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O pronunciamento de ofício da prescrição e o processo do trabalho

Agenda 19/05/2008 às 00:00

RESUMO: O trabalho destina-se a analisar a influência da nova regra do art. 219, § 5°, do CPC no processo do trabalho, à vista da polêmica doutrinária e jurisprudencial quanto à declaração de ofício da prescrição.

PALAVRAS-CHAVE: Prescrição. Pronunciamento. Processo. Trabalho.

SUMÁRIO: 1. Considerações preliminares; 2. Prescrição: conceito e natureza jurídica; 3. Novo regime processual da prescrição; 4. Panorama da prescrição no processo do trabalho; 5. Conclusões.


1. considerações preliminares

O instituto da prescrição sofreu uma sensível modificação a partir da reforma introduzida pela Lei 11.280/2006, que deu nova redação ao § 5° do art. 219 do CPC, e também revogou o art. 194 do Código Civil.

Basicamente, o legislador alterou o sistema de pronunciamento da prescrição, que antes exigia a alegação da parte interessada e, a partir de então, passa à esfera das matérias que podem (ou devem) ser enfrentadas pelo juiz, de ofício.

Com efeito, dispõe o atual § 5° do art. 219 do CPC que "o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição".

Tem este estudo o objetivo de contribuir para o debate que se instalou na doutrina acerca da repercussão dessa modificação legislativa no âmbito do processo do trabalho; todavia, sem a intenção de exarar juízos absolutos e infensos a reconsiderações.


2. prescrição: conceito e natureza jurídica

É fundamental que se tenha sempre em mente a compreensão do instituto analisado, em seu conceito e sua natureza jurídica. Essa atividade inicial fixa premissas que sustentam o desenvolvimento do estudo e suas conclusões.

A prescrição, desse modo, pode ser entendida como a extinção de uma pretensão de direito subjetivo, em razão do decurso do prazo fixado em lei para exercício do direito de ação [01].

Assim, referiu-se a:

a) extinção de uma pretensão, porque a prescrição afeta tão-somente a pretensão (a exigibilidade de satisfação do direito em face de um devedor determinado), e não o direito material. O titular do direito perde a prerrogativa de exigir-lhe a satisfação por parte do devedor, mas não perde, em verdade, o próprio direito; o decurso do prazo prescricional atribui a essa relação jurídica o caráter de obrigação natural [02].

b) de direito subjetivo, apesar de constituir, a rigor, expressão redundante. Somente os direitos subjetivos geram ao seu titular uma pretensão, ao contrário dos direitos potestativos, cuja satisfação depende unicamente de ato a ser praticado pelo próprio titular [03]. Desse modo, quando se tratar de direito potestativo, não se há de falar em prescrição, uma vez que inexiste pretensão a ser exercida.

c) prazo fixado em lei para exercício do direito de ação, pois é da essência da prescrição o respeito a prazo de lei, que nesse ponto é norma cogente às partes (CC, art. 192).

Pode-se, inclusive, traçar um paralelo entre a prescrição e a decadência, segundo o qual a primeira incidiria sobre direitos subjetivos, enquanto a segunda, sobre direitos potestativos. Embora não seja esse o objetivo deste estudo, cabe referir, de passagem, que a decadência fulmina o próprio direito da pessoa, e não apenas a sua pretensão (até porque, reiterando, em direitos potestativos não existe pretensão).

Quanto à natureza jurídica, a prescrição era tradicionalmente considerada uma exceção, isto é, uma matéria de defesa do réu, preliminar ao mérito propriamente dito (CPC, art. 269, IV). Como tal, era vedado ao juiz pronunciá-la de ofício, pois dependia de iniciativa da parte interessada, ao contrário do que ocorre com as chamadas objeções, que são matérias das quais o juiz deve conhecer de ofício (CPC, art. 267, § 3º).

Isso até a vigência da Lei 11.280/2006.


3. NOVO regime processual da prescrição

Como foi visto, a prescrição sempre foi entendida como matéria de defesa do réu. Como tal, a primeira característica do instituto era a necessidade de alegação da parte beneficiada, sem a qual o juiz não poderia pronunciá-la.

Em suma, a prescrição, diferentemente da decadência, não era uma objeção, e sim uma exceção, em sentido material [04].

Apesar disso, embora tendo a natureza de exceção, sempre pôde a prescrição ser alegada em qualquer grau de jurisdição (CC, art. 193), ou seja, não havia preclusão, caso não constasse na contestação. Todavia, a jurisprudência interpretou essa norma de maneira a limitar a possibilidade à chamada instância ordinária, isto é, na primeira e segunda instâncias. Conseqüentemente, não se admite a alegação de prescrição em sede de recurso de natureza extraordinária (recurso extraordinário, recurso especial, recurso de revista, dentre outros) [05].

Pois bem.

A partir da vigência da Lei 11.280/2006, o regime processual da prescrição modificou-se sensivelmente. E, com isso, sua própria natureza jurídica foi substancialmente modificada. Esse é um fato que se deve reconhecer. O legislador de 2006 mudou a natureza jurídica da prescrição, a qual, a partir de então, tornou-se mais semelhante à decadência.

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A prescrição, de acordo com a nova regra do § 5° do art. 219 do CPC, deve ser declarada de ofício pelo juiz. Isso não é pouco. Ao dizê-lo, o legislador transformou o instituto da prescrição, de exceção em objeção. A prescrição deixa de ser matéria que deve ser alegada pelo réu e passa a exigir um pronunciamento de ofício do magistrado, assim como ocorre com as questões relativas às condições da ação e pressupostos processuais (CPC, art. 267, § 3°). Passou a ser, pois, matéria de ordem pública.

Se isso foi bom, ou justo, é uma questão de valoração subjetiva; o problema da crítica à lei em tela deve resumir-se à sua validade constitucional. E quanto a isso não parece haver argumentos contundentes.

A prescrição, aliás, nunca foi um instituto associado ao valor justiça, mas sim ao valor segurança. O argumento da injustiça, portanto, não é apto a fundamentar a alegação de invalidade da lei em exame. Com efeito, sempre que se declarar a prescrição em determinado caso concreto, a sensação de potencial injustiça ficará ínsita; por ser preliminar ao mérito, essa declaração será exarada em momento logicamente anterior a se saber se o autor é, de fato, credor, ou seja, detentor do direito material pleiteado. É sempre possível, em tese, que se esteja negando a tutela jurisdicional a quem realmente a mereceria, não fosse o decurso do tempo, que lhe extinguiu a pretensão.

Esse é um ponto importante na análise do tema, pois se observa que muitos não concordam com a declaração da prescrição de ofício (em especial no processo do trabalho) justamente por não a reputarem uma medida justa.

E realmente não é.

Ocorre que, assim como declarar a prescrição de ofício não é justo, declará-la em razão de alegação da parte tampouco o é. Ou seja, sempre que se falar em prescrição, necessariamente se estará afetando o ideal de justiça, pois se este último valor fosse tomado como absoluto por um sistema de direito, certamente esse sistema repeliria a prescrição em qualquer hipótese.

Em suma, a prescrição não pode ser afastada (ou seu pronunciamento de ofício) em razão de sua injustiça, pois se trata de um instituto que precipuamente limita a justiça em prol da segurança jurídica. Por outras palavras, não pode ser admitido como argumento contra o instituto um predicado que lhe é inerente (no caso da prescrição, a injustiça), sob pena de se incidir em tautologia.

A essa altura, cabe refletir acerca da finalidade da reforma legislativa, ou seja, que objetivos a moveram. Por que, afinal, incumbir o juiz de declarar a prescrição de ofício?

Em cotejo com o sistema processual brasileiro como um todo, parece bastante claro que o objetivo da reforma é primar pela celeridade do processo. E esse objetivo é alcançado numa perspectiva ampla, uma vez que o tempo que se perde com um processo cuja pretensão está prescrita afeta os demais processos. Por outras palavras, busca-se solucionar mais rapidamente um maior número de processos, ainda que, em alguns casos, com o simples pronunciamento da prescrição.

Nesse contexto, inclusive, o próprio legislador constituinte demonstrou sua preocupação com uma maior rapidez na solução dos processos judiciais, o que se vê pela inclusão do inciso LXXVIII no art. 5° da Constituição da República, por meio da EC 45/2004 [06].

Diante disso, percebe-se que a prescrição atualmente tem, no direito brasileiro, uma natureza e um regime substancialmente distintos dos que tinha até a vigência da Lei 11.280/2006. Esse regime contraria a tradição do direito brasileiro, e manifestamente não prima pela busca da justiça. Isso, todavia, não implica necessariamente sua inconstitucionalidade, e por isso não há de se falar em recusa à sua aplicação.


4. panorama da prescrição no processo do trabalho

A primeira premissa que deve ser fixada nesse momento é a subsidiariedade do direito civil e do processo civil no âmbito trabalhista, a teor dos arts. 8º e 769 da CLT. Assim, as lacunas do direito do trabalho e do processo do trabalho são preenchidas pelas normas e pelos institutos do direito comum, ou seja, do direito civil e do processo civil.

Nesse contexto, a prescrição é exemplo de instituto que não é regulado pelo direito do trabalho; daí por que deve ela ser aplicada tal qual se encontra delineada pela lei civil (CC e CPC). Aliás, essa afirmação não traz novidade alguma. A prescrição sempre foi regulada pelo direito comum e sempre foi aplicada no direito do trabalho segundo esse regime.

Em síntese: não existe "prescrição trabalhista", a par da prescrição do direito civil. A prescrição é um instituto só, que é regulado pelo direito civil e assim aplicado no direito do trabalho. O direito do trabalho possui um regime específico quanto ao prazo de prescrição (CF, art. 7º, XXIX), mas não quanto à prescrição em si.

Essas premissas são importantes para a análise do cabimento da declaração de ofício da prescrição no processo do trabalho, uma vez que sobre isso a divergência doutrinária é bastante significativa.

Em síntese, a negativa de aplicação ao processo do trabalho do § 5° do art. 219 do CPC funda-se basicamente: a) na ausência de omissão no ordenamento jurídico-trabalhista; e b) na incompatibilidade dessa norma com os princípios do direito do trabalho [07].

Equivocados esses argumentos, data venia.

Em primeiro lugar, a omissão do direito do trabalho quanto ao instituto da prescrição é evidente. Tanto que, notoriamente, o citado art. 219, § 5°, sempre foi aplicado ao processo do trabalho, em sua redação anterior, quando vedava ao magistrado conhecer de ofício da prescrição patrimonial. É óbvio que, agora, com sua nova redação, não se pode deixar de aplicar o dispositivo, pelo menos com esse fundamento.

Já a questão da incompatibilidade com os princípios do processo do trabalho deve ser analisada após uma certa reflexão. Ora, a prescrição, como já foi exposto linhas acima, é um instituto vinculado ao valor segurança, e não ao valor justiça. Assim, é fácil perceber que, sob o prisma da justiça, a prescrição não seria compatível com o direito do trabalho, assim como também não seria compatível com o próprio direito civil, ou qualquer outro.

A previsão e aceitação universal das normas de prescrição se devem unicamente à perspectiva da segurança jurídica. Por isso, o argumento de que não se aplica a nova regra ao processo do trabalho por possuir este (ou o direito material do trabalho) um caráter protetivo, ou pela natureza alimentar da maior parte dos créditos aí cobrados, é frágil.

Aliás, essa tensão da prescrição com a justiça não tem seu máximo expoente no direito do trabalho, mas sim no direito de família. As pensões alimentícias, por definição, destinam-se estritamente à sobrevivência do credor; não obstante, são prescritíveis (CC, art. 206, § 2º) e, logicamente, sua prescrição será pronunciada de ofício pelo juiz.

Na verdade, o argumento da incompatibilidade parece esconder um mero sentimento de injustiça frente à lei, o qual, apesar de razoável, é insuficiente. Afinal, está bastante claro que prescrição não tem nada a ver com justiça.

A referida norma é, portanto, compatível com o processo do trabalho, pela razão simples (e indiscutível) de que com este é compatível a própria prescrição como um todo (CF, art. 7º, XXIX).

Como se expôs linhas antes, a prescrição é uma só, e constitui um instituto inteiramente regulado pelo direito comum. Cabe aos operadores do direito do trabalho aplicá-la ao processo especializado, e pronunciá-la de ofício, até porque, se assim não fizerem, não existirá "outra" prescrição a aplicar. Não mais existe no direito brasileiro, frise-se, a prescrição que dependa de alegação do devedor.

Diz a respeito, em lúcida exposição, Gustavo Filipe Barbosa Garcia:

Na realidade, as críticas à nova redação do art. 219, § 5º, do CPC, ainda que pertinentes, encontram-se no plano de meras críticas à lei já aprovada e em vigor, podendo servir, no máximo, como sugestão ao legislador.

Não se pode confundir crítica ao Direito legislado com interpretação científica do Direito.

Pode-se até defender, apenas de lege ferenda, que a lei seja novamente alterada, retornando ao tradicional regime de que a prescrição necessitava de ser alegada para ser conhecida pelo juiz. O que não se pode é ignorar a realidade do Direito objetivo em vigor.

Assim, no plano da ciência jurídica, ao se propor a analisar e interpretar a atual previsão jurídico-normativa quanto à prescrição, embora seja possível não se concordar com a nova orientação adotada pelo legislador, o fato é que a lei ordena que ela seja conhecida de ofício pelo juiz, independentemente da natureza do direito material em discussão.

Sempre se aplicou a previsão do art. 219, § 5º, do CPC, inclusive no âmbito trabalhista. O mesmo prossegue quanto à sua atual redação. Se assim não fosse, ter-se-ia verdadeiro "vácuo" legislativo, pois não mais existe qualquer previsão, no ordenamento jurídico, de que o juiz depende ou necessita de argüição da parte para conhecer a prescrição.

Se a pretensão formulada, de acordo com o Direito objetivo, não é mais exigível, entendeu o legislador que assim seja considerado pelo juiz, mesmo de ofício, o que está em consonância, aliás, com os princípios da primazia da realidade, bem como da celeridade e economia processual. [08]

Fixada a aplicabilidade da regra ao processo do trabalho, há outro ponto que deve ser considerado.

Como se sabe, a prescrição comporta causas impeditivas, suspensivas e interruptivas de seu prazo (CC, arts. 197, 198, 199 e 202). Assim sendo, é razoável que o autor da ação tenha a oportunidade de demonstrar que uma dessas causas ocorreu e, por isso, sua pretensão não está prescrita.

Portanto, deve o juiz conceder ao autor uma oportunidade para justificar o aparente excesso de prazo na propositura da ação, antes, por óbvio, de pronunciar a prescrição. Tal postura se fundamenta, inclusive, nos princípios constitucionais do devido processo legal substancial e do contraditório (CF, art. 5°, LIV e LV).


5. conclusões

À vista das considerações que foram expostas, é forçoso reconhecer que a prescrição, hoje, é um instituto jurídico distinto daquele que era até o advento da Lei 11.280/2006. Sua natureza mudou. E essa natureza é (e sempre foi) delineada pelo legislador ordinário, o que leva a crer que, em linha de princípio, não há inconstitucionalidade material em se transformar a prescrição em instituto de ordem pública.

A sociedade, por meio de seus representantes parlamentares, optou por enfrentar a crise de lentidão das ações judiciais utilizando-se desse instrumento. Não é, certamente, o instrumento mais justo, e talvez não seja o mais eficaz; mas é, no momento, aquele democraticamente escolhido para ser aplicado.

Daí se concluir pela aplicação ao processo do trabalho da regra insculpida no § 5º do art. 219 do CPC, devendo o juiz do trabalho pronunciar, de ofício, a prescrição da pretensão trabalhista.


NOTAS

01 Código Civil, art. 189: Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206.

02 Por obrigação natural se entende aquela a cuja satisfação não está o devedor juridicamente obrigado, isto é, o cumprimento, embora não possa ser obtido pela coação estatal, não se considera mera liberalidade. Além da dívida prescrita, é exemplo de obrigação natural a dívida de jogo ou aposta (CC, art. 814).

03 Como exemplo de direito potestativo pode-se mencionar o decorrente da cláusula especial de retrovenda (CC, arts. 505 e seguintes).

04 Refere-se a "exceção em sentido material", uma vez que não se trata daquelas hipóteses de apresentação de exceção como espécie de resposta do réu (incompetência relativa, impedimento e suspeição – CPC, arts. 297 e 304). A nomenclatura está vinculada à tradição jurídica no sentido genérico de defesa, como consta, por exemplo, da expressão "exceção de contrato não cumprido" (exceptio non adimpleti contractus).

05 Súmula TST 153: Não se conhece de prescrição não argüida na instância ordinária.

06 CF, art. 5°, inciso LXXVIII : a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

07 Com esses fundamentos a 6ª turma do TST sinalizou o entendimento pela inaplicabilidade do § 5° do art. 219 do CPC ao processo do trabalho (RR 00404-2006-028-03-00-6, Relator Min. Aloysio Correa da Veiga).

08Prescrição de ofício: da crítica ao direito legislado à interpretação da norma jurídica em vigor. Publicada no Juris Síntese nº 65 - MAI/JUN de 2007.

Sobre o autor
Eduardo Rockenbach Pires

Juiz do Trabalho substituto em São Paulo (2ª Região)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Eduardo Rockenbach. O pronunciamento de ofício da prescrição e o processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1783, 19 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11280. Acesso em: 25 dez. 2024.

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