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O novo paradigma para os órgãos de controle interno.

Da auditoria de conformidade (campo da legalidade) para a auditoria operacional de natureza eminentemente preventiva (campo da legitimidade)

Agenda 02/06/2008 às 00:00

Os órgãos de Controle Interno [01] são responsáveis pela avaliação da gestão efetuada pelos Administradores, bem como pela fiscalização dos programas constantes do orçamento fiscal e de seguridade social. Nesse sentido, devem prestar contas todos aqueles que utilizam, arrecadam, gerenciam, guardam ou administram bens, valores e dinheiros públicos.

O universo de atuação desses órgãos abarca o controle da gestão financeira, orçamentária, operacional, patrimonial e de recursos humanos, sendo que a CRFB/88 fez incluir, além da fiscalização da legalidade, a da legitimidade e economicidade dos atos de gestão.

Como se constata, o respectivo espectro de atuação é largo, traduzindo-se numa enorme responsabilidade desses órgãos.

Pode-se dizer mesmo que os órgãos de Controle Interno têm todos a seguinte missão: ASSEGURAR A REGULAR GESTÃO DE RECURSOS PÚBLICOS, COM ÊNFASE NA AVALIAÇÃO DE RESULTADOS, ATRAVÉS DE INSTRUMENTOS DE CONTROLE E ASSESSORAMENTO, COM APOIO CONSTANTE AO ÓRGÃO DE CONTROLE EXTERNO.

Afigura-se-nos como pressuposto básico à consecução dos objetivos vinculados à missão supracitada que as Controladorias Internas adotem um novo modelo de controle, que tenha o seu foco no desempenho de uma auditoria preventiva, em lugar da auditoria prévia, o que só será possível com a retirada das mesmas da fase de execução dos procedimentos administrativos, isto é, deve-se respeitar o princípio da segregação de funções [02] e tornar defeso o trabalho desses órgãos como se de linha fossem.

Reforçando a nossa tese, o Ministro Iram de Almeida Saraiva, então Presidente do egrégio TCU, em palestra sobre o papel do Controle Interno, quando da solenidade de instalação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, assim asseriu:

"Ministro Almir Pazzianotto, indo ao que V. Exª me convocou, o papel do controle, quer interno ou externo, está bem definido na Constituição. Antes de adentrar nas peculiaridades entre um e outro sistema de controle, julgo necessário fazer breve comentário acerca do momento em que este se realiza. Quanto ao momento em que se realiza, o controle pode ser classificado em três formas: controle prévio, controle concomitante e controle subseqüente. O controle prévio, entende o TCU, é o exercido antes da conclusão do ato, como condição para seu aperfeiçoamento. O Brasil já utilizou esse tipo de controle; a atual Constituição não o contemplou. Era muito utilizado antes da década de 60, mas, atualmente, mesmo nos países em que é observado, o é com bastante cautela e limitação, pois pode representar uma dificuldade e um entrave para atuação dos Estados modernos, em que a dinâmica das decisões e a velocidade em que transitam as informações não o recomendam. Por isto, sábios foram os constituintes de 1987. ... Tendo em vista essas características, tem o controle interno papel essencial, haja vista a maior proximidade com o órgão realizador dos atos sujeitos a controle. Tem diversas vantagens, comparativamente ao controle externo, podendo exercer, em sua plenitude, o controle concomitante. Assume, então, um controle voltado mais para gestão do que sobre a gestão. Explico: a atuação do controle interno viabiliza, com maior eficiência, a ação preventiva e orientadora do controle, significando verdadeira atuação pedagógica, evitando erros e desvios de finalidade." (grifos nossos)

Com a adoção dessa medida estar-se-ia também reforçando a almejada assunção de responsabilidade, pois historicamente a metodologia de atuação dessas Controladorias vem servindo, em boa parte, para diluir a responsabilidade sobre os atos de gestão, colocando-se na contra-mão da necessidade, cada vez maior, que tem a Administração Pública por accountability, a qual precisa envolver níveis específicos de desempenho, liberdade administrativa para buscar os resultados e sanções por falhas.

A boa técnica administrativa também faz eco ao nosso raciocínio, configurando o controle como uma função administrativa dissociada da função de execução (coordenação e direção). Neste contexto tem o órgão de Controle Interno a função de sistematizar o controle, de proceder à verificação da consistência e qualidade dos controles internos [03] próprios da atividade administrativa, funcionando por assim dizer como o "controle do controle", porquanto não pode o órgão de gestão funcionar sem exercer também a função de controle.

Modernamente, a Teoria de Sistemas e as Teorias Contingenciais apontam para uma função ainda mais aguda para os órgãos de Controle, qual seja a de alimentação do sistema, garantindo sua possibilidade de responder ao ambiente de mudanças. Nessa nova dimensão as Controladorias assumem o papel de garantidoras da eficácia dos sistemas, exercendo uma função de natureza transformadora.

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Dentro dessa nova conjuntura, não há falar, de modo algum, em perda da tempestividade de atuação, pelo contrário, o enfoque preventivo indica que a Auditoria de Natureza Operacional (ANOp) [04] deve ser potencializada no trabalho desses órgãos, sendo que a mesma tem entre seus objetivos o exercício da análise da eficiência, eficácia, economicidade, efetividade e eqüidade dos procedimentos implementados (ou a implementar) pelo gestor público, atuando ainda na fase preliminar do processo decisório da gestão dos dinheiros públicos, qual seja: o planejamento. Desta forma, via Auditoria Operacional, o Controle Interno já se faz presente na etapa gênese do processo orçamentário.

Os órgãos de Controle Interno, além obviamente dos de Controle Externo, têm indiscutível competência para análise do mérito dos atos de gestão administrativa, i. é, da respectiva conveniência e oportunidade na prática desses atos. Assim, conforme nos ensina Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, "basta uma leitura atenta dos arts. 70, 71 e 75 da Constituição Federal para vislumbrar-se que a caixa-preta do ato administrativo está aberta para os órgãos de controle. O instrumento de Auditoria Operacional é nitidamente de mérito e, pouco a pouco, vai sendo utilizado". [05]

Com a adoção dessa nova sistemática de Controle Interno - passando de um mero órgão executor de auditorias de conformidade (compliance), para realizador de auditorias de natureza operacional (desempenho) - ganha a Administração não um mero fiscal, mas um verdadeiro parceiro. Sabemos, contudo, que essa alteração poderá gerar, inicialmente, uma relativa insegurança para os órgãos de execução, que será pouco a pouco dissipada com a ênfase que deve ser dada pelas Controladorias no trabalho de assessoramento à gestão, bem como na elaboração de avaliações de resultado, o que servirá como elementos de indiscutível apoio às tomadas de decisões dos gestores.

Dessa forma, reforça-se o eixo do trabalho de Controle Interno para além do campo da legalidade, incorporando a legitimidade [06], conforme, inclusive, previsão da Constituição Republicana, como dissemos antes.

O desrespeito à legalidade gera a responsabilidade do agente, já a falta de legitimidade do ato implica responsividade, que complementa o princípio da responsabilidade e torna ainda mais agudo o seu efeito, para ensejar ações sancionatórias do Direito Administrativo.

A função desempenhada pelos órgãos de Controle Interno é tão importante que o Tribunal de Contas da União importa-se inclusive com a designação de membros dessa Unidade, os quais devem contar com a qualificação necessária ao desempenho da missão que lhes é confiada, de modo a acompanhar e a fortalecer a gestão. (item 9.1.2, TC-009.569/2005-3, Acórdão n 1.806/2005-TCU-2ª Câmara, publicado no DOU de 26.09.2005, S.1, p.140).

De igual modo, o mesmo TCU determinou a reestruturação e autonomia de uma dada unidade de Controle Interno, em termos de quantitativo de pessoal e do nível de treinamento, a fim de a que mesma pudesse exercer, efetivamente e com plena autonomia, as atribuições que lhe foram conferidas (item 2.2, TC-02.060/2004-4, Acórdão nº 1.151/2005-TCU-2ª Câmara, publicado no DOU de 26.07.2005, S.1, p. 49).

Por oportuno, vale aqui citar novamente o escólio do doutrinador Jorge Ulisses Jacoby Fernandes [07], que ao comentar a estruturação dos órgãos de Controle Interno assim pontificou:

"Não é suficiente, porém, estatuir. Indispensável estruturar os órgãos de modo a que possam cumprir adequadamente as funções que lhes são reservadas.

Aliás, não faria sentido que o constituinte houvesse se preocupado em definir o amplo leque de atribuições e responsabilidade se, no cotidiano da Administração Pública, não fosse o mesmo dotado dos recursos necessários e suficientes à atuação requerida para o cumprimento do elevado mister."

Como vimos, o órgão de Controle Interno deve se caracterizar por ter uma atividade independente, objetiva e de consultoria, destinada a agregar valor e a melhorar a qualidade das operações da organização. Esse órgão assiste a organização na consecução dos seus objetivos e metas por meio de uma abordagem sistemática e disciplinada, da avaliação de resultados e melhoria dos controles internos e do processo de governança.


Notas

01 Em algumas entidades os órgãos de Controle Interno recebem a nomenclatura de Auditoria Interna, que é na verdade inadequada, sendo que a Auditoria, in casu, a de natureza pública ou governamental, é apenas uma das técnicas de controle, tudo conforme Capítulo IV, Seções I, II e III, do anexo à Instrução Normativa nº 01 da Secretaria Federal de Controle, de 06.04.2001, publicada no D.O.U de 12.04.01, Seção 1, página 30 usque 36.

02 A estrutura das unidades/entidades deve prever a separação entre funções de autorização/aprovação de operações, execução, controle e contabilização, de tal forma que nenhuma pessoa detenha competências e atribuições em desacordo com este princípio (subitem IV, item 3, Seção VIII, Capítulo VII, do anexo à Instrução Normativa nº 01 da Secretaria Federal de Controle, de 06.04.2001, publicada no D.O.U de 12.04.01, Seção 1, página 20.

03 Uma excelente metodologia para avaliação dos controles internos é a indicada pelas diretrizes do COSO (The Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission), disponível em:< http://www.coso.org.>. Acesso em 19 de junho de 2007.

04 Tem por escopo o auxílio aos gestores na obtenção de melhor qualidade na gestão das operações. Compreende o exame da estrutura organizacional das corporações, bem como dos métodos de controle, dos meios de operação, do uso dos recursos físicos e humanos. Apresenta-se em duas modalidades: Auditoria Operacional (ADO) e Avaliação de Programa (AvaP).

05In Tomada de Contas Especial. 2. ed. Brasília: Editora Brasília Jurídica, p. 185, 1998.

06 Cf. nos informa o Ministro Marcos Vinícios Vilaça, a legitimidade formal das ações do governo é sua conformidade à lei. A legitimidade substantiva envolve o bom uso dos recursos públicos, bom uso significando, ao mesmo tempo, o seu emprego socialmente desejado, tecnicamente factível e economicamente eficiente. A legitimidade substantiva, em suma, mede-se na escala dos resultados.

07 Ver in "Tribunal de Contas do Brasil" - Jurisdição e Competência. 2ª ed, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005, p. 90.

Sobre o autor
Marcelo José das Neves

Mestre em Direito pela Universidade Cândido Mendes UCAM, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UniRio. Graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro -UniRio. Pós-graduado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas - FGV/RJ. Articulista e Especialista em Direito Administrativo. Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região TRT/RJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Marcelo José. O novo paradigma para os órgãos de controle interno.: Da auditoria de conformidade (campo da legalidade) para a auditoria operacional de natureza eminentemente preventiva (campo da legitimidade). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1796, 2 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11334. Acesso em: 24 dez. 2024.

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