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Uma análise dos reflexos da vulnerabilidade sobre a responsabilidade do consumidor

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Agenda 30/05/2008 às 00:00

JURISPRUDÊNCIA CONSULTADA

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma, REsp 85521/PR, rel. Min. José Delgado, j. 29.04.1996.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma, REsp 287849/SP, rel. Min Ruy Rosado de Aguiar, j. 17.04.2001.

RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Décima Oitava Câmara Cível, Apelação Cível nº 2006.001.42109, rel. Des. Roberto Felinto, j. 29.08.2006.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Quinta Câmara Cível, Apelação Cível nº 598427227, rel. Des. Carlos Alberto Bencke, j. 08.04.1999.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Décima Nona Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 599260437, rel. Des. Mário José Gomes Pereira, j. 03.08.1999.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n° 70004003455, rel. Des. Luiz Ary Vessini de Lima, j. 01.08.2002.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Nona Câmara Cível-Regime de Exceção, Apelação Cível nº 70000144626, rel. Desa. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, j. 29.10.2003.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Nona Câmara Cível, Apelação Cível nº 70007090798, rel. Des. Luís Augusto Coelho Braga, j. 19.11.2003.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Sexta Câmara Cível, Apelação Cível nº 70006322226, rel. Des. Cacildo de Andrade Xavier, j. 10.03.2004.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Sexta Câmara Cível-Regime de Exceção, Apelação Cível nº 70000840264, rel. Des. José Conrado de Souza Júnior, j. 02.06.2004.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Décima Quarta Câmara Cível-Regime de Exceção, Apelação Cível nº 70004429890, rel. Desa. Walda Maria Melo Pierro, j. 23.09.2004.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Nona Câmara Cível-Regime de Exceção, Apelação Cível nº 70004545729, rel. Desa. Leila Vani Pandolfo Machado, j. 10.11.2004.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Décima Quarta Câmara Cível, Apelação Cível nº 70008067506, rel. Des. Roberto Carvalho Fraga, j. 23.12.2004.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Nona Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 70012366506, rel. Des. Odone Sanguiné, j. 20.07.2005.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Nona Câmara Cível, Apelação Cível nº 70012335311, rel. Desa. Marilene Bonzanini Bernardi, j. 21.09.2005.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Décima Nona Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 70013189519, rel. Des. José Francisco Pellegrini, j. 13.12.2005.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Segunda Turma Recursal Cível, Recurso Inominado nº 71000870105, rel. Des. Eduardo Kraemer, j. 26.04.2006.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Décima Sétima Câmara Cível, Apelação Cível nº 70013609540, rel. Des. Alexandre Mussoi Moreira, j. 11.05.2006.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Nona Câmara Cível, Apelação Cível nº 70015979305, rel. Des. Odone Sanguiné, j. 25.10.2006.


Notas

  1. O presente trabalho foi concluído em 2006, e desde então se ressente de atualização. No entanto, creio que este pequeno descompasso com a evolução do direito nesse curto tempo não afeta os pontos defendidos aqui, pelo menos não de forma substancial. O artigo é essencialmente uma crítica à imagem atual que temos da vulnerabilidade e responsabilidade do consumidor, e creio que essa não será modificada em pouco espaço de tempo e tampouco decorrerá de algumas decisões isoladas ou inovações legislativas esparsas. No entanto, caso fosse revisto, algumas decisões teriam que ser incorporadas, como o REsp 476428, em que o conceito de vulnerabilidade tem um peso central para aplicar o CDC à pessoa jurídica, e provavelmente muitas outras caso eu voltasse à pesquisa. No entanto, essa desatualização das obras jurídicas é da natureza do próprio direito, e é assim que deve ser, pois o direito deve acompanhar as mudanças e novos anseios da sociedade. Cabe ao teórico e aplicador do direito utilizar os eventuais ensinamentos aqui adquiridos para auxiliá-lo nessa tarefa.
  2. UNGER, Roberto Mangabeira. Law in modern society. Free Press, 1976, p. 38 apud ELKINS, James R. The examined life: a mind in search of heart. The American Journal of Jurisprudence, v. 30, p. 155-187, 1985, p. 171.
  3. Esse acórdão servirá de guia por boa parte do trabalho. No entanto, ressalto, antes de qualquer coisa, que aqui não se estará analisando esmiuçadamente todos as questões que envolvem os litígios sobre tabaco. A questão do livre-arbítrio, da dependência e da coação exercida pela publicidade e pela nicotina é somente uma parte do problema, e, talvez, não seja a mais importante. Mas tais ações são um dos melhores exemplos para analisarmos exatamente o problema que me disponho a discutir aqui: a relação entre vulnerabilidade e responsabilidade.
  4. TJRS, Nona Câmara Cível-Regime de Exceção, Apelação Cível nº 70000144626, rel. Desa. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, j. 29.10.2003. No referido acórdão, portanto, tanto a possibilidade de não fumar é negada pela influência da publicidade, como também a possibilidade de parar de fumar, pela influência de substâncias viciantes presentes no cigarro.
  5. MEZAN, Renato. Quem está no comando? Revista Veja, São Paulo, 5 jan. 2005, p. 64. Embora concorde com Mezan, esse trabalho não abordará essa questão sob a ótica do Iluminismo. É inegável que o ideal de autonomia foi um marco essencial do Iluminismo, e que ele se incorporou de tal forma na identidade moderna que Charles Taylor o coloca como uma das fontes do "self" (TAYLOR, Charles. Sources of the self: the making of the modern identity, Cambridge, 1989, apud HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso. In: HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso. Tradução de Gilda Lopes Encarnação. Lisboa: Instituto Piaget, 1991, p. 177). No entanto, não é uma prerrogativa do Iluminismo e suas premissas a importância da responsabilidade do agente por suas escolhas e ações. Como ficará claro posteriormente, tal é essencial também na teoria da ação voluntária de Aristóteles, estendendo-se, inclusive, para a responsabilidade pelo próprio caráter.
  6. SAVATER, Fernando. As perguntas da vida. Tradução de Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 117.
  7. PECZENIK, Aleksander. Can philosophy help legal doctrine? Ratio Juris, v.17, n°1, p. 106-117, 2004.
  8. "The solution is that legal doctrine is based on platitudes and these platitudes are stable across cultural divergences." PECZENIK, Aleksander. Can philosophy...p. 114. Um exemplo de trivialidade dado por Peczenik é a negligência. Enquanto alguns defendem a visão clássica de desvio da normalidade, outros da eficiência econômica e outros da incerteza, todos concordam num ponto, e essa é a trivialidade: "the wrongdoer should be liable for his negligent acts." PECZENIK, Aleksander. Can philosophy...p. 114. Isso não quer dizer que todas são igualmente corretas ou que é arbitrário a escolha por uma ou por outra. O que Peczenik talvez queira reforçar somente é que, pelo fato do Direito ter que dar uma resposta, uma teoria terá que ser escolhida em detrimento de outra, sem que isso signifique que, para que isso seja feito, seja necessária a resolução cabal da controvérsia filosófica em torno do tema, nem que a aplicação de um conceito de uma maneira e não de outra resolverá essa questão.
  9. PECZENIK, Aleksander. Can philosophy....p. 113. Quero reforçar aqui que a aceitação dessa tese de Peczenik não precisa nos levar ao relativismo. É um fato que o Direito opera dessa maneira e que se mantém estável apesar das divergências teóricas devido a essas trivialidades. Mas isso não significa que podemos coerentemente defender uma ou outra visão dependendo da ocasião. Nesse trabalho, por exemplo, defendo que a visão aristotélica da voluntariedade e justiça tanto dá conta dos problemas de Direito Privado como justifica a existência de certos institutos. No entanto, embora acredite que ela é a que melhor faça isso, não a comparo com as outras tradições que discutem esses problemas. Para mais detalhes sobre isso, ver GORDLEY, James. Contract law in the Aristotelian tradition. In: BENSON, Peter (org.). The theory of contract law: new essays. Cambridge: Cambridge University Press, 2001, p. 265-334 e MICHELON JR., Cláudio Fortunato. Um ensaio sobre a autoridade da razão no direito privado. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. v. 21, p. 101-112, mar. 2002.
  10. LAMBERT-FAIVRE, Yvonne. L’éthique de la responsabilité. Revue trimestrielle de droit civil, p. 1-22, jan./mar. 1998, p. 3. Também sobre o problema do determinismo e sua relação com a responsabilidade, NAGEL, Thomas. Uma breve introdução à filosofia. Tradução de Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 49-63.
  11. "What may philosophy learn from law? The original suggestion was that it might learn the robustness of some familiar distinctions, judged from the way in which they behave under pressure, when the law ‘has to have an answer’." WILLIAMS, Bernard. Afterword: what has philosophy to learn from tort law. In: OWEN, David (org.). Philosophical foundations of tort law. New York: Oxford University Press, 2001, p. 493.
  12. Segundo WILLIAMS, Bernard. Afterword: what has philosophy...p. 494.
  13. Essa tese foi exposta primeiramente por Alexy em seu livro "Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica", e defendida posteriormente em vários artigos. Para uma boa síntese das discussões em torno dessa tese, veja-se ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. 3.ed. São Paulo: Landy, 2003, p.159-210.
  14. A tese do caso especial possui fundamentos essencialmente habermasianos e, nesse trabalho, a postura será eminentemente aristotélico-tomista. Contudo, ao citar de tal forma a tese do caso especial, não quero dizer que a estou endossando aqui integralmente. Embora já a tenha defendido alhures, creio que ela possui alguns problemas, principalmente quando Alexy defende algo como um "código de razão prática e jurídica" (ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2.ed. São Paulo: Landy, 2001, passim). No entanto, creio que, na sua formulação bem genérica que fiz, ela pode ser aceita sem necessariamente endossarmos todas as suas premissas habermasianas e sem incongruência com a defesa que aqui farei de vários pontos de vista com base em Aristóteles. Não voltarei a falar das semelhanças e diferenças entre essas duas perspectivas. Sobre isso, veja-se RENTTO, J.-P. Aquinas and Alexy: a perennial view to discursive ethics. The American Journal of Jurisprudence, p. 157-175, 1991.
  15. LISBOA, Sílvia. Um país em desacordo. Revista Amanhã, Porto Alegre, set. 2004, p. 49.
  16. LISBOA, Sílvia. Um país em desacordo...p. 50.
  17. Segundo LISBOA, Sílvia. Um país em desacordo...p. 50.
  18. FERRI, Luigi. La autonomia privada. Tradução de Luis Sancho Mendizabal. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1969, p. 7-8.
  19. PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982, p. 13.
  20. Nesse sentido, Joaquim de Sousa Ribeiro fala da "autonomia privada como instrumento jurídico da livre realização da personalidade individual" (RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato: as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. Coimbra: Almedina, 1999,p. 177) Também Konrad Hesse fala da autonomia privada e da liberdade contratual como os mais importantes pressupostos jurídicos da configuração autodeterminada e responsável da própria vida. Segundo HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. Tradução de Ignacio Gutiérrez Gutiérrez. Madrid: Civitas, 1995,p. 77.
  21. Segundo COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações. 9 ed. Coimbra: Almedina, p. 207.
  22. Segundo Antônio Junqueira de Azevedo, esse é o papel do plano da validade no negócio jurídico. Com relação às subdivisões da liberdade contratual, estas também são limitadas pela ordem jurídica. Por exemplo, ao escolher um tipo contratual, as partes devem estar cientes que da escolha do tipo deverá seguir a obediência a uma determinada forma e a proibição de estabelecer certas cláusulas, bem como a ciência de que certas disposições incidirão sobre o contrato independentemente de sua vontade, e nem todas poderão ser afastadas por esta (o que Junqueira de Azevedo chama de elementos categoriais inderrogáveis, como o consenso sobre coisa e preço, na compra e venda). Sobre o tema da validade, ver AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.41-49. Sobre como a existência desse tipo de disposições só pode ser explicada adequadamente por uma visão aristotélica, GORDLEY, James. The moral foundations of private law. The American Journal of Jurisprudence, v. 47, 2002, p. 9-11. Também a discussão de Gordley sobre tipos de contratos e termos naturais é muito semelhante com a discussão do Junqueira de Azevedo sobre elementos categorias derrogáveis e inderrogáveis, aqueles que pertencem à natureza do contrato, dos quais alguns podem ser afastados pela vontade e outros não. Ver, para isso, GORDLEY, James. The philosophical origins of modern contract doctrine. Oxford: Clarendon Press, 1992, 109s.
  23. AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 143.
  24. Segundo AMARAL, Francisco. Direito civil...p. 143.
  25. AMARAL, Francisco. Direito civil...p. 336.
  26. O conceito de liberdade negativa é de Isaiah Berlin, que o contrapõe ao de liberdade positiva. Essa distinção é feita em BERLIN, Isaiah. Dois conceitos de liberdade. In: BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma antologia de ensaios. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 229s. Como um exemplo de liberdade essencialmente negativa, Hayek: "(...) a liberdade pressupõe que o indivíduo tenha assegurada uma esfera privada, que exista certo conjunto de circunstâncias no qual outros não possam interferir". HAYEK, Friedrich August von. Os fundamentos da liberdade. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1983, p. 6.
  27. À autonomia privada corresponde também o princípio de que a pessoa pode tomar decisões desvantajosas, em prejuízo próprio, querendo ou não. É nesse sentido que é possível falar que à autonomia privada liga-se o princípio da auto-responsabilidade, como um corolário necessário.
  28. Em sentido semelhante, Betti: "a iniciativa privada é o aparelho motor de qualquer consciente regulamento recíproco de interesses privados." BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. Tomo I. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN, 2003, p. 64. E, mais adiante: "enquanto o direito subjetivo tem uma finalidade estática, de conservação e de tutela, o negócio jurídico tem, pelo contrário, uma finalidade dinâmica, de iniciativa e de renovação." BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico...p. 70. Radbruch faz uma oposição semelhante e muito interessante entre direito das coisas (estático) e direito ao crédito (dinâmico). Veja-se RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Tradução de Marlene Holzhausen. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 209-10.
  29. FERRI, Luigi. La autonomia privada...p. 348.
  30. Nesse sentido, são várias as referências. Para citar somente algumas: Stiglitz ("La autonomía de la voluntad designa, según su etimología, el poder que tiene la voluntad de darse su propia ley". STIGLITZ, Rubén S. Autonomía de la voluntad y revisión del contrato. Buenos Aires: Depalma, 1992, p. 9), Ferri ("La autonomía sería, (...) el poder de darse un ordenamiento." FERRI, Luigi. La autonomia privada...p. 333), Betti ("Também a autonomia privada configura um auto-regulamento, e até, ainda mais, um regulamento direto, individual, concreto, de determinados interesses pessoais, efetivado pelos próprios particulares interessados BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico...p. 72).
  31. AMARAL, Francisco. Direito civil...p. 336. No mesmo sentido, Ferri: "La autonomía privada no significa, pues, poder originario independiente (...), que no recibe de fuera la razón de su validez. El carácter no originario del poder en que se concreta la autonomía privada implica que no puede considerarse originaria o soberana tampoco la voluntad de los sujetos que establecen las normas negociales. No es que la voluntad privada cree derecho por sí o por fuerza propia." FERRI, Luigi. La autonomia privada...p. 52.
  32. Elas não têm poder de disposição, como já referi, com relação aos elementos categoriais inderrogáveis.
  33. Segundo Ferri, essa é a posição de PUGLIATTI. Nuovi aspetti del problema della causa dei negozi giuridici. In: Diritto civile, Metodo-Teoria-Pratica, Saggi, Milán, 1951 apud FERRI, Luigi. La autonomia privada...p. 9.
  34. No nosso ordenamento, essa previsão está no art. 425 do Código Civil: "É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código."
  35. Para Ribeiro, no caso de limites formais que, por exemplo, um contrato deve obedecer, não se trata de impedir a liberdade de se manifestar nesta ou naquela direção, mas unicamente de organizá-la. Veja-se RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 257.
  36. FERRI, Luigi. La autonomia privada...p. 5.
  37. BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico...p. 82.
  38. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 266-7. Francisco Amaral, entre outros, é da mesma opinião: "O negócio jurídico é o meio de realização da autonomia privada, e o contrato o seu símbolo." AMARAL, Francisco. Direito civil...p. 360.
  39. "(...) todo efeito jurídico se liga ao Direito em sentido objetivo; ainda o que é intencionalmente provocado (vontade do resultado) somente se produz porque e na medida em que a lei o admite." GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil...p. 276. No mesmo sentido, Francisco Amaral: "A vontade subjetiva esgota-se no momento em que o negócio se realiza, mas a normatividade começa quando o processo volitivo se acaba. Os próprios sujeitos podem, inclusive, nada mais querer, e, todavia, a declaração de vontade permanece eficaz e normativa. O testamento demonstra que a força vinculante do negócio jurídico não está na vontade subjetiva da parte, mas na vontade objetivada nas normas jurídicas que dele nascem." AMARAL, Francisco. Direito civil...p. 375.
  40. "A validade é, pois, a qualidade que o negócio deve ter ao entrar no mundo jurídico, consistente em estar de acordo com as regras jurídicas (‘ser regular’)." AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico...p. 42.
  41. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico...p. 124-5.
  42. Nesse sentido, a brilhante observação de Hayek, de que a liberdade deve ser fundamentada na ignorância do homem, nos limites da sua racionalidade, sobre o grande numero de fatores de que depende a realização dos seus fins. A liberdade é essencial, assim, para deixar espaço para o imprevisível.
  43. NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 231.
  44. Segundo Maria Celina Bodin de Moraes, "permanecem espaços abertos de liberdade mas esta liberdade (autonomia) é consentida e já não serve mais a definir o sistema de direito privado." MORAES, Maria Celina Bodin de. Constituição e direito civil: tendências. Revista Direito, Estado e Sociedade, nº15, ago./dez. 1999, p. 104 apud NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato...p. 231. Aqui poderia ser colocada a contraposição de Rosário Nicolò, para quem a aceitação de que a autonomia privada não constitui o centro deste sistema significaria não só a extinção do Direito Civil, mas também o fim, no plano ético e social, de valores ainda mais substanciais que investem a própria dignidade do homem como ser livre e dos quais o Direito Civil apenas constitui a forma jurídica. NICOLÒ, Rosário. Diritto civile. In: Enciclopedia del diritto, v. XII, p. 912-913 apud PRATA, Ana. A tutela constitucional...p. 84. Joaquim Ribeiro possui, igualmente, argumentos contundentes sobre a necessidade do Estado não intervir na esfera de domínio tipicamente privado, veja-se RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 238-9.
  45. O papel que tem a escolha na obra de Aristóteles, embora tenha uma certa relação com o exposto aqui, será abordado de maneira mais profunda mais adiante.
  46. STIGLITZ, Rubén S. Autonomía de la voluntad y revisión del contrato...p. 39.
  47. TJRS, Nona Câmara Cível, Apelação Cível nº 70012335311, rel. Desa. Marilene Bonzanini Bernardi, j. 21.09.2005.
  48. Há diversas situações, por certo, inclusive no Direito, em que o paternalismo é justificável. Seria inclusive difícil sustentar a própria existência da seguridade social sem recorrer a alguns argumentos paternalistas. Mas, no contexto da autonomia privada (e essas frases são desse contexto) seu uso é mais perigoso, e deve ser a exceção, não a regra.
  49. RODOTÀ, Stefano. 1987, 728s, apud GRISI, Giuseppe. L’autonomia privata: diritto dei contratti e disciplina costituzionale dell’economia, p. 170. No mesmo sentido, Sacco e De Nova: "Il contratto può servire per procurare al contraente un profitto. Questo contratto nom mette in gioco la personalità del contraente. In contratto del consumatore serve invece per acquistare un bene destinato al diretto soddisfacimento di un bisogno umano. Ogni limite alla libertà dell’acquirente diventa allora un limite al libero svolgimento della personalità. Se vietano a Tizio l’acquisto di un dato libro, di un dato abito, di un dato cibo, o l’accesso ad una data scuola, per imporgli l’acquisto di un altro libro, di un altro abito, di un altro alimento, o l’accesso ad una data scuola, sono in gioco i fondamentali diritti della persona." SACCO, Rodolfo e DE NOVA, Giorgio. Il contratto. Tomo Secondo. Turim: Utet, 2000, p. 17.
  50. SÓFOCLES. Édipo em Colono. In: A trilogia tebana. Tradução de Mário da Gama Kury. 11. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, 1124-1130.
  51. Tratamos muitas dessas questões de forma mais ou menos intuitiva. De certa forma, compartilhamos um padrão comum de julgamento quanto a elas. Em princípio, não haveria nenhum problema em proceder assim, já que o Direito opera sob uma base de pressuposições que não cabe, necessariamente, a ele problematizar. No entanto, em muitos casos difíceis, essa problematização é necessária para que possamos oferecer uma resposta satisfatória ao problema que temos à frente, e é impossível fazer isso sem investigar os fundamentos desses institutos. Creio ser necessária a inserção dessas questões num background maior, que possa fornecer critérios e conceitos refinados para lidar com esses temas: a doutrina aristotélica da ação voluntária. Utilizar Aristóteles, aliás, para resolver esse problema jurídico é perfeitamente coerente. Até porque o próprio filósofo, como enfoca Muñoz (MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade: ação, responsabilidade e metafísica em Aristóteles. São Paulo: Discurso Editorial, 2002, p. 74), quis chegar a uma definição satisfatória de voluntário que estivesse de acordo com as práticas morais e jurídicas ordinárias.

    Sobre como uma explicação aristotélica está implícita em muitos institutos e na maneira de operar no Direito, veja-se GORDLEY, James. Contract law in the Aristotelian tradition. In: BENSON, Peter (org.). The theory of contract law: new essays. Cambridge: Cambridge University Press, 2001, p. 265-334 e MICHELON JR., Cláudio Fortunato. Um ensaio sobre a autoridade da razão no direito privado. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. v. 21, p. 101-112, mar. 2002. Aliás, também é interessante como um dos nossos mais famosos manualistas, Francisco Amaral, concebe a ligação entre ação voluntária, ignorância, coação e responsabilidade. Ao longo do trabalho, ficará explícito que por trás dela subjaz um fundamento aristotélico: "Ação é o ato humano, voluntário e objetivamente imputável. Sendo humano, exclui os eventos da natureza. Voluntário, no sentido de ser controlável pela vontade à qual se imputa o fato. Excluem-se, portanto, os atos praticados durante o sono ou em outro estado de inconsciência (...) ou sob coação absoluta, porque não constituem ações em sentido jurídico, faltando-lhes a possibilidade de controle do agente, mas não se excluem os atos danosos praticados por distração. Imputável no sentido de poder ser-lhe atribuída a prática do ato. Considera-se imputável todo aquele que possui discernimento e vontade, liberdade para determinar-se. Não é responsável quem, no momento do fato, não tiver capacidade de entender ou de querer, como os absolutamente incapazes, salvo se o agente se tiver colocado, culposamente, nesse estado, sendo este transitório." AMARAL, Francisco. Direito civil...p. 531.

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  52. Outra ligação estaria no campo dos defeitos do negócio jurídico, especialmente o erro e a lesão. Também no âmbito da responsabilidade civil, já que "o ato ilícito (...) tem por elemento nuclear uma conduta humana voluntária, contrária ao Direito." CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 47.
  53. MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 17-19.
  54. Segundo ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Tradução de Mário da Gama Kury. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 200, III, 1, 1109b30-35. A partir de agora, me referirei a esta obra apenas como "EN".
  55. Veja-se EN V, 8, 1135a15-25 ("O que determina se um ato é ou não é um ato de injustiça (ou de justiça) é sua voluntariedade ou involuntariedade; quando ele é voluntário, o agente é censurado, e somente neste caso se trata de um ato de injustiça, de tal forma que haverá atos que são injustos mas não chegam a ser atos de injustiça se a voluntariedade também não estiver presente."). No mesmo sentido, ARISTÓTELES. The "art" of rhetoric. Tradução de John Henry Freese. Cambridge: Harvard University Press, 1946, I, 10, 1368b3 ("Let injustice, then, be defined as voluntarily causing injury contrary to the law.") e, da mesma obra, I, 13, 1373b4-5 ("Being wronged is to suffer injustice at the hands of one who voluntarily inflicts it, for it has been established that injustice is a voluntary act."). Também MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 21. Aliás, é comum, seja em comentadores de Aristóteles como em filósofos e dogmáticos do Direito (como Michel Villey, veja-se VILLEY, Michel. Esquisse historique sur le mot responsable. Archives de Philosophie du Droit, nº 22, p. 45-58, 1977, p. 56-58 e VILLEY, Michel. Filosofia do direito: definições e fins do direito; os meios do direito. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 54-96 e MARTINS-COSTA, Judith. Os fundamentos da responsabilidade civil. Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados, v. 93, p. 29-52, out. 1991, p. 46), não atentar à ligação que já existia entre voluntariedade e injustiça entre os gregos. Entre tais autores, é igualmente comum a consideração de que com a objetivação da responsabilidade civil estaríamos aplicando a teoria aristotélica da justiça que, para eles, não possui nenhuma conotação subjetiva. Mateus Baldin (BALDIN, Mateus de Campos. Aristóteles e os limites da objetividade da injustiça: observações sobre Ethica Nicomachea V, 9. In: Anais do V Colóquio Sul-Americano de Realismo Jurídico / II Congresso Sul-Brasileiro de Filosofia do Direito. (CD-ROM). Porto Alegre, 2006) refuta esses argumentos através de uma análise mais profunda do livro V da "Ética a Nicômacos", onde Aristóteles redefine o justo e o injusto, dando-lhes também uma conotação subjetiva.
  56. No art. 186 do CC ("aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito"), o voluntário e o negligente estão diferenciados. Essa distinção não deve turbar nossa visão do que é o voluntário em Aristóteles. O voluntário ali não significa somente o intencional (em termos jurídicos, o doloso). Também a ação negligente (cuja negligência possa ser imputada ao agente) é voluntária. Esclarecerei melhor esse ponto posteriormente. Voluntário e involuntário são correspondências quase perfeitas de hekúsion e akúsion, respectivamente, embora akúsion também possa significar não-voluntário. Não me preocuparei com esse conceito aqui. De maneira bem genérica, o não-voluntário é o mesmo que involuntário, mas, enquanto nesse há sofrimento, no outro o agente ou não sente pesar ou fica feliz com o resultado. Para uma explicação mais detalhada, ZANUZZI, Inara. Ação e responsabilização: uma análise da Ética Nicomaquéia III. 1-8. 1999. 167 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999, p. 37-39.
  57. Obviamente, nem toda responsabilidade civil se resume à analise da voluntariedade da ação do agente. Além da responsabilidade objetiva, que independe de culpa e tem lastro no risco assumido, ainda há a responsabilidade pelo preposto, pela guarda de animais, pela criança etc. Ou seja, a pessoa pode ser responsabilizada mesmo que ela não tenha praticado a ação. Embora também nesses casos a voluntariedade pode ser reportada à negligência na falta de vigilância.
  58. Segundo MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 49. De acordo com Martha Nussbaum (NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness: luck and ethics in Greek tragedy and philosophy. Cambridge: Cambridge University Press, 2001, p. 240-264), o método de Aristóteles procura "salvar as aparências", justificar a forma como vivemos, o modo como nos comportamos e a existência de certas instituições. Não é, entretanto, uma filosofia resignacionista ou que corrobora nossos preconceitos: partimos da realidade e de nossas convicções, mas estas podem se tornar falsas ao final do debate.
  59. WILLIAMS, Bernard. Afterword: what has philosophy...p. 494.
  60. Embora essa análise seja deveras interessante, principalmente para vermos de que forma a ética de Aristóteles, que possui reflexos jurídicos diretos, é construída como uma parte de uma investigação mais extensa do próprio movimento animal (segundo NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 265). Essa questão guarda, inclusive, uma certa ligação com a posterior discussão sobre a vulnerabilidade, pois ao Aristóteles (ao conectar o movimento humano com o movimento animal) não separar radicalmente o homem do animal, ele liga o homem também àqueles aspectos de animalidade que o tornam vulnerável: sua fragilidade, mortalidade, dependência dos outros etc. Segundo Nussbaum, dessa forma, "animals look less brutish, [and] humans more animal." NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 276.
  61. WILLIAMS, Bernard. Afterword: what has philosophy...p 495. Essa verdade, diz ele, pode ser recuperada estudando o Direito na prática, vendo como a idéia de voluntariedade se dá na prática. "The pressures that the law applies can in this case help philosophy to see what common sense morality and philosophy’s own arguments on these subjects can help it to overlook, that the concept of the voluntary adds up to not much more than we are offered by its surface criteria, by which a voluntary act is, roughly, an intentional aspect of an act done in a normal state of mind." WILLIAMS, Bernard. Afterword: what has philosophy...p. 495. Embora concorde com Williams que um certo exagero na análise da voluntariedade não adiciona nada ao Direito, sua posição parece ser ainda mais radical, de que qualquer investigação mais profunda desse conceito é irrelevante. Como já referi, tal análise pode tanto ser útil como uma explicação mais profunda das nossas práticas e instituições jurídicas, como muitas vezes pode ter um papel prático, auxiliando o jurista a ver se a ação é voluntária ou não. Como ficará mais claro com a análise de alguns casos, um conceito equivocado de voluntariedade parece estar por trás de muitas decisões envolvendo tabagismo.
  62. Farei poucas referências à "Magna Moralia" (ARISTÓTELES. La gran moral. In: Obras completas de Aristóteles. Tomo I. Tradução de D. Patricio de Azcárate. Buenos Aires: Anaconda, 1947. A partir daqui, MM), que não só possui um tratamento menos refinado do problema, como muito provavelmente é anterior cronologicamente às duas, segundo HAMBURGER, Max. Morals and law: the growth of Aristotle’s legal theory. New Haven: Yale University Press, 1951, p. 14.
  63. ARISTÓTELES. Moral a Eudemo. In: Obras completas de Aristóteles. Tomo I. Tradução de D. Patricio de Azcárate. Buenos Aires: Anaconda, 1947 (a partir daqui, apenas EE). Isso de pronto poderia nos levar a um problema, já que, segundo Muñoz (MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 112s), as condições da ação voluntária diferem na EN e EE. Não desenvolverei esmiuçadamente essa tese. Utilizarei as duas obras no que elas forem complementares, ressalvando, no que for necessário, a diferença de sentido em cada uma delas. Talvez seja possível que uso não tão criterioso dê margem a alguns erros, e que tais erros poderiam fazer surgir a necessidade de se alterar um pouco a estrutura posterior dos argumentos e a utilização jurídica da tese. Não creio, entretanto, que eles possam produzir mudanças significativas na essência do argumento.
  64. Segundo ZANUZZI, Inara. Ação e responsabilização...p. 17.
  65. TOMÁS DE AQUINO. Comentario a la ética a Nicómaco de Aristóteles. Traducción de Ana Mallea. 2. ed. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra, 2001, §241.
  66. EN III, 1, 1110a1-5. Segundo MM: "Esta será pués para nosotros la definición de la violencia y de la coacción: hay violencia siempre que la causa que obliga a los seres a hacer lo que hacen es exterior a ellos; y no hay violencia desde el momento que la causa es interior y está en los seres mismos que obran." MM I, 15, 1188b12-14.
  67. EN III, 1, 1110b10.
  68. EN III, 1, 1110b10-15.
  69. ARISTÓTELES. Metafísica. In: Obras completas de Aristóteles. Tomo II. Tradução de D. Patricio de Azcárate. Buenos Aires: Anaconda, 1947, V, 5, 1015a.
  70. "É provável que não seja correto chamar de involuntários os atos praticados por causa da cólera ou do desejo; com efeito, em primeiro lugar este procedimento nos impediria de dizer que qualquer animal inferior, ou qualquer criança, age voluntariamente. Então, nenhuma de nossas ações motivadas pelo desejo ou pela cólera é voluntária? Ou ações nobilitantes são voluntárias e as ignóbeis são involuntárias? Isto não é um absurdo, senda a causa uma só? Seria certamente estranho qualificar de involuntários atos que visam a coisas que é justo desejar, pois devemos encolerizar-nos em certas circunstâncias e desejar certas coisas, como por exemplo a saúde e o saber. Mais ainda: pensa-se que o que é involuntário é penoso, mas se pensa que o que corresponde a um desejo é agradável. Além disto, qual é a diferença, quanto ao aspecto da involuntariedade, entre erros cometidos premeditadamente e os cometidos sob o domínio da cólera? Ambos devem ser evitados, mas as emoções irracionais não são consideradas menos humanas que as racionais, e portanto as ações motivadas pela cólera ou pelo desejo são do homem. Seria estranho, então, classificá-las como involuntárias." EN III, 1, 1111a20-1111b
  71. Segui aqui de maneira praticamente integral ZANUZZI, Inara. Ação e responsabilização...p. 34-36.
  72. EN III, 1, 1110b30.
  73. EN III, 1, 1111a1.
  74. EN III, 1, 1111a20.
  75. EN III, 1, 1110b25.
  76. MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 122-3.
  77. Segundo MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 123. Veja-se a síntese de Inara Zanuzzi: "Devemos, entretanto, observar que existem casos em que se é responsável pela própria ignorância. Aristóteles distingue, então, a ação devida à ignorância e a ação na ignorância. A ação má devida à ignorância não é de responsabilidade do agente, pois seu desconhecimento não tem origem nele mesmo. Quando alguém age na ignorância, por outro lado, seu desconhecimento é causado por um estado do qual ele próprio é a origem, por exemplo, se ele está embriagado ou tem um acesso de raiva." ZANUZZI, Inara. Ação e responsabilização...p. 39.
  78. TOMÁS DE AQUINO. Comentario a la ética a Nicómaco de Aristóteles... §335.
  79. EE II, 1225b. Para uma análise mais detalhada desse ponto, ver MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 140-1.
  80. A discussão deste ponto está em EN III, 5, 1114a5-20.
  81. TOMÁS DE AQUINO. Comentario a la ética a Nicómaco de Aristóteles... §339.
  82. EN III, 1, 1111a20.
  83. Há divergências quanto ao significado mais exato do termo voluntário. A interpretação mais aceita, que é adotada por Muñoz, Inara Zanuzzi e Sarah Broadie, é a de que ele pode significar tanto origem da ação (seria o significado na EN, já que Aristóteles afirma ali que animais e crianças agem voluntariamente, embora obviamente não possam ser responsabilizados) quanto responsável (seria o significado da EE, onde Aristóteles exclui crianças e animais como agentes voluntários). Pelo primeiro termo enfatiza-se que, apesar do agente não ser responsável e não ser passível de punição, a origem da ação estava nele, mesmo que fosse para evitar um mal maior. Pelo segundo termo enfatiza-se a responsabilidade do agente por seu ato. Como já falei anteriormente, não desenvolverei de maneira profunda essas distinções.
  84. Segui aqui, novamente, em boa medida, ZANUZZI, Inara. Ação e responsabilização...p. 47-48.
  85. ZANUZZI, Inara. Ação e responsabilização...p. 37. Esclarecendo melhor: "O que diferencia o movimento voluntário dos animais não racionais do movimento voluntário responsável dos homens é a sua capacidade cognitiva. Os animais não racionais dispõem (...) apenas da sensação e não do raciocínio como faculdade discriminativa (...). A imaginação sensitiva, não sendo predicativa, apreende o objeto prazeroso ou doloroso e, imediatamente, o animal dispõe-se a buscá-lo ou evitá-lo. O movimento dos animais não racionais é determinado por uma potência não racional, isto é, uma capacidade que não está aberta para os contrários (...). Os animais apreendem um objeto e o buscam ou evitam de um modo preestabelecido. O homem, ao contrário, predica de um objeto que ele é bom ou ruim e dispõe-se a investigar os meios para alcançá-lo ou evitá-lo. O animal não racional deseja um objeto que é bom, enquanto o homem deseja o objeto como bom. No último caso, a ação não se segue imediatamente do desejo acompanhado de representação. Como o raciocínio e a predicação envolvidos na imaginação deliberativa são potências racionais, ou seja, potências abertas para os contrários, o homem pode tanto realizar quanto não realizar algo que se lhe apresenta como um fim." ZANUZZI, Inara. Ação e responsabilização...p. 21.
  86. Assim, também os animais podem ignorar as circunstâncias da ação. Um cachorro, por exemplo, pode apreender pela sensação que algo é carne, mas ignorar que está envenenada.
  87. "Uma ação é voluntária, de toda forma, ao menos se o princípio da ação está no agente e se ele não age ignorando. Mas a condição básica para que o agente possa agir diferentemente, e ser, portanto, responsável por sua ação, é que possua já plenamente desenvolvida a faculdade de deliberar." MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 144.
  88. EE II, 1226b.
  89. Intenção acompanhada de preferência parece ser a tradução do termo grego proáiresis, geralmente traduzida por escolha.
  90. A quem sigo nessa explanação. ZANUZZI, Inara. Ação e responsabilização...p. 151-3.
  91. Segundo MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 180.
  92. Veja-se MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 177-8.
  93. "Justamente a escolha, e não a mera ação, expressa o tipo de desejo mais freqüente no agente e, assim, seu caráter." MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 148. Daí porque para julgar um agente é muito mais importante considerar a sua escolha do que a sua ação, já que esta pode ter ocorrido sem deliberação, de maneira impulsiva, enquanto a escolha é conseqüência direta do tipo de pessoa que o agente é. Isso na maioria das vezes é impossível, e é o próprio Aristóteles quem faz a ressalva: "Pero como no es fácil ver directamente la intención, nos vemos forzosamente obligados a juzgar del carácter de los hombres por sus actos. El acto vale ciertamente más que la intención, pero la intención es más laudable."EE II, 1228a.
  94. Segundo ZANUZZI, Inara. Ação e responsabilização...p. 149.
  95. ZANUZZI, Inara. Ação e responsabilização...p. 161. É somente parcialmente responsável, pois, embora cada um tenha o controle do fazer e do não fazer as ações particulares, ninguém é capaz de evitar que a repetição dessas ações venha a tornar-se um hábito. Como a capacidade para adquirir hábitos é natural, ela vai atualizar-se independentemente do desejo ou da escolha do agente. Segundo ZANUZZI, Inara. Ação e responsabilização...p. 162. Segundo Aristóteles: "(...) somos senhores de nossas ações do princípio ao fim, se conhecemos os fatos particulares, mas embora tenhamos o controle da fase inicial de nossas disposições, a evolução de cada estágio das mesmas não é perceptível, tal como acontece nas doenças; mas já que a maneira de agir dependia de nós, as disposições morais são voluntárias." EN III, 5, 1114b30. No mesmo sentido, MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 188 e TOMÁS DE AQUINO. Comentario a la ética a Nicómaco de Aristóteles... §340.
  96. Em sentido semelhante "(...) no se obra naturalmente cuando se causa mal en defensa propia, o en vista de un cierto bien o de un mal mayor que el que se quiere evitar, puesto que estas circunstancias no dependen de nosotros." EE II, 1225a.
  97. EN III, 1, 1110a15-20.
  98. Veja-se TOMÁS DE AQUINO. Comentario a la ética a Nicómaco de Aristóteles... §244. Também Inara Zanuzzi: "Resulta, então, que é um traço fundamental da voluntariedade da ação que ela seja considerada nas circunstâncias em que ocorre. Isso é assim porque é na apreensão cognitiva da situação em que está o agente que ele encontra os motivos para sua ação e o modo de fazê-la." ZANUZZI, Inara. Ação e responsabilização...p. 32.
  99. Nesse sentido, ZANUZZI, Inara. Ação e responsabilização...p. 23-27.
  100. EE II, 1225a.
  101. MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 72.
  102. MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 73-4.
  103. Veja-se, novamente, o artigo de Mateus Baldin (BALDIN, Mateus de Campos. Aristóteles e os limites da objetividade da injustiça...), que a despeito de muitos juristas que comentam Aristóteles, defende (e, creio eu, com razão) que o filósofo grego já possuía na sua teoria da justiça elementos subjetivos, como a voluntariedade.
  104. Sobre a distinção: "(...) à la différence de la responsabilité puremente morale, la responsabilité juridique n’est jamais réfléchie de soi-même sur soi même ; elle est ouverte sur autrui dans ce lien fondamental et spécifique qui unit le responsable à la victime." LAMBERT-FAIVRE, Yvonne. L’éthique de la responsabilité...p. 13-14.
  105. EURÍPIDES. Hipólito. Tradução de Mário da Gama Kury. 6. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, 503-507.
  106. NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 3.
  107. NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 1. Como um exemplo contemporâneo dessa visão: "I do not have moments of free choice. I probably do not know what freedom feels like... My choices have been unusually autonomous, originating from myself, but – as I compare myself to some people – I never made them. I did not choose to be a writer, to live with my wives, to teach in schools, to be a Dutch uncle to the young, etc. rather, I drifted into these because they were what I could do with my available means and opportunities or was asked to do in actual situations when there seemed to me to be no other alternatives, or they were desires landed me though it was not what I wanted. These landing places then worked out and persisted because I could farm them well, and they chose me. I don’t complain that I have been forced into anything. (...) I can resist what is incompatible with my concrete experience, but I have no perspective to choose something else." Paul Goodman apud ELKINS, James R. The examined life...p. 184.
  108. NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 2.
  109. NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 7.
  110. Segundo NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 329. Essa idéia de nos fazermos auto-suficientes, inclusive em emoções, também foi típico do estoicismo grego e romano. Segundo a mesma autora:"They argue plausibly that human beings can achieve something like the imagined invulnerable condition if they simply refuse to value anything outside of that which they control – their own will, their capacity for moral choice." NUSSBAUM, Martha. Hiding from humanity: shame, disgust and the law. New Jersey: Princeton University Press, 2004, p. 6-7.
  111. NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p 238.
  112. A posição intermediária de Aristóteles com relação a Píndaro e Platão fica clara na sua teoria da ação. Nela, Aristóteles enfatiza a falta de auto-suficiência que caracteriza toda vida animal, inclusive a nossa, e que não somos nem objetos inertes nem deuses perfeitos, nem simplesmente manipulados ou espontaneamente "self-moving", na verdade, todos nós buscamos, sendo incompletos, por coisas no mundo, e esse é o modo pelo qual nossos movimentos são causados. Segundo NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 289.
  113. NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 238. A ênfase de Aristóteles na nossa animalidade não é, de forma alguma, vã. Segundo Nussbaum: "Aristotle’s judgment that an account of action will have important implications for ethics, especially where questions of our vulnerability and passivity are concerned." NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 273.
  114. Segundo NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 2.
  115. Aliás, se, como argumenta Nussbaum, nossas emoções são respostas para áreas de vulnerabilidade, respostas nas quais registramos os danos que sofremos, os deuses, como são auto-suficientes, não teriam o que temer. "They would have no reasons for grief, because, being self-sufficient, they would not love anything outside themselves, at least not with the needy human type of love that gives rise to profound loss and depression." NUSSBAUM, Martha. Hiding from humanity...p. 6. Cito isso para salientar o abismo que separa uma visão platônica de auto-suficiência com a nossa realidade cotidiana.
  116. NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 322.
  117. Muitos kantianos, contemporaneamente, também dão um lugar relevante à vulnerabilidade na sua filosofia. Nesse sentido, Habermas apresenta a moral como fonte de equilíbrio da extrema vulnerabilidade de sujeitos que se individuam à medida que se socializam: "As interacções sociais que formam o Eu também o ameaçam – através das dependências em que ele se implica e das contingências a que ele se expõe." HABERMAS, Jürgen. Lawrence Kohlberg e o neo-aristotelismo. In: HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso. Tradução de Gilda Lopes Encarnação. Lisboa: Instituto Piaget, 1991, p. 96. E, também, Onora O’Neill: "Os seres humanos inicialmente são persistentemente vulneráveis de modos que são típicos de toda a espécie: têm uma longa e indefesa infância; adquirem até suas capacidades e capacitações físicas e sociais mais essenciais com a ajuda dos outros; dependem da interação social e emocional de longo prazo com outros; suas vidas dependem de fazerem uso estável e produtivo do mundo natural e do feito pelo homem (estas são algumas das razões para seres humanos radicalmente solitários mas competentes serem míticos). A proteção contra o dano face a estas vulnerabilidades ubíquas e previsíveis da condição humana é em grande parte a tarefa da justiça." O’NEILL, Onora. Em direção à justiça e à virtude: uma exposição construtiva do raciocínio prático. Tradução de Leila Mendes. São Leopoldo: Unisinos, 2006, p. 226.
  118. É muito interessante a análise que Nussbaum faz da infância e a extrema vulnerabilidade que se manifesta nela: "Human beings are born into in a world that they have not made and do not control. After a time in the womb, during which needs were automatically met, they enter the world, thus making, as Freud put it (...), ‘the step from an absolutely self-sufficient narcissism to the perception of a changing external world and the beginnings of the discovery of objects.’ Human infants arrive in the world in a condition of needy helplessness more or less unparalleled in any other animal species. What they encounter is both alarming and delightful. (...) The prolonged helplessness of the human infant marks its history; and the early drama of its infancy is the drama of helplessness before a world of objects – a world that contains both threat and promise of good things, the things it wants and needs." NUSSBAUM, Martha. Hiding from humanity...p. 177.
  119. Talvez essa não seja a melhor nomenclatura. Não creio que isso, no entanto, afete o argumento. O que quero deixar claro, somente, é que a vulnerabilidade externa (relacional) só se desenvolve devido a uma ação do agente no mundo (um contrato de trabalho ou um contrato de consumo, por exemplo), enquanto a interna ("em si") existe independentemente de ação do agente: existe pelo agente ser o que ele é (criança, por exemplo).
  120. É interessante notar que o Direito evoluiu tanto no sentido de reconhecer a vulnerabilidade de certos grupos e pessoas, como também igualmente em retirá-la de grupos que não eram, de forma alguma, vulneráveis, cuja presunção de vulnerabilidade tinha um tom essencialmente paternalista e discriminatório. No primeiro caso, foram reconhecidos como vulneráveis os trabalhadores, os consumidores e, mais recentemente, os idosos. No segundo caso, as mulheres foram igualadas aos homens em direitos e deveres.
  121. "We human need law precisely because we are vulnerable to harm and damage in many ways." NUSSBAUM, Martha. Hiding from humanity...p. 6. Mais adiante:"Law has the function of protecting us in areas of significant vulnerability. It makes no sense to have criminal laws if rape, murder, kidnapping, and property crime are not really damages, as a strict Stoic would require us to believe." NUSSBAUM, Martha. Hiding from humanity...p. 11. Os estóicos diziam que, como emoções envolvem avaliação de coisas externas a nós que não controlamos completamente, e essas avaliações estão sempre erradas, eles acabavam por concluir que todas emoções eram irracionais. Uma pessoa inteligente não teria nenhuma delas. Um estóico que realmente acreditasse nisso não conseguiria defender um sistema jurídico como o nosso.
  122. Aliás, Aristóteles considera a relação existente entre duas partes contratantes uma forma de amizade, a amizade por interesse (a mais frágil de todas, por certo, pois baseada não na outra pessoa ou no prazer que ela proporciona, mas na utilidade que ela tem), cujo vínculo se estabelece voluntariamente entre indivíduos não em razão de suas próprias pessoas, mas somente tendo-se em vista como podem ser reciprocamente úteis (EN VIII e IX). E a amizade existe por sermos incompletos e necessitarmos do outro (não somente para nossa sobrevivência, mas para vivermos bem). Daí a ligação entre contratos e vulnerabilidade.
  123. Arts. 3º e 4º do Código Civil.
  124. O uso do termo é controvertido, já que a auto-responsabilidade só é relevante quando desperta a confiança do outro, ou seja, ela é, no fundo, uma responsabilidade por essa confiança gerada. Não abordarei essa controvérsia. Mais esclarecimentos podem ser encontrados em RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 292s.
  125. BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico...p. 159. Betti reconhece, assim, uma série de ônus ligados ao exercício da autonomia privada, todos eles vinculados a um ônus mais geral que ele denomina ônus de prudência. Esse ônus comporta o estar atento ao que se diz ou se faz, conhecer os termos e o significado da declaração que emite, compreender com exatidão a situação de fato etc. Veja-se BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico...p. 159s. Joaquim Ribeiro possui uma posição muito semelhante, quando afirma que "a conduta negocial, como todo o agir social, induz em responsabilidade." RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 246
  126. Sobre a distinção entre as duas: "A autonomia privada, de que a liberdade contratual é uma componente e a mais relevante manifestação, é um processo de ordenação que faculta a livre constituição e modelação de relações jurídicas pelos sujeitos que nelas participam. É, em termos etimológicos, uma normação pelo próprio que vai ficar obrigado à observância dos efeitos vinculativos da regra por si criada." RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 21. Já a autodeterminação, "como conceito prejurídico, assinala o poder de cada indivíduo gerir livremente a sua esfera de interesses, orientando a sua vida de acordo com as suas preferências. (...) Constitui uma ideia directiva básica, que, no quadro de certas concepções políticas, ideológicas, éticas e económicas, se condensa num princípio fundante e estruturante do sistema de direito privado." RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 22-23.
  127. RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 246-7. Também sobre a relação entre declaração, confiança e auto-responsabilidade, BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico...p. 107 e ALVIM, Arruda. A sintonia da redação do artigo 112 do código civil com os princípios contemporâneos do negócio jurídico bilateral e do contrato. Revista do Advogado, nº 77, p. 13-16, 2004, p. 14.
  128. Segundo RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 287.
  129. ATIYAH, P.S.; SMITH, Stephen A. Atiyah’s introduction to the law of contract. 6. ed. Oxford: Clarendon Press, 2005, p. 267. Eles, no entanto, de pronto complementam: "Nevertheless, from time to time the law will step in to redress imbalances between stronger and weaker parties." ATIYAH, P.S.; SMITH, Stephen A. Atiyah’s introduction to the law of contract. 6. ed. Oxford: Clarendon Press, 2005, p. 267.
  130. ROPPO, Enzo. O Contrato. Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1988, p. 226. Veja-se também Ribeiro: "A imputação por igual, a cada uma das partes, com fundamento na sua autonomia e auto-responsabilidade, do conteúdo contratual que declararam aceitar parte, todavia, do pressuposto de que os participantes no tráfego têm, em suficiente medida, efectiva possibilidade de tomar consciência e avaliar correctamente os riscos a que se expõem e de decidirem livremente quanto à sua vinculação. A imposição dos efeitos negociais decorre da possibilidade de autotutela dos interesses pessoais, de afirmação, perante a contraparte, de uma vontade própria a ter em conta na conformação do conteúdo do contrato." RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 287.
  131. HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado...p. 78-9.
  132. Geralmente é enfatizado (nesse sentido, LOPES, José Reinaldo. Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor, Revista dos Tribunais, 1992, p. 78-79 apud FILOMENO, José Geraldo Brito. Comentário aos arts. 1º a 7º do código de defesa do consumidor. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 29), que a justificativa para a disciplina da relação de consumo é a subordinação econômica do consumidor. Data venia, o fundamento está incompleto. Embora a inferioridade econômica seja central, sua vulnerabilidade não é somente econômica, mas muito mais estrutural, decorrente da própria estrutura da relação de consumo, que impossibilita o consumidor de um exercício pleno de sua autodeterminação, impedindo-o de tomar uma postura ativa na sua conduta negocial (como foi ressaltado, ele não pode, por exemplo, procurar modificar o contrato e, muitas vezes, sequer deixar de contratar).
  133. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 268.
  134. Não segue do fato da vulnerabilidade ser a característica principal para definir o consumidor que, quando ela estiver presente, independentemente da relação ser de consumo, haverá a incidência do CDC. Segundo NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato...p. 315, essa é a posição de Gustavo Tepedino e Jean-Calais-Auloy. Tepedino, aliás, utiliza o contrato de adesão como uma referência para a expansão do campo de aplicação do CDC, defendendo a sua utilização em contratos de adesão, mesmo quando não configurem uma relação de consumo. Segundo ele, em tal espécie de contrato estão "os pressupostos justificadores da incidência do conjunto de mecanismos de defesa do consumidor nas relações interprivadas" (TEPEDINO, Gustavo. As relações de consumo e a nova teoria contratual, p. 213 apud NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato...p. 382). Nelson Nery Jr. (NERY JÚNIOR, Nelson. Comentário aos arts. 46 a 54 do código de defesa do consumidor. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 482-3) parece adotar a mesma posição de Tepedino quanto à aplicação do CDC ao Direito Civil, em geral, inclusive de forma mais radical. Diz ele que é isso que acontece internacionalmente, como na Alemanha, onde a AGB-Gesetz (lei alemã sobre condições gerais do contrato) é aplicável a todas relações, não só de consumo. É necessário fazer aqui alguns esclarecimentos. Em primeiro lugar, essa foi a opção legislativa alemã; aqui, o legislador restringiu o CDC ao consumidor, procurando defini-lo, no art. 2º do CDC como "(...) toda a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (não entrarei na discussão sobre o conceito de consumidor, principalmente do significado da expressão "destinatário final". Para mais esclarecimentos, MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor...p. 252-326 e ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Almedina, 1982, p. 203-217). Em segundo lugar, há legislação específica sobre contrato de adesão também no Código Civil (arts. 423 e 424). A proteção do CDC só ocorre, portanto, quando da existência de uma relação em que exista tipicamente uma parte que possa ser conceituada como consumidor. Isso não quer dizer, evidentemente, que fora dessas relações as partes mais fracas estão desprotegidas. Também no Código Civil existem diversos dispositivos para proteger a parte mais fraca, como o princípio da boa-fé e os institutos do erro e da lesão.
  135. NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato...p. 313. No mesmo sentido: "É com os olhos postos nessa vulnerabilidade do consumidor que se funda a nova disciplina jurídica." BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e; GRINOVER, Ada Pellegrini. Introdução. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 7.
  136. RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 45-6.
  137. KAUFMANN, Arthur. Analogie und "Natur der Sache", 2. ed., 1982, p. 73 apud LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 190.
  138. Da mesma forma que voluntariedade, segundo WILLIAMS, Bernard. Afterword: what has philosophy...p. 495. A situação é semelhante ao que Atiyah e Smith falam a respeito da doutrina, na Common Law, da "unconscionability": "(...) unconscionability is a ‘basic’ concept – like consent or fault – that is not capable of further reduction. In this view, attempts to ‘explain’ the underlying basis of unconscionability are bound to fail: all that can be done is to explain how the term is used and applied, and then to appeal to the listener’s basics convictions and beliefs." ATIYAH, P.S.; SMITH, Stephen A. Atiyah’s introduction to the law of contract...p. 312.
  139. Não nos esqueçamos da magnífica lição de Pontes de Miranda: "A falta de precisão de conceitos e de enunciados é o maior mal na justiça, que é obrigada a aplicar o direito, e dos escritores de direito, que não são obrigados a aplicá-lo, pois deliberam êles-mesmos escrever. (...) Não pode ser justo, aplicando o direito, quem não no sabe. A ciência há de preceder ao fazer-se justiça e ao falar-se sôbre direitos, pretensões, ações e exceções." PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo I. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. XXIV.
  140. Um método que se pretenda aristotélico não negligencia nem os universais nem os particulares. Na deliberação aristotélica há um movimento flexível de vai e vem entre o particular e o geral, e ambos influenciam-se mutuamente. Um bom exemplo de como essa deliberação acontece está em NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 316.
  141. Art. 6. São direitos básicos do consumidor: (...) VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. (...)".
  142. MARTINS-COSTA. Judith. A "guerra" do vestibular e a distinção entre publicidade enganosa e clandestina: a ambigüidade das peças publicitárias patrocinadas pelos cursos pré-vestibulares e os princípios do Código de Defesa do Consumidor examinadas através do estudo de um caso. Revista de Direito do Consumidor, v. 6, p. 219-231, abr./jun. 1993, p. 222. Saliento, no entanto, que discordo da posição da autora em não admitir graus de vulnerabilidade. Comentarei sobre isso logo a seguir.
  143. Essa confusão é comum tanto na doutrina (como exemplos, FILOMENO, José Geraldo Brito. Comentário aos arts. 1º a 7º...p. 28, assim como BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Comentário aos artigos 29 a 45 do código de defesa do consumidor. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 325) como na jurisprudência, em que a referência à vulnerabilidade geralmente é feita para inverter o ônus da prova (veja-se TJRS, Nona Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 70012366506, rel. Des. Odone Sanguiné, j. 20.07.2005; e, em sentido preciso a diferenciação, TJRS, Décima Sétima Câmara Cível, Apelação Cível nº 70013609540, rel. Des. Alexandre Mussoi Moreira, j. 11.05.2006).
  144. Essa também é a posição de Paulo Valério Dal Pai Moraes: "(...) se todo consumidor é vulnerável, se vulnerável fosse igual a hipossuficiente, em todas as demandas em que existisse um consumidor existira um hipossuficiente e, em assim sendo, em todas as demandas sempre deveria ser invertido o ônus da prova." MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor: o princípio da vulnerabilidade (no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais, interpretação sistemática do direito). Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 108.
  145. Para Moraes, a hipossuficiência não deve ser vinculada somente à idéia de pobreza (somente os consumidores pobres, além de vulneráveis, seriam hipossuficientes), mas principalmente à noção de insuficiência da parte, considerada a excessiva onerosidade daquele específico processamento. Segundo MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor...p. 102. A hipossuficiência seria relacional (em relação à situação processual concreta).
  146. Alguns autores negam a existência de uma vulnerabilidade independente de uma relação. Veja-se, por exemplo, Valério, que diz que "vulnerabilidade é um conceito que expressa relação, somente podendo existir tal qualidade se ocorrer a atuação de alguma coisa sobre algo ou sobre alguém." MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor...p. 96.
  147. Ao consumidor vítima dessa vulnerabilidade qualificada Roberto Cabana chama subconsumidor, o consumidor particularmente frágil, que seria o cerne do sistema. CABANA, Roberto M. Lopez. Defensa jurídica de los más débiles. Revista de Direito do Consumidor, v. 28, p. 7-21, out./dez 1998, p. 13.
  148. A distinção entre esses dois tipos de vulnerabilidade também está presente em Cláudia Lima Marques: "Efetivamente, como ensina a doutrina francesa, a ‘fraqueza’ ou fragilidade pode ser inerente às pessoas individualmente consideradas; pode ser relativa, quando o outro, que é muito forte, ou quando o bem ou serviço desejado, que é essencial e urgente, comportando assim graduações subjetivas comparáveis às graduações subjetivas da minoridade, que iriam dos consumidores mais desfavorecidos ou vulneráveis (idosos, crianças, superendividados, doentes, mutuários do SFH etc.) aos profissionais somente eventualmente vulneráveis ante, por exemplo, a complexidade do bem ou serviço." MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor...p. 275.
  149. A vulnerabilidade qualificada pela idade e a importância da proteção dessas pessoas é destacada por Cláudia Lima Marques: "A jurisprudência brasileira já identificou que a igualdade teórica de direitos e de chances entre consumidores ‘jovens’ e consumidores ‘idosos’ não estaria sendo realmente alcançada na contratação e na execução dos contratos de consumo, daí a preocupação em proteger de forma especial este grupo vulnerável. Efetivamente, e por diversas razões, há que se aceitar que o grupo dos idosos possui uma vulnerabilidade especial, seja pela sua vulnerabilidade técnica exagerada em relação a novas tecnologias (...); sua vulnerabilidade fática quanto à rapidez das contratações; sua saúde debilitada; a solidão de seu dia-a-dia, qeu transforma um vendedor de porta-em-porta, um operador de telemarketing, talvez na única pessoa com a qual tenham contato e empatia naquele dia; sem falar em sua vulnerabilidade econômica e jurídica (...)."BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 563.
  150. Essa mesma proteção é concedida à criança com relação à publicidade abusiva, no art. 37 §2º do CDC: Art. 37: "É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. (...) §2º: É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança (...)"
  151. Benjamin (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Comentário aos artigos 29 a 45...p. 325) defende a mesma coisa, embora confunda os termos vulnerabilidade e hipossuficiência. Em sentido contrário, a citação anterior de Judith Martins-Costa, para quem a vulnerabilidade é uma questão de ter ou não ter.
  152. Embora os comentários a seguir sejam com relação à vulnerabilidade relacional, poderia se dizer algo semelhante sobre a vulnerabilidade "em si", como fica claro pela distinção traçada pelo Código Civil entre absolutamente incapazes e relativamente incapazes. Stiglitz comenta da seguinte forma os diversos níveis de vulnerabilidade: "La práctica constata que el conflicto generalmente pone en evidencia diversas categorías de ‘debilidad’. El profano es débil frente al empresario (...); se es débil por haber sido impulsado a contratar, en consideración a una publicidad engañosa; se es débil por contratar desinformado, en razón de que el cocontratante no ha cumplido elementales deberes secundarios de conducta, o deberes agregados, instalados en etapa de tratativas precontractuales; se es débil por hallarse en estado de necesidad, de ligereza o de inexperiencia; se es débil porque el individuo se halla cada vez con menores posibilidades de prever las bruscas y profundas transformaciones de la coyuntura económica, que se desmandan de las previsiones más razonables." STIGLITZ, Rubén S. Autonomía de la voluntad y revisión del contrato...p. 39.
  153. Moraes ainda refere-se à vulnerabilidade política ou legislativa, biológica ou psíquica e ambiental. Veja-se sua exposição em MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor...p. 116-174.
  154. Segundo MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor...p. 116. Nesse sentido: "Apelação. Contrato. Revisional. Locação de bem móvel com opção de compra. Consumidor. Cautelar de sustação de protesto. Cautelar inominada. Indenização. Reconvenção (pedido de cobrança). Consumidor. Destinatário final fático. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, haja vista que a relação que se estabeleceu entre as partes é típica de consumo, pois a apelante é a destinatária fática do produto, exposta à prática comercial, em tese abusiva, caracterizando-se como consumidora, por força do disposto no ‘caput’ do artigo 2º daquele diploma legal, demonstrada sua vulnerabilidade técnica, em razão da ausência de conhecimentos específicos sobre o bem ou serviço.(...)" TJRS, Décima Quarta Câmara Cível-Regime de Exceção, Apelação Cível nº 70004429890, rel. Desa. Walda Maria Melo Pierro, j. 23.09.2004. Igualmente: "No presente caso, a vulnerabilidade está evidente, sobretudo no aspecto técnico, pois somente a pessoa jurídica fornecedora do serviço possui, ou deveria possuir, a prova da celebração do contrato ensejador das obrigações a que se referem as cobranças contestadas. Todavia, compulsando os autos, verifica-se que não foi demonstrada a solicitação, pelo Apelado, da instalação da linha a que se referem as tarifas cobradas, pelo que houve bem o julgador da causa ao considerar não comprovada a existência da relação jurídica subjacente e, por conseqüência, a inexistência dos débitos contestados.Verificada, pois a falha na prestação do serviço, surge a responsabilidade da pessoa jurídica fornecedora do serviço(...)" TJRJ, Décima Oitava Câmara Cível, Apelação Cível nº 2006.001.42109, rel. Des. Roberto Felinto, j. 29.08.2006.
  155. Atiyah e Smith, embora não estejam se referindo especificamente a contratos de consumo, têm um comentário interessante sobre os efeitos da falta de conhecimento do contratante sobre os termos do contrato: "In theory, any term in a contract can be unreasonable and so cause a contract to be unfair, but in practice the terms most likely to be unreasonable are those that are not well understood. The most effective way to take advantage of contracting parties is do so in a way that ensures they are not aware they are being taken advantage of." ATIYAH, P.S.; SMITH, Stephen A. Atiyah’s introduction to the law of contract...p. 329.
  156. Eles serão analisados pormenorizadamente mais adiante.
  157. Veja-se "Direito civil. Contratos do sistema financeiro da habitação.Plano de equivalência salarial versus cláusulas de reajuste pelos índices aplicados a poupança livre. 1- nos contratos regidos pelo sistema financeiro da habitação há de se reconhecer a sua vinculação, de modo especial, alem dos gerais, aos seguintes princípios específicos: (...) c) o de que ha de ser considerada a vulnerabilidade do mutuário não só decorrente da sua fragilidade financeira, mas, também, pela ânsia e necessidade de adquirir a casa própria e se submeter ao império da parte financiadora, econômica e financeiramente muitas vezes mais forte; (...) 2 - há de ser considerada sem eficácia e efetividade contratual que implica em reajustar o saldo devedor e as prestações mensais assumidas pelo mutuário, pelos índices aplicados as cadernetas de poupança, adotando-se, conseqüentemente, a interatividade e obrigatoriedade do plano de equivalência salarial. 3 - recurso provido." STJ, Primeira Turma, REsp 85521/PR, rel. Min. José Delgado, j. 29.04.1996. No mesmo sentido: TJRS, Nona Câmara Cível-Regime de Exceção, Apelação Cível nº 70004545729, rel. Desa. Leila Vani Pandolfo Machado, j. 10.11.2004.
  158. À guisa de conclusão dessa parte, vale a pena citar as diversas formas que Moraes elenca como formas de tornar o consumidor vulnerável. As principais, para ele, seriam as seguintes: tecnicismo, complexidade e extensão contratual, predisposição unilateral, generalidade dos contratos, consideração do estado de necessidade, dimensão dos caracteres dos contratos, utilização de conceitos vagos e indeterminados etc. Segundo MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor...p. 226s.
  159. Segundo Judith Martins-Costa: "Aí estão postos deveres e direitos que têm fundamento na solidariedade social, pelo qual se exige evitar ou reduzir os conflitos sociais, reconhecendo o Direito que uma das formas de atingir este escopo consiste em ter presente formas de atenuação da vulnerabilidade." MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e solidariedade social entre cosmos e taxis; a boa-fé nas relações de consumo. In: MARTINS-COSTA, Judith(org.). A Reconstrução do Direito Privado: reflexos dos princípios, garantias e direitos constitucionais fundamentais no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 611-661, 2002, p. 651. Também Stiglitz comenta a proteção que o legislador dá ao vulnerável: "El legislador sanciona leyes, cuyo propósito explícito consiste em proteger a los estratos sociales más debilitados economicamente (v.gr., el contrato de trabajo; el de locación, etc.); em ocasiones, lo hace por otras razones, como la defensa de quienes carecen de poder de negociación; por ejemplo, el adherente en los contratos de ahorro para fines determinados; el asseugrado en el contrato de seguro, etc." STIGLITZ, Rubén S. Autonomía de la voluntad y revisión del contrato...p. 35.
  160. Aliás, se o contrato de consumo também é visto como uma relação de cooperação com vistas a um fim, é natural que os maiores ônus devem estar com aqueles que estão em posição mais favorável. Seria estranho à lógica do Direito colocar ônus sobre uma parte que não pode desincumbir-se deles, como é o caso do consumidor (exigir dele, por exemplo, um ônus de informar-se demasiado extenso).
  161. MARTINS-COSTA, Judith. A "guerra" do vestibular e a distinção entre publicidade enganosa e clandestina... p. 223. Ou seja, transformando uma idéia indeterminada e vaga em regras e institutos jurídicos, papel essencial do Direito, segundo Atiyah e Smith: "(...) one of the law’s basic tasks is to translate vague or otherwise indeterminate moral principles into concrete legal rules." ATIYAH, P.S.; SMITH, Stephen A. Atiyah’s introduction to the law of contract...p. 276.
  162. Roberto Cabana faz o mesmo comentário com relação à Lei Argentina 17.711, que, segundo ele, favoreceu a proteção da vulnerabilidade ao incorporar diversos mecanismos, como lesão, imprevisão, abuso de direito, redução da cláusula penal etc. CABANA, Roberto M. Lopez. Defensa jurídica de los más débiles...p. 9, 12s.
  163. Novamente aqui eu remeto ao que Atiyah e Smith falam a respeito da "unconscionability", sobre de que forma ela só tem significado quando é separada em diversos institutos que guardam relação com sua idéia principal: "(...) ‘unconscionability’ is just a label given to relief that, in a fully developed legal system, would be ordered on the basis of duress, undue influence, incapacity, or misrepresentation." ATIYAH, P.S.; SMITH, Stephen A. Atiyah’s introduction to the law of contract...p. 312.
  164. Nesse sentido: "A nova lei vai reduzir o espaço antes reservado para a autonomia da vontade, proibindo que se pactuem determinadas cláusulas, impondo normas imperativas que visam proteger o consumidor, reequilibrando o contrato, garantindo as legítimas expectativas que depositou no vínculo contratual." BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor...p. 181.
  165. Ver também CABANA, Roberto M. Lopez. Defensa jurídica de los más débiles...p. 11, que elenca outras conseqüências da proteção da vulnerabilidade.
  166. Como também é salientado por Cláudia Lima Marques: "Considere-se, pois, a importância desta presunção de vulnerabilidade jurídica do agente consumidor (não profissional) como fonte irradiadora de deveres de informação do fornecedor sobre o conteúdo do contrato (...) e da redação clara deste contrato." BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor...p. 145. No mesmo sentido, Muriel Fabre-Magnan : "(...) il est clair en effet que le développement des obligations d’information dans les contrats s’inscrit dans cette evolution tendant à la protection croissante du contractant plus faible." FABRE-MAGNAN, Muriel. De l’obligation d’information dans les contrats: Essai d’une théorie. Paris: LGDJ, 1992, p. 45 apud MARTINS-COSTA, Judith. Ação indenizatória – dever de informar do fabricante sobre os riscos do tabagismo. Revista dos Tribunais, v. 812, p. 75-99, jun. 2003, p. 85. Vejam-se também as conclusões do V Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor/Brasilcon sobre o princípio da informação e a necessidade dela se estender por todos os momentos da relação de consumo, em BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor...p. 179.
  167. Segundo Jean-Pascal Chazal: "Il importe d’apprécier concrètement les connaissances et les compétences des parties en présence pour savoir s’il est juste de mettre à la charge de l’une d’entre elles une obligation d’information ou de conseil. Cette obligation sera d’autant plus intense et rigoureuse que le déséquilibre informationnel sera important." CHAZAL, Jean-Pascal. Les nouveaux devoirs des contractants: Est-on allé trop loin? In: La nouvelle crise de contrat, p. 129. Isso nos leva imediatamente à questão dos standards de normalidade. Veja-se, para isso, a discussão no capítulo seguinte.
  168. A imagem que se tem da vulnerabilidade do consumidor é relevante sempre que existe um conceito indeterminado que não possui nenhum campo de aplicação a priori. Ela é relevante, por exemplo, quando se deve determinar o que significa "induzir em erro" – art. 37, §1º –, o que é "fraqueza ou ignorância" – art. 39, inciso IV –, que tipo de cláusula é incompreensível pelo consumidor – art. 46 – ou ainda, como já comentado acima, que obrigação é abusiva ao consumidor – art. 51, inciso IV. Em todos esses casos, a imagem de um consumidor mais ou menos vulnerável terá como conseqüência a incidência ou não do artigo no caso.
  169. Poderia também ser aventado que a imagem que se faz da vulnerabilidade do consumidor é relevante para a aferição de sua culpa quando do dano de um produto, já que a culpa sempre pressupõe um padrão de diligência e cuidado, e poderíamos perguntar-nos qual a extensão dessa diligência e cuidado com relação ao consumidor. Isso teria reflexos diretos na caracterização da culpa exclusiva do consumidor que, segundo o art. 12, §3º, inciso III, é uma forma do fornecedor não ser responsabilizado. Mais complicado é a questão da culpa concorrente no CDC. A discussão em torno da possibilidade de existência de culpa ainda está longe de um consenso: alguns defendem que o CDC foi claro em exigir que só a culpa exclusiva do consumidor afasta a responsabilidade do fornecedor (nesse sentido, DENARI, Zelmo. Comentário aos arts. 8º a 28 do código de defesa do consumidor. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 169), enquanto outros (como CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil...p. 511), embora não falem especificamente de culpa (que não teria sentido em um regime de responsabilidade objetiva), mas sim de causa concorrente, admitem que a negligência do consumidor é relevante para determinar-se o montante indenizatório. O STJ também já se posicionou sobre o assunto, admitindo a possibilidade de culpa concorrente (STJ, Quarta Turma, REsp 287849/SP, rel. Min Ruy Rosado de Aguiar, j. 17.04.2001). Não entrarei mais a fundo nessa questão, embora me posicione juntamente a Cavalieri na questão.
  170. Relembrando o que foi visto no ponto anterior, uma ação é voluntária se a origem da ação está no próprio agente (ele não age coagido) e se ele age com conhecimento das circunstâncias (não age ignorando).
  171. Sobre a relação entre vulnerabilidade e informação: "(...) Seguro residencial. Furto de objetos. Negativa de cobertura, sob o argumento de que se trata de furto simples, hipótese excluída dos riscos da apólice. (...) II. Não observância do dever de informação (artigo 6º, inciso III, do CDC), já que do consumidor, com vulnerabilidade jurídica presumida, não se pode esperar que detenha conhecimento prévio acerca das diferenças entre uma e outra espécie do furto." TJRS, Segunda Turma Recursal Cível, Recurso Inominado nº 71000870105, rel. Des. Eduardo Kraemer, j. 26.04.2006.
  172. Irei entender por contrato de adesão tanto aqueles que são estabelecidos unilateralmente como os que utilizam cláusulas contratuais gerais (a partir de agora, ccg). Sobre a distinção, ver MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor... p. 52-78. Já sobre a relação entre vulnerabilidade e contrato de adesão, Negreiros afirma que "(...) como conseqüência das mutações da teoria contratual, o contrato de adesão constitui uma classe de contratos associada a um certo regime de tutela do aderente, tido como contratante vulnerável." NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato...p. 383. Com relação à jurisprudência: "(...) Ação ordinária de revisão contratual. Contrato de empréstimo. Ação julgada parcialmente procedente. 1. Possibilidade de revisão do contrato. Considerando que há prévia estipulação de cláusulas contratuais e que resta caracterizado o contrato de adesão, possível a revisão do contrato diante da vulnerabilidade do consumidor que aderiu ao contrato e do princípio da boa-fé contratual." TJRS, Décima Quarta Câmara Cível, Apelação Cível nº 70008067506, rel. Des. Roberto Carvalho Fraga, j. 23.12.2004.
  173. L’HEUREUX, Nicole. Droit de la consommation, Montreal: Wilson & Lafleur Itée, 1986, p. 155 apud BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Comentário aos artigos 29 a 45...p. 244. No mesmo sentido, Cláudia Lima Marques: "No caso das relações de consumo em geral (...), o desequilíbrio entre consumidores-leigos e fornecedores-experts está no déficit informativo dos consumidores sobre o produto, o serviço, seus riscos e características." BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor...p. 85.
  174. BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Comentário aos artigos 29 a 45...p. 245.
  175. Segundo MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 122-3.
  176. MARTINS-COSTA, Judith. A "guerra" do vestibular e a distinção entre publicidade enganosa e clandestina...p. 85.
  177. FABIAN, Christoph. O dever de informar no direito civil. Porto Alegre: Revista dos Tribunais, 2002, p. 159.
  178. FABIAN, Christoph. O dever de informar no direito civil...p. 157. Ele acrescenta logo após: "O critério do conhecimento vale da mesma maneira no direito da defesa do consumidor. Como particularidade há o fato de o consumidor ser compreendido como leigo. Assim, um não-conhecimento é suposto. Mas o fabricante não precisará informar quando o consumidor individual, no concreto, sabe e compreende o perigo concreto do produto." FABIAN, Christoph. O dever de informar no direito civil...p. 157.
  179. Segundo MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 73, já citado no ponto 1.1.
  180. Não examinei, no ponto 1.1, de maneira muito detalhada esse princípio, que é de extrema relevância na análise das ações mistas. Gostaria de fazê-lo aqui, mesmo que brevemente e sem toda a profundidade que o assunto comporta. Segundo Balthazar Barbosa Filho, a potência de contrários é uma capacidade para escolha entre alternativos (a deliberação). Isso quer dizer que nossas ações não são pré-determinadas, somos sempre uma causa nova. Um agente humano é uma causa incausada, uma causa primeira, nova na cadeia. É isso que faz com que o mundo não seja absolutamente determinado (BARBOSA FILHO, Balthazar. Aulas do curso de Ética I da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ministradas no primeiro semestre de 2005). A potência de contrários, portanto, está relacionada à capacidade e possibilidade de deliberação. Crianças e animais, que não podem deliberar, não possuem potência de contrários, portanto não são passíveis de serem responsabilizadas. Já seres humanos adultos (desde que possuam desenvolvimento mental completo) possuem capacidade de deliberação e, portanto, podem ser responsabilizados. Um ser humano adulto desenvolvido a possui tanto em abstrato (ele possui capacidade para deliberar e escolher e, portanto, é passível de ser responsabilizado) quanto em concreto (naquele caso ele possui capacidade de deliberar e escolher e, portanto, pode ser responsabilizado. Ressalto que não é necessário que ele tenha deliberado, mas meramente que havia essa possibilidade). Já os animais não possuem potência de contrários nem em concreto nem em abstrato, bem como as crianças (embora essas a possuam potencialmente: ela deve ser atualizada). Uma ação, assim, é mista se, apesar de ser voluntária quanto ao princípio estar no agente (frise-se: ser humano adulto) e ele agir com conhecimento das circunstâncias do caso, a potência de contrários estiver afetada. Ela deve estar afetada em concreto, pois um ser humano adulto sempre a possuirá em abstrato (a não ser, como foi dito, que possua algum problema mental). É nas circunstâncias do caso, portanto, que deve ser visto se o agente era capaz de deliberar: sua responsabilidade dependerá sempre da existência de alternativas realmente dignas de escolha no caso.

    À guisa de comentário adicional, é interessante notar de que forma, na minha opinião, essa maneira de ver a potência de contrários, em abstrato e em concreto, marca a diferença entre a EE e EN. Na primeira, como foi visto, voluntário significa responsável, e uma das condições da ação voluntária era a capacidade do agente agir diferentemente (ser capaz de deliberar). Isso excluía as crianças e animais da ação voluntária. A potência de contrários aqui é em concreto: se o agente era incapaz de deliberar no caso concreto, a ação não era voluntária. Já na EN, embora o voluntário signifique origem da ação (já que crianças e animais também agem voluntariamente nesse sentido), é de se destacar que, com relação a um ser humano adulto (que possua a potência de contrários em abstrato), o voluntário também significará responsável, desde que não seja o voluntário em uma ação mista. Explico-me: pegue-se uma ação voluntária de um adulto e pense-se em maneiras de eliminar sua responsabilidade sem eliminar sua voluntariedade. Se for alegada violência, é involuntária. Se for alegada ignorância, idem. Se for alegada alguma forma de coação "moral", será mista (nesse caso, assim como certas ações mistas são censuradas, compreendidas ou elogiadas, também aqui a responsabilidade só existirá dependendo do caso e da irresistibilidade da coação). Não é possível alegar mais nada para retirar a responsabilidade mantendo a ação como voluntária. Sintetizando: na EN, para que uma ação voluntária mista seja responsável é necessária a potência de contrários em concreto e, para que uma ação voluntária "pura" seja responsável basta a potência de contrários em abstrato.

  181. RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 343.
  182. Veja-se seu mas exame mais detalhado em RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 343-348.
  183. Veja-se nesse sentido: "Cautelar. Concessão de crédito bancário. Cancelamento do contrato. Não dispondo o consumidor de outra alternativa senão manter conta corrente com o banco recorrente, e não podendo este simplesmente cortar o credito sem aviso prévio, inaceitável a tese recursal. Reconhecimento da vulnerabilidade do correntista. Principio da boa fé. Principio da informação e transparência. Abusividade da pratica do fornecedor, porquanto desrespeitosa a tais princípios. Agravo improvido." TJRS, Décima Nona Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 599260437, rel. Des. Mário José Gomes Pereira, j. 03.08.1999
  184. O fato do conhecimento da lesividade não necessariamente afastar o controle do conteúdo nos contratos de adesão é ressaltado também por Mário Júlio de Almeida Costa: "Um problema básico se levanta no domínio da protecção da vontade. Surge, em síntese, a questão de saber até que ponto releva a falta de um preciso conhecimento de todas e de cada uma das cláusulas preestabelecidas, a que o aceitante adere, de forma expressa ou tácita. Como, conexamente, interessa averiguar se uma efectiva e inteira percepção das cláusulas pelo aderente afasta questões de justiça comutativa, mercê da desigualdade das posições das partes e do processo formativo do contrato. Portanto, ao lado da tutela da vontade, põe-se o problema da fiscalização do conteúdo das cláusulas ou condições gerais do contrato." COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações...p. 223-4.
  185. RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 248.
  186. RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 351-2.
  187. Segundo RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 353.
  188. RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 353. O autor, mais adiante, aduz mais justificativas. Segundo ele: "O aderente é colocado perante cláusulas preformuladas, cujo conteúdo, em regra, nem sequer conhece, ou, quando conhece, não está, na grande maioria dos casos, em condições de modificar por forma a afeiçoá-lo aos seus interesses. Dentro do condicionalismo gerado pela contratação com base em ccg, da inteira iniciativa do seu utilizador, na prossecução de objectivos de racionalização e uniformização que lhe são próprios, o aderente vê-se impossibilitado, na prática, de cumprir os ónus de conduta negocial normalmente colocados às partes num contrato. A ilimitada auto-responsabilidade que, em princípio, decorre da inobservância dessas exigências perde aqui o seu sentido, pois só se legitima pela pressuposta possibilidade de a vontade autónoma do obrigado influenciar, ou, pelo menos, evitar os efeitos contratuais." RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 288-9. Impor esse ônus é exigir demais da sua capacidade de responsabilidade. Na verdade, também não há receio por parte do utilizador das ccg em introduzir cláusulas gravosamente ineqüitativas, já que, como o seu conteúdo é praticamente irrelevante como fator de decisão para o aderente, a utilização de tais cláusulas não afastará um número significativo de potenciais clientes. Segundo RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 288.
  189. Desde que, é óbvio, o contrato de alguma forma lhe seja lesivo ou, pelo menos, não lhe seja vantajoso numa medida razoável. No caso do aderente que, muito embora não tenha capacidade de influenciar no contrato, delibere e conclua que ele é vantajoso, a ação será evidentemente voluntária.
  190. Eu não estou, obviamente, referindo-me à coação tal como ela está expressa no Código Civil (arts. 151 a 155).
  191. Nesse sentido, RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 43-44.
  192. É extremamente interessante a análise que Isaiah Berlin faz da escolha. Afirma ele: "(...) nem todas as escolhas são igualmente livres, ou deveras livres. Se num Estado totalitário traio meu amigo sob ameaça de tortura, talvez até por medo de perder meu emprego, posso dizer razoavelmente que não agi com liberdade. Ainda assim, fiz com certeza uma escolha, pois poderia, pelo menos em teoria, ter optado ser morto, torturado ou aprisionado. A mera existência de alternativas não é, portanto, o bastante para tornar a minha ação livre (embora possa ser voluntária) no sentido normal da palavra. A extensão de minha liberdade parece depender: (a) de quantas possibilidades estão abertas para mim (ainda que o método de contá-las nunca possa ser mais do que impressionista; as possibilidades de ação não são entidades distintas como maçãs, que podem ser exaustivamente enumeradas); (b) da facilidade ou dificuldade de concretizar essas possibilidades; (c) da importância que, dados o meu caráter e as circunstâncias, essas possibilidades têm no meu plano de vida, quando comparadas umas com as outras; (d) do grau de amplitude em que são fechadas e abertas por atos humanos deliberados; (e) do valor que não só o agente mas também o sentimento geral da sociedade em que vive atribuem às várias possibilidades. Todas essas grandezas devem ser ‘integradas’, e uma conclusão, que necessariamente nunca é precisa ou indiscutível, tirada desse processo." BERLIN, Isaiah. Dois conceitos de liberdade...p. 652.
  193. Sobre a relação entre vulnerabilidade e essencialidade do bem: TJRS, Décima Nona Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 70013189519, rel. Des. José Francisco Pellegrini, j. 13.12.2005. Em certo momento do voto, o relator comenta que: "Aqui, no caso, aplica-se o princípio da vulnerabilidade fática ou sócio-econômica, já que o contratante mais fraco, muitas vezes, não pode fugir à necessidade de contratar e o fornecedor, por seu grande poder econômico ou em razão da essencialidade do serviço, impõe sua superioridade, ditando as condições do ajuste."
  194. Aliás, talvez seja interessante regular a intensidade de controle dos contratos de adesão de acordo com a essencialidade do bem. Pois no caso do bem ser supérfluo, é exigido um ônus maior por parte do consumidor em inteirar-se do conteúdo do contrato para avaliar em que medida ele é lesivo aos seus interesses, ainda mais se era possível para ele entender facilmente os termos do contrato e buscar alternativas no mercado.
  195. ATIYAH, P.S.; SMITH, Stephen A. Atiyah’s introduction to the law of contract...p. 275.
  196. A bem da verdade, uma cláusula que esteja elencada no art 51 ou em uma das portarias sobre cláusulas abusivas não é constante e permanentemente abusiva, podendo ser declarada a sua validade pelo juiz no caso concreto, caso seja afastada ou mitigada a vulnerabilidade do consumidor. Devo a retificação desse argumento ao Prof. Dr. Luís Renato Ferreira da Silva.
  197. ATIYAH, P.S.; SMITH, Stephen A. Atiyah’s introduction to the law of contract...p. 276. E, mais adiante: "Wrongful threats are almost by definition the kind of extraordinary pressure that individuals should not be expected to put up with as one of the ordinary vicissitudes of life." ATIYAH, P.S.; SMITH, Stephen A. Atiyah’s introduction to the law of contract...p. 277.
  198. Uma forma de ver essa conciliação é pelas próprias regras do CDC, que procuram mais ou menos delimitar o âmbito da vulnerabilidade e da responsabilidade. No entanto, como foi visto, não só muitas dessas cláusulas devem ser interpretadas como também o juiz tem um papel na criação de cláusulas abusivas.
  199. Paulo, 1. XXII, tit. VI, frag. 9 §2º do Digesto apud LANDIM, Jayme. Vícios da vontade: em comentário ao código civil brasileiro. Rio de Janeiro: José Konfino, 1960, p. 62.
  200. Outros dois institutos que poderiam ser objeto de análise aqui, e que possuem íntima relação com a teoria da ação voluntária são o erro e a lesão. Uma boa obra sobre o primeiro (embora não sob um viés aristotélico) é a de Jayme Landim (LANDIM, Jayme. Vícios da vontade...). Já sobre o último, veja-se a análise de MACDONALD, Paulo. Uma interpretação aristotélica da lesão no código civil. 2005. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005, que utiliza a teoria da ação voluntária para fundamentar suas conclusões.
  201. Inserir esse tipo de comentário ao falar de Aristóteles pode chocar muitos que estão acostumados com a idéia de que a idéia de que não havia na Grécia responsabilidade subjetiva, e que a noção de culpa só ganha relevo com o advento do cristianismo (veja-se MARTINS-COSTA, Judith. Os fundamentos da responsabilidade civil...p. 35, e DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Tomo I. 2. ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1950, p. 9 e 23). Obviamente, nenhum dos dois desconhece que a culpa já existia no direito romano, mas geralmente não é dado nenhum destaque para o que Aristóteles falou a respeito, de quem as construções romanas pegaram emprestados muitos conceitos (veja-se, para isso, GORDLEY, James. The philosophical origins of modern contract doctrine...p. 30-69). As duas posições estão, entretanto, equivocadas. Tanto a idéia de culpa estava presente no Direito grego, pelo menos no período Clássico (é o que afirma MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 19), como também na filosofia (como já deve ter ficado, aqui, claro, na análise do livro III da EN de Aristóteles).
  202. EN III, 5, 1114a25.
  203. "Punimos igualmente as pessoas que ignoram qualquer dispositivo das leis que devem conhecer, e podem conhecer facilmente, e da mesma forma no caso de qualquer outra proibição cuja ignorância seja presumivelmente devida à negligência; presumimos que estava ao alcance destas pessoas não ser ignorantes, pois elas teriam podido tomar precauções." EN III, 5, 1114a1.
  204. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil...p. 138. Segundo Sérgio Cavalieri Filho, a culpa "exprime um juízo de reprovabilidade sobre a conduta do agente, por ter violado o dever de cuidado quando, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo." CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil...p. 57.
  205. James Gordley parece ter uma posição diversa, já que, segundo ele "(...)as soon as the defendant can point to a verifiable physical disability which prevented him acting as safely as a normal person-for example, he is blind-he is not held liable." GORDLEY, James. The moral foundations of private law... (veja-se também Tort law in the Aristotelian tradition. In: OWEN, David (org.). Philosophical foundations of tort law. New York: Oxford University Press, 2001, p. 144). No entanto, como adverte Richard Wright, é necessário que o autor tenha feito o máximo possível para evitar se colocar numa situação em que essa sua deficiência poderia trazer prejuízos a outros: "When assessing a defendant’s alleged negligence, an objective perspective generally is applied: the defendant is required to take at least as much care as would be taken by the (ideal) prudent person with ordinary physical and mental abilities. The standard is not lowered to conform with the defendant’s particular physical and mental (dis)abilities. Although a defendant with an obvious physical incapacity is not required to do what she is incapable of doing, she is required to take whatever additional precautions are necessary to reduce the foreseeable risks to others to the objectively specified acceptable level." WRIGHT, Richard. The standards of care in negligence law. In: OWEN, David (org.). Philosophical foundations of tort law. New York: Oxford University Press, 2001, p. 257-8.
  206. Segundo FRADERA, Véra Maria Jacob de. Conceito de culpa. Revista dos Tribunais, v. 770, p. 117-122, dez. 1999, p. 119
  207. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil...p. 139. Segundo Gordley, "more technically, negligence (negligentia) was a lack of solicitude (sollicitudo) or diligence (diligentia). Solicitude or diligence is the virtue that enables the alert, adroit performance of the "chief act" of prudence, praecipere, which could be translated as ‘to command’ or ‘to execute’. Prudence requires three ‘acts’: to take counsel or to consider what should be done (consiliari); to judge or decide what should be done (iudicare); and to execute this decision (praecipere). GORDLEY, James. Tort law in the Aristotelian tradition...p. 145. Segundo outras definições, todas em sentido semelhante: "Negligência é a mesma falta de cuidado por conduta omissiva." CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil...p. 61. "A negligência consiste (...) em não dar importância às conseqüências colaterais da escolha de um determinado meio." MUÑOZ, Alberto Alonso. Liberdade e causalidade...p. 180.
  208. Que, como ressalta Larenz, não se confunde com a diligência habitual. Ainda segundo o autor: "qual seja a diligência ‘exigível’ em cada caso é algo que se determina, por um lado, pelo objectivo de evitar um resultado danoso a outrem, e, por outro lado, atendendo ao poder do agente e ao risco ainda permitido, porque não completamente evitável no tráfego." LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito...p. 407-8.
  209. GORDLEY, James. The moral foundations of private law...; veja-se também GORDLEY, James. Tort law in the Aristotelian tradition...p. 145.
  210. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil...p. 133.
  211. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil...p. 133.
  212. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil...p. 59.
  213. É como Judith Martins-Costa o caracteriza: MARTINS-COSTA, Judith. Os fundamentos da responsabilidade civil...p. 42.
  214. Veja-se Peter Birks: "Even the standard set by the ubiquitous reasonable man is unattainable by many people who would not wish to claim the privileges of the insane." BIRKS, Peter. The concept of a civil wrong. In: OWEN, David (org.). Philosophical foundations of tort law. New York: Oxford University Press, 2001, p. 42. Ele comenta depois que: "The objective standard ignores the actual capacities of the defendant and, very importantly, takes no account of the fact that in the real world the reasonable man makes mistakes quite often without forfeiting his title to respect as a reasonable and careful being." BIRKS, Peter. The concept of a civil wrong...p. 45. Isso levou, inclusive, Tony Honoré a dizer que tal responsabilidade, na verdade, era objetiva: "The standard of negligence is nearly always objective. The defendant may therefore be held liable for faults that a reasonable person would not have committed but that he could not help because he was too rash, clumsy, or stupid. Though nominally the liability is for fault, the defendant is in effect subject to strict liability." HONORÉ, Tony. The morality of tort law. In: OWEN, David (org.). Philosophical foundations of tort law. New York: Oxford University Press, 2001, p. 89.
  215. Comentarei mais sobre isso a seguir.
  216. Como exemplo, o art. 152 do Código Civil: "No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela."
  217. Como afirma Cavalieri: "Quem não tem capacidade física, intelectual ou técnica para exercer determinada atividade deve se abster da prática dos atos que escapam de todo ao círculo de suas aptidões naturais, ou reforçar a diligência para suprir suas deficiências (...). A tendência geral da doutrina e da jurisprudência é nesse sentido: incluir na caracterização da culpa não só a diligência da vontade, mas também a falta de capacidade ou de conhecimentos exigíveis do agente." CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil...p. 57. No mesmo sentido, Jayme Landim: " (...) se [o] (...) indivíduo tomou voluntàriamente a seu cargo a realização de um ato que a outro prejudicou sem possuir conhecimento, a habilidade e a fôrça indispensáveis a produzir o seu efeito normal, o simples fato de assumir o ato constitui, por si só, culpa, pois estamos todos obrigados a não nos ocupar com assuntos que excedam as nossas possibilidades." LANDIM, Jayme. Vícios da vontade...p. 61.
  218. No segundo caso, incorreria na culpa por sobrestimar a si próprio, como define PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo II. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 262
  219. Não só o interesse da outra parte, mas também a própria finalidade do Direito como um instrumento de ordenação social está em jogo. A necessidade de um padrão típico abstrato surge no Direito devido ao seu caráter social, pelo fato de ele não poder ser entendido por uma ótica estritamente individualista. É da necessidade de previsibilidade, certeza e segurança que tais juízos típicos são criados: fatores atípicos de desresponsabilização afetariam a própria estabilidade da instituição e a sua utilidade como meio de planejamento e direção do futuro. Tais standards aparecem tanto no direito contratual (veja-se RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 172-3), na questão da capacidade, onde há uma presunção absoluta de capacidade para os maiores de 18 anos (veja-se Roppo, logo abaixo), e, entre outros, na publicidade enganosa (COELHO, Fábio Ulhoa. A publicidade enganosa no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 8, p. 69-78, out./dez. 1993, p. 73), que será mais bem examinada no ponto 2.2.
  220. WRIGHT, Richard. The standards of care in negligence law...p. 258-9. Assim, se, por um lado, é um pressuposto ético do direito que só deve ser punido aqueles que podem entender seus atos, por outro, também é necessário que quem sofreu um dano injusto seja reparado. Se muitas vezes esse prevalece sobre o outro isso se dá, como já foi ressaltado logo acima, por força de outros princípios e necessidades de um sistema que pretenda estabilizar e regular condutas, como a segurança jurídica. Veja-se a posição de Roppo com relação à capacidade de agir, que pode ser utilizada, analogamente, na responsabilidade civil: "É claro que o modo para aproximar, quanto mais possível, a conclusão da realidade, consistiria em verificar (...) todas as vezes, em concreto, com referência a cada caso particular, se o sujeito é, naquele momento e naquela situação, capaz ou incapaz de entender e de querer. Mas um sistema do género, teria inconvenientes e custos intoleráveis, superiores à vantagem de uma elevada aderência à realidade: quem contrata nunca teria a certeza, mesmo perante a aparente normalidade do comportamento exterior da parte contrária e a sensatez dos seus dizeres, se esta se encontra na plena e absoluta posse das suas faculdades mentais e se atingiu a sua plena maturidade mental; e recearia, sempre, concluir um contrato que o juiz, com base na mais atenta consideração das circunstâncias do caso concreto, poderia declarar inválido mais tarde; o comércio jurídico, o fluxo das contratações resultariam gravemente perturbados." ROPPO, Enzo. O Contrato...p. 228-9.
  221. GORDLEY, James. Contract law in the Aristotelian tradition...p. 281-2. O último ponto, quando Gordley refere-se à necessidade do cidadão fazer as escolhas por si mesmo como um princípio básico da democracia, é reforçado por Martha Nussbaum: "We should notice, however, that Aristotle’s interest in stability in political life is tempered by his concern for other social values, such as the autonomy of individual choice and civic vitality. Among the available conceptions of the polis he does not opt for one that would seek to maximize stability and unity by turning over all choice-making to a single person or a small group. Against Platonic efforts to eliminate conflict and instability through minimizing the legislative engagement of separate wills, Aristotle defends a conception of the city as a ‘plurality’, an association of ‘free and equal’ citizens who rule and are ruled by turns. He defends this conception on ground of justice, pointing to the fundamental role played by separateness and personal choice in any good human life; and he also claims that such an association will possess a superior vitality and richness, since human beings are more profoundly motivated to attend to and care about things by the thought that the object of care is in some important way theirs." NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 352-3. O fato de poder tomar as decisões por si mesmo é o que diferencia um cidadão de um escravo. "A slave, however good in character, is deprived of choice, therefore of something essential for living well. A slave is a human being who does not live according to his own choice (...). For these reasons, Aristotle denies that slaves can share in eudaimonia, which requires that excellent activities be chosen by the agent’s own practical reason, and chosen for their own sake." NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 348. Há um outro belo ensaio de Nussbaum sobre essa questão, onde, dentre outras coisas, ela comenta: "(...) if a creature is able to make himself a life plan – it, at the minimum, he has the capacity ‘to foresee things with his reason’ – that is sufficient, Aristotle argues, to give him a claim to be an active shaper of his own life. By nature we, or most of us, are endowed with the ability to use reason to organize our lives and plan our futures. Aristotle argues that the active exercise of practical reason and that to subdue him to the wishes of another is to deny him the conditions of a good and self-respecting life." NUSSBAUM, Martha C. Shame, separateness, and political unity: Aristotle’s criticism of Plato. In: RORTY, Amélie Oksenberg (org.). Essays on Aristotle’s ethics. Berkeley: University of California Press, 1980, p. 418. Embora defendido em uma visão aristotélica, o argumento anti-paternalismo também pode ter fortes conotações liberais. Veja-se, para isso, tanto NUSSBAUM, Martha. Hiding from humanity...p. 338s, como a defesa de Berlin da liberdade negativa (BERLIN, Isaiah. Dois conceitos de liberdade...p. 268-272).
  222. GORDLEY, James. Contract law in the Aristotelian tradition...p. 269.
  223. Como comenta Ribeiro, "a autodeterminação é um poder arbitrário, que inclui a liberdade de tomar disposições inconvenientes e contrárias aos interesses do seu titular." RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 44.
  224. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil...p. 456. Também Landim: "(...) não deve o juiz prescindir ou substituir a vontade dos litigantes pela de duas imaginárias pessoas sensatas." LANDIM, Jayme. Vícios da vontade...p. 69.
  225. Segundo LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito...p. 657.
  226. Segundo NUSSBAUM, Martha C. Hiding from humanity...p. 217-8. Martha Nussbaum acrescenta que, apesar de essas idéias serem distintas, as pessoas normalmente as ligam: quem não faz o que todos fazem, ou a maioria, é tratado como mau, ruim, inapropriado (e assim surgem as noções de estigma e vergonha). Embora não haja razões para ser assim, já que o que é típico pode ou não ser bom.
  227. Essa é, também, a posição de Karl Larenz: "Na formação do tipo e, portanto, também na coordenação concreta ao tipo, entram tanto elementos empíricos como normativos; a união destes dois elementos constitui precisamente a essência deste tipo, que eu gostaria, por isso, de denominar do tipo real normativo." LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito...p. 662.
  228. A citação a seguir, de Pontes de Miranda, reforça bem essa idéia: os costumes de uma sociedade, se são ruins, não são determinantes para determinar o que é normal: "A medida do cuidado, para se saber desde onde e desde quando êle falta, é dada pelas relações inter-humanas, é social, objetiva, e não individual, íntima, subjetiva. Não basta à conduta, para ficar fora da zona espacial e temporal da negligência, o ser o que é corrente, se o corrente, pelos maus costumes, é a negligência mesma." PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo II...p. 254. Creio que é possível, de uma certa forma, fazer uma analogia com o que Tomás de Aquino fala sobre a relação da lei humana com os costumes da comunidade. Segundo ele (estou seguindo a análise que Michel Bastit faz da sua obra, veja-se sobre essa questão, principalmente, BASTIT, Michel. El nacimiento de la ley moderna: el pensamiento de la ley de Santo Tomás a Suárez. Tradução de Nora Pereyro. Buenos Aires: Educa, 2005, p. 138 e p. 160), a lei humana deve procurar acompanhar a evolução dos costumes de uma comunidade, procurando adaptar-se a eles (embora somente quando estritamente necessário, já que a mudança da regra e da medida podem causar prejuízos à comunidade), tanto quando esses costumes melhoram, quanto quando eles regridem. A lei humana guarda sempre relação com uma comunidade específica, e é com relação a essa comunidade que ela deve orientar-se. No entanto, por mais que a lei humana possa ser um pouco rebaixada, ela ainda deve ficar um pouco acima do padrão dos costumes, para procurar fortalecer a inclinação das pessoas para o bem: "Por consiguiente, la ley debe contentarse con un nivel promedio de moralidad, no sólo en relación con una moral ideal, sino también en relación con la moralidad de la ciudad para la que dispone. Sin embargo, esto no implica un mero alineamiento con el estado de hecho, puesto que Santo Tomás confía tanto en la naturaleza que piensa que, como las inclinaciones fundamentales son buenas, el bien sigue siendo aspirado y alcanzado más fundamentalmente que el mal." BASTIT, Michel. El nacimiento de la ley moderna...p. 138. Também o tipo, como é chamado por Larenz, real-normativo, deve guardar uma certa relação com a média dos homens daquela sociedade, mas não se rebaixar excessivamente, considerando normal e correto aquilo que foi deturpado pelos maus costumes.
  229. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito...p. 660-1.
  230. PECZENIK, Aleksander. A theory of legal doctrine. Ratio Juris, v.14, n°1, p. 75-105, 2001, p. 77. Em outro artigo, ele comenta que "the estimate of normality in its turn is based on frequency, social expectations and moral intuitions." PECZENIK, Aleksander. Can philosophy...p. 114.
  231. Veja-se também CABANA, Roberto M. Lopez. Defensa jurídica de los más débiles...p. 13, para quem o regime consumerista seria aplicado a um consumidor médio, de ingressos relativamente modestos, de não muito grande discernimento, e que procede sem grande atenção. É esse tipo de standard que parece estar por trás da interpretação do art. 46 do CDC. Segundo Cláudia Lima Marques: "O importante na interpretação da norma é identificar como será apreciada ‘a dificuldade de compreensão’ do instrumento contratual. É notório que a terminologia jurídica apresenta dificuldades específicas para os não-profissionais do ramo, de outro lado, a utilização de termos atécnicos pode trazer ambigüidades e incertezas ao contrato. (...) os tribunais brasileiros vem interpretando a norma em função do nível do conhecimento jurídico do consumidor médio, isto é, do homem atento, mas sem formação jurídica específica." MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor...p. 668. Na jurisprudência, veja-se o exemplo a seguir: "(...) a ausência de explicação conceitual, no nível do homo medius, do verdadeiro significado de doença crônica também conduz à iniqüidade da cláusula e a torna abusiva." TJRS, Quinta Câmara Cível, Apelação Cível nº 598427227, rel. Des. Carlos Alberto Bencke, j. 08.04.1999.
  232. Veja-se, por exemplo, a obra de JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 1999, p. 81s e de WRIGHT, Richard. The standards of care in negligence law...p. 261s, bem como o extenso e refinado tratamento dado ao tema em 65 C.J.S.
  233. Segundo JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos...p. 77.
  234. Para Pontes, nesses casos não é legítimo sequer recorrer à eqüidade, o que seria somente outra forma de concretizar a culpa: "Recorrer-se à eqüidade, para se não ver culpa, se o agente, por suas qualidades psíquicas e corporais, não podia ter conduta diferente, é concretizar a culpa, fora dos casos em que a lei mandou que só se atendesse à violação da diligentia quam suis." PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo II...p. 261.
  235. FRADERA, Véra Maria Jacob de. Conceito de culpa...p. 121-2.
  236. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo II...p. 261. Aliás, reforça Pontes de Miranda que, mesmo quando é exigido do agente uma diligência a mais por suas circunstâncias pessoais, não se sai do terreno da culpa in abstracto: "(...) se bem que, na diligência subjetivamente a mais, se atenda a qualidades do agente e, na diligência objetivamente a mais, a qualidades das coisas, com as quais o agente trabalhe [,] não se sai do terreno da culpa in abstracto." PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo II...p. 259.
  237. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo II...p. 260-1.
  238. Teresa Negreiros, aliás, comenta que as normas protecionistas do CDC são apenas aparentemente baseadas em circunstâncias pessoais, já que, numa relação entre consumidor e fornecedor, mesmo que aquele seja mais forte, ele será tutelado. Segundo Thomas Wilhelmsson: "The policy-holder in an insurance contract is protected whether he is weak or strong, a private person or an enterprise. Although such regulations in legal writing are often called ‘person-oriented’ they only seem to differentiate between persons. The persons protected are completely interchangeable." Wilhelmsson, Thomas. Need-rationality in private law?. In: Twelve Essays on Consumer Law and Policy, Publications of the Department of Private law, University of Helsinki, 1996, p. 216 apud NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato...p. 322.
  239. LÔBO, Paulo Luiz Neto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 68 apud NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato...p. 323.
  240. MARTINS-COSTA, Judith. Ação indenizatória – dever de informar do fabricante sobre os riscos do tabagismo...p. 98.
  241. Antes de qualquer coisa, saliento que aqui não estarão em análise todas as questões pertinentes aos litígios envolvendo tabaco. A bem da verdade, os efeitos da publicidade e da nicotina como eliminadora da vontade não são a única questão relevante para decidir-se pela correção da decisão. Na verdade, talvez não seja sequer a questão mais importante. Tanto que, no parecer de Cláudia Lima Marques sobre o tema (MARQUES, Cláudia Lima. Violação do dever de boa-fé de informar corretamente, atos negociais omissivos afetando o direito/liberdade de escolha. Nexo causal entre falha/defeito de informação e defeito de qualidade nos produtos de tabaco e o dano final morte. Responsabilidade do fabricante do produto. Direito à ressarcimento dos danos materiais e morais, sejam preventivos, reparatórios ou satisfatórios. Revista dos Tribunais, v. 835, p. 75-133, mai. 2005), este problema não é sequer abordado. Na verdade, mais do que investigar os efeitos da publicidade e da nicotina sobre a vontade humana, os pareceres em torno do problema geralmente giram em torno da extensão do dever de informar e da existência da boa-fé em moldes semelhantes aos de hoje em décadas passadas. Contudo, são nas questões envolvendo tabaco que considerações sobre os temas centrais desse trabalho emergem de maneira mais intensa. É somente na medida em que esses temas e o que foi abordado no trabalho se relacionam que abordarei o problema das ações contra a indústria tabagista.
  242. COELHO, Fábio Ulhoa. A publicidade enganosa no código de defesa do consumidor...p. 70.
  243. COELHO, Fábio Ulhoa. A publicidade enganosa no código de defesa do consumidor...p. 70.
  244. Segundo MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor...p. 152.
  245. MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor...p. 152.
  246. COMPARATO, Fábio Konder apud MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor...p. 154.
  247. BOURGOIGNIE, Thierry. Conceito jurídico de consumidor. Revista Direito do Consumidor, v. 2, p. 18 e 19 apud MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor...p. 155. Isso, inclusive, leva Moraes a concluir que não pode "(...) ser aceita a idéia simplista e falaciosa de que todos são livres para optar por aquilo que desejam ou necessitam." MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor...p. 155. Embora eu ache muito difícil valer-se de argumentos de ordem "neurofisiológica, biológica ou psíquica", como Moraes faz, para comprovar que a liberdade de opção é uma idéia "simplista" e "falaciosa".
  248. Aliás, é interessante a pesquisa que Adalberto Pasqualotto coloca na sua obra, demonstrando de que forma até as crianças conseguem perceber de forma relativamente clara o papel persuasivo da publicidade como uma técnica para que as pessoas comprem determinado produto e, a medida que a sua idade avança, também relativamente suscetíveis de ficar mais ou menos alheias aos seus apelos. Segundo PASQUALOTTO, Adalberto. O regime obrigacional da publicidade nas relações de consumo. 1995. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1995, p. 146-52. Obviamente, não estou defendendo que a publicidade dirigida às crianças não deve ser rigorosamente controlada, somente procurando demonstrar de que forma o juízo crítico de um adulto, que já possui experiência de vida, o torna capaz de resistir razoavelmente a apelos publicitários.
  249. PASQUALOTTO, Adalberto. O regime obrigacional da publicidade...p. 135.
  250. PASQUALOTTO, Adalberto. O regime obrigacional da publicidade...p. 135. O autor dá um interessante exemplo para explicar melhor tal visão: "O caso Samsonite transformou-se em paradigma. Um filme na televisão mostrava uma partida de futebol jogada entre cães buldogues, na qual a bola era substituída por um a sacola de viagem. Diversas sacolas foram utilizadas durante a produção, mas o filme induzia a crer que a sacola era sempre a mesma, enfatizando a sua resistência. O tribunal não viu capacidade de induzimento a erro, pois que o consumidor médio é perfeitamente consciente dos aspectos novos dos meios de informação e deve-se levar em conta o grau de discernimento e senso crítico da média dos consumidores, não sendo a lei destinada a proteger os fracos de espírito." PASQUALOTTO, Adalberto. O regime obrigacional da publicidade...p. 136.
  251. Isso pode levar, inclusive, a critérios um tanto estranhos e quase matemáticos para constatar o poder de indução em erro de uma publicidade. Veja-se o comentário de Pasqualotto: "Na Alemanha, procurou-se estabelecer um critério quantitativo: um anúncio é considerado enganoso se uma certa parte do público, ao redor de 10% dos receptores da mensagem, determinados pela livre apreciação dos tribunais, é suscetível de ser induzida em erro." PASQUALOTTO, Adalberto. O regime obrigacional da publicidade...p. 137.
  252. Nesse sentido, entre outros, BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor...p. 538 e BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Comentário aos artigos 29 a 45...p. 293. Aqui se percebe, novamente, a relação do standard com uma freqüência empírica.
  253. Esse foi o critério adotado no Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária que, no seu art. 22, reza: "os anúncios não devem conter afirmações ou apresentações visuais ou auditivas que ofendam os padrões de decência que prevaleçam entre aqueles que a publicidade poderá atingir."
  254. Os exemplos são de COELHO, Fábio Ulhoa. A publicidade enganosa no código de defesa do consumidor...p. 72.
  255. COELHO, Fábio Ulhoa. A publicidade enganosa no código de defesa do consumidor...p. 71.
  256. COELHO, Fábio Ulhoa. A publicidade enganosa no código de defesa do consumidor...p. 72-3.
  257. Não custa salientar: não estou dizendo aqui que, para verificar-se o potencial de enganosidade de uma publicidade deve-se averiguar detalhadamente, em cada caso, se o consumidor podia ser enganado ou não. Somente que, com relação a alguns produtos que são oferecidos para um grupo indistinto de consumidores, embora prevaleça o padrão do consumidor mais desatento, que será tutelado também, esse padrão não vale para todos os consumidores. De alguns será exigido uma diligência a mais, mas isso por se enquadrarem em um novo tipo, de onde se presume um grau maior de diligência. Assim, uma publicidade de um remédio pode ser enganosa para um consumidor leigo, mas não para um farmacêutico, que, presume-se, possui conhecimento do seu ramo de atividades.
  258. Veja-se BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Comentário aos artigos 29 a 45...p. 288.
  259. Como exemplos, em dois casos do nosso Tribunal de Justiça fica explícito que ao consumidor também cabem certos ônus. No primeiro deles, foi decidido que não caracteriza publicidade enganosa a publicação de anúncio oferecendo facilidades de empréstimos, quando os interessados constatam, ao chegar no local da anunciante, tratar-se de consórcio e, conscientemente, aderem a um plano. Nesse caso, entendeu-se que os autores, ao perceberem as atividades que ali eram desenvolvidas, já não estavam sendo levados pelo anúncio, mas agindo por vontade própria (TJRS, Apelação Cível n° 70004003455, rel. Des. Luiz Ary Vessini de Lima, j. 01.08.2002). No outro caso, um consumidor adquiriu uma motocicleta modelo 2005 com ano de fabricação 2004, entendendo que estava implícito no anúncio que, se o modelo era 2005, o ano de fabricação deveria ser o mesmo. Entendeu a Nona Câmara Cível do TJRS que "em primeiro lugar, o período em que efetuada a compra (janeiro de 2005) denota que, no mínimo, seria duvidosa a fabricação do veículo já no ano de 2005 (...). Em segundo lugar, ficando constatada a razoável pesquisa de mercado acerca da aquisição da motocicleta por parte do autor, elementar que o referido esclarecimento constasse de sua análise. Nesta seara, não há falar-se em publicidade enganosa ou má-fé por parte do réu, porquanto notório que os anúncios de venda de veículos automotores informam o ano do modelo e não o de fabricação da mercadoria, estando dentro da esfera do exigível por parte do autor a indagação a respeito, mormente em se tratando de publicação veiculada nos dez primeiros dias do ano." TJRS, Nona Câmara Cível, Apelação Cível nº 70015979305, rel. Des. Odone Sanguiné, j. 25.10.2006.
  260. Eu reforço o que afirmei anteriormente: não abordarei todos os problemas envolvendo tais ações, somente aqueles que dizem respeito especificamente a esse trabalho, já que nessas situações tais problemas aparecem de maneira mais realçada.
  261. Como exemplos: TJRS, Nona Câmara Cível, Apelação Cível nº 70007090798, rel. Des. Luís Augusto Coelho Braga, j. 19.11.2003. Em certo momento do acórdão, o relator comenta que "o problema, na verdade, não é a licitude, ou não, da atividade de fabricação e comercialização de cigarros, e nem a opção livre de consumo pelos adquirentes, (...) opção que, na verdade, sequer é livre, no caso do cigarro, nem mesmo com relação aos primeiros cigarros e tragadas, pois sempre há, e sempre houve, a já referida publicidade apelativa." Em outro caso, já citado no início do trabalho, também a publicidade aparece nessas mesmas vestes, no voto do Des. Adão Cassiano: "A ocultação dos fatos, mascarada por publicidade enganosa, massificante, cooptante e aliciante, além da dependência química e psíquica, não permitia e não permite ao indivíduo a faculdade da livre opção, pois sempre houve publicidade apelativa (...)." TJRS, Nona Câmara Cível-Regime de Exceção, Apelação Cível nº 70000144626, rel. Desa. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, j. 29.10.2003.
  262. É interessante que, nos Estados Unidos, o mesmo advogado que processou a indústria tabagista, adotando como um dos seus fundamentos a força coativa da publicidade de cigarros, também ingressou em juízo, há pouco tempo, contra uma famosa rede de lanchonetes. Pois também aqui sua tese é a mesma: empresas que possuem forte influência na mídia e que se valem de publicidade maciça eliminam a vontade e o livre-arbítrio do consumidor a tal ponto que ele se torna irresponsável por suas escolhas. No Brasil, argumentos desse tipo já começam a ser usados também contra as bebidas alcoólicas, pois sua publicidade também teria esse condão de levar irresistivelmente o consumidor ao consumo (veja-se, por exemplo, o voto do Des. Adão Cassiano já citado acima. Em um determinado momento ele conclui: "Situação semelhante e até idêntica é também a da fabricação e comercialização, v. g., de bebidas alcoólicas que também é legal e lícita e há liberdade de consumir – assim como também ocorre com o cigarro – mas em época mais recente também com as advertências sobre os males do consumo de álcool. Basta atentar-se para a publicidade, v. g., das cervejas em geral: lindas mulheres, esporte, praia, saúde, vigor, quando se sabe que, principalmente as atrizes que participam da publicidade, só têm aquelas formas esculturais exatamente porque não consomem o produto do qual fazem a publicidade." E: "E as situações similares poderiam ser multiplicadas e, certamente, em nenhuma delas, em caso de males ou prejuízos causados aos usuários, o fato de ser lícita a atividade e de ser livre o consumo ou aquisição, evitará a responsabilidade de fabricantes e comerciantes pelos males e prejuízos decorrentes de tais produtos").
  263. Defendendo que a publicidade do cigarro não poderia ser qualificada de enganosa, veja-se a seguinte ementa: "Inexistência de publicidade enganosa. A publicidade de cigarros não teria o condão de levar, por si só, o Autor a fumar e mantê-lo como fumante por anos a fio." TJRS, Sexta Câmara Cível, Apelação Cível nº 70006322226, rel. Des. Cacildo de Andrade Xavier, j. 10.03.2004.
  264. MARTINS-COSTA, Judith. Ação indenizatória...p. 98.
  265. Que, segundo MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor...p. 152, também seria um tipo de "vulnerabilidade psíquica".
  266. São nesses termos que Guilherme Ferreira da Cruz se manifesta: CRUZ, Guilherme Ferreira da. A responsabilidade civil das empresas fabricantes de cigarros. Revista de Direito do Consumidor, v. 47, p. 67-117, jul./set. 2003, p. 91. No entanto, como explica Aristóteles (MM I, 15, 1188b15-21), a idéia de necessidade e necessário não se aplica às coisas que fazemos por prazer (ninguém diz que foi forçado a seduzir a mulher do amigo). A idéia de necessidade só é aplicada às coisas que nos são exteriores, como a necessidade de sofrer certo mal para evitar outro maior.
  267. Vários desembargadores defendem essa tese. Por exemplo, o Des. Luís Augusto Coelho Braga (TJRS, Nona Câmara Cível, Apelação Cível nº 70007090798, rel. Des. Luís Augusto Coelho Braga, j. 19.11.2003) afirma que a vontade é anulada pela dependência química e psíquica (no mesmo sentido, o voto do Des. Adão Cassiano, diversas vezes citado. Veja-se também o voto do Des. Miguel Ângelo da Silva em TJRS, Nona Câmara Cível, Apelação Cível nº 70012335311, rel. Desa. Marilene Bonzanini Bernardi, j. 21.09.2005. A Desembargadora Bernardi, no entanto, entendeu que havia concorrência de culpa pois, se a ré agiu dolosamente ocultando informações e induzido ao vício o consumidor, por outro lado esse "mesmo quando já padecia da doença, em desobediência às ordens médicas, permaneceu fumando, tendo de tomar doses mais elevadas de medicação para tentar controlar a enfermidade"). Por fim, veja-se a ementa do seguinte acórdão: "Ação de indenização por danos materiais, morais e lucros cessantes. Aplicação do código de defesa do consumidor. Fumante. Publicidade enganosa. Defeito do produto. Nexo de causalidade. Rejeição da tese, no caso concreto, da periculosidade ínsita do produto e do livre-arbítrio do ato de fumar. preliminares rejeitadas. (...) Tese da ré consistente na ínsita periculosidade do produto-cigarro e do livre-arbítrio no ato de fumar que, no caso concreto, se esboroa ante o comprovado poder viciante da nicotina, ante a ausência de informações precisas quanto aos componentes da fórmula do cigarro e de qual a quantidade supostamente segura para o seu consumo, bem ainda ante a enorme subjetividade que caracteriza a tese, particularmente incompatível com as normas consumeristas que regem a espécie." TJRS, Sexta Câmara Cível-Regime de Exceção, Apelação Cível nº 70000840264, rel. Des. José Conrado de Souza Júnior, j. 02.06.2004.
  268. Manifestaram-se, nesse sentido, entre outros, o Des. Cacildo de Andrade Xavier (TJRS, Sexta Câmara Cível-Regime de Exceção, Apelação Cível nº 70000840264, rel. Des. José Conrado de Souza Júnior, j. 02.06.2004), a Desa. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira (TJRS, Nona Câmara Cível-Regime de Exceção, Apelação Cível nº 70000144626, rel. Desa. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, j. 29.10.2003) e o Des. João Batista Marques Tovo (TJRS, Sexta Câmara Cível, Apelação Cível nº 70006322226, rel. Des. Cacildo de Andrade Xavier, j. 10.03.2004). No voto do desembargador Tovo há uma interessante citação de Sérgio Luís Boeira e Julia Silva Guivant, em que é analisado o porquê das pessoas, mesmo conscientes dos malefícios do cigarro, não abandonarem o vício, e de como o argumento de que isso ocorre por déficit informacional é simplista. Cito um trecho: "Esse argumento, que opõe leigos e peritos, correspondendo a uns a ignorância e a irracionalidade e a outros o conhecimento e a racionalidade, foi criticado, sobretudo a partir dos anos 80, pelas teorias culturais de risco, que enfatizam o papel da cultura na formulação e percepção dos riscos (Douglas, 1994; Beck, 1992, 1999). A informação sobre um determinado risco à saúde não é considerada condição suficiente para a mudança de atitude de parte dos leigos. Há, de fato, pouca evidência empírica para afirmar que as distâncias sobre percepção de riscos entre leigos e peritos deva-se a informação insuficiente ou inapropriada, ou que as atitudes mais preventivas são esperadas de grupos sociais com maior educação ou informação (Freudenburg & Rush, 1998). As tomadas de decisões sobre práticas que envolvem risco dificilmente se apóiam de forma exclusiva em estimativas probabilísticas. A percepção leiga dos riscos envolve muitas outras dimensões além da estritamente relacionada com expectativas probabilísticas de vida. E tampouco poder-se-ia afirmar que os leigos tomam decisões avaliando isoladamente os riscos diversos com os quais se defrontam cotidianamente. Os indivíduos assumem, de forma mais ou menos consciente, estilos de vida e como parte destes é que podem ser analisados os seus hábitos. O planejamento da vida cotidiana assumiria, nesta hipótese a forma de um ‘pacote de riscos’, mais que a de um cálculo individual de cada risco. Como afirma Giddens, assumir certos riscos em favor de um estilo de vida é aceitável se isto acontecer como parte do que define como ‘limites toleráveis’ dentro de um pacote mais abrangente.(...) Essa explicação tem a vantagem de não ignorar as capacidades de tomada de decisões e opções dos atores sociais, ao mesmo tempo em que não os apresenta como meras vítimas das corporações e interesses econômicos, embora mantenha o papel central destas últimas dentro de redes institucionalizadas do ambiente de riscos, na medida em que são incentivadoras determinantes das alternativas de estilos de vida entre as quais os atores sociais podem desenvolver escolhas. (Em CADERNOS DE CIÊNCIA & TECNOLOGIA, Brasília, v. 20, p. 45-78, reprodução de texto publicado na Internet; destaque não existente no original)." Em outros tribunais do país (como nos Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro e São Paulo), a regra é igualmente pela culpa exclusiva da vítima decorrente do livre-arbítrio do fumante.
  269. MARTINS-COSTA, Judith. Ação indenizatória...p. 98.
  270. Não abordo a situação dos que iniciam o vício atualmente já que, a meu ver, não é possível alegar qualquer forma de desconhecimento das informações ou apelo publicitário (que, inclusive, é proibido).
  271. Nesse ponto, temos que concordar com o desembargador José Conrado de Souza Junior: "Entendo que na verdade a escolha do autor não foi eminentemente livre, porque a empresa apelada – em primeiro lugar - não advertiu quanto aos ingredientes do cigarro que vendia, nem avisou que o cigarro podia lhe causar enfisema pulmonar, bronquite, câncer, etc, ou mesmo que não sabia ao certo que efeitos o uso do cigarro a longo prazo poderia causar ao fumante e – em segundo lugar – porque, contrariando o dever de informar, investiu milhões em publicidade e publicidade a fim de seduzir e sugestionar de forma subliminar e subconsciente as pessoas de que o cigarro que vendia não era um produto com considerável potencial de lesividade, incitando seu consumo. Não foi dada ao consumidor a opção de aceitar ou rejeitar a mensagem por que ela veio deturpada e omissiva, viciando a vontade do consumidor." TJRS, Sexta Câmara Cível-Regime de Exceção, Apelação Cível nº 70000840264, rel. Des. José Conrado de Souza Júnior, j. 02.06.2004.
  272. Quem insiste no vício, mesmo sabendo dos seus malefícios, poderia ser denominado propriamente de incontinente (ou acrático, aquele que sabe o que é correto mas, por uma força de vontade fraca, pratica o que é errado). Aristóteles, obviamente, não lidou com tal questão, mas é provável que o tipo de crítica que ele dirige ao embriagado possa ser utilizada aqui também, ou seja, aquele que não cuida de precaver-se, mas mesmo assim é responsável pela vida descuidada que leva.
  273. É possível aqui utilizar analogamente o que Aristóteles fala sobre a compulsão que certas coisas agradáveis possuem: "(...) é tão absurdo atribuir a culpa às circunstâncias exteriores, em vez de atribuí-la a nós mesmos, por sermos facilmente levados por atrativos desta espécie [as coisas nobres e agradáveis], quanto atribuir-nos o mérito por atos nobilitantes, mas atribuir a culpa por atos ignóbeis aos objetivos agradáveis." EN III, 1, 1110b10-15.
  274. FRIEDRICK, Carl. The philosophy of law in historical perspective. 2. ed., 1963, p. 3 apud ELKINS, James R. The examined life...p. 175.
  275. WIEACKER, Franz. Das bürgerliche Recht im Wandel der Gesellschaftsordnungen. In: Festschrift zum hundertjährigen Bestehen des DJT, II, 1960, p. 10 apud HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado...p. 73.
  276. Konrad Hesse comenta que as mudanças no Direito Privado "no deberían obstruir, sin embargo, la visión de lo que permanece y debe ser conservado en el Derecho Civil tradicional, aquello que constituye el Derecho Privado como sector jurídico propio e irrenunciable, en particular su significado para la preservación y la garantía de la personalidad del hombre, para su autodeterminación y su responsabilidad propia; esto es, aquellos elementos qeu han hecho del Derecho Privado el baluarte de la libertad." HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado...p. 73-4. Para Hesse, a existência de uma esfera privada, de isolamento do sujeito e de convivência dele com ele mesmo, sem ingerência do Estado, é essencial numa ordem constitucional que tem como pressupostos a capacidade de autodeterminação do cidadão e sua responsabilidade por seus atos. Ele faz uma bela defesa desses valores no trecho a seguir: "Aquí debe contarse, en primer lugar, el aspecto negatorio comprendido en tal función de preservación y garantía: la personalidad presupone un ámbito en la vida de cada persona que sea en sentido literal ‘privado’, esto es, no público, no referido al Estado ni a una comunidad, un ámbito en el que la persona pueda estar y permanecer aislada, un ámbito tan cerrado a la curiosidad pública de autoridades y medios de comunicación como a la asistencia pública, que no ocasionalmente se asocia a la tutela y a la manipulación. A todos nos resulta familiar en qué medida este presupuesto fundamental de la dignidad y de la libertad del hombre es amenazado en la actualidad; Franz Wieacker ha hablado de una deshumanización silenciosa. (...) De otro lado, pertenece a lo que permanece y debe ser conservado el principio fundamental del Derecho Privado, la autonomía privada, en particular en la forma de libertad contractual. Constituye, por así decirlo, es aspecto activo y positivo de la personalidad, el ámbito en el que la persona puede actuar como ser autónomo y responsable, en el cual no es lícito convertirla en simple medio para fines sociales." HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado...p. 74-75. Dessa forma, conclui o autor que: "La libertad privada de la persona, que el Derecho Civil presupone y para cuya preservación y desarrollo dispone normas y procesos jurídicos, es requisito indispensable para las decisiones responsables y para la posibilidad misma de decidir. (...) En la autodeterminación y en la propia responsabilidad se manifiesta en parte esencial el tipo de persona del que parte la Ley Fundamental y del que depende el orden constitucional." HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado...p. 86.
  277. NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 321.
  278. Nesse sentido, ELKINS, James R. The examined life...p. 184.
  279. Joaquim Ribeiro enfatiza esse ponto: "A fórmula de Portmann, ‘o animal ‘vive’ a sua vida, enquanto o homem ‘conduz’ a sua existência’ (...) traduz bem a aptidão do ser humano em controlar com a sua razão e a sua vontade os factores internos e as condicionantes externas que influenciam a sua conduta." RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato...p. 22.
  280. NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 321.
  281. BERLIN, Isaiah. Dois conceitos de liberdade...p. 239.
  282. Tanto é assim que Hesse, ao descrever o tipo por trás da ordem constitucional, não o identifica nem como um homem que não sabe cuidar de si mesmo e que é privado de pensar e decidir por uma autoridade poderosa, nem um homem individualista, prudente, interessado, atento e alerta, que o Estado deve deixar tranqüilo. Muito pelo contrário, o tipo imaginado por Hesse "es, más bien, el tipo de hombre como ‘persona’: un ser de valor inalienable, determinado al libre despliegue de su personalidad, pero al mismo tiempo referido y ligado a la comunidad y por ello también llamado a colaborar responsablemente en la organización de la convivencia humana." HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado...p. 87.
  283. Com relação a presença desses dois elementos, estabilidade e risco, nas nossas vidas, comenta Nussbaum que: "We pursue and value both stability and the richness that opens us to risk. In a certain sense we value risk itself, as partially constitutive of some kinds of value. In our deliberations we must balance these competing claims." NUSSBAUM, Martha C. The fragility of goodness...p. 372.
  284. Como afirma Hesse: "El hombre como persona libre, autodeterminada y responsable sólo puede existir donde el ordenamiento jurídico abre posibilidades para la autonomía del pensamiento y de la acción." HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado...p. 87.
  285. Onora O’Neill levanta outros problemas. Embora o escopo dela seja mais amplo, obviamente, do que a vulnerabilidade jurídica, já que ela está se referindo também à vulnerabilidade socialmente relevante, ainda assim é interessante seu ponto de vista, pelo menos com relação às possíveis conseqüências de uma ênfase excessiva da vulnerabilidade: "É tentador pensar que a vulnerabilidade seria mais bem limitada garantindo igualdades específicas – ou limitando desigualdades específicas. Tais abordagens tratam certos resultados – as igualdades conseguidas – como os indicadores da justiça. A dificuldade em relação a esta abordagem é que garantir igualdades é institucionalmente difícil e pode destruir outras garantias. Por exemplo, pode limitar liberdades, destruir certas relações sociais e limitar políticas democráticas." O’NEILL, Onora. Em direção à justiça e à virtude...p. 203.
  286. Ele está alertando sobre os tipos de despotismo que devem temer as nações democráticas.

287.TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Tradução de Neil Ribeiro da Silva. 4. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1998, p. 531-532

Sobre o autor
Eduardo Augusto Pohlmann

Advogado em Porto Alegre (RS). Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

POHLMANN, Eduardo Augusto. Uma análise dos reflexos da vulnerabilidade sobre a responsabilidade do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1794, 30 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11321. Acesso em: 24 dez. 2024.

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