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O direito social ao trabalho e a nova ordem constitucional brasileira

Agenda 01/09/1998 às 00:00

A Constituição Mexicana de 1917 foi a primeira a reconhecer os direitos sociais como primordiais à organização e manutenção da ordem estatal. No dizer de José Afonso da Silva tais direitos, inseridos na classe dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualação de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.

O mestre português J. J. Gomes Canotilho, ao tratar do conceito de constituição social (em relação à Constituição portuguesa, como também à brasileira) afirma que ele não se reduz a um "dado constituído", sociologicamente relevante, mas é um superconceito que engloba os princípios fundamentais daquilo a que vulgarmente se chama "direito social".

Tais direitos apelam para uma democracia econômica e social num duplo sentido: em primeiro lugar são direitos de todos, em segundo pressupõem um tratamento preferencial para as pessoas que, em virtude de condições econômicas, físicas ou sociais não podem desfrutar desses direitos. Um terceiro sentido, ainda na lição de Canotilho, se poderá ainda apontar à dimensão da democracia econômica e social no campo dos direitos sociais: a tendencial igualdade dos cidadãos no que respeita às prestações a cargo do Estado (Ex: sistema de segurança, saúde e educação, universais, gerais e tendencialmente gratuitos).

Sobre o princípio constitucional da igualdade, mister se faz trazer à colação o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello, nestes termos:

"A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar eqüitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e jurisdicizado pelos textos constitucionais normativos vigentes."

Do princípio da igualdade deriva a imposição, sobretudo dirigida ao legislador, no sentido de criar condições que assegurem uma igual dignidade social em todos os aspectos. Outrossim, do conjunto de princípios referentes à organização econômica deduz-se que a transformação das estruturas econômicas visa, também, a uma igualdade social.

Alexandre de Moraes, citando Canotilho e Vital Moreira destaca que "a individualização de uma categoria de direitos e garantias dos trabalhadores, ao lado dos de caráter pessoal e político, reveste um particular significado constitucional, do ponto em que ela traduz o abandono de uma concepção tradicional dos direitos, liberdades e garantias como direitos do homem ou do cidadão genéricos e abstractos, fazendo intervir também o trabalhador (exactamente: o trabalhador subordinado) como titular de direitos de igual dignidade".

A Carta Política de 1988, caraterizou-se por garantir ao cidadão trabalhador uma série de direitos elencados, principalmente, no seu artigo 7º.

Inserido no título referente aos direitos sociais, visam, tais dispositivos: 1) à melhoria das condições de trabalho na proteção do trabalhador quanto aos valores mínimos e certas condições de salário (art. 7º, IV a X) e, especialmente, para assegurar a isonomia material proibindo diferença salariais, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivos de sexo, idade, cor ou estado civil; 2) discriminação no tocante a salário e critério de admissão do trabalhador portador de deficiência; 3) distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos, garantindo a igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso (art. 7º, XXX a XXXII e XXXIV), assim como para garantir equilíbrio entre trabalho e descanso, quando estabelece a duração do trabalho norma não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; 4) jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; repouso semanal, férias, licença etc (art. 7º, XII a XV).

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Os direitos sociais previstos constitucionalmente são normas de ordem pública, com a característica de imperativas, invioláveis, portanto, pela vontade das partes contraentes da relação trabalhista. Alexandre de Moraes acrescenta que a definição dos direitos sociais no título constitucional destinado aos direitos e garantias fundamentais acarreta duas conseqüências imediatas: a subordinação à regra da auto-aplicabilidade prevista no § 1º, do art. 5º e a suscetibilidade do ajuizamento do mandado de injunção, sempre que houver a omissão do poder público na regulamentação de alguma norma que preveja um direito social, e conseqüentemente inviabilizar seu exercício.

O artigo 6º define o trabalho como direito social, mas nem ele nem o art. 7º trazem norma expressa conferindo o direito ao trabalho. Este ressai do conjunto de normas da Constituição sobre o trabalho (art. 1º, IV, 170 e 193 da CF), que reconhecem o direito social ao trabalho como condição da efetividade da existência digna (fim da ordem econômica) e, pois, a dignidade da pessoa humana, fundamento, também da República Federativa do Brasil (art. 1º, III da CF). E aqui se entroncam o direito individual ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, com o direito social ao trabalho, que envolve o direito de acesso a uma profissão, à orientação e formação profissional, à livre escolha do trabalho, assim como à relação de emprego (art. 7º, I) e o seguro-desemprego, que visam, entre outros, à melhoria das condições sociais dos trabalhadores (José Afonso da Silva).

Tais normas, de caráter programático, não conseguiram até hoje, surtir efeitos em nossa sociedade que sofre as mazelas de uma deficitária distribuição de renda. A atual conjectura nacional reflete uma tendência mundial que muito preocupa a todos: a crescente taxa de desemprego, aliada ao despreparo e à lenta adaptação do mercado de trabalho às novas tendências de um mundo globalizado e informatizado. Daí porque, urge o desenvolvimento de uma política realmente voltada para o incentivo ao emprego.

Conclui-se essas breves linhas trazendo magistral lição do Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho que, ao tratar do assunto, assere que o trabalho é ao mesmo tempo um direito e uma obrigação de cada indivíduo. Como direito, deflui diretamente do direito à vida. Para viver, tem o homem de trabalhar. A ordem econômica que lhe rejeitar o trabalho, lhe recusa o direito a sobreviver. Como obrigação, deriva do fato de viver o homem em sociedade, de tal sorte que o todo depende da colaboração de cada um.



BIBLIOGRAFIA

Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional / Manoel Gonçalves Ferreira Filho. - 21 ed. rev. - São Paulo: Saraiva, 1994.
Afonso da Silva, José Curso de direito constitucional positivo / José Afonso da Silva. - 10ª ed. rev. - São Paulo: Malheiros, 1995.
Moraes, Alexandre de Direito constitucional / Alexandre de Moraes. - 4. ed. revista e amp.- São Paulo : Atlas, 1998.
Canotilho, José Joaquim Gomes Direito Constitucional / J. J. Gomes Canotilho. - 6. ed. rev. - Coimbra : Almedina, 1995.
Sobre o autor
Marcelo Silva Moreira

assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Maranhão, professor universitário, pós-graduando em Direito Civil e Processual Civil pela FGV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Marcelo Silva. O direito social ao trabalho e a nova ordem constitucional brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 26, 1 set. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1140. Acesso em: 22 nov. 2024.

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