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Da (des)lealdade no processo civil

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30/04/2008 às 00:00
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4. Conseqüências decorrentes da quebra ao dever de lealdade.

Segundo pensamos, o dever de lealdade é um dos pilares do direito processual contemporâneo, tendo sua fixação o propósito de adequar a conduta dos cidadãos "à dignidade do instrumento de que se servem para obter a administração da justiça" [44]. O desrespeito a essa obrigação de lealdade configura, sem dúvida, ato atentatório à dignidade da justiça e, por tal razão, necessita receber juízo exemplar de reprovação pelo Judiciário.

É que, como bem referiu Alfredo Buzaid, é verdadeiramente intolerável que, destinado a realizar uma atividade primordial do Estado, tenha o Judiciário que suportar, sem reação vigorosa, as manobras tendenciosas de litigantes ímprobos. [45]

O art. 125, inc. III, do diploma processual, aliás, claramente estipula que o juiz deve reprimir atos atentatórios à dignidade da justiça, ao mesmo tempo que outros dispositivos processuais prevêem sanções aplicáveis aos jurisdicionados desleais, podendo-se arrolar, entre outras: a) multa por prática de ato atentatório ao exercício da jurisdição (art. 14, parágrafo único); b) multa, indenização, pagamento de custas e honorários por prática de ato eivado de má-fé (art. 18); c) multa por atentado ao processo de execução (art. 600).

Contemporaneamente, sem dúvida, o sistema não admite que o juiz figure na posição de mero espectador do processo, mas sim como verdadeiro diretor, conduzindo a lide para que dela se possa obter decisão justa. [46]

Essa orientação fora implantada, inegavelmente, já no Código de 1939 que, na sua exposição de motivos, salientara: "A direção do processo deve caber ao juiz; a este não compete apenas o papel de zelar pela observância formal das regras processuais por parte dos litigantes, mas o de interferir no processo de maneira que este atinja, pelos meios adequados, o objetivo da investigação dos fatos e descoberta da verdade." [47]

Vejamos, destarte, alguns instrumentos de repreensão a atos inidôneos e desleais que o legislador pátrio elegeu, buscando garantir resultado profícuo ao processo:

4.1. Da multa por prática de ato atentatório ao exercício da jurisdição

O parágrafo único do art. 14 do CPC, conforme já visto, prevê a possibilidade de apenar-se às partes e a terceiros (com exceção dos advogados, defensores públicos e os membros do Ministério Público [48], pelas razões já expostas) pela prática de atos atentatórios ao exercício da jurisdição, em quantia equivalente a até 20% do valor da causa, arbitrada segundo a gravidade do ato, sem prejuízo de outras sanções civis, processuais e criminais a que está sujeito o agente.

Trata-se de multa, cujo valor, limitado nos moldes acima, será arbitrado pelo juiz, levando em consideração a gravidade da conduta de desrespeito do agente. O produto de tal sanção reverterá em favor do Estado ou da União ao final da causa, como dívida ativa, caso não haja o pagamento espontâneo no prazo fixado após o trânsito em julgado.

Logicamente, a multa reverterá em favor dos Estados (e do Distrito Federal) quando for arbitrada em processo tramitando na justiça comum; por conseguinte reverterá em favor da União, quando for fixada em processo que se desenvolve na Justiça Federal. A norma, muito embora não tenha caráter reparatório, acaba revertendo ao Estado lesado o valor da multa o que, sem dúvida, demonstra a natureza pública e social do prejuízo, suportado a partir do ato temerário, desonesto.

A redação do art. 14 considerou atentatório ao exercício da jurisdição, com possibilidade de sanção, apenas o ato daquele que "não cumpre com exatidão os provimentos mandamentais" ou "cria embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final."

Somente o ato ímprobo, representado pela negativa de cumprimento de mandamentos ou efetivação de medidas, possibilita a multa, tendo o legislador deixado de fora, infelizmente, todos os demais atos impróprios e desonestos, ainda que, igualmente, atentem contra o exercício da jurisdição, tais como: não expor os fatos conforme a verdade; proceder de maneira desleal ou de má-fé, formular pretensões cientes de que são destituídas de fundamento; produzir prova ou praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito...

Ora, sendo o propósito da norma do parágrafo único do art. 14 trazer a ética para o processo e reprimir atitudes que atentem contra a jurisdição, parece-nos absolutamente imprópria a redação legal atribuída que prevê vários deveres de lealdade, mas só pune o descumprimento de um deles [49]. Vale dizer, se, por exemplo, o perito judicial não cumprir o provimento judicial, responde por multa; todavia, se não expuser os fatos conforme a verdade, protelando o desfecho da lide, não sofre qualquer sanção a ser honrada perante o Estado.

O equívoco legislativo parece claro, mormente quando se lê, na exposição de motivos do anteprojeto da Lei 10.358/01 (que deu redação ao art. 14), a orientação de "reforçar a ética no processo, os deveres de lealdade e de probidade que devem presidir ao desenvolvimento do contraditório, e isso não apenas em relação às partes e seus procuradores, mas também a quaisquer outros participantes do processo" [50].

Por outro lado, a fim de melhor efetivar o propósito de tal orientação, parece-nos que, igualmente, teria sido mais adequado que o legislador tivesse determinado a multa do art. 14 proporcionalmente ao desrespeito à decisão [51], a teor do que ocorre na common law, e não ao valor da causa, já que, muitas vezes, esse é absolutamente irrisório.

Seja como for, o fato é que nesses termos a multa será fixada tanto à parte quanto ao terceiro que descumprira o preceito aludido. Quanto à imposição de multa ao terceiro, questão interessante emerge sob o ponto de vista recursal, qual seja: não sendo interessado no litígio, teria legitimidade recursal, à luz do art. 499?

A resposta não se afigura fácil.

É que, pela redação do art. 499 somente o terceiro interessado, ou seja, aquele que, na conceituação de Nery & Nery, "tem interesse jurídico em impugnar a decisão, isto é, aquele que poderia ter ingressado no processo como assistente simples ou litisconsorcial" [52] teria interesse recursal.

Perante tal situação, parte da doutrina [53] tem-se posicionado pela impossibilidade de interposição de agravo de instrumento ou de recurso de apelação pelo terceiro que sofreu a penalidade, cabendo a este, no máximo, mandado de segurança.

Há quem defenda, como Cândido Rangel Dinamarco [54] e Fredie Didier Júnior [55], que a legitimidade recursal do terceiro nasce em relação àquele incidente, em que de fato participa como parte podendo, nesta senda, se insurgir contra a condenação por meio do recurso próprio, geralmente agravo ou apelação.

Particularmente, cremos que, a teor da legislação vigente, não se verifica possibilidade de se qualificar o terceiro como parte, sequer em relação ao incidente [56], de forma que, estaria esse em posição análoga àquela do perito judicial (terceiro sem interesse na lide) que teve seus honorários arbitrados pelo juiz em quantia não razoável, isto é, muito embora não tenha recurso de agravo ou de apelação, pode-se valer de mandado de segurança, aliás, conforme já decidiu a 3ª. Turma do STJ [57].

4.2. Da multa, indenização, pagamento de custas e honorários advocatícios por ato eivado de má-fé

Não obstante a aplicação de eventual multa em favor do Estado, nos termos acima definidos, o autor, réu ou interveniente, e somente estes [58], podem ser penalizados por atitudes temerárias, consideradas de má-fé, as quais estão definidas pelo Código Processual [59].

O ato de má-fé qualifica-se como ato desleal, pernicioso, malévolo, temerário que, pelas mesmas razões aventadas alhures, merece ser recriminado. A pena por litigância temerária, obviamente, pode ser aplicada mais de uma vez ao litigante ímprobo, todavia deverá ter por origem atos diversos, sob pena de se verificar bis in idem. [60]

O estatuto processual dispôs no art. 17 os atos que configuram o improbus litigator. O rol é taxativo, todavia, por seu conteúdo amplo, acaba abarcando praticamente todas as situações de deslealdade que se pode verificar nos foros.

Com efeito, configurada a litigância temerária responderá a parte, nos termos do art. 18 do CPC, ou seja, poderá ser condenada a pagar: a) multa não excedente a 1% do valor da causa; b) indenização; c) honorários da parte adversa; e, d) despesas do processo.

Extrai-se de tal disposição normativa o claro propósito de buscar dar resposta adequada àquele litigante que, de fato, afronta à postura desejável no processo dialético. A condenação de que trata pode ser deferida ex officio pelo juiz ou pelo tribunal, o que bem evidencia o espírito construtivista de se imporem limites éticos ao processo, velando pela lealdade e probidade. Procede a observação de Carreira Alvim ao referir que "o objetivo do preceito é prestigiar a lealdade processual e a boa-fé" [61].

É possível cumular-se a indenização, a multa e as despesas, porquanto cada uma delas tem natureza jurídica diversa.

A condenação em multa de 1% sobre o valor da causa possui, particularmente, natureza punitiva [62] e reflete o aspecto moral de repreensão contra o agente faltoso [63], independentemente de o fato por ele cometido ter causado dano ou não.

Além da multa, o juiz, de pronto, poderá condenar o litigante ímprobo a pagar uma indenização em importância não superior a 20% ao valor da causa, ou remeter os prejuízos para liquidação por arbitramento (art. 18, parág. 2º.).

Essa indenização tem sido fonte de divergências no meio jurídico, muito especialmente no que pertine a sua natureza jurídica. Calha referir que o próprio Superior Tribunal de Justiça já chegou a registrar que a mesma teria caráter de multa [64] ou de pena pecuniária [65].

Segundo nossa concepção, trata-se de indenização propriamente dita. Diz respeito, justamente, à reparação do prejuízo ao direito do litigante adverso de ter um processo desenvolvendo-se, de forma digna, no estrito tempo em que necessário e dentro da lealdade. A indenização será arbitrada em percentual sobre o valor da causa, levando em conta o dano que a atitude ímproba ocasionou ao andar do processo. Ora, se o processo é o instrumento para o alcance do direito material, tendo por propósito entregá-lo a quem faz jus da forma mais rápida, efetiva e menos onerosa possível, obviamente que, não cumprindo tal desiderato em razão de atitudes descabidas realizadas por um dos litigantes em prejuízo do outro, deve haver obrigação daquele de compensar este.

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A indenização tem por fundamento o prejuízo experimentado pela parte em face do protelamento no desenrolar da lide (prejuízo à administração da Justiça [66]), ou seja, indeniza-se a injusta procrastinação que o ato malévolo causou, pouco importando que a decisão da lide seja favorável ao agente ou não [67], uma vez que a indenização se origina do dano ao direito de ter prestação jurisdicional efetiva, nada tendo a ver com o mérito da lide.

Muito embora não haja previsão legal, a teor do que ocorre no direito italiano (art. 88 e 92) [68], a doutrina e a jurisprudência são absolutamente convergentes ao sustentarem que a penalização por litigância de má-fé pode ser aplicada ao vencedor da causa [69], já que aquela está fulcrada no comportamento desleal durante o processo, e não no seu resultado final. O fato de se ter vencido a ação não faz desaparecer o ato reprovável que prejudicou a tramitação da mesma, violando o direito da parte adversa de ter um processo rápido, ainda que desfavorável.

Destarte, para que haja condenação ao pagamento de indenização em face de litigância de má-fé basta que seja possível se verificarem prejuízos ao processo, originários daquela conduta, vale dizer, que se denote dano ao desenrolar do feito, violando o direito subjacente de todo litigante de ver a causa ser resolvida da forma ética e honesta. [70] A mera demora no desfecho da ação decorrente da interposição de recurso manifestamente infundado ou procrastinatório por uma das partes, por exemplo, configura dano ao direito da adversa, cabendo aplicação da condenação, a requerimento ou ex officio.

Em outras palavras, o juiz, ponderará a conduta desleal e ímproba do agente e, verificando o prejuízo ao desenvolvimento hígido do feito, emitirá juízo de reprovação punindo o ofensor, revertendo a pena a favor da parte adversa que, a fortiori, suportou os efeitos do ato (representados pela procrastinação, criação de dificuldades ao esclarecimento dos fatos, etc.).

A indenização deverá ser arbitrada de forma capaz a compensar o litigante que teve furtado o seu direito de ter prestação jurisdicional efetiva e rápida, ao mesmo tempo em que apresenta caráter punitivo e pedagógico ao ofensor.

O prejuízo será aferível pelo juiz com base nos elementos constantes nos próprios autos. Verificando quais foram os efeitos da atitude desqualificada perante o escorreito tramitar da lide, fixará indenização proporcional ao dano constatado. Ora, se a atitude desleal simplesmente protelou o feito, a indenização será uma; se o ato, além de protelar o processo, induziu o juiz em erro no deferimento de uma prova desnecessária, trazendo com isso notável tumulto à lide, sem dúvida a pena será outra. Nesses termos, prudente foi a referência do legislador no tocante ao arbitramento em percentual variável, aferível a cada situação.

Prudente também se afigurou a fixação de multa, independentemente de indenização, porque, se o ato desleal não causou prejuízo algum ao desenvolvimento do processo, não restará o litigante ímprobo impune, na medida em que, muito embora não responda pela indenização [71], responderá ao menos pela multa.

Aliás, segundo o STJ "se o fato, que seria ensejador de má-fé processual, não causou, no caso, qualquer prejuízo às partes quer ao processo, não há identificar ofensa aos arts. 18 e 22 do CPC", pela não-fixação de reparação [72].

Havendo dano à tramitação do processo e sendo arbitrada indenização de pronto, ou remetida para fase liquidatória (caso as extensões dos danos à lide tenham sido complexos), sem dúvida tal fato não afeta o direito de a parte prejudicada pelo ato desleal deduzir ação autônoma buscando perdas e danos decorrentes, não do prejuízo ao processo, mas daqueles verificados fora dele.

Em outras palavras, pode-se afirmar que o fato de a parte litigante de má-fé ter sido condenada, nos termos do art. 18, ao pagamento de multa e indenização, não retira o direito de a vítima buscar, não obstante o pagamento da condenação processual aludida, perdas e danos, derivados da conduta desautorizada, que se encontram fora do processo e que, por tal razão, não foram objeto de apreciação pelo juiz no momento de arbitrar o valor da indenização. [73]

A condenação fixada nos termos do art. 18 refere-se, de regra, somente aos danos processuais, e é por tal razão que, inclusive, recebe limitação com base nos valores constantes do processo, expressos no valor da causa. [74] Danos outros que não ao "direito ao processo efetivo", podem ser buscados em ação própria e, quanto a eles, obviamente não há limitação ao valor da causa, até porque, se assim houvesse, ter-se-ia afronta ao princípio da restitutio in integrum e enriquecimento sem causa por parte do ofensor.

Além da multa e da indenização, pela litigância de má-fé responderá a parte faltosa com os ônus dos honorários advocatícios e das custas processuais, proporcionais à falta. Mesmo vencedor na ação, o litigante ímprobo deverá adimplir com os honorários do advogado da parte adversa, derrotada, proporcional ao trabalho por ela desenvolvido contra a atitude desleal, a teor do que se verifica também no direito português [75].

Sendo dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa ou de acordo com sua participação no ato danoso. A condenação, outrossim, não sendo possível individuar as participações malévolas, será solidária entre os partícipes.

O beneficiário da assistência judiciária gratuita responde pelas perdas e danos, tanto os verificados no processo, quando os denotados fora dele, já que tal benefício se refere unicamente à isenção de custas e honorários advocatícios, nada tendo a ver com indenização e multa.

A imposição da condenação por litigância de má-fé depende do subjetivismo do juiz ou tribunal, todavia recebe linhas condutoras na legislação e, principalmente, na correta compreensão do que seja lealdade processual e abuso de direito. Há limites que devem ser observados pelas partes, sob pena de se transformar o Judiciário num palco de teratologias e até mesmo inviabilizá-lo no cumprimento de seus propósitos.

Nesse diapasão, absolutamente equivocado parece-nos o julgado: "A pena de litigante de má-fé não se aplica a quem ingressa em juízo para reclamar a prestação jurisdicional ainda que absurda, tendo em vista o direito que todos têm de provocar a manifestação do Poder Judiciário quando se sintam lesados." [76]

4.3. Multa por atentado ao processo de execução

A fim de garantir maior efetividade ao processo de execução, cujo objetivo é realizar o adimplemento forçado de uma obrigação, com natural deslocamento patrimonial, previu o legislador possibilidade de aplicação de pena mais severa do que as constantes no art. 18 do Código ao litigante que comete certos atos a fim de frustrar ou dificultar o resultado final da ação, configurando-se como litigante desleal.

O reforço legislativo é fruto de situação de há muito observada pela doutrina [77] no sentido de que "a execução é campo fértil para as chicanas, por via de procrastinações e formulação de incidentes infundados."

Conforme bem expõe Teori Albino Zavascki [78], "o emprego, pelo demandado, de malícia, de ardis, de artifícios, para fugir à execução, não constitui certamente ato enquadrável, legitimamente, no âmbito de qualquer das cláusulas constitucionais do devido processo legal", muito pelo contrário, devendo, por tal razão, ser reprimido.

No próprio livro II do Código, referente ao processo de execução, nesta senda, estabeleceu-se a possibilidade de o juiz, verificando a ocorrência de determinadas atitudes, cuja essência revela atentado à prestação jurisdicional, aplicar multa pela deslealdade em montante equivalente a até 20% do valor atualizado do débito em execução.

Dentre os atos do executado tidos por repreensíveis, se encontram, no art. 600, os de: I) fraudar a execução (art. 593); II) opor-se maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos; III) resistir injustificadamente às ordens judiciais; IV) não indicar ao juiz onde se encontram os bens sujeitos à execução.

O rol acima referido nos parece exaustivo [79], sendo que qualquer outra atitude de má-fé do executado fora das prescrições nele referidas não poderá ser penalizadas com multa no percentual de 20% (vinte por cento), mas, no máximo, em 1% (dez por cento), sem prejuízo de indenização, de acordo com a disposição do Livro I do Código (art. 18), que se aplica subsidiariamente.

O propósito de tal pena do art. 600 ao executado, ainda que, em um primeiro momento, possa parecer ser o de puni-lo, como ocorre com aquelas dos arts. 14 e 18 do Código, em verdade não é. O real desiderato é forçar a cooperação do devedor e propiciar a satisfação do direito do credor, tanto é que prevê o parágrafo único do art. 601: "O juiz relevará a pena, se o devedor se comprometer a não mais praticar qualquer dos atos definidos no artigo antecedente e der fiador idôneo, que responda ao credor pela dívida principal, juros, despesas e honorários advocatícios." Poder-se-ia afirmar que, antes de recriminar, o art. 600 teria por finalidade dissuadir atos ilícitos, afigurando-se modalidade sui generis de "tutela de inibição" ou "tutela de remoção do ilícito".

Por tal razão é que a doutrina tem observado que, antes de aplicar a multa, deve o juiz atentar para o art. 599, I, isto é, deve advertir o devedor sobre seu comportamento, dando-lhe oportunidade para desfazer os atos. Araken de Assis, a propósito, refere que "a aplicação da pena de multa reclama procedimento gradativo" tendo o juiz que "advertir o devedor que seu ato é reprovável", somente aplicando a multa em um segundo momento, caso não desfaça o ato. Somente após observada a ampla defesa, "a teor da cláusula inicial do art. 601, caput, incidirá multa e se originará o dever de indenizar." [80]

Nesse diapasão, diferem as sanções dos arts. 14 e 18 com a do art. 600. As primeiras, de início, punem o ato desleal. Já essa tem a perspectiva de desfazer ou tornar sem efeito a atitude do jurisdicionado a partir de sua própria colaboração, garantindo também o resultado profícuo à ação executiva, por meio de indicação de fiador, somente apenando o réu se assim não agir.

Apenas se o executado não se redimir, a multa incidirá como verdadeira sanção. Quando nessa hipótese, o juiz levará em conta, não necessariamente a existência ou montante do dano que o credor (a favor de quem reverte a multa) possa ter sofrido, mas sim a gravidade da culpa ou do dolo com que agiu o devedor. [81]

A multa do art. 600 se cumula àquela do art. 14, bem como com a indenização de que trata o art. 18, já que possui natureza jurídica diferente. Não se cumula, todavia, com aquela multa do art. 18, sob pena de constituir-se bis in idem.

Infelizmente, o art. 600 do CPC tem sido interpretado com um certo ceticismo pelos tribunais que têm deixado de aplicar multa, por exemplo, ao executado que não indica onde se encontra o seu patrimônio penhorável, sob a alegação de que teria ele tal direito. O argumento utilizado tem sido de que a única penalidade, pela não-indicação, seria a preclusão quanto à indicação, não podendo impugnar os bens apontados pelo credor.

Data venia, não se nega o direito de o devedor não nomear bens à penhora, todavia isso não se confunde com sua negativa de salientar onde se encontram os bens penhoráveis. Há dever de colaboração e lealdade do executado, enquanto jurisdicionado. O argumento segundo o qual o réu não responderia por multa pela não-indicação de bens, sujeitando-se meramente à preclusão de não poder impugnar aqueles nomeados pelo credor, permissa venia, não encontra respaldo lógico. A multa deve incidir pelo fato de o réu não colaborar já que se configura como ato abusivo o conhecimento do patrimônio e a negativa de sua apresentação, em claro intuito de, no mínimo, procrastinar a prestação jurisdicional. [82]

Nesses termos, não se concorda com o posicionamento exteriorizado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "o executado não está obrigado a relacionar seus bens passíveis de penhora, sob pena de sofrer a multa do art. 601 do CPC" [83] porquanto, data venia, entendimento nesse sentido representa um desserviço à efetivação da justiça.

Frise-se, na nossa concepção: é direito do devedor não escolher bens para indicar à penhora, todavia não é direito seu deixar de colaborar apresentando ao juízo o rol de bens que possui a fim de que o credor, que deseja satisfazer seu direito, possa fazer a indicação em menor espaço de tempo e a menor custo.

Não há o mínimo sentido em permitir que o executado não colabore com a prestação jurisdicional executiva, em claro ato de abuso de direito e prejuízo à sociedade que arca com os custos de um processo que, por capricho, se estende no tempo, penalizando severamente o credor que, muitas vezes, já se encontra em juízo há anos esperando receber o que de direito.

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Sobre o autor
Márcio Louzada Carpena

advogado em Porto Alegre (RS), mestrando em Direito Processual Civil pela PUC/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARPENA, Márcio Louzada. Da (des)lealdade no processo civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1764, 30 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11218. Acesso em: 28 mar. 2024.

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