Capa da publicação México: exemplo em segurança no trânsito
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A Lei Geral de Mobilidade e Segurança Viária do México.

Um exemplo a ser seguido

Resumo:


  • A Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou a Segunda Década de Ações para a Segurança no Trânsito, visando reduzir lesões e mortes no trânsito em todo o mundo entre 2021 e 2030.

  • O México e o Brasil enfrentam altas taxas de mortalidade por acidentes de trânsito, destacando a urgência de medidas eficazes para proteger vidas nas estradas.

  • A Lei Geral de Mobilidade e Segurança Viária do México estabelece princípios para garantir mobilidade segura e inclusiva, priorizando a proteção da vida e integridade das pessoas no trânsito.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Lei mexicana de Mobilidade prioriza vulneráveis para reduzir acidentes e mortes. É uma inspiração para revisar o Código de Trânsito brasileiro?

A segurança viária é um tema de extrema relevância que tem sido priorizado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em Assembleia Geral, a ONU proclamou a Segunda Década de Ações para a Segurança no Trânsito, com o objetivo de reduzir em pelo menos cinquenta por cento as lesões e mortes no trânsito em todo o mundo entre 2021 e 2030. Esta iniciativa busca promover campanhas de conscientização, melhorar a infraestrutura viária e implementar políticas eficazes que visem proteger todos os usuários das vias, contribuindo assim para um trânsito mais seguro e humano.

A Organização das Nações Unidas (ONU) destaca que a maioria das mortes e lesões graves resultantes de acidentes de trânsito são evitáveis. Esses sinistros representam não apenas um grave problema de saúde pública, mas também geram amplas consequências econômicas, comprometendo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A resolução adotada pela Assembleia Geral da ONU para a definição da segunda década de ações para a segurança no trânsito reafirma a Resolução 70/1, datada de 25 de setembro de 2015, intitulada “Transformando nosso mundo: Agenda 2030 pelo Desenvolvimento Sustentável”.

Da resolução 74/299, pela melhora na segurança do trânsito, extrai-se:

“Levando em conta que as mortes e ferimentos no trânsito também são uma questão de equidade social, pois os pobres e os vulneráveis ​​são, com mais frequência, também os usuários vulneráveis ​​das estradas, ou seja, pedestres, ciclistas, usuários de veículos motorizados de duas e três rodas e passageiros de transporte público inseguro, que são desproporcionalmente afetados e expostos a riscos e acidentes de trânsito, o que pode levar a um ciclo de pobreza exacerbado pela perda de renda, e lembrando que o objetivo das políticas de segurança no trânsito deve ser garantir proteção a todos os usuários.”

Nesse contexto, ao analisar detalhadamente os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS)1, é notável que México e Brasil, ambos signatários da resolução da ONU mencionada anteriormente, enfrentam um panorama alarmante no que diz respeito à segurança viária. As estatísticas revelam uma alta taxa de mortalidade por acidentes de trânsito, sendo estimados 18,3 óbitos para cada 100.000 habitantes no Brasil e 20,7 no México. Esses números evidenciam a urgência de medidas eficazes e colaborativas para mitigar essa tragédia e preservar vidas nas estradas de ambos os países.

Para atender os compromissos assumidos e, sobretudo, para reverter a triste realidade das suas vias públicas, o México publicou a Lei Geral de Mobilidade e Segurança Viária (LGMSV), uma legislação que merece a devida atenção pelas autoridades brasileiras, como um importante exemplo a ser seguido.

Publicada no Diário Oficial da Federação no dia 17 de maio de 2022, a Lei Geral de Mobilidade e Segurança Viária tem por objetivo estabelecer as bases e os princípios para garantir o direito a mobilidade em condições de segurança, acessibilidade, eficiência, sustentabilidade, qualidade, inclusão e igualdade.

O enfoque sistêmico da lei determina que as medidas derivadas desta devem, como caráter obrigatório, ter como objetivo prioritário a proteção da vida e a integridade das pessoas no seu trajeto.

É salutar destacar que o artigo 6º da referida lei traz uma reconhecida teoria na área de segurança no trânsito denominada como a ‘pirâmide da mobilidade’2, que recebeu a alcunha normativa de hierarquia da mobilidade.

A teoria da pirâmide da mobilidade está fundamentada em que:

“Para propiciar una visión integral de la calle a intervenir, además de los principios y criterios de diseño vial urbano, es necesario tener en cuenta la jerarquía de la movilidad. Esta clasificación establece las prioridades en la movilidad urbana diaria. Es decir, plantea quién es más vulnerable, quién es menos eficiente y quién es más costoso a la hora de transportarse”.

Neste passo, o planejamento, desenho e implementação de políticas públicas, planos e programas de mobilidade deverão favorecer as pessoas, os grupos em situação de vulnerabilidade suas necessidades, categorizando preferentemente:

  • Os pedestres, com enfoque equitativo, pessoas com incapacidades e mobilidade limitada;

  • Os ciclistas e pessoas usuárias de veículos não motorizados;

  • Pessoas usuárias e prestadores de serviços de transporte de passageiros;

  • Pessoas prestadoras de serviços de transporte e distribuição de bens e mercadorias;

  • As pessoas usuárias de veículos motorizados particulares.

Em outras palavras, vias públicas para as pessoas!

Essa afirmação vem a ser reforçada mais adiante, no Capítulo Segundo que trata do Direito à mobilidade.

Destacando na parte final do artigo 9º, ipsis litteris:

“(Omissis) as pessoas serão o centro do desenho e do desenvolvimento dos planos, programas, estratégias e ações na matéria”.

A lei possui três pilares que sustentam para alinhar os esforços das autoridades na matéria, assim definidos:

Princípio da transversalidade, que busca integrar as distintas dependências da administração pública, a segurança e a perspectiva de gênero sob uma mesma normatividade.

Princípio da segurança, no qual se deve proteger a vida e a integridade física das pessoas, sob o princípio de que toda a morte ou lesão grave decorrente de sinistro de trânsito pode ser prevenido, como assevera a Organização das Nações Unidas.

E a perspectiva de gênero na promoção da inclusão e igualdade entre homens e mulheres, buscando eliminar as causas de desigualdade, injustiças e hierarquização das pessoas fundamentado no gênero.

Nesse contexto, o artigo 32 da norma mexicana enfatiza que, desde o planejamento e design da mobilidade até a tomada de decisões, as autoridades têm a responsabilidade de promover e assegurar a participação das mulheres. Essa abordagem deve considerar a interseccionalidade, reconhecendo as diferentes realidades e desafios enfrentados por mulheres de diversas origens, garantindo assim um sistema de mobilidade mais equitativo e acessível para todos.

Para assegurar esse princípio, determina que as autoridades devem:

- Implementar ações e mecanismos para fortalecer a informação disponível para promover ações com perspectiva de gênero que melhorem e façam mais segura e incluente a experiência da mobilidade das mulheres;

- Incluir nas estratégias e instrumentos de mobilidade e segurança no trânsito ações para prevenir e erradicar a violência de gênero;

- Considerar os critérios e conteúdos da lei geral de acesso das mulheres a uma vida livre de violência de gênero no planejamento da mobilidade e da segurança viária, com o objetivo de assegurar a integridade, dignidade e a liberdade das mulheres de usar as vias públicas.

O marco normativo em evidência reflete uma tentativa significativa de alinhar-se aos conceitos contemporâneos que permeiam o campo da mobilidade e segurança no trânsito.

As autoridades públicas, ao executar suas competências, buscam não apenas assegurar o direito à mobilidade, mas também promover um ambiente seguro para os cidadãos. Essa abordagem torna-se ainda mais relevante diante dos desafios urbanos atuais, demonstrando um compromisso com a implementação de políticas que priorizam a segurança viária e a inclusão social, fundamentais para a construção de cidades mais justas e acessíveis.

Nas seções seguintes, o legislador também define expressamente os instrumentos de políticas públicas para a infraestrutura, os instrumentos de políticas públicas de mobilidade e segurança para o trânsito e os instrumentos de mobilidade e segurança para o trânsito na gestão de demanda, assim como, os instrumentos financeiros.

Dentro do campo operativo, a lei reforça regras já consolidas e fundamentais para segurança no trânsito como o uso do cinto de segurança, o uso de capacete, que as crianças menores a doze anos devem viajar nos veículos nos bancos traseiros com sistema de retenção infantil ou num cadeiras de segurança que cumpra os requisitos definidos nas Normas Oficiais Mexicanas, que são normas de cumprimento obrigatório.

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Porém, a lei revê todos os limites das velocidades máximas das vias, referenciando as evidências científicas de caráter nacional ou internacional, a fim de mantê-las dentro de fronteiras de segurança indispensáveis para salvaguardar a vida e a integridade física das pessoas.

Assim, define que a velocidade não poderá ser superior a 20 km/h em zonas de hospitais, asilos, albergues e casas lar, assim como em zonas escolares, em vias secundárias e ruas terciárias; limita em 30 km/h a velocidade em zonas e entornos escolares em vias primárias e rodovias, bem como em ruas secundárias e terciárias. A velocidade não poderá ser superior a 50 km/h em avenidas primárias sem acesso controlado.

As velocidades nunca poderão ser superiores a 110 km/h para automóveis, 95 km/h para ônibus e de 80 km/h para o transporte de bens e mercadorias.

Para assegurar o respeito a esses limites, a lei determina o uso de tecnologias como meio auxiliar para a prevenção e captação de infrações às normas de trânsito e mitigar fatores de risco que atentem contra a integridade, dignidade ou a liberdade das pessoas.

Aqui vale uma observação que no México o Governo Federal, Estaduais e os Municipais podem editar suas leis de trânsito. Porém, a Lei de Mobilidade e Segurança no Trânsito inova e determina, em seu artigo 49, parte final, a harmonização das regras e normas dentro de todo o território nacional, com prazo de 180 dias da sua vigência, plasmado no artigo transitório segundo. Em outras palavras, todas as autoridades tinham este prazo para aprovarem as necessárias reformas das suas leis, respeitando aquilo que está expresso na LGMSV.

Organizando-se sistemicamente a lei, poderíamos dividir suas definições da seguinte maneira, no tocante à mobilidade, o legislador estabelece critérios para garantir a participação efetiva nos programas e projetos de mobilidade. Impõe como fundamental reduzir a demanda e compensar o custo pelo uso dos automóveis particulares. E que se deve desenhar instrumentos de planejamento integral de mobilidade e, promover-se a cobertura, qualidade e acessibilidade dos serviços de transporte pública.

O legislador, ao abordar a segurança no trânsito, enfatiza a importância da educação para a formação adequada de condutores. A capacitação e a disseminação do conhecimento são fundamentais para assegurar uma condução responsável. Além disso, a vigilância sobre o trânsito e a identificação de fatores de risco são essenciais para prevenir acidentes. No entanto, em situações de sinistros, é imperativo garantir os direitos das vítimas, proporcionando a elas o suporte necessário para a sua recuperação e assegurando que a justiça seja devidamente aplicada.

Um parêntese quanto à formação dos condutores no México. Antes da Lei de Mobilidade e Segurança do Trânsito, as leis de trânsito permitiam um cidadão conseguir sua permissão para dirigir somente com a entrega dos documentos básicos e uma prova de vinte perguntas por meio de um sistema que, imediatamente após concluída a prova, informava se a pessoa havia sido aprovada ou não e já se confeccionava a habilitação, ou seja, sem provas médicas, psicotécnicos ou provas práticas.

A análise da lei mexicana revela que este é um importante marco jurídico que reestrutura aspectos fundamentais relacionados à mobilidade e segurança no trânsito. Ao incorporar conceitos atuais, essa legislação propõe uma reflexão profunda sobre a necessidade de revisar a nossa legislação de trânsito, que se aproxima de seus 30 anos de existência. É evidente que, em diversos aspectos, nosso atual Código já não atende adequadamente às demandas sociais contemporâneas. Portanto, torna-se imprescindível repensar as diretrizes que norteiam a segurança no trânsito, adequando-as às realidades atuais.


Notas

1 OMS. Organização Mundial de Saúde. Informe Sobre a Situação Mundial da Segurança Viária. Genebra: OMS, 2009.

2 SEDATU. Organização Mundial de Saúde. Manual de calles. Diseño vial para ciudades mexicanas. Ciudad de México: BID, 2019.

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Sobre o autor
Vanderlei Santos da Silva Junior

Advogado especialista em trânsito, consultor de mobilidade urbana e segurança do trânsito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JUNIOR, Vanderlei Santos Silva. A Lei Geral de Mobilidade e Segurança Viária do México.: Um exemplo a ser seguido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7942, 30 mar. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113356. Acesso em: 28 abr. 2025.

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