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Reforma agrária: competência para a fixação de parâmetros de produtividade

Agenda 29/05/2008 às 00:00

EMENTA:

Reforma Agrária. Parâmetros de produtividade. A fixação dos índices de eficiência de exploração da terra constitui mero desdobramento dos levantamentos estatísticos da produção agropecuária em cada micro-região homogênea do País, realizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. A explicitação dos índices apurados se faz por portaria conjunta do MAPA e Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, depois de ouvido o Conselho Nacional de Política Agrícola - CNPA sobre os critérios de aferição. A oitiva do CNPA – órgão composto paritariamente por membros do governo e representantes do agronegócio e dos trabalhadores rurais - é obrigatória, ante o mandamento do art. 187 da Constituição.


TEXTO:

É atual e assaz relevante a discussão sobre os mecanismos normativos necessários à implementação da política de reforma agrária, de que se devem valer os Ministros de Estado do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para o fim de "ajustar" os índices, parâmetros e indicadores de rendimento de produtos vegetais e para a pecuária, que informam o conceito de produtividade de que trata o art. 11, da Lei nº 8.629, de 25.02.1993, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.382-56, de 25.08.2001.

Nos termos da Lei nº 8.629/93, a fixação dos índices de aferição do grau de utilização da terra e de eficiência na exploração é feita pelo órgão federal competente, devendo os parâmetros, índices e indicadores que sustentam o conceito de produtividade ser ajustados, periodicamente, pelo Ministério da Agricultura e Reforma Agrária (atual Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA), depois de ouvido o Conselho Nacional de Política Agrícola.

Assim dispõe a Lei nº 8.629, de 25.02.1993:

"...........

Art. 2º A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais.

.....................

Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente.

...................

§ 7º Não perderá a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que, por razões de força maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida, devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie.

...................

Art. 11. Os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados, periodicamente, de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional, pelo Ministério da Agricultura e Reforma Agrária, ouvido o Conselho Nacional de Política Agrícola.

......................".

O Conselho Nacional de Política Agrícola, instituído na forma do art. 5º, da Lei nº 8.171, de 17.01.1991, vinculado ao então Ministério da Agricultura e Reforma Agrária, atual MAPA, tem por atribuições orientar a elaboração do Plano de Safra, propor ajustamentos ou alterações na política agrícola e manter sistema de análise e informação sobre a conjuntura econômica e social da atividade agrícola.

Consoante o Decreto nº 4.623, de 21.03.2003, o Conselho Nacional de Política Agrícola passou a ser constituído pelos seguintes membros: um do Ministério da Fazenda; um do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; um do Banco do Brasil S.A.; dois da Confederação Nacional da Agricultura; dois da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG); dois da Organização das Cooperativas Brasileiras, ligadas ao Setor Agropecuário; um da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça; um do Ministério do Meio Ambiente; um do Ministério da Integração Nacional; três do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; um do Ministério do Desenvolvimento Agrário; um do Ministério dos Transportes; um do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e dois de Setores Econômicos abrangidos pela Lei Agrícola, de livre nomeação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

De seu lado, a Lei nº 10.683, de 28.03.2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, ao enumerar os assuntos que constituem áreas de competência de cada Ministério (art. 27), estipula:

"................

I – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento:

a) política agrícola, abrangendo produção e comercialização, abastecimento, armazenagem e garantia de preços mínimos;

............

h) proteção, conservação e manejo do solo, voltados ao processo produtivo agrícola e pecuário;

....................

VIII – Ministério do Desenvolvimento Agrário:

a) reforma agrária;

b) promoção do desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos agricultores familiares;

..................".

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Além das atribuições elencadas no inciso I do art. 27, o MAPA exerce em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente a competência relativa ao zoneamento ecológico-econômico (§ 4º, art. 27) e, com o do Desenvolvimento Agrário, a relacionada à assistência técnica e extensão rural (§ 11, art. 27).

Segundo o inciso I do art. 29 da Lei nº 10.683/2003, integra a estrutura básica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, além de outros órgãos, o Conselho Nacional de Política Agrícola.

O Decreto nº 5.351, de 21.01.2005, que aprova a Estrutura Regimental do MAPA, enumera, no inciso IV do art. 3º, dentre os órgãos colegiados, o Conselho Nacional de Política Agrícola – CNPA (alínea d), cujas competências são as estabelecidas nas Leis nº 8.171, de 17.01.1991 e 8.174, de 30.01.1991, a chamada Lei Agrícola.

O Regimento Interno do Conselho Nacional de Política Agrícola em vigor é o aprovado por meio da Resolução nº 01, de 21.03.1991, publicada no DOU de 26.03.1991, que ainda projeta os seus efeitos jurídicos, com alterações em sua composição introduzidas pela legislação posterior.

A Lei nº 8.629/93, em seu art. 6º, não especifica o órgão federal competente para fixar os índices de aferição do grau de utilização da terra e de eficiência na exploração, mas é cristalina ao enunciar, em seu art. 11, que os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados, periodicamente, pelo Ministério da Agricultura e Reforma Agrária (atual MAPA), depois de ouvido o Conselho Nacional de Política Agrícola.

Portanto, ainda que a competência para fixar os índices não esteja clara e, por isso, seja reivindicada por segmentos do INCRA, não há dúvidas sobre os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serem ajustados, periodicamente, por ato conjunto do MDA e do MAPA, depois de consultado o CNPA.

Significa dizer que, mesmo que o INCRA venha a ser reconhecido como o órgão federal competente para fixar os índices de aferição do grau de eficiência na exploração, terá que fazê-lo com base em critérios subministrados periodicamente em ato conjunto do MDA e do MAPA, depois de ouvidos os representantes de organismos de governo e da comunidade econômica do agronegócio que constitui o colegiado do CNPA.

É certo que a prévia manifestação do CNPA, a propósito dos critérios genéricos de aferição da produtividade, sendo de caráter obrigatório, não pode ser dispensada, sob pena de invalidade do ato de fixação específica dos índices pelo órgão competente.

Assim se afirma, porque a Constituição Federal, em seu art. 187, determina que a política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, dispondo, mais, em seu § 2º, que serão compatibilizadas as ações de política agrícola e de reforma agrária.

Deste modo, a manifestação do CNPA acerca dos parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade deverá ser levada em consideração pelo MDA e MAPA ao realizarem os ajustes periódicos que orientarão a fixação do grau de eficiência na exploração da terra, porquanto ser assente que a lei não possui disposições inúteis.

Se a consulta ao CNPA não fosse um dos fatores determinantes do ato normativo complexo praticado conjuntamente pelos referidos Ministérios, não seria objeto de determinação legal expressa.

Ademais disso, como ato administrativo que é, deve ser motivado de forma congruente, com justificativa adequada ao seu objeto e finalidade, que, neste caso, são endereçados à compatibilização das políticas agrícola e de reforma agrária.

Se, portanto, a lei determina a oitiva do CNPA, colegiado composto por representantes paritários de setores do Governo e de segmentos econômicos do agronegócio, integrantes das classes patronais e trabalhadoras, e estruturado de forma tão abrangente, é por entender que a fixação de critérios de aferição dos índices de eficiência constitui matéria de eminente relevância e interesse público, que não pode ficar adstrita ao talante do MDA e do MAPA.

Pode-se até argumentar que a instalação do CNPA não se efetivou, quiçá por intenção deliberada do Governo, mas, tratando a desapropriação de norma com evidente rejeição pública - como, por exemplo, são as tributárias -, a observância da formalidade na sua execução, com base nos regramentos constitui a única garantia do cidadão de que os seus direitos serão respeitados, independentemente da transitoriedade das injunções políticas, que costumam ser suscetíveis à pressão de grupos, a exemplo dos ruralistas e do MST.

Por outro lado, a regulamentação há de levar em conta a amplitude continental do País, para tal estipulando critérios diferenciados para a fixação de índices em cada micro-região homogênea, quem sabe em cada micro-bacia, em ordem a contemplar a diversidade geográfica, climática, econômica e cultural.

A Lei nº 8.629/93 não atribui competência ao INCRA para fixar índices de eficiência na exploração da terra. Em verdade, não atribui competência específica a órgão determinado, fazendo apenas referência ao órgão federal competente, sem identificar qual seja

Com base nas competências atribuídas aos Ministérios, pela Lei nº 10.683/2003, é lícito aduzir que, no campo de atuação do MDA, situam-se a reforma agrária e a promoção do desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos agricultores familiares, tal como a assistência técnica e a extensão rural, esta última desempenhada conjuntamente com o MAPA.

Já na esfera de atuação do MAPA, a mesma Lei inclui expressamente a política agrícola; a produção e comercialização, abastecimento, armazenagem e garantia de preços mínimos; a proteção, conservação e manejo do solo, voltados ao processo produtivo agrícola e pecuário; o zoneamento ecológico-econômico (em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente) e a assistência técnica e extensão rural (conjuntamente com o MDA).

Desta sorte, não tendo a Lei nº 8.629/93 especificado o órgão competente para fixar os índices de eficiência na exploração da terra, esse órgão há de ser identificado mediante análise sistemática do ordenamento legal.

Considerando, então, que a matéria é relacionada à reforma agrária e que tal competência é atribuída ao MDA, o primeiro átimo levaria a crer que a matéria é afeita ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, porquanto a reforma agrária constituir a sua competência básica e porque a Lei nº 4.504, de 30.11.1964, que dispõe sobre o Estatuto da Terra, no § 1º de seu art. 1º, conceitua a reforma agrária como sendo o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição de terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.

Por política agrícola, assunto cometido ao MAPA, segundo o § 2º do art. 1º do Estatuto da Terra, entende-se o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país.

Dispõe o art. 43 da Lei nº 4.504/64, que o então IBRA (hoje INCRA) promoverá a realização de estudos para o zoneamento do país em regiões homogêneas do ponto de vista sócio-econômico e das características da estrutura agrária, visando definir as regiões passíveis de reforma agrária, levando em conta para a elaboração do zoneamento e caracterização das áreas prioritárias, dentre outros elementos: a posição geográfica das áreas, em relação aos centros econômicos de várias ordens; o grau de intensidade de ocorrência de áreas em imóveis rurais acima ou abaixo de determinadas extensões; o número médio de hectares por pessoa ocupada; as populações rurais, seu incremento anual e densidade específica da população agrícola; a relação entre o número de proprietários e o número de rendeiros, parceiros, assalariados.

Assim, o zoneamento, a cargo do IBRA (leia-se: INCRA), destina-se a fixar os elementos sócio-econômicos que orientarão o estabelecimento das diretrizes da política agrária a adotar em cada tipo de região, bem como a programar a ação dos órgãos governamentais para desenvolvimento do setor rural, nas regiões delimitadas e entendidas como de maior significação econômica e social (art. 44).

Incumbe ainda ao IBRA (hoje INCRA) a realização de cadastros dos imóveis rurais em todo o país, com identificação dos respectivos titulares e sua natureza, dimensões, localização geográfica, características físicas, tipo de exploração, volumes e índices médios relativos à produção agrícola, condições para o beneficiamento dos produtos agropecuários etc. (art. 46).

A Estrutura Regimental do INCRA, aprovada pelo Decreto nº 5.735, de 27.03.2006, elenca, no inciso VI do seu art. 15, a Diretoria de Ordenamento de Estrutura Fundiária como órgão especifico singular encarregado de promover estudos para elaboração e revisão do zoneamento agrário e definição de índices técnicos agropecuários para a classificação da produtividade de imóveis rurais.

Por conseguinte, mesmo o órgão específico do INCRA relacionado à definição de índices técnicos agropecuários para a classificação da produtividade dos imóveis não está autorizado a fixar os tais índices, mas tão-somente a realizar estudos subsidiários para a sua fixação.

Comparando as competências do MAPA e do Ministério do Desenvolvimento Agrário, constata-se que o MDA atua visando a promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, enquanto, de seu lado, o MAPA, abstraindo-se do regime fundiário, pauta-se pelo fomento da economia rural, orientando as atividades agropecuárias visando à garantia do pleno emprego e à harmonização do uso da terra com o processo de produção, industrialização, abastecimento, comércio interno e externo, enfim, o desenvolvimento das atividades que compõem o sistema do agronegócio.

Ora, aferir a produtividade significa mensurar a produção cotejando o volume colhido com a extensão da terra cultivada em uma determinada estação, ou período, e isto o MAPA realiza diuturnamente, por intermédio dos órgãos integrantes de sua estrutura regimental e da empresa pública a ele vinculada – a Companhia Nacional de Abastecimento CONAB -, como consectário lógico de atribuições e competências expressamente definidas em lei.

O MDA (leia-se: INCRA) não seria apto para fazer tais levantamentos e aferições, não só por lhe faltar competência legal, mas também por não dispor de instrumentos materiais e humanos para se desincumbir do encargo, ante a diversidade das culturas e a magnitude da extensão territorial do País.

Frente ao exposto, é lícito concluir que o MDA (INCRA) não está legalmente autorizado a fixar, por ato singular do Ministro da Pasta, os índices de eficiência na exploração da terra, porque a sua esfera de competência, fixada na Lei nº 10.683, de 2003, na parte que toca ao tema enfocado, cinge-se à execução da reforma agrária.

Contrariamente, tem-se que constitui atribuição tradicional do MAPA mensurar o volume da produção e, por conseqüência de simples operação aritmética, deduzir e fixar os índices de eficiência na exploração da terra, porquanto a mesma Lei lhe atribui competência para a gestão da política agrícola, abrangendo o processo produtivo agropecuário.

Aliás, mais correto é afirmar que a fixação desses índices sequer constitui atribuição específica de algum órgão do Governo, porque, em última análise, representa apenas uma operação aritmética realizada com o uso de dados estatísticos objetivos, que, rotineiramente levantados pelo MAPA, levam, inexoravelmente, à dedução de um resultado insuscetível de manipulação, sob pena de malversar os resultados estatísticos.

Assim, a apresentação, pelo MAPA (através da empresa: CONAB), dos levantamentos e estatísticas específicos dos volumes da produção agropecuária, em cada região homogênea do País, impulsiona e catalisa toda uma série de medidas administrativas complementares, visando à oficialização dos índices de produtividade, a cargo, conjuntamente, do MDA e do MAPA, ouvido previamente o CNPA.

Neste contexto, realço a conveniência de se definirem melhor os conceitos de microrregião homogênea, ou microbacia homogênea, com o fito de propiciar eficiente aferição dos índices estatísticos da produção apurados em cada região do País, em ordem a bem orientar a implementação política de distribuição da terra para fins de reforma agrária.

Sobre o autor
José Carlos Souza

Advogado da União, lotado na Consultoria Jurídica da Advocacia-Geral da União no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, José Carlos. Reforma agrária: competência para a fixação de parâmetros de produtividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1793, 29 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11325. Acesso em: 27 dez. 2024.

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