haveria razão para retirar qualquer dever deles. Muito pelo contrário, os advogados são geralmente os verdadeiros autores dos atos protelatórios, atentatórios e emulativos, que "fazem o processo correr fora dos trilhos da boa-fé processual". [31]
Ora, pela interpretação do parágrafo único do art. 14 em consonância com outros artigos do CPC, conclui-se que há dever de lealdade, sim, dos advogados. O que não há é a possibilidade de serem eles diretamente punidos pelos magistrados caso atuem de maneira ímproba. A atitude de má-fé do causídico configura, não há dúvida, falta disciplinar, cujo palco de julgamento, todavia, será, a teor do que se verifica em outros ordenamentos, o seu órgão de classe que tem por função apreciar a conduta ética empregada no exercício da profissão.
No ordenamento processual civil italiano, por exemplo, a situação é idêntica, referindo o art. 88 daquele diploma que há o dever di lealtà e di probità e que "In caso di mancanza dei difensori a tale dovere, il giudice deve riferirne alle autorità che esercitano il potere disciplinare su di essi." [32]
No direito português, de igual maneira, verifica-se que, a fim de preservar a independência do advogado, não se dá ao juiz poderes de puni-lo, mas sim à Ordem dos Advogados, a qual lá poderá, inclusive, definir indenização. [33]
Com o devido respeito, não se concorda com parte da doutrina [34], segundo a qual é criticável a exclusão dos advogados da regra do parágrafo único do art. 14 do diploma processual pátrio. Ao contrário do que sustentado, concessa venia, não se trata de corporativismo, a fim de imunizar os atos ímprobos dos advogados, até porque a responsabilidade pessoal pelos atos praticados existe, e pode trazer efeitos não só perante ao Órgão de Classe (OAB), mas também por virtude de ação judicial, regressiva, proposta pelo mandante (cliente) que respondeu pelos atos ímprobos do mandatário.
De fato, a regra do art. 14 segue a orientação preconizada de há muito no próprio diploma instrumental pátrio, calhando referir a disposição do parágrafo único do art. 196 [35] que remete a responsabilidade do profissional, por falta judicial, à apreciação da Ordem dos Advogados do Brasil.
A não-responsabilização tem razão lógica, qual seja, a de evitar prejuízo à própria efetivação da justiça. Sendo os advogados indispensáveis à prestação jurisdicional e necessariamente devendo ostentar autonomia de pensamentos, não se pode permitir que fiquem adstritos a punições pessoais por juízes, situação que, sem dúvida, poderia inibir a amplitude de suas atuações. Não há, e não pode haver, hierarquia entre juízes e advogados, preservando o direito destes de lutar livremente na defesa dos direitos de seus constituintes, mesmo que isso desagrade ao juízo.
O que se está dizendo, frise-se, não é que os advogados não tenham, ou não devam ter, responsabilidade nos litígios em que atuam. Muito pelo contrário, têm e podem ser responsabilizados, em processo próprio, caso, independente de sindicância administrativa disciplinar perante a OAB, seu constituinte julgue que o ato cometido, e pelo qual foi prejudicado, é de responsabilidade exclusiva ou proporcional do procurador. O que, aqui, se está a afirmar é que não se pode permitir, na vida forense, quando geralmente, na luta pelo direito e pela justiça, os ânimos ficam acirrados entre juízes e advogados - os quais, antes de mais nada, são humanos (com sentimentos, defeitos e virtudes) -, um possa exercer supremacia sobre outro podendo pessoalmente puni-lo.
Se isso ocorresse, certamente, haveria um prejuízo à liberdade de atuação e pensamento dos advogados e, ao fim, dano à própria justiça, da qual aquele faz parte indissociável, sendo constitucionalmente [36] imprescindível [37].
A Lei 8.906/94 bem define a preocupação de se manter a inviolabilidade do advogado por razões lógicas, cabendo relembrar alguns princípios dispostos no art. 2.º: "O advogado é indispensável à administração da justiça"; "no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social"; "no processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público"; "no exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei". Da mesma forma, o art. 31 do mesmo Estatuto refere: "o advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância"; "nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão."
José Rogério Cruz e Tucci, de forma absolutamente precisa, consigna que a exceção do parágrafo único do art. 14 se justifica plenamente pela experiência que o foro traz, porquanto, "na mão de juízes rancorosos", se possível fosse punir pessoalmente os advogados, o dispositivo legal "acabaria sendo instrumento de ameaça e constrangimento para o livre exercício da advocacia." É que, infelizmente, conforme bem expõe o douto professor, "o ideal de isenção que deveria triunfar durante todo o desenrolar do procedimento judicial e sobretudo no momento de o magistrado proferir o julgamento, por força de inexoráveis determinantes do relacionamento humano, nem sempre é verificado."
Mauro Cappelletti [38], conforme bem lembrado por Tucci, já afirmara que as decisões judiciais, porque prolatadas por homens (juízes), vêm consubstanciadas de sentimentos que vão muito além da ratio decidendi.
Por tais razões, a norma excepciona a responsabilidade do procurador nos mesmos autos, não podendo o juiz puni-lo, mas, nem por isso pode-se afirmar que não há dever de lealdade nem há responsabilidade, na medida em que, frise-se, nada impede que a parte constituinte, prejudicada, exerça, nos termos do art. 32 da Lei 8.906/94, ação contra aquele pelo ato imponderado realizado, fonte de dano material ou processual, sem prejuízo do julgamento da falta disciplinar perante o órgão de classe. [39]
Avaliza tal pensamento Ovídio Baptista da Silva, ao lecionar que os procuradores não respondem por má-fé diante dos prejudicados, mas sim os mandatários, pelo princípio que impera no direito pátrio, segundo o qual o procurador age em nome do mandatário, "de modo que este há de responder pelos atos de má-fé porventura praticados pelo advogado". Em última análise, "sendo a parte obrigada a indenizar em virtude de má-fé processual de seu procurador, somente através de ação regressiva poderá reaver deste o que tenha desembolsado." [40]
Assim como as multas não atingem os causídicos, sejam eles particulares ou públicos, também, pelo mesmo princípio, não atingirão os membros do Ministério Público, quando atuando em atividades que se assemelham à daqueles. Pode-se registrar que a responsabilidade dos membros do parquet, em tal circunstância, fica relegada à apuração em processo administrativo, sem prejuízo de ação própria intentada contra ele pelo eventual prejudicado. Atuando, todavia, como mero fiscal da lei, por exemplo em ações que envolvem interesses de incapazes (art. 82, inc. I, do CPC), configurado ato desleal de sua parte no sentido de causar obstáculo à efetivação da decisão judicial, devem, com certeza, responder por multa a ser fixada pelo juiz nos próprios autos.
De se ver que a exceção à responsabilidade pessoal de advogados, dos membros do Ministério Público, nos termos acima, e até de defensores públicos, se dá com o propósito de impedir represálias e inibições a estes quando postulam em juízo em nome alheio, e somente a estes. Por tal razão, tem-se que o juiz não escapa da responsabilidade [41] pessoal em razão do ato tido por afrontoso ao dever de lealdade. A doutrina mais avançada [42] tem defendido essa orientação, muito embora ainda tenha incerteza quanto a sua aplicação prática [43], na medida em que, de fato, mostra-se improvável ver o próprio juiz da causa se auto-aplicando multa por comportamento indigno...
Particularmente, temos que, na prática, a responsabilidade dos magistrados será sempre definida ou pelo tribunal, quando apreciar algum recurso ou sucedâneo recursal, ou por outro juiz, como por exemplo, o deprecante em face do deprecado.
Cumpre registrar, contudo, que antes de haver qualquer condenação, seja do juiz, seja de qualquer outro, preciso é abrir-se o contraditório, permitindo a ampla defesa, até por respeito aos princípios constitucionais e infraconstitucionais que reinam em um Estado Democrático de Direito.
A fim de não se tumultuar o processo, afigura-se prudente abrir-se incidente, procedimento em apartado, a fim de processar-se a situação sem prejuízo ao desenvolver da lide principal.
Caso julgado injustificado o ato, deverá ser imposta a penalidade cabível.