Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Usufruto judicial.

Pagamento ao exeqüente com usufruto de bem móvel ou imóvel

Exibindo página 3 de 4
Agenda 20/06/2008 às 00:00

4. EFEITOS

Segundo a disposição do art. 717 do CPC, decretado o usufruto, perde o executado o gozo do bem até o pagamento da dívida e de seus acessórios. Assim, o executado perderia o direto aos frutos do bem (gozar = fruir), mas o usufruto judicial pode implicar também perda do direito ao uso do bem pelo executado.

De sumo proveito para o esclarecimento dos conceitos básicos acerca dessa questão são as seguintes lições de Caio Mário da Silva Pereira (análise de direito material) e de Pontes de Miranda (análise em comentário à norma do art. 717, do CPC):

"O direito de usar – jus utendi - consiste na faculdade de colocar a coisa a serviço do titular, sem modificação de sua substância. O dono a emprega em seu próprio benefício, ou no do terceiro. Serve-se da coisa. Mas é claro que também pode usa-la, guardando-a ou mantendo-a inerte. O direito de gozar – jus fruendi – realiza-se essencialmente com a percepção dos frutos, sejam os que da coisa naturalmente advêm, como ainda os frutos civis" [96]

"A fruição pode ser admitida sem uso; e o uso, sem a fruição. Donde ser falsa a regra fructus sine usu esse non potest. Em diferentes lugares, as leis romanas a desmentem. Quem usa retira da coisa utilidades que não são os frutos; quem frui pode não usar. O usufruto compreende a fruição e o uso; mas é a destinação da coisa, não só econômica, que determina modo e quantidade ao fruir e ao usar." [97]

O usufruto judicial é, portanto, daquelas hipóteses em que o nu-proprietário, no caso o executado, como já afirmamos, deve perder não só o direito de fruição (gozo), mas também o direito de uso, para assim possibilitar, ou mesmo maximizar, os rendimentos do bem.

Assim o entendimento manifestado de maneira bastante esclarecedora por Maria Antonieta Zanardo Donato:

"Analisando-se as disposições concernentes ao usufruto de imóvel, parece-nos que a fruição direta estaria vedada ao credor, eis que a lei coloca-o sempre em posição de credor desses frutos ou rendimentos, e não na posição de produtor dos mesmos.

Entretanto, entendemos ser possível ao credor, a favor de se instituiu o usufruto de imóvel, a possibilidade de vir a utilizar ou servir-se do bem diretamente, a fim de auferir os rendimentos ou os seus frutos.

Nosso posicionamento se dá por duas razões: se o credor é nomeado administrador da coisa, deverá procurar mantê-la como está e não alterá-la, sob pena de, em caso de culpa ou dolo, responder pessoalmente pelos prejuízos causados ao devedor.

A segunda razão reside no fato de vislumbrarmos que o direito de gozo conferido ao usufrutuário só poderá ser exercido se lhe for transferida a posse do imóvel, pois, do contrário, estar-se-ia em face da simples adjudicação de rendimentos em favor do credor, refugindo totalmente ao que parece ser a ratio legis.

[...]

O direito de gozo outorgado ao credor em razão do usufruto de imóvel compreenderá a sua posse, a sua administração – se assim determinado pelo juízo – podendo competir-lhe ainda o uso da coisa. A admissão do direito ao uso da coisa pelo credor será destinada unicamente á produção dos frutos ou rendimentos, consubstanciando-se porquanto num jus utendi específico á promoção dos rendimentos da coisa. Seria, em verdade, possibilitar-se a fruição da coisa, ainda que para tanto fosse necessário outorgar o seu uso ao credor." [98]

Diante disso, nos parece equivocado o entendimento segundo o qual o bem deve estar produzindo renda para que haja a instituição do usufruto judicial [99], pois o imóvel pode muito bem estar desocupado, e caso esteja ocupado pelo executado, outra será a razão para a possível negativa do usufruto.

Nessa linha de pensamento, o juiz deve agir com acurada cautela ao analisar os pressupostos do art. 716, do CPC, pois caso a perda desses direitos reais possa causar ao devedor gravosidade em valor maior do que o devido, deve ser afastado esse meio de pagamento em execução (exemplo do devedor que reside no imóvel) – a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é permeada de precedentes nesse sentido [100].

Nada impede, portanto, que o próprio credor utilize o bem em abatimento da dívida, desde que já instituído o usufruto judicial.

4.2. Ineficácia dos atos de disposição do domínio e subsistência dos efeitos da penhora sobre o bem

O bem permanece sob os efeitos da penhora até a extinção da dívida, isto é, até o término do seu pagamento.

Ovídio Batista da Silva sustenta que a alienação não seria considerada ineficaz por fraude à execução, pois o usufruto judicial, por força da seqüela, seguiria o bem [101].

Araken de Assis, entretanto, a nosso ver com razão, discorda dessa posição sob o fundamento principal de que, considerada a característica pro solvendo do usufruto judicial, esse mecanismo pode se revelar inapto para solver a obrigação, caso em que ao exeqüente resta o direito de levar o bem à hasta pública.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Por conseguinte, não haveria como se conceber alienação eficaz do bem na pendência do usufruto, devendo persistir esse efeito da penhora sobre o imóvel até a quitação da dívida [102].


5. CONCLUSÃO

As conclusões acerca dos tópicos especificamente estudados sobre o pagamento ao exeqüente com usufruto de móvel ou imóvel já foram oportunamente expressadas no corpo do trabalho. Cumpre-nos nesse tópico tecer conclusão geral acerca do instituto estudado, além de apresentarmos nossa proposta de lege ferenda para seu aperfeiçoamento.

Verificamos que o art. 716 é norma que confere ao juiz o exercício da atividade judicante por excelência, ou seja, a ponderação de princípios postos em colisão.

No sistema atualmente consagrado na legislação, ou seja, com a desnecessidade de concordância do executado para instituição do usufruto, resta às partes em contraditório e ao juiz em seu livre convencimento motivado, estabelecerem ou não a presença dos requisitos do art. 716 do CPC, não havendo rigidez quanto ao momento ou outros requisitos (salvo a necessidade de requerimento do exeqüente), sendo que o art. 716 a todo questionamento atrai, como um verdadeiro "buraco negro".

De lege ferenda, entendemos que deve ser dispensada a exigência do requerimento do exeqüente, tanto para o caso de bem móvel quanto de bem imóvel, pois já há a possibilidade de este apresentar impugnação justificada, sempre tendo como norte a ponderação do art. 716, do CPC. Além disso, deve ser o termo "sentença", do art. 719, caput, substituído por "decisão", bem como deve ser prevista expressamente no art. 722, §1º, a necessidade de averbação do usufruto de bens móveis sujeitos a registro (ex: automóveis e embarcações).

A conclusão que se extrai do estudo empreendido é a de que o usufruto judicial é instituto que embora muito pouco prestigiado, se mostra de inafastável proveito em situações práticas específicas das mais diversas. Por tal motivo, o instituto merece melhor atenção da doutrina e dos operadores do direito.

Diante disso, a "popularização" do instituto depende de desenvolvimento maior da doutrina a seu respeito e da divulgação de suas vantagens em situações concretas, mas sem regredir em fixar limites preestabelecidos abstratamente, pois a lei assim não cuidou do instituto e não cabe aos operadores do direito assim proceder.

De mais a mais, é evidente que o instituto depende de maior maturação doutrinária, até para facilitar a digestão das alterações legislativas, a ensejar frutos na atividade jurisdicional e, por conseguinte, na sociedade.


BIBLIOGRAFIA

ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

ALEXY, Robert. Direitos fundamentais, ponderação e racionalidade. Trad. Luiz Afonso Heck. Revista de direito privado. São Paulo: RT, v. 24: 334-344, out-dez de 2005.

ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. 11ª ed., São Paulo: RT, 2007.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência. 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006.

________. Os elementos objetivos da demanda à luz do contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz e; BEDAQUE, José Roberto dos Santos (coords.). Causa de pedir e pedido no processo civil (questões polêmicas). São Paulo: RT, p. 13-50, 2002.

BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil - vol. 3: comentários sistemáticos à Lei n. 11.382/06. São Paulo: Saraiva, 2007.

CALMON DE PASSOS, J. J., A formação do convencimento do magistrado e a garantia constitucional da fundamentação das decisões. Livro de estudos jurídicos. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, n. 3, p. 01-17, 1991.

CAPPELLETTI, Mauro; Bryant Garth. Acesso à justiça. Trad. Ellen Grace Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998.

CARNEIRO, Athos Gusmão. A "nova" execução dos títulos extrajudiciais. Mudou muito? Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 143: 115-129, jan. de 2007.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Trad. brasileira. São Paulo: Saraiva, 1942, vol. 1.

COSTA, Eduardo José da Fonseca. Noções jurídico processuais de eficácia, efetividade e eficiência. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 121: 275-301, mar. de 2005.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Princípio da proporcionalidade na execução civil. In: BRUSCHI, Gilberto Gomes (coord.). Execução civil e cumprimento da sentença. São Paulo: Método, p. 295-328, 2006.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 1987.

________. A instrumentalidade do processo. 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003.

________. A nova era do processo civil. 1ª ed., São Paulo: Malheiros, 2004.

DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Anotações sobre o usufruto de imóveis no Código de Processo Civil. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 76: 180-191, out-dez de 1994.

FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Reflexões sobre o novo regime de expropriação de bens introduzido pela Lei 11.382/2006. In: BRUSCHI, Gilberto Gomes; SHIMURA, Sérgio Seiji (coords.). Execução civil e cumprimento da sentença vol. 2. São Paulo: Método, p. 183-198, 2007.

GOMES, Orlando. Contratos. 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

GRECO, Leonardo. O processo de execução. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, vol. II.

LOPES, João Batista. Efetividade da tutela jurisdicional à luz da constitucionalização do processo civil. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 116: 29-39, jul.-ago. de 2004.

MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado. 4ª ed., São Paulo: Manole, 2004.

MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à adequada tutela jurisdicional. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 663: 243-247, jan. de 1991.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. (atualização legislativa de Sérgio Bermudes), Rio de Janeiro: Forense, 2002, tomo X (arts. 612-735).

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Aspectos do "usufruto de imóvel ou de empresa" no processo de execução. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 26: 08-20, abr-jun de 1982.

________. Por um processo socialmente efetivo. In: Temas de direito processual (oitava série). São Paulo: Saraiva, p. 15-27, 2004.

________. O novo processo civil brasileiro. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7ª ed. São Paulo: RT, 2002.

NEVES, Celso. Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1974, vol. VII.

NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, vol. IV.

ROCCO, Ugo. Trattato di diritto processuale civile. 2ª ed. Torino: Unione Topográfico Editrice Torinese.

ROCHA, José de Moura. Sistemática do novo processo de execução. São Paulo: RT, 1978.

SHIMURA, Sérgio Seiji. O princípio da menor gravosidade ao executado. In: BRUSCHI, Gilberto Gomes; SHIMURA, Sérgio Seiji (coords.). Execução civil e cumprimento da sentença vol. 2. São Paulo: Método, p. 529-548, 2007.

SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 798, p. 23-50.

________. Interpretação constitucional e sincretismo metodológico. In: SILVA, Virgílio Afonso da (org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Método, 2005.

SILVA, Nelson Finotti. Usufruto de empresa subsiste no novo processo de execução (Lei 11.382/2006)?. In: BRUSCHI, Gilberto Gomes; SHIMURA, Sérgio Seiji (coords.). Execução civil e cumprimento da sentença vol. 2. São Paulo: Método, p. 443-449.

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2000, v. 1.

________. Curso de processo civil. Porto Alegre: Fabris, 1987.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento da sentença. 24ª ed., São Paulo: Leud, 2007.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 3ª ed. São Paulo: RT, 2000.

________. Nulidades do processo e da sentença. 4ª ed. São Paulo: RT, 1997.

Sobre o autor
César Cipriano de Fazio

advogado, mestrando e especialista em direito processual civil pela PUC-SP, professor assistente de direito processual civil na graduação em direito da PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAZIO, César Cipriano. Usufruto judicial.: Pagamento ao exeqüente com usufruto de bem móvel ou imóvel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1815, 20 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11410. Acesso em: 3 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!