1. Introdução
Diante da inércia e relutância do Congresso Nacional em analisar e votar a aguardada Reforma Política seja pela falta de interesse político ou mesmo pela paralisação pelas centenas de Medidas Provisórias (MPs) editadas pelo Governo Federal, o Poder Judiciário tem sido provocado para fazer "judicialmente" a reforma do sistema político brasileiro, há muito desgastado.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF), quando instados a se manifestar, têm dado grande contribuição para o fortalecimento das instituições brasileiras e dos partidos políticos, a despeito da grande polêmica gerada diante de tais decisões.
Ambos apenas fizeram o seu trabalho, ao contrário do Poder Legislativo Federal que não o faz, seja porque apenas legisla em causa própria, seja porque está totalmente paralisado pela agenda do Poder Executivo, seja porque não possui força ou legitimidade política junto ao eleitorado brasileiro em decorrência dos escândalos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
2. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)
O STF, em sessão histórica, definiu que o mandato pertence aos partidos políticos. Eis os argumentos, válidos, que motivaram a decisão:
a) Pertencer a um partido político é condição de elegibilidade.
b) Durante a campanha, os candidatos se utilizam da máquina partidária, do horário da propaganda eleitoral e dos recursos financeiros do fundo partidário.
c) Sendo o cargo proporcional – vereador, deputados estadual e federal – apenas uma minoria consegue se eleger sem depender dos votos do partido.
Após a decisão da Suprema Corte, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução 22.610, que disciplinou o processo de perda de mandato eletivo bem como o de justificação de desfiliação partidária.
A Corte Eleitoral definiu as causas que autorizam a desfiliação partidária: Se o partido sofrer fusão ou for incorporado por outro; se houver mudança substancial ou desvio do programa partidário; ou ainda, ocorrer grave discriminação pessoal do mandatário. Nestes casos, a troca de partido é aceita por estar devidamente justificada. Foi rejeitada a hipótese de criação de novo partido como justa causa para o desligamento.
3. O político
O histórico da política brasileira está inteiramente ligado à personalização das campanhas, das gestões e atuações, diminuindo a importância dos partidos políticos.
É de fácil constatação que se faz política hoje no Brasil em torno de nomes/pessoas, ao invés de projetos de partidos políticos. Essa personalização pode ser observada através da história e mesmo atualmente com o enfraquecimento dos partidos políticos diante de tais personalidades, um verdadeiro desserviço à democracia brasileira.
Se analisados os argumentos da decisão acertada do STF pela fidelidade partidária percebe-se claramente que os políticos infiéis desrespeitam a Legislação Eleitoral e a Constituição Federal.
Há ainda uma discussão acerca da fidelidade partidária se aplicar aos cargos proporcionais e aos majoritários. A importância dos partidos políticos na eleição dos cargos proporcionais é mais nítida, entretanto da mesma forma deve ser nos cargos majoritários.
Nas eleições para cargos majoritários (prefeito, governador e presidente) os partidos usam como critério a popularidade, a empatia com os eleitores, a capacidade de formar alianças, o carisma para escolher o candidato.
Mas apenas essas características não são suficientes para o político disputar uma eleição. Primeiro ele deve está filiado a um partido que disponibilizará a máquina partidária para elegê-lo, promoverá alianças com outros partidos e disponibilizará o horário eleitoral do partido para o político. Ou seja, sem partido não há candidato e não há campanha eleitoral.
Nas eleições para os cargos proporcionais (vereador, deputados estadual e federal) a importância dos partidos políticos na eleição é indubitavelmente superior e muito mais desrespeitada.
São poucos os candidatos a vereador, deputados estadual e federal, que se elegem apenas pelos próprios votos, os chamados "puxadores de votos". De acordo com os dados da jornalista e cientista política Lúcia Hippolito, apenas 33 e 38 (respectivamente em 2002 e 2006) dos 513 deputados federais se elegeu dependendo apenas dos próprios votos.
É evidente a constatação da importância dos partidos para eleição para os cargos proporcionais. A dependência do político em relação ao partido ocorre em todo o país e em todas as eleições, é uma constante.
Para os políticos que não ocupam cargo eletivo o entendimento deve ser outro. A Constituição Federal assegura o livre direito de filiação partidária e deve ser respeitado. Quando eleito, no entanto, o político deve explicar aos seus eleitores os motivos da migração partidária. É assim que deve funcionar a democracia.
4. Os partidos políticos
A fidelidade partidária definida pelo STF veio ao encontro da defesa e do fortalecimento dos partidos políticos.
O aprimoramento do sistema político brasileiro se coaduna com o fortalecimento dos partidos, o que significa a clara diferenciação entre eles. Os eleitores devem receber todas as informações possíveis dos partidos e o posicionamento deles sobre temas polêmicos – aborto, união civil de homossexuais, reforma política – para optar por um deles nas eleições gerais que elegem os deputados federais e senadores.
É importante a diferença entre os partidos políticos também no que se refere à gestão governamental, como a posição do partido sobre o tamanho do Estado, a política tributária, etc.
Mas, ainda falando em fidelidade partidária, existem partidos políticos que podem ser considerados infiéis. Como é possível?
A infidelidade partidária de um partido é de fácil observação em eleições municipais ou estaduais. Sendo o Brasil um país de dimensões continentais, nas eleições gerais para governos estaduais pode se observar melhor como a infidelidade acontece.
O Brasil possui hoje cerca de 30 partidos registrados, contudo são quatro os principais: PT, PSDB, DEM e PMDB. É em torno desses que gravitam os outros partidos do espectro eleitoral brasileiro e são justamente estes os responsáveis pela infidelidade partidária.
Nas eleições os partidos se reúnem em coligações, geralmente, principalmente em torno dos quatro partidos citados acima. No entanto, a maioria das coligações não resiste ao dia da eleição, sendo formada uma ampla aliança partidária de apoio ao governo eleito completamente diferente do resultado eleitoral.
Todo governo tenta atrair o maior número de partidos para a base de apoio em nome da governabilidade, entretanto o que se observa na realidade é a corrida de partidos sem identidade para apoiar qualquer governo e assim assegurar a (pouca/pequena) força política que detém. Para apoiar o governo são negociados cargos na administração direta e indireta, principalmente as estatais e agências reguladoras, facilidade na liberação das emendas e obras nos redutos eleitorais dos integrantes do partido.
Todo governo tem o direito de formar a maioria nos parlamentos como forma de facilitar a aprovação dos projetos de lei de sua autoria, mas o que se observa no Brasil hoje são maiorias parlamentares baseadas em acordos fisiológicos, que exigem a cada momento, de um lado a prova da fidelidade dos integrantes do partido e do outro o governo negociando cada aprovação de projeto seu com liberação de emendas ou nomeação para cargos.
Os partidos médios e pequenos que gravitam em torno dos quatro grandes partidos acabam por historicamente ficar ligado a cada um deles de acordo com as realidades políticas de cada estado ou município. Os partidos e os governos são livres, e assim devem ser para fazer acordos e formar alianças.
A infidelidade de um partido pode ser constatada principalmente quando uma surpresa eleitoral acontece e, ao contrário do que se espera, o partido passa a gravitar eleitoralmente em torno do partido vencedor da eleição, antigo adversário, desconsiderando o histórico de relações partidárias. São esses partidos infiéis que recebem em seus quadros os políticos infiéis que passam a fazer parte da base do governo.
As negociações entre os partidos e os governos devem ser pautadas em projetos e em afinidades, o que infelizmente não ocorre. Sob a falsa demonstração de negociações institucionais entre partidos e governos, a formação das maiorias parlamentares ocorre através do mais puro fisiologismo político em troca de cargos nas secretarias – municipais e estaduais – e ministérios.
Uma das formas mais evidentes nas negociações é o que se chama na política de receber a secretaria/ministério com a "porteira fechada" ou "porteira aberta". Significa no primeiro caso o direito do partido nomear todos os cargos no órgão, obtendo total controle da pasta. Porteira aberta significa de outro modo que o partido tem o direito de nomear apenas o ministro ou secretário, os cargos restantes serão divididos entre os outros partidos da aliança.
Em nome da governabilidade, os governos terminam por impedir o funcionamento da oposição que, em alguns casos, passa a possuir um número tão insignificante de membros que juntos não reúnem votos suficientes para requerer a abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), um dos principais direitos da oposição. Em um parlamento que funciona plenamente, o governo e a oposição devem ter poderes e prerrogativas para atuar de acordo com as prerrogativas asseguradas pelo Estado Democrático de Direito.
5. Os eleitores
A infidelidade partidária não pode, e não deve ser observada apenas do ponto de vista dos partidos políticos sem esquecer dos eleitores.
A Constituição da República de 1988 é bem incisiva no art. 1º, § único:
"Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".
Os detentores de mandatos eletivos devem cumprir rigorosamente o importante preceito constitucional acima mencionado.
A fidelidade partidária não deve ser observada apenas na relação político/candidato x partido político, devendo o eleitor também estar incluído.
Quando um político troca de partido, migrando de um partido da oposição para da base (do governo municipal, estadual ou federal), a infidelidade não é registrada apenas em relação ao partido pelo qual foi eleito, mas, e principalmente, com o eleitor, e um flagrante desrespeito à vontade soberana das urnas.
Os candidatos aos cargos proporcionais – vereador, deputados estadual e federal – se vinculam a um outro candidato ao cargo majoritário – prefeito, governador e presidente – para as eleições e deveriam respeitar a decisão das urnas, o que não ocorre.
Nas eleições municipais, por exemplo, os candidatos a vereador de uma coligação que apóiam um candidato a prefeito, devem obedecer à vontade soberana das urnas e se colocar como base do governo, se ambos – vereador e prefeito – forem eleitos ou fazer parte da oposição quando apenas ele, vereador, se elege.
Os candidatos ao cargo proporcional não percebem, ou não querem perceber, a vinculação existente entre ele, o partido ao qual pertence e os eleitores.
Exemplificando ainda com as eleições municipais. O candidato a vereador faz campanha nos seus redutos junto com o candidato a prefeito apresentando-o como o candidato dele, assim como pede votos em comícios, nos programas eleitorais gratuitos na rádio e na televisão.
A vinculação se observa ainda no chamado "santinho do candidato", no qual as fotos do candidato a vereador e do candidato a prefeito aparecem juntas, da mesma forma que os números de ambos aparecem juntos nas chamadas "colas", que são papéis distribuídos aos eleitores para facilitar a votação na urna eletrônica.
Os candidatos ao cargo proporcional estão se comprometendo publicamente a apoiar aquele candidato ao cargo majoritário – fazendo parte da sua base de apoio - para o qual faz campanha, e se colocar como oposição caso o mesmo perca a eleição.
No nosso país normalmente os eleitores votam em candidatos da mesma "chapa" ou coligação, votando no vereador e no prefeito do mesmo partido ou coligação, nas eleições municipais.
Os políticos devem estar cientes de que é o resultado das eleições que define os papéis de cada um, de acordo como os mesmos se apresentaram durante a campanha eleitoral. É a vontade dos eleitores revelada nas urnas que decide quem ocupará os papéis democráticos de oposição e governo.
Ao migrar de um partido da oposição para a base, o político não apenas está sendo infiel ao partido, ele estar sendo infiel ao extremo aos eleitores, seus representados, e a vontade soberana das urnas, que decidiu democraticamente que o lugar dele é a oposição ao governo eleito.
Todo governo tem o poder de atração porque detém a máquina administrativa, além de todos os privilégios à disposição daqueles que o apóiam: cargos na Administração para parentes e aliados, preferência na liberação das emendas parlamentares (obras) e possibilidade maior de reeleição.
Tomando por empréstimo um termo da Biologia, um político que troca de partido para apoiar qualquer governo que seja eleito pode ser chamado de político-hospedeiro, ou seja, é um tipo de político que não conseguiria sobreviver sem fazer parte da base de um governo. Geralmente esses políticos integram partidos médios e pequenos sem expressão, trocam de partido a cada eleição para facilitar a reeleição e sempre apóiam qualquer governo eleito, migrando para a base de apoio sem qualquer cerimônia ou mesmo consulta aos seus eleitores.
Políticos-hospedeiros são facilmente encontrados no baixo clero dos parlamentos e são reconhecidos entre os seus pares por não apresentar projetos de relevância, ou simplesmente não apresentar projetos; são parlamentares que tem como péssima característica não freqüentar os parlamentos; da mesma forma que são conhecidos ser políticos que não costumam freqüentar a tribuna nem mesmo para defender o governo para o qual passou a fazer parte.
Os parlamentares infiéis estão desrespeitando os eleitores sob o falso argumento de que, fazendo da base governista, poderá trabalhar mais por eles. Na política nacional, contudo, a migração de um político para a base do governo ocorre por motivos não-republicanos, para utilizar um termo atual, mediante o pagamento de certa quantia em dinheiro (quem não ouviu falar em mensalão?) e na certeza de que ocupará pequenos espaços do poder, e todas as benesses decorrentes dele.
Para esse tipo de político é mais fácil ser governo, qualquer governo. Esses políticos profissionais (no pior significado da palavra) são reeleitos pelas constantes trocas de partido, por sempre estarem apoiando qualquer governo e contemplados pela injusta regra da proporcionalidade nas coligações partidárias no âmbito proporcional na qual, políticos com mais votos absolutos não conseguem se eleger porque outros foram eleitos graças ao grande número de votos dos "puxadores de votos".
Durante a campanha o candidato assume uma posição perante os eleitores, que de boa-fé, criam uma expectativa de sua atuação se ele for eleito. Não é proibido o político mudar de posição com relação ao governo ou mesmo trocar de partido, mas a migração geralmente ocorre logo após os resultados das eleições até pouco tempo após a posse do novo governo.
Os parlamentares devem possuir o mínimo dever ético e político de se comportar de acordo com o que se espera dele, ou seja, obedecer à vontade soberana das urnas e ser governo ou oposição.
O parlamentar infiel se apropria indevidamente dos votos que recebeu e os negocia como moeda de troca com o governo para o qual quer fazer parte. Os votos recebidos em uma eleição são do político, mas também do partido que ofereceu todo suporte para elegê-lo, não esquecendo os votos de legenda que ainda que sejam relativamente poucos, são considerados para a formação do quociente eleitoral do partido e coligação.
O mandato do parlamentar não é uma procuração em branco dos eleitores e que este é negociável. O mandato eletivo do parlamentar deve ser coerente com o que foi apresentado na campanha eleitoral e ser respeitado. Mas, se prestarmos um pouco mais de atenção, são estes políticos os processados eleitoralmente por compra de votos, propaganda irregular e uso indevido da máquina pública em seu favor.
O Brasil possui exemplos absurdos de infidelidade partidária. Enquanto na Bahia um deputado estadual que trocou de partido pelo menos 15(quinze) vezes, na Câmara de Deputados um deputado federal trocou três (três) vezes de partido em apenas um dia.
6. Conclusão
Apesar do avanço alcançado com a nova regra de fidelidade partidária, instituída no final de 2007, que trouxe consigo o fortalecimento institucional dos partidos políticos, o papel do eleitor, que deveria ser inserido no contexto continua ignorado. Cabe então, a cada eleitor, acompanhar de perto os passos dos políticos nos parlamentos e nos governos.
Enfim, a fidelidade partidária de um político pode ser um dos critérios utilizados pelos eleitores na hora de decidir em quem votar. No caso da eleição para os parlamentos (municipal, estadual e federal) o critério fidelidade partidária deve ser considerado prioritário. Como ficou demonstrado a fidelidade de um político não se relaciona apenas com os partidos, mas com o pleno funcionamento dos parlamentos e o papel fundamental dos eleitores na construção da Democracia.
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