3. PROCEDIMENTO
O art. 721, CPC, dispõe "antes da realização da praça", mas também pode ser instituído o usufruto judicial após praça infrutífera.
Aliás, a existência de tentativas frustradas de alienação do imóvel não é premissa para a instituição do usufruto judicial [51] nem poderia resultar na conclusão de que o usufruto seria a última opção no sistema de expropriação [52], pois quanto ao usufruto este não há restrição de momento, dependendo somente da decisão judicial com vistas à efetividade da execução e ponderando a menor gravosidade. Não há, pois, submissão do usufruto judicial à ordem de preferência das medidas do art. 647, do CPC. Nesse sentido a lição de Fernando da Fonseca Gajardoni, analisando essa questão sob o foco das alterações da Lei 11.382/06:
"Antes da Lei 11.382/06, o art. 647 previa apenas três modalidades de atos expropriatórios na execução pro quantia contra devedor solvente: a) alienação de bens do devedor; b) adjudicação em favor do credor; e c) usufruto de imóvel ou empresa. Previa-se, ainda, que era preferível a alienação judicial de bens em hasta pública (leilão ou praça) do que a adjudicação, tanto que só se admitia ao credor adjudicar os bens penhorados e pelo preço da avaliação se tivesse havido hasta negativa, isto é sem licitantes dispostos a arrematá-los. O usufruto era providência de cabimento bastante restrito e de pouca incidência prática, especialmente o usufruto de empresa (mais facilmente substituído pela penhora de seu faturamento).
[...]
E, finalmente, alterou-se completamente a ordem de preferência na realização dos atos expropriativos: prefere-se a adjudicação dos bens a todos os demais meios de expropriação. Não sendo ela possível ou desejada, prefere-se a alienação por iniciativa particular. Só em último caso será autorizada a alienação judicial do bem por hasta pública (art. 686, CPC). Todas estas medidas poderão, todavia, ser substituídas, em casos bastante específicos, pelo usufruto de bem imóvel ou móvel, desde que apto a satisfazer o crédito e for menos gravoso ao devedor (art. 716, CPC)" [53].
Há quem diga que não há nem mesmo poder do exeqüente ou do executado na sua escolha [54], bastando a presença dos requisitos legais, muito embora prevaleça entendimento em contrário na escassa casuística a respeito do tema [55], mesmo porque, a lei exige o requerimento do exeqüente para instituição do usufruto judicial [56].
Vale citar a prestimosa lição de Marcelo Abelha a respeito do momento de instituição do usufruto:
"Obviamente, superado o momento da penhora e da avaliação dos bens penhorados, e superada ainda eventual suspensão causada pelos embargos do executado, o magistrado vê-se diante de uma encruzilhada, em que deverá tomar um caminho rumo à expropriação forçada. Um desses caminhos é o do usufruto judicial, que requer, como condição lógica para sua efetivação, que a penhora tenha recaído sobre um bem (móvel, imóvel ou semovente) do qual seja possível auferir frutos ou rendimentos, pois do contrário será impossível pensar no usufruto judicial.
Havendo essa possibilidade, e verificando o juiz, após contraditório das partes, que o usufruto judicial é o melhor caminho para a atuação da norma jurídica concreta, então deverá obviamente antes da praça ou do leilão, decidir pela decretação do usufruto judicial" [57]
Conquanto não seja tida como pressuposto para o usufruto, a existência de tentativa de alienação judicial frustrada serve, por sua vez, como importante premissa para que o fiel da balança da ponderação entre a excessiva gravosidade e a efetividade penda para o lado desta última, em virtude do sério risco de se ter frustrada a própria execução nesses casos.
Questão também importante é a que envolve a concorrência de credores, isto é, a possibilidade de instituição de usufruto caso haja penhoras anteriores sobre o mesmo bem. Leonardo Greco afirma que "se o imóvel estiver penhorado em execuções anteriores, a constituição do usufruto dependerá da anuência dos credores que tiverem preferência no pagamento e de autorização do juiz que efetivou a primeira penhora" [58].
Entendemos que, nesse caso, é indispensável também que o produto do usufruto seja revertido ao credor que tiver preferência (612 e 711, CPC), sob pena de ofensa a esse direito. Tal circunstância, não negamos, dificulta muito a instituição do usufruto judicial nesses casos, pois muito será retirado da eficiência dessa medida.
Destarte, acertado o momento em que se pode instituir o usufruto judicial no procedimento da execução, é necessário abordarmos as peculiaridades do seu procedimento. Assim já se manifestou o Tribunal de Justiça de São Paulo acerca do rigor na observância do procedimento para instituição do usufruto judicial:
"A lei faculta ao exeqüente a satisfação de seu crédito por meio da aplicação dos artigos 647, III, artigo 708, III e 716 e seguintes do Código de Processo Civil. Todavia a efetivação desta medida processual não se dá da maneira simplista e destituída das formalidades legais, mas sim que primeiramente, seja declarado usufruto do imóvel, nos termos do artigo 716 do Código de Processo Civil, seguindo-se a este ato a avaliação dos rendimentos possíveis de serem obtidos com o imóvel, através de sua locação e, a partir desta providência, determinar-se o prazo de vigência do usufruto, de forma a satisfazer os créditos executados, acrescidos dos consectários legais, nos termos do artigo 717 do Código de Processo Civil, bem como nomeando-se um administrador, nos termos do artigo 719 do Código de Processo Civil". (TJ-SP, AI 873.986-00/3 - 7ª Câm. - Rel. Des. PAULO AYROSA - J. 31.1.2005)
Nessa linha de princípio, em respeito ao devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF) [59], o procedimento para instituição do usufruto não se pode furtar à observância dos ditames formais especificamente previstos no CPC.
3.2. As fases do procedimento
3.2.1. Fase postulatória
A instituição do usufruto judicial depende de requerimento do exeqüente. Essa é a disposição expressa do art. 721, do CPC, que é interpretado de maneira literal pela grande maioria da doutrina.
Marcelo Abelha [60] e Natal Nader [61] são vozes praticamente isoladas na doutrina no sentido de que o juiz, com base no art. 716 do CPC, pode conceder de ofício o usufruto, independentemente do requerimento do exeqüente, sustentando que o juiz deve conduzir a execução da maneira que lhe confira maior efetividade e menor gravosidade, não estando esta sujeita à disposição do exeqüente.
À primeira vista poderia se notar que a falibilidade desta última afirmação está expressa na própria lei (arts. 569, caput, e 612, do CPC), ao permitir a desistência de medidas executivas e ao prever que a execução se faz no interesse do exeqüente. Entretanto, basta citar, em resposta, que não poderia o exeqüente desistir do usufruto judicial e optar pela hasta pública se esta não se revelar adequada ao juiz com base no art. 716, do CPC – menor gravosidade e maior eficiência. Não há, por isso, a mencionada inconsistência, perdendo força essa posição por outras razões, a seguir expostas.
A firme resistência a essa corrente mais liberal, além de contar com o a interpretação literal do dispositivo expresso de lei (art. 721, CPC), se manifesta no sentido de que a necessidade de requerimento se faz adequada na medida em que não se deve impor ao exeqüente essa forma pro solvendo de satisfação, o que configuraria, na prática, a imposição de verdadeiro parcelamento forçado da dívida, a depender de expressa disposição legal. [62]
Araken de Assis assim se manifesta sobre o art. 721, do CPC:
"O dispositivo excepciona os poderes de direção do juiz no âmbito do processo executivo, autorizados pelo art. 262, dando realce ao vetor individualista que a ele inspira, e, salvante requerimento naquele sentido, os bens penhorados, a despeito de frutíferos, irão à hasta pública (art. 647, III). Aliás, constitui marca frisante de toda a reforma entregar à disposição do exeqüente a escolha do meio mais hábil para satisfazer seu crédito" [63]
Não ignoramos que, sobretudo devido ao emaranhado de relações de crédito dos tempos atuais, é comum a hipótese de o exeqüente ter obrigações "à vista" para cumprir com o proveito daquela dívida, sendo-lhe extremamente prejudicial a imposição de recebimento parcelado por conta da imposição do pagamento por meio do usufruto judicial.
Todavia, esse tipo de situação deve ser informada e comprovada pelo exeqüente no momento em que for realizado o necessário e prévio contraditório a respeito da instituição do usufruto judicial, devendo o juiz considerar esse tipo de argumento como peso na ponderação entre efetividade e gravosidade (art. 716, CPC). Assim, se o exeqüente tiver comprovado o prejuízo em não receber o que lhe é devido "à vista", deve o juiz verificar se a gravosidade ao executado decorrente da não instituição do usufruto é bastante para compensar essa falta de efetividade com relação ao exeqüente.
Entendemos, portanto, que seria bastante proveitoso ao instituto que se passasse a adotar essa interpretação mais liberal, ainda que contra a disposição expressa do art. 721, do CPC, mas condizente com o sistema processual e voltada para a "pedra de toque" do instituto, qual seja, a disposição do art. 716, do CPC. O ideal seria mesmo a alteração legislativa.
Entretanto, de lege lata, não discordamos do entendimento de que é indispensável o requerimento do exeqüente para a instituição do usufruto judicial sobre bem imóvel [64].
Aliás, até que sobrevenha alteração legislativa, deve valer a mesma regra também para o caso de os bens penhorados serem móveis, a despeito de não ter sido realizada a alteração do art. 721 pela Lei 11.382/06, onde consta apenas "usufruto do imóvel penhorado", eis que seria injustificável se estabelecer essa diferença de procedimentos, devendo ser a não inclusão do termo "ou móvel" atribuída a mero erro legislativo (omissão), o qual há que ser corrigido pelo cauteloso intérprete da norma posta.
Já quanto à forma de requerimento do exeqüente, esta se dá mediante mera petição, já que o CPC não prevê forma expressa para tanto (art. 154, CPC), sendo esse requerimento apto a instaurar procedimento incidental no bojo do processo de execução. O exeqüente deve, porém, nessa petição, argumentar e até produzir prova documental nova em favor da presença do requisito do art. 716, do CPC – menor gravosidade e maior eficiência.
Feito isso, ou seja, apresentado o requerimento do exeqüente, cabe ao juiz, em respeito ao contraditório, e à letra do art. 722, do CPC, conceder ao executado a oportunidade de se manifestar, trazendo seus elementos para a análise e ponderação pelo juiz dos pressupostos do art. 716 do CPC, ou simplesmente concordando com a instituição do usufruto judicial.
A Lei 11.382/06, alterou o caput do art. 722, do CPC, cuja redação era "se o devedor concordar" e passou para "ouvido o executado".
Há quem entenda, como Cássio Scarpinella Bueno [65], que isso não implicou qualquer alteração de fundo, pois parte da doutrina [66] já se posicionava no sentido de não interpretar o antigo dispositivo de maneira literal, exigindo, para afastar o usufruto, que a recusa do executado trouxesse fundamentos passíveis de convencer o juiz da ausência dos pressupostos para a instituição do usufruto (art. 716, CPC).
Essa corrente doutrinária supracitada se alinha perfeitamente à nova redação do dispositivo, revelando-se hoje a mais acertada exegese dessa norma. Mesmo porque, a interpretação literal da redação anterior do art. 722, do CPC, então encampada pela maior parte da doutrina e da jurisprudência, levou o pagamento ao exeqüente com usufruto à condição de verdadeira inocuidade [67].
O que se deve exigir, destarte, é o prévio contraditório entre as partes acerca dos meios de expropriação e pagamento a serem adotados, inclusive o usufruto judicial [68].
A respeito do contraditório no processo de execução, é de bastante proveito a seguinte lição de Marcelo Abelha:
"É o contraditório que dá às partes o direito de serem ouvidas e de que suas alegações sejam consideradas na formação do convencimento do magistrado. O contraditório não está apenas no papel ou na informação sobre o ato do processo, mas nas reais e concretas chances e oportunidades de ser ouvido e se fazes ouvir, por via de instrumentos idôneos que coloquem a parte em uma condição de igualdade para emitir suas alegações e defesas. (...) Certamente, também aqui haverá "participação" e atuação do réu, quer tem o direito de ser ouvido dentro da perspectiva relativa à atuação da norma jurídica concreta. A eficácia abstrata do título executivo adotada pelo CPC faz com que qualquer discussão acerca da obrigação corporificada no título seja transferida para uma outra sede, apropriada para a discussão acerca da pretensão executiva, o que ocorre, normalmente em procedimento lateral, cognitivo e á parte do procedimento executivo, justamente por se respeitar a seqüência ordenada de atos tendentes e destinados á satisfação da norma jurídica concreta." [69]
Está presente, diante disso, na execução e também no que toca especificamente ao usufruto judicial, o necessário diálogo que importa em informação, possibilidade de reação e de influência nas decisões, a caracterizar a observância ao princípio do contraditório.
A antiga disposição legal, no sentido da exigência de concordância do executado, levou até mesmo a se considerar o instituto como de caráter negocial [70], tese que, a despeito de ultrapassada, até hoje, mesmo sob a égide da lei nova, ainda encontra guarida em algumas decisões de tribunais estaduais [71].
Diante da nova norma, essa posição deve ceder definitivamente àquela outra que encontra com sustentáculo não o acordo entre as partes, mas a decisão judicial tomada com base no art. 716, com a ponderação entre a menor gravosidade e a efetividade, à luz do prévio e necessário contraditório entre as partes.
Afastada, pois, a necessidade de concordância do executado, ela se tornou, como todos os outros fatores (posta a salvo a previsão legal que exige o requerimento do exeqüente), não mais um pressuposto, mas apenas outro "peso" na balança da ponderação entre a menor gravosidade e a efetividade (art. 716).
3.2.2. Fase instrutória
O art. 722, do CPC, prevê que o juiz pode nomear perito para avaliar os frutos e rendimentos do imóvel e estimar o tempo necessário para liquidação da dívida.
Interessa neste ponto diferenciar frutos de rendimentos, ambos referidos no dispositivo como objeto da perícia de avaliação. De préstimo para tanto são as seguintes lições de José de Moura Rocha:
"Referido inciso aponta frutos e rendimentos, necessário, portanto precisá-los: são frutos o objeto material que a coisa usufruída é suscetível de produzir. Assim, todas aquelas coisas que o imóvel produz espontaneamente, tais como as colheitas, etc. O vocábulo ‘espontaneamente’ deve ser encarado com a devida cautela porque no caso do exemplo apresentado, o das colheitas, temos que elas são espontâneas apenas em termos de natureza, não sendo imprescindível a participação humana. São fatos naturais.
Rendimentos são as rendas ou interesses tal como o dinheiro oriundo de um contrato de aluguel ou arrendamento, foros, etc.
Originam os frutos e os rendimentos, tanto o usus quanto o fructus, ou seja, o gozo das utilidades que a coisa por si ou pela sua produção possa dar." [72]
Ainda quanto ao objeto da perícia, devemos destacar que o cálculo do tempo necessário à satisfação da dívida é meramente estimativo e não vincula o juiz, dado o caráter pro solvendo do usufruto judicial.
No que tange ao procedimento dessa perícia, Leonardo Greco [73] entende que se deve proceder a uma perícia "sumária", isto é, sem formulação de quesitos ou indicação de assistentes, considerando a sua finalidade de formar rápido juízo de probabilidade sobre a viabilidade do usufruto.
Já Cássio Scarpinella Bueno [74], defende a posição de se que devem aplicar a essa perícia as regras previstas no CPC para a produção da prova pericial no processo de conhecimento, a fim de conferir o máximo de garantias às partes (devido processo legal).
Concordamos, em regra, com a primeira posição, haja vista a desnecessidade de exatidão hermética dessa perícia, que visa tão-somente auxiliar no juízo de viabilidade do usufruto pois o perito irá "avaliar os frutos e rendimentos do bem e calcular o tempo necessário para liquidação da dívida" (art. 722, caput). Não há, por isso, prejuízo se essa avaliação e esse cálculo forem meramente aproximados, tendo em vista a natureza pro solvendo do pagamento por usufruto judicial.
Ressalvamos, porém, que caso a perícia se mostre de extrema complexidade (ex: o bem penhorado é fazenda em que se exploram diversas atividades agropecuárias que geram frutos e rendimentos), pode se mostrar prudente e proveitoso que o juiz defira a formulação de quesitos e a indicação de assistentes técnicos pelas partes.
Barbosa Moreira bem identificou os escopos dessa perícia na seguinte lição:
"O cálculo serve, antes de mais nada, ao credor e ao devedor, ministrando-lhe uma idéia, se bem que aproximada e sujeita a mil vicissitudes, do tempo que provavelmente durará o gravame, e por conseguinte um elemento de ponderação, que o primeiro levará em conta para resolver se persiste ou não no pedido, e o segundo para decidir se mantém ou retira a sua concordância; já se assinalou, com efeito, que a um e a outro é lícita a retratação, até ser decretado o usufruto. Serve também o cálculo para que o Juízo da execução, com base na previsão do laudo, verifique segundo lhe compete, se há motivos para reputar o expediente ‘menos gravoso ao devedor e eficiente para o recebimento da dívida’ (art. 716, fine)." [75]
Ademais, o §1º, do art. 722, prevê a realização de contraditório acerca do laudo antes da decisão, momento em que as partes podem se manifestar contrariamente ao usufruto, mesmo que antes tenham concordado, podendo agora discordar e se valer, em nosso entender, de pareceres técnicos, o que não atrapalha o procedimento e pode ser proveitoso para conferir mais subsídios ao juízo a ser realizado.
Além disso, a perícia será dispensável se houver documentação idônea capaz de fornecer ao julgador as informações de que necessita, por força do princípio da economia e da aplicação analógica do art. 427, do CPC [76]. Evidentemente, a perícia também poderá ser dispensada se o juiz, de plano (prova documental ou já produzida nos autos), puder concluir pela inviabilidade do usufruto judicial (art. 716).
3.2.3. Fase decisória
O incidente em questão é resolvido por decisão interlocutória (art. 162, §2º, do CPC), como já se entendia inclusive sob a égide do sistema anterior, haja vista se tratar de evidente decisão que resolve questão incidente – não sendo sentença por não por fim ao processo (direito anterior) e nem resolver o seu mérito (direito vigente).
A decisão conterá, além da decretação do usufruto, com a fixação de seu termo inicial, também a nomeação de administrador, fixando regime de prestação de contas e depósito dos frutos e rendimentos.
Athos Gusmão Carneiro sustenta a existência de "fundada dúvida sobre a natureza do provimento judicial que resolve a respeito do usufruto" em razão de constar o termo "decisão" nos arts. 718 e 722, §1º, e de constar, "por lamentável omissão", o termo "sentença" no art. 719. Para ele, até que haja alteração legal, o recurso cabível continuaria sendo a apelação [77].
Com o devido respeito, não entendemos que possa haver dúvida objetiva quanto ao recurso cabível neste caso, eis que o recurso de apelação se revelaria manifestamente inadequado aos propósitos do sistema processual vigente, sobretudo após as reformas da execução civil.
3.2.4. Carta de usufruto, registro e a nomeação de administrador
O disposto no art. 718, do CPC, deve ser lido com os olhos também atentos ao disposto no art. 722, §1º, do CPC.
Assim, a eficácia do usufruto prevista no art. 718, que nasce com a publicação da decisão que o conceda, é meramente entre as partes do processo, dependendo a sua eficácia perante terceiros, em se tratando de bem imóvel, da averbação da carta de usufruto (art. 722, §1º, do CPC) [78].
A publicação da decisão prevista no art. 718, por conseguinte, pode ser oposta perante terceiros tão-somente em caso de usufruto de bem móvel não sujeito a registro [79], pois, neste caso, a posse é mais facilmente identificável [80].
Entendemos, com força nesses fundamentos, que no caso de automóvel ou embarcação, por exemplo, que são bens móveis sujeitos a registro, a regra deve ser a do art. 722, §1º, do CPC, pois onde há a mesma razão deve haver a mesma disposição, a despeito da literalidade do dispositivo desautorizar essa posição.
O administrador nomeado na decisão (art. 719) poderá ser o exeqüente (consentindo o executado), o executado (consentindo o exeqüente) ou terceiro.
Para efeito de responsabilização, o administrador está sujeito às regras dos arts. 148 a 150, do CPC.
Assumirá o administrador a posse direta do bem e substituirá o anterior depositário na sua guarda e conservação. Estará, outrossim, sujeito a prestação de contas e depósito dos frutos e rendimentos ao exeqüente em periodicidade a ser decidida conforme o caso pelo juiz.
A nomeação de administrador é obrigatória, ao contrário do que pode parecer por uma leitura inadvertida do art. 723. Esse dispositivo prevê não a dispensa do administrador, mas a hipótese de ser o executado o administrador, pagando o inquilino os aluguéis diretamente ao exeqüente, salvo se houver outro administrador. Essa a melhor interpretação do dispositivo, com respaldo nas lições de Barbosa Moreira [81] e de Araken de Assis [82].
O administrador tem poderes de uso, administração e percepção dos frutos, vale dizer, tem todos os poderes do usufrutuário do direito material, em observação ao disposto no art. 719, caput, do CPC. Está assim, também, como possuidor (art. 1394, do CC), legitimado para interpor interditos possessórios [83].
O administrador profissional (imobiliária, por exemplo) contratado pelo executado, figura muito comum no mercado imobiliário atual, deverá ser por ele intimado para realizar o pagamento dos aluguéis recebidos ao usufrutuário, mesmo investido o executado nas funções de administrador [84].
A administração encontra limites, por óbvio, condizentes com os limites do domínio do executado sobre o bem, isto é, em caso de condomínio, não ultrapassa o seu quinhão, conforme disposição do art. 720, do CPC, muito bem interpretada por Antônio Cláudio da Costa Machado na seguinte passagem:
"A ratio do dispositivo se atrela à circunstância processual de que é a dimensão da penhora que estabelece a dimensão que pode assumir o usufruto de imóvel ou de empresa. Logo, se apenas um quinhão da propriedade ou uma parte dos direitos sobre a empresa é penhorada, somente sobre esta parte pode recair o usufruto judicial, de sorte que a administração que se instituía haverá, identicamente, de sofrer limitação. Na prática, tal restrição pode significar o aniquilamento do interesse do credor pela constituição do usufruto." [85]
Diante disso, traçadas as características e o regime da sua administração, passemos à análise do encerramento do usufruto.
3.2.5. Encerramento do usufruto
A despeito da voz praticamente isolada de Humberto Theodoro Júnior [86], é tranqüilo na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que o usufruto é instituído pro solvendo, conforme previsto no art. 717. Assim, se ao término do prazo previsto o crédito não estiver satisfeito, poderá o exeqüente escolher entre prosseguir na fruição dos rendimentos ou executar o saldo pela alienação do bem penhorado [87].
Assim, revela-se acertada a conclusão de Araken de Assis no sentido de que "o prazo assinado à duração do usufruto (art. 722, caput) não opera de modo automático. Só a integral satisfação do crédito extingue a medida expropriatória, o que pressupõe controle do juiz" [88].
Além disso, se a coisa perecer ou deixar de produzir os rendimentos ou frutos previstos, pode cessar o usufruto se o exeqüente assim requerer ao juiz para que se proceda à alienação judicial do bem [89].
3.3. Nova locação, leasing, arrendamento rural, parceria agrícola de área rural e alienação forçada na pendência do usufruto
A instituição de nova locação no imóvel se dá nos termos do art. 724 do CPC. Antes havia previsão legal de hasta pública, agora (após a Lei 11.382/06) deve ser realizado apenas um juízo no sentido do melhor aproveitamento do bem, o que não descarta a realização de licitação com esta finalidade.
Todavia, devemos ter em conta que o usufruto judicial implica na perda do poder de gozo (fruição), além do direito de uso [90], para assim possibilitar, ou mesmo maximizar, os rendimentos do bem [91], mas não do poder de disposição, a qual será ineficaz apenas perante a penhora realizada. Em suma, não se pode realizar, ao menos sem a concordância do executado, contratação que implique em disposição do bem objeto do usufruto judicial.
Diante disso, passamos à análise das hipóteses propostas.
O leasing, denominado pela lei brasileira [92] como arrendamento mercantil consiste, segundo Orlando Gomes, no seguinte:
"Pelo contrato de leasing uma instituição financeira, especializada ou não, concede a um industrial, por longo prazo, o direito de utilizar máquinas que adquiriu para esse fim, cobrando-lhe aluguel por esse uso temporário e admitindo que, a certo tempo, declare opção de compra, pagando o preço residual, isto é, o que fica após a dedução das prestações até então pagas" [93].
"O elemento essencial de caracterização do leasing é a faculdade reservada ao arrendatário de adquirir, no fim do contrato, os bens que alugou. Se não existe, o contrato não é de leasing." [94]
Como se verifica a partir dessa preciosa lição, o leasing lhe tem como intrínseca a existência de opção de compra e venda, a ser exercida ao final do arrendamento financiado.
Assim, entendemos não ser possível a realização de leasing do bem objeto de usufruto judicial, salvo com o consentimento do executado, o qual ainda detém o poder de disposição do bem, o qual, neste caso, por já contar com o consentimento do exeqüente, não estaria sujeita à ineficácia por força da penhora. Haveria, neste caso, verdadeiro acordo entre exeqüente e executado, a ser homologado pelo juiz da execução.
Quanto ao arrendamento e à parceria rurais, cuja disciplina se encontra no Estatuto da Terra (Dec. 59.566/66), tendo em vista as premissas acima já lançadas, devemos atentar para os conceitos legais desses contratos.
Com relação ao arrendamento rural, seu conceito se encontra no art. 3º do Estatuto da Terra, in verbis:
Art. 3º - Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei.
Já no que respeita à parceria rural, seu conceito se encontra no art. 4º do Estatuto da Terra, in verbis:
Art. 4º - Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa vegetal ou mista; e ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha de riscos de caso fortuito e da força maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei.
Diante do quanto já foi afirmado acerca da manutenção apenas do direito de disposição do bem pelo executado, devemos considerar possível a realização do arrendamento rural e da parceria agrícola, atentando o juiz para as regras dos arts. 716 e 724, do CPC. Não se pode olvidar também de verificar a presença de outros requisitos da lei, como o certificado do IBRA, exigido no art. 9º para que o usufrutuário celebre esses contratos agrários.
Já a alienação forçada na pendência do usufruto judicial é possível, até em função do art. 613, do CPC, sem prejuízo do usufruto, sendo necessária a intimação do usufrutuário – art. 615, II, do CPC, para que este exerça seu direito sobre o preço, salvo se houver depósito do saldo da dívida.
Essa era a antiga disposição do art. 725, do CPC (anterior à Lei 11.382/06), a qual, na prestimosa lição de Humberto Theodoro Júnior [95], continua aplicável por não haver outra solução no sistema, pois o tema é próprio de direito material e revela a característica da seqüela dos direitos reais, dentre os quais se enquadra o usufruto judicial, como já afirmamos.