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Da (i)legalidade do ato administrativo que não concede licenciamento para o militar da ativa que está sendo processado pela Justiça Militar da União

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"A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas.

A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico." [01]


Apresentação do Caso Prático

MA, militar da ativa, prestando o serviço militar obrigatório [02], foi denunciado como incurso nas sanções do art. 187 [03], caput, c.c. art. 189, inciso I, última parte, ambos do Código Penal Militar.

Sobreveio sessão de julgamento, na qual o Conselho Permanente de Justiça [04] deliberou, por unanimidade, condenar o acusado como incurso nas sanções previstas no art. 187 do Código Penal Militar, sendo-lhe aplicada a pena de 04 (quatro) meses de prisão.

Antes da ocorrência do trânsito em julgado da referida sentença condenatória, transcorreu o término do serviço militar obrigatório, ou seja, MA cumpriu, efetivamente, 12 (doze) meses de serviços às Forças Armadas.

Concluído o tempo do serviço militar obrigatório, MA requereu à Administração Militar o licenciamento das fileiras do Exército, pretendendo, assim, encerrar seu vínculo com as Forças Armadas.

O referido pedido de licenciamento foi indeferido pelo Comandante da Organização Militar sob a justificativa de MA encontrar-se respondendo à ação penal militar no âmbito na Justiça Militar da União.

Contra o citado ato administrativo, a Defensoria Pública da União, que representava MA na ação penal militar, impetrou Mandado de Segurança, perante a Vara da Justiça Federal competente, em favor de MA, com fulcro no art. 5º LXIX da Constituição da República e Lei nº. 1.533/51.

Problema Identificado:

Determinar se o citado ato indeferitório exarado pelo Comandante da Organização Militar revestiu-se dos elementos estruturais e essenciais para a validade jurídica do ato administrativo, quais sejam [05]: competência, finalidade, forma, motivo e objeto.

Fundamentação Teórica Penal e Processual Penal Militar:

Para que possamos determinar se o citado ato indeferitório exarado pelo Comandante da Organização Militar revestiu-se dos elementos estruturais e essenciais para a validade jurídica do ato administrativo, devemos estudar anteriormente as legislações que tratam do Serviço Militar Obrigatório e do delito militar de deserção.


1.Da obrigatoriedade do Serviço Militar Obrigatório:

Temos no art. 143 da Constituição da República Federativa do Brasil que:

"O serviço militar é obrigatório nos termos da lei."

A Lei do Serviço Militar, Lei n°. 4.375, de 17 de agosto de 1964, regulamentada pelo Decreto nº. 57.654/66, dispõe no seu art. 2° que:

"Todos os brasileiros são obrigados ao serviço Militar, na forma da presente lei e sua regulamentação"

Temos então, por oportuno, que todos os brasileiros são obrigados ao serviço militar com exceção das mulheres (em tempo de paz, art. 2° § 1°).


2.Do prazo de duração do Serviço Militar Obrigatório:

O tempo de duração do Serviço Militar Obrigatório está disciplinado no art. 6º da Lei do Serviço Militar que dispõe:

"O Serviço Militar inicial dos incorporados terá duração normal de 12 (doze) meses.

§ 1° Os Ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica poderão reduzir até 2 (dois) meses ou dilatar até 6 (seis) meses a duração do tempo do Serviço Militar inicial dos cidadãos incorporados às respectivas Forças Armadas.

§ 2° Mediante autorização do Presidente da República, a duração do tempo do Serviço Militar inicial poderá:

a)Ser dilatada por prazo superior a 18 (dezoito) meses, em casos de interesse nacional;

b)Ser reduzida de período superior a 2 (dois) meses, desde que solicitada, justificadamente, pelo Ministério Militar interessado.

§ 3° Durante o período de dilação do tempo de Serviço Militar, prevista nos parágrafos anteriores, as praças por ela abrangidas serão consideradas engajadas."

O art. 33 da Lei nº 4.375/1964, dispõe sobre a possibilidade de o militar requerer, após o término do serviço militar obrigatório, a prorrogação do prazo de atividade:

"Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço a que estiverem obrigados poderá, desde que o requeiram, ser concedida prorrogação dêsse (sic) tempo, uma ou mais vezes (sic), como engajados ou reengajados, segundo as conveniências da Fôrça (sic) Armada interessada.

Parágrafo único. Os prazos e condições de engajamento ou reengajamento serão fixados em Regulamentos, baixados pelos Ministérios da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica."

Deste modo, podemos extrair que o tempo normal de serviço militar obrigatório será de 12 (doze) meses, tempo este que só poderá ser dilatado ou reduzido de 2 (dois) a 6 (meses) por autorização expressa dos Comandantes do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica. Caso o serviço militar seja dilatado em prazo superior a 16(dezesseis) meses caberá ao Presidente da República a referida autorização.

E quaisquer prazos superiores aos prazos a que alude o art. 6º §1º e § 2º, e da possibilidade do art. 33, poderão ser interpretados como constrangimento ilegal ao direito do cidadão, cabendo por oportuno, o remédio constitucional do Mandado de Segurança.


3.Da contagem do tempo do Serviço Militar Obrigatório:

A contagem do tempo de serviço militar terá início no dia da incorporação. Entretanto, o cômputo desse tempo deve ser de efetivo serviço prestado às Forças Armadas. Nesse sentido, perfeitamente lógico e aplicável o disposto no art. 8º, parágrafo único, da lei do Serviço Militar, verbis:

"Não será computado como tempo de serviço o período que o incorporado levar no cumprimento de sentença passada em julgado." (grifei e sublinhei)

Ou seja, se durante o período do serviço obrigatório o militar for processado e condenado, independente do crime, o prazo para o cumprimento da sentença imposta não será computada ao período obrigatório de um ano (tempo normal) de serviço militar. O prazo do serviço militar obrigatório de 12 (doze) meses deverá ser cumprido integral e efetivamente, sendo, portanto, necessário e razoável o acréscimo do prazo desperdiçado no cumprimento da pena imposta.


4.A interrupção do Serviço Militar Obrigatório:

O militar que se ausenta, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de 8 (oito) dias, torna-se desertor [06]. Em consequência, o desertor - que se encontra no serviço militar obrigatório - será excluído [07] e terá o serviço militar interrompido. A interrupção importa num primeiro momento em duas situações: a interrupção do pagamento do soldo e, ainda a interrupção de contagem de tempo de serviço ativo.

Dispõe o art. 128 da Lei n°. 6880/1980 que a deserção do militar acarreta interrupção do serviço militar, com a conseqüente exclusão do serviço ativo, para a praça sem estabilidade. A exclusão da praça sem estabilidade assegurada, incluindo-se os militares que prestam o serviço militar obrigatório, será realizada de ofício, após, formalmente, ter sido declarada desertora.

Quando o referido desertor (excluído) for capturado ou apresentar-se voluntariamente, será submetido à inspeção de saúde e, se considerado apto, será reincluído no serviço ativo para se ver processar (art. 128, § 3°, do Estatuto do Militares e art. 457, §§ 1º e 2º, do CPPM).

São, por oportuno, prerrogativas militares, conforme disposição do art. 73 da Lei nº. 6.880/1980, o cumprimento de pena de prisão ou detenção somente em organização militar [08] (letra c) e o julgamento em foro especial, nos crimes militares (letra d).


5.Do crime militar da deserção:

Nosso Direito Penal Militar classifica os crimes em Crimes propriamente militares e crimes impropriamente militares.

Para Jorge Alberto Romeiro [09], crime propriamente militar é

"(...) aquele que só por militar poderia ser praticado, pois consiste na violação de direitos restritos, que lhe são próprios. Seria o crime funcional da profissão militar, como p. ex., a deserção (art. 187), a cobardia (art. 363), o crime de dormir em serviço (art. 203) etc." (grifei)

Sabido que, no crime de deserção, uma das condições de procedibilidade para deflagração de ação penal, bem como de prosseguibilidade do processo, é a condição de militar do acusado, motivo pelo qual o desertor sem estabilidade é submetido à Inspeção de Saúde e, quando julgado apto, reincluído nas fileiras militares.

De outra sorte, a falta de condição de militar da ativa nos crimes de deserção e insubmissão, seja qual for a motivação, traz prejuízo à procedibilidade e prosseguibilidade da ação penal militar, consoante pacificada doutrina e jurisprudência do STF e STM.

Neste sentido a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal Militar:

"Apelação. Militar licenciado por incapacidade temporária, no curso da instrução criminal. Extinção do processo sem julgamento do mérito. Procedido o licenciamento da praça sem estabilidade, retira-se a condição objetiva de procedibilidade, uma vez perdida a qualidade do militar, pressuposto essencial para que alguém seja processado por crime de deserção. Apelo ministerial improvido. Decisão unânime." (STM. Acórdão nº. 2000.01.048602-1 / RJ, Min. Rel. GERMANO ARNOLDI PEDROZO, Min. Rev. ALDO DA SILVA FAGUNDES, Decisão: 09/11/2000, Data da Publicação: 22/12/2000)

Tal entendimento é chancelado pelo Supremo Tribunal Federal:

"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL MILITAR. DESERÇÃO (ART. 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA O SERVIÇO MILITAR. CAUSA PREEXISTENTE À CONDENAÇÃO. Com o reconhecimento da incapacidade definitiva preexistente à condenação, e tendo em vista que a condição de militar é requisito para o exercício da pretensão punitiva em relação ao crime de deserção, nos termos do art. 457, § 2º do CPPM, não há justa causa para a execução. Recurso provido." (STF, RHC 83030 / RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, DJ 01-08-2003)

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A reinclusão do Desertor, sem estabilidade e julgado apto em inspeção de saúde, é condição de procedibilidade [10] para a deflagração da ação penal militar. E a permanência do Desertor no serviço ativo é condição de prosseguibilidade da ação penal, consoante robusta e firme jurisprudência pátria - STF: HC nº. 74.425/RJ, de 08/10/96; HC nº. 77.522-1/RJ, de 29/09/98; HC nº. 79.531-5/RJ, de 08/02/00; e, no mesmo sentido, os arestos do STM: HC nº. 32.965-0/PR, de 14/12/93; Recurso Criminal nº. 6.141-5/RJ, de 21/06/94; Apelação nº. 48.602-1/RJ, de 09/11/00; e HC nº. 33.648-6/RS, de 16/08/01.

As condições da ação podem e devem ser analisadas a qualquer tempo e fase do processo, mediante provocação das partes ou de ofício, consoante doutrina [11] e jurisprudência [12] pátria.

Em sede de argumentação, ainda que fosse viável processar e julgar o desertor sem estabilidade, que não readquire ou perde a qualidade de militar, tenho convicção de que os procedimentos inscritos na legislação processual penal militar para o rito especial dos delitos de deserção e insubmissão foram idealizados (e, na prática, somente são viáveis) para o desertor sem estabilidade e insubmisso que efetivamente readquire a qualidade de militar.

Igualmente, qualquer sentença condenatória eventualmente aplicada ao "desertor civil" não atingiria as finalidades - repressivas ou preventivas, seja geral e especial ou, ainda, positiva ou negativa - da pena, o que afastaria as tão criticadas utilidades do Direito Penal (comum ou Militar).


6.Analisaremos, neste momento, quais as hipóteses de pedido de licenciamento do militar do serviço militar obrigatório:

Do militar que é arrimo de família em data pretérita à sua incorporação e que omitiu tal situação perante a Comissão de Seleção para o Serviço Militar Obrigatório.

Temos na Lei do Serviço Militar as figuras da Isenção, do Adiamento e da Dispensa de Incorporação (arts. 28, 29 e 30).

A dispensa de incorporação do arrimo de família encontra amparo no art. 30, vejamos:

"Art 30. São dispensados de incorporação os brasileiros da classe convocada;

(...)

f) arrimos de família, enquanto durar essa situação;

(...)"

Deste modo, temos que o convocado que se declarar arrimo durante o processo de seleção será dispensado do cumprimento do serviço militar obrigatório.

Hipótese 02: Do militar que se tornou arrimo de família no curso do serviço militar obrigatório.

Determina o art. 31 da Lei do Serviço Militar Obrigatório:

"O serviço ativo das Fôrças Armadas será interrompido:

(...)

b) pela desincorporação;

(...)

§ 2º A desincorporação ocorrerá:

(...)

b) por aquisição das condições de arrimo após a incorporação, obedecidas as disposições de regulamentação da presente Lei;"

Dispõe o art. 31, letra a, § 1º, sobre a possibilidade de o militar omitir o fato de ser arrimo de família durante o processo de seleção, seu serviço ativo será interrompido e anulado o seu ato de incorporação. A anulação da incorporação poderá ocorrer em qualquer época se forem encontradas irregularidades no recrutamento.

Hipótese 03: Do militar processado na Justiça Militar da União e que tenha sido absolvido.

Na hipótese do militar que tenha sido processado pela Justiça Militar da União e que tenha sido absolvido, caberá ao Comandante da Organização Militar (Unidade etc.) promover o licenciamento do referido subordinado ao término do período de 1 (um) ano de efetivo Serviço Militar Obrigatório prestado. Por outro lado, se o referido militar requerer, nos termos do art. 33, a prorrogação do prazo de serviço, o Comandante, dentro do seu poder discricionário e em conjunção com os Princípios que regem a Administração Pública, deverá analisar a conveniência e a oportunidade desta prorrogação.

Caso o Comandante não licencie o militar após o prazo de 1 (um) ano de serviço militar obrigatório, considerando que o militar não tenha pedido a prorrogação a que alude o art. 33 da Lei nº 4.375/1964, o Comandante estará incorrendo em constrangimento ilegal ao cidadão, cabendo por oportuno, o remédio constitucional do Mandado de Segurança [13].

Hipótese 04: Do militar processado na Justiça Militar da União, que tenha sido condenado, que tenha cumprido a pena imposta e tenha cumprido um ano de serviço militar obrigatório.

Uma vez que pela disposição do art. 8º, parágrafo único, da Lei do Serviço Militar Obrigatório não se computa como tempo de serviço o período que o incorporado levar no cumprimento de sentença passada em julgado, se no curso do período do Serviço Militar Obrigatório o militar cumprir a pena e na seqüência cumprir o período de tempo normal de 1 (um) ano do Serviço militar obrigatório, o militar, estará em dia com suas obrigações junto às Forças Armadas e junto à Justiça, cabendo ao Comandante da Organização Militar promover o licenciamento do referido subordinado ao término do período de 1 (um) ano de efetivo Serviço Militar Obrigatório prestado.

Por outro lado, se o referido militar requerer, nos termos do art. 33, a prorrogação do prazo de serviço, o Comandante, dentro do seu poder discricionário e em conjunção com os Princípios que regem a Administração Pública, deverá analisar a conveniência e a oportunidade desta prorrogação, publicando a conseqüente decisão por meio de Despacho.

Caso o Comandante não licencie o militar após o prazo de 1 (um) ano de serviço militar obrigatório, considerando que o militar não tenha pedido a prorrogação a que alude o art. 33 da Lei nº 4.375/1964, o Comandante estará incorrendo em constrangimento ilegal ao cidadão, cabendo por oportuno, o remédio constitucional do Mandado de Segurança [14].

Hipótese 05: Do licenciamento durante o período que o militar estiver sub judice, mas que tiver cumprido o tempo de prestação do serviço militar obrigatório.

O legislador quando da edição do Código de Processo Penal Militar classificou o crime militar da deserção e o crime militar de insubmissão como crimes que deveriam obedecer a um processo especial, ou seja, com ritos próprios [15].

Neste ponto, importam distinguir os procedimentos cabíveis para o crime militar de deserção dos demais crimes militares.

Para os demais crimes militares:

O militar que, durante o período do Serviço Militar Obrigatório, vier a ser processado na Justiça Militar (crime diverso da deserção e insubmissão), também ficará na situação sub judice.

Todavia, se antes do término da conclusão do curso da ação penal ou do conseqüente recurso, vier a se completar, efetivamente, os 12 (doze) meses do serviço militar obrigatório, caberá ao Comandante da Organização Militar promover o licenciamento do referido militar, se o subordinado assim o requerer.

Caso assim não proceda, o Comandante estará incorrendo em constrangimento ilegal ao direito do cidadão, cabendo por oportuno, o remédio constitucional do Mandado de Segurança.

Cabe ressaltar, que o referido licenciamento não trará óbices legais ao prosseguimento da ação penal militar, que seguirá normalmente, figurando o acusado como ex-militar.

Caso seja imposta eventual sentença condenatória pela Justiça Militar da União, o conseqüente cumprimento da pena restritiva de liberdade será efetivado em estabelecimento prisional comum, nos termos da Lei de Execução Penal.

Para o crime militar de deserção:

Situação peculiar ocorre com o militar que, enquanto responde a processo na Justiça Militar pelo crime de Deserção - processo pendente de julgamento ou da ocorrência do trânsito em julgado de sentença condenatória – venha a requerer seu licenciamento pela conclusão do tempo do Serviço Militar Obrigatório, qual seja, 12 (doze) meses de efetivos serviços prestados.

Diante de tal situação fática, determinadas Autoridades Militares têm indeferido tais requerimentos, com fulcro nos art. 31, § 5º, da lei nº. 4.375/64 (Lei do Serviço Militar) e art. 145 do Regulamento da Lei do Serviço Militar, que determinam que o incorporado que responder a processo no Foro Militar permanecerá na sua unidade, mesmo, como excedente.

Contra tais atos administrativos indeferitórios têm sido impetrados Mandados de Segurança perante a Vara da Justiça Federal competente.

Como já vimos [16], apenas os Comandantes de Força tem a competência para reduzir em 2 meses ou dilatar até seis meses a duração do Serviço Militar Obrigatório. Em prazos de redução inferiores a 2 (dois) meses ou dilatações superiores a 18 (dezoito) meses a competência é exclusiva do Presidente da República, cabendo apenas uma exceção, a disposição do art. 31 da lei do Serviço Militar Obrigatório ou art. 145 da Lei que Regulamenta o Serviço Militar Obrigatório [17], que determina que:

"que o incorporado que responder a processo no Fôro Militar permanecerá na sua unidade, mesmo, como excedente".

Ademais, o crime militar de deserção e insubmissão recebe tratamento diferenciado, como vimos acima, dentro da Lei Militar Castrense, devendo o militar permanecer no serviço ativo no momento do recebimento da denúncia e durante o processamento da ação. O status de militar é condição de procedibilidade e prosseguibilidade da ação de deserção e insubmissão.

De outra sorte, a perda da qualidade de militar da ativa impede o recebimento da denúncia ou o prosseguimento da ação penal militar, que deverá ser extinta sem o julgamento do mérito.

E ainda, administrativamente a situação sub judice irá perdurar até o momento da extinção da punibilidade, ou seja, até o cumprimento da sentença penal condenatória.

Deste modo, podemos concluir que o militar incorporado (praça do serviço militar obrigatório) que praticou o crime militar de deserção, deverá permanecer na sua unidade, mesmo, como excedente.

Sendo assim, o Comandante da Organização Militar que indeferir o requerimento de licenciamento da praça sem estabilidade estará agindo de acordo com os deveres do Administrador Público e em observância a legislação militar.

Hipótese 06: Do militar processado na Justiça Militar da União, que tenha sido condenado, que não tenha cumprido a pena imposta e tenha cumprido um ano de serviço militar obrigatório.

Neste ponto, também, como na hipótese anterior, importa distinguir os procedimentos cabíveis para o crime militar de deserção dos demais crimes militares.

Para os demais crimes militares:

O militar que, durante o período do Serviço Militar Obrigatório, vier a ser processado (crime diverso da deserção e insubmissão) e condenado, e tiver completado, efetivamente, os 12 (doze) meses do serviço militar obrigatório, caberá ao Comandante da Organização Militar promover o licenciamento do referido militar, se o subordinado assim o requerer.

Cabe ressaltar, que o referido licenciamento não trará óbices legais ao prosseguimento da execução penal militar, que seguirá normalmente, figurando o apenado como ex-militar e o conseqüente cumprimento da pena restritiva de liberdade será efetivado em estabelecimento prisional comum, nos termos da Lei de Execução Penal.

Caso assim não proceda, o Comandante estará incorrendo em constrangimento ilegal ao direito do cidadão, cabendo por oportuno, o remédio constitucional do Mandado de Segurança.

Para o crime militar de deserção:

Nesta hipótese temos que o militar cometeu o crime militar de deserção, cumpriu o tempo do serviço militar obrigatório, contudo ainda não cumpriu a pena imposta.

Havendo o trânsito em julgado de sentença condenatória pelo crime de deserção, o Superior Tribunal Militar tem firmado entendimento de que a condição de militar da ativa não prejudica a execução da pena. Vejamos:

"EMENTA. HABEAS CORPUS. LICENCIAMENTO DE DESERTOR. PRESCRIÇÃO EXECUTÓRIA.

O requisito de o desertor ser militar na ativa, exigível durante o processo como condição de procedibilidade, não alcança a fase de execução. O Paciente manteve a condição de militar durante o trâmite do processo na 1ª e 2ª instâncias, até o julgamento em grau de apelação no Superior Tribunal Militar. O fato de ter sido licenciado antes do trânsito em julgado para a Defesa é mera irregularidade de natureza administrativa, que não anula e nem compromete a decisão judicial. Não se trata mais de aferir condições de procedibilidade para a ação penal, e sim de preservar a autoridade do julgado. A condição de civil não impede o cumprimento de pena imposta pela Justiça Militar, que há de se fazer em estabelecimento prisional civil, na forma do art. 62 do CPM. Não obstante, está extinta a punibilidade do crime de deserção pela prescrição da execução da pena, nos termos do art. 126 do CPM. Ordem concedida tão-somente para declarar extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva. Unânime." (STM, Rel. Min.JOSÉ JULIO PEDROSA, Habeas Corpus n°. 2002.01.033708-3, UF: RJ, Decisão: 15/10/2002)

Dessa sorte, não haverá qualquer prejuízo para que o ex-militar (desertor condenado com trânsito em julgado) venha cumprir pena pelo crime de deserção em estabelecimento civil, nos termos da Lei de Execução Penais, sendo assim, caberá ao Comandante da Organização Militar promover o licenciamento do referido militar, se o subordinado assim o requerer.

Fundamentação Teórica Administrativa:

Determinaremos, agora, depois de todo o embasamento teórico penal e processual militar, se o citado ato indeferitório exarado pelo Comandante da Organização Militar revestiu-se dos elementos estruturais e essenciais para a validade jurídica do ato administrativo, quais sejam [18]: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Vejamos:

Sabemos que ato jurídico é toda manifestação de vontade que tenha por finalidade adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos (Código Civil art. 81), dependendo, para sua validade, de agente capaz, objeto lícito e forma prescrita em lei.

Deste modo, são requisitos do ato administrativo a competência, a finalidade, a forma, o motivo e objeto. A falta de um dos requisitos do ato administrativo pode levar a invalidação do ato praticado questionando a sua ilegalidade e possibilitando a anulação do ato pelo Poder Judiciário.

Temos que a competência é o requisito que se impõe à necessidade de o agente reunir competência legal ou regulamentar para a prática do ato. A norma deve atribuir-lhe a possibilidade (ou dever) de editar o ato, fixando os seus limites. Não é competente quem simplesmente o deseja, mas quem a norma assim o capacita e permite. A lei define a atribuição, fixa seus limites, conferindo, pois, a competência. Não se tratando de competência privativa, admite delegação e avocação por força da aplicação do poder hierárquico.

No Caso Prático apresentado o requerimento foi indeferido pelo Comandante da Organização Militar, analisemos, pois, a sua competência [19]:

Determina a Constituição da República Federativa do Brasil em seu art. 37 que:

"A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)"

A Administração Pública é exercida através de seus prepostos que na Administração Civil é exercida pelos servidores públicos civis, e na Administração Pública Militar é exercida pelos militares.

Para José dos Santos Carvalho Filho,

"servidores públicos são todos os agentes que, exercendo com caráter permanente uma função pública em decorrência da relação de trabalho, integram o quadro funcional das pessoas federativas, das autarquias e das fundações públicas de natureza autárquica." [20]

Os servidores públicos são aqueles que fazem do serviço público uma profissão e se distinguem dos demais agentes públicos pelo fato de estarem ligados ao Estado por uma efetiva relação de trabalho, também é o caso dos militares.

São características que delineiam o perfil da categoria dos servidores públicos: a profissionalidade, definitividade [21], e a existências de uma relação jurídica de trabalho [22]. Inclui ainda, Afrânio Faustino de Paula Filho, a característica de "dependência do relacionamento", ou seja, as entidades a que se vinculam esses servidores públicos prescrevem-lhes o comportamento nos mínimos detalhes [23].

Na década passada, a classificação dos servidores públicos obedecia a uma divisão imposta pela própria Constituição, qual seja, a dos servidores públicos civis e a dos servidores públicos militares. Sendo, ainda, os servidores públicos militares divididos em militares das Forças Armadas (art. 142,§3°, CF) e os Policiais Militares e Bombeiros Militares dos Estados e do Distrito Federal e Territórios (art.42 e parágrafos da CF).

A partir da Emenda Constitucional nº. 18, datada de 05 de fevereiro de 1988, o legislador constituinte derivado modificou a denominação de servidores públicos civis apenas para servidores públicos e renomeou os servidores públicos militares, em somente militares àqueles das Forças Armadas (art. 142, § 3°, CF) e, ainda, de militares dos estados, o contingente das Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal e Territórios e dos Corpos de Bombeiros Militares (art. 42, caput, CF).

Para José dos Santos Carvalho Filho [24] a divisão em servidores públicos civis e militares após a Emenda Constitucional nº. 18 ainda continuam vigentes [25].

De acordo com a classificação de José dos Santos Carvalho Filho, temos que o militar das Forças Armadas é um servidor público, devendo apresentar as características que delineiam o perfil da categoria dos servidores públicos acima citadas, quais sejam, a profissionalidade, a definitividade e a existências de uma relação jurídica de trabalho.

Afrânio Faustino de Paula Filho classifica os militares como:

"todos aqueles que, permanente ou temporariamente, desempenham atividade militar no âmbito federal ou estadual." [26]

Contudo, embora divirjam na classificação, José dos Santos Carvalho Filho e Afrânio Faustino de Paula Filho atribuem os mesmos deveres aos Servidores Civis, Militares Federais e Militares dos Estados - enquanto "servidores do Estado". [27]

Sendo assim, o Soldado, o Tenente, o Cabo, o Coronel, o Almirante, o Brigadeiro, o General etc. são militares das Forças Armadas e, por conseguinte, servidores públicos, em sentido lato.

Ainda, temos que o Comandante da Unidade Militar é um militar das Forças Armadas devendo, portanto, também obedecer ao que prescreve o Estatuto dos Militares, Lei nº. 8.660/1980:

"Art. 34. Comando é a soma de autoridade, deveres e responsabilidades de que o militar é investido legalmente quando conduz homens ou dirige uma organização militar. O comando é vinculado ao grau hierárquico e constitui uma prerrogativa impessoal, em cujo exercício o militar se define e se caracteriza como chefe.

Parágrafo único. Aplica-se à direção e à chefia de organização militar, no que couber, o estabelecido para comando.

(...)

Art. 36. O oficial é preparado, ao longo da carreira, para o exercício de funções de comando, de chefia e de direção.

(...)

Art. 41. Cabe ao militar a responsabilidade integral pelas decisões que tomar, pelas ordens que emitir e pelos atos que praticar."

Deste modo, o Comandante é o chefe da Organização Militar, servidor público em sentido lato, condutor de seus subordinados, sendo da sua integral responsabilidade as decisões que tomar, pelas ordens que emitir e pelos atos que praticar no exercício do seu Comando e na administração que implementar.

Quanto ao caso em análise, chegamos à conclusão que foi observado o requisito de competência, uma vez que cabe ao Comandante da Unidade Militar, como chefe da organização, despachar os requerimentos que lhe são encaminhados.

O ato administrativo, em sua forma, emanado por autoridade competente, poderá ser escrito, ou oral ou por símbolos, em especial nas hipóteses emergenciais ou de urgência. A forma escrita é, porém, usual. Autores incluem o modo de preparação do ato e a sua divulgação como expressões da forma exigida em lei e constituidora de requisito de validade do ato.

Temos, por exemplo, nas disposições da Portaria nº. 041 do Comandante do Exército Brasileiro, que estabelece "Instruções gerais para a Correspondência, as Publicações e os Atos Administrativos no âmbito do Exército", ou seja, definem os atos administrativos [28] de interesse do Exército além de outras definições.

Tal Portaria define que os atos ordinatórios são aqueles que visam a disciplinar o funcionamento da Administração e a conduta funcional de seus agentes. Cita que os atos ordinatórios de interesse do Exército são as Portarias e os Despachos, e que os Despachos podem ser divididos em Despachos Decisórios e Despacho, simplesmente.

São Despachos Decisórios aqueles proferidos pelo Comandante Militar, com a finalidade de proferir decisão sobre requerimento submetido a sua apreciação ou ordenar a execução de serviços.

São Despachos (simples) os atos de autoridade competente, exarado em documento a ela dirigido ou em folha anexa ao mesmo, fundamentado na legislação vigente.

Quanto ao Caso Prático chegamos a conclusão que foi observado o requisito de validade referente à forma do ato administrativo, ou seja, o Comandante despachou, por escrito, a necessária resposta ao requerimento que lhe foi apresentado.

Outro requisito a ser analisado trata do motivo ensejador do ato administrativo, ou causa, corresponde à situação fática e de direito que enseja o ato e determina a sua edição. São as circunstâncias de fato e o fundamento jurídico (o fato e a base legal).

A indicação do motivo é obrigatória em atos vinculados e dispensável nos discricionários (por exemplo, na exoneração de ministros de Estado). A motivação, porém, constitui regra obrigatória, dispensada em casos excepcionais.

Aplica-se a chamada teoria dos motivos determinantes sempre que o ato, a despeito de ser discricionário, contiver motivos indicados, aos quais tornar-se-á vinculado. Assim, se apresentados motivos na feitura do ato discricionário, a esses motivos ele estará vinculado. A inexistência ou a incorreção verídica dos motivos levará a sua invalidação. O ato discricionário, quando motivado, fica vinculado ao motivo que lhe serviu de suporte, com o que, se verificado ser o mesmo falso ou inexistente, deixa de subsistir.

Quanto ao Caso Prático chegamos a conclusão que foi observado o requisito de validade referente ao motivo do ato administrativo, ou seja, o Comandante declinou os motivos ensejadores do indeferimento do pedido encaminhado, quais sejam, de existir contra MA um processo criminal militar em tramite na Justiça Militar da União.

O objeto, também denominado por alguns autores de conteúdo, é a alteração no mundo jurídico que o ato administrativo se propõe a processar. Significa, como informa o próprio termo, o objeto imediato da vontade exteriorizada pelo ato, a proposta, enfim, do agente que manifestou a vontade com vistas a determinado alvo. Pode o ato administrativo consistir na aquisição, no resguardo, na transferência, na modificação, na extinção ou na declaração de direitos, conforme o fim a que a vontade se preordenar, além de decorrer de expressa previsão legal. Para ser válido o ato deve possuir objeto lícito e moralmente aceito. A licitude é, pois, o requisito fundamental de validade do objeto, exigível, como é natural, também para o ato jurídico.

Quanto ao Caso Prático chegamos à conclusão que foi observado o requisito de objeto referente ao ato administrativo, ou seja, o objeto lícito do pedido era de ser licenciado ao término do período de prestação militar obrigatória.

Por derradeiro, a que se verificar a finalidade do ato administrativo. A lei ou a norma regulamentar fixa a finalidade, que sempre irá retratar o interesse público. Por assim dizer, a finalidade sempre será pública. Jamais o agente optará ou elegerá a finalidade do ato; ela sempre será estabelecida, ainda que implicitamente, na norma de direito. Seu desvio leva à invalidação do ato e caracteriza o desvio de finalidade.

Quanto ao caso em análise, chegamos à conclusão que não foi observado o requisito finalidade, uma vez que o Comandante da Unidade Militar obedeceu aos dispositivos contidos na lei, contudo sem conjugá-lo a jurisprudência do Superior Tribunal Militar. E como sabemos a jurisprudência também é fonte do Direito Administrativo, assim como do Direito Penal e Processual Penal Militar.

No nosso Caso Concreto, o Comandante indeferiu o pleito do militar, praça sem estabilidade, declinou a fundamentação jurídica baseada na lei, mas não conjugou os dispositivos legais com a jurisprudência tornando o ato administrativo de indeferimento de licenciamento um ato passível de questionamentos da sua legalidade na Vara da Justiça Federal competente.

Sobre a autora
Rebecca Aguiar Eufrosino da Silva de Carvalho

Juíza arbitral do Tribunal Arbitral do Distrito Federal. Mestranda em Direito das Relações Internacionais. Assistente da Profª Drª Julie Schmied Zapata na disciplina Direito Internacional Privado no Centro Universitário de Brasília. Professora de Direito Internacional Humanitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Rebecca Aguiar Eufrosino Silva. Da (i)legalidade do ato administrativo que não concede licenciamento para o militar da ativa que está sendo processado pela Justiça Militar da União. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1819, 24 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11426. Acesso em: 22 nov. 2024.

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