Da inexistência de conflito aparente de princípios e de normas
Diante do exposto, resta demonstrado que o texto constitucional não impõe a necessidade de observância do trânsito em julgado de sentença penal condenatória para que o candidato tenha o registro de sua candidatura indeferido. Ao contrário, a partir de uma análise teleológica do art. 14,§9º, tem-se a determinação de observância de todas as medidas a fim de garantir a probidade e a moralidade na Administração Pública.
Entretanto, tem-se que a Lei Complementar 64/90, a partir da exigência de trânsito em julgado de sentença condenatória impede a consecução dos princípios definidos pela Constituição, quais sejam, a proteção da moralidade e probidade administrativas.
Assim, para a resolução deste aparente conflito, torna-se necessário adequar o dispositivo da Lei Complementar à diretriz constitucional, a fim de tornar desnecessária tal exigência, conferindo ao art. 14, §9º CR/88 eficácia plena e auto executoriedade.
Para tanto, bastaria a mitigação da exigência de trânsito em julgado quando houver provas de improbidade ou imoralidade, ou ainda, sentença condenatória em primeira instância.
Também, não há que se falar também em conflito entre os princípios constitucionais da presunção de inocência e os que norteiam a Administração Pública, visto que o primeiro trata de garantia individual do cidadão contra o direito de punir do Estado enquanto o segundo se refere à preservação das funções do Estado dentro dos parâmetros elegidos pelo povo como necessários para tanto.
No caso em questão, considerando que a escolha dos agentes políticos é matéria relevante para a própria função do Estado, conclui-se que os princípios adotados são inerentes à própria Administração, transcendendo, assim, o aspecto individual de garantia individual.
Conclusão
Diante do exposto neste estudo, é possível auferir as seguintes conclusões:
O artigo 14, §9º, da Constituição da República deve ser interpretado teleologicamente, a fim de que lhe seja conferida auto-aplicabilidade, como meio de garantir a tutela da probidade administrativa e da moralidade dos atos de gestão pública.
O dispositivo da Lei Complementar 64/90 que determina o trânsito em julgado de sentença penal condenatória nos crimes contra a administração pública ou de improbidade administrativa para que ocorra a inelegibilidade deve ser interpretado de forma sistemática para permitir a auto-aplicabilidade da constituição, sendo, portanto, mitigada tal exigência quando contra o candidato houver provas, ou mesmo sentença pendente de recurso que reconheça a improbidade ou a imoralidade dos atos do candidato na gestão da coisa pública.
A lesão à moralidade na gestão pública e à probidade administrativa são questões essenciais ao próprio Estado Democrático de Direito, não sendo possível, portanto, que uma de suas formas de tutela estejam limitadas ao formalismo estrito que impede a declaração de inelegibilidade de candidato que não tenha uma vida pregressa imaculada.
O eleitorado, a despeito de deter o poder de escolha de seus representantes, ainda não dispõe, em sua maioria, de condições efetivas de análise da vida pregressa do candidato, seja porque este se utiliza do poder econômico para "agradar"; seja porque as informações sobre os atos praticados pelo candidato, se anteriormente foi detentor de mandato eletivo, não são provenientes, na grande maioria, de fontes imparciais; seja pelo fato de que grande parte da população já não mais se interessa por política.
É da essência do modelo representativo que o agente eleito pelo povo exerça o poder em seu nome, como seu mandatário. Tal prerrogativa não pode ser conferida a pessoa que, no exercício desse mandato utilize a função pública para auferir benefícios particulares, ou para beneficiar a terceiros em detrimento da coletividade.
Apenas dessa forma, será possível minimizar os efeitos nocivos produzidos pelos maus políticos que se utilizam das brechas legais e de sua própria inércia para coibir os abusos na gestão pública, impedindo que estes possam permanecer no poder.
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Notas
01 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 9/10
02 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 6ª edição. São Paulo: Saraiva. 2005, p. 507.
03 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ªedição. São Paulo: Malheiros. 2006, p. 683.
04 Dados do IBGE em estatística realizada a partir pesquisa por amostragem de micro dados em 1999, excluídas zonas rurais de Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Roraima. Publicada no site http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/tabela3.shtm (consulta dia 06/11/2007.)
05 MELLO, Ceslo Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ªedição. São Paulo: Malheiros. 2006, p. 115.
06 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo. Atlas. 1991, p. 297/298.