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Decadência e o parágrafo único do art. 173 do CTN.

Agenda 09/07/2008 às 00:00

Qual a interpretação a ser dada ao parágrafo único do art. 173 do CTN?

Introdução

Dispõe o parágrafo único do art. 173 do CTN:

"Art. 173. (...)

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento."

Diferentemente do descrito no inciso I do mencionado artigo, aqui o prazo decadencial tem o seu começo não do ano seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, mas a partir da data em que é iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação do sujeito passivo.


Interpretações doutrinárias

Existem, pelo menos, duas correntes doutrinárias de maior porte que defendem interpretações distintas quanto ao prazo decadencial estabelecido no parágrafo único do art. 173 do CTN.

A primeira corrente [01] interpreta os dizeres do citado parágrafo único no sentido de que estaria ele normatizando um segundo termo decadencial, ou melhor, a previsão de um prazo de perempção, para que a Administração Pública conclua o procedimento tributário de lançamento já iniciado. Assim, do início da constituição do crédito tributário, pela notificação ou da impugnação do ato impositivo, teria o Fisco um novo prazo de 5 (cinco) anos para constituir definitivamente o crédito tributário, isto é, para concluir o procedimento administrativo já iniciado, sob pena de ser alcançado pela decadência.

A segunda corrente doutrinária, [02] por sua vez, professa o entendimento, ao qual nos filiamos, de que o referido parágrafo único apenas está antecipando o início do prazo decadencial definido no inciso I do mesmo artigo, que somente iria começar no primeiro dia do exercício seguinte, caso o Fisco não viesse a se manifestar antes de findar o ano em que se inaugurou a possibilidade jurídica de se realizar o lançamento tributário.

Com esse mesmo entendimento, já esclarecia Fábio Fanucchi: [03]

"Essa terceira hipótese para início de contagem do termo decadencial é aquela em que, antes de realizar o lançamento, o sujeito passivo é notificado de uma medida preparatória indispensável à sua realização, importando isso no início da constituição do crédito tributário. Neste caso, a contagem do prazo decadencial inicia-se desde a referida notificação, caracterizando uma antecipação do início do prazo de caducidade."

Ao ser analisado o malfadado parágrafo único, claramente observamos que não há a previsão do segundo termo decadencial, conforme interpretação dada pela primeira corrente doutrinária acima citada. Senão, vejamos:

a) o mencionado parágrafo único trata de EXTINÇÃO definitiva do direito de constituir o crédito tributário, e não de CONSTITUIÇÃO definitiva do crédito tributário, estabelecida no art. 174 do CTN; e,

b) o DIREITO a ser extinto, a que faz menção o referido parágrafo único, retratado no caput do art. 173 do CTN, é o de constituir o crédito tributário (pelo lançamento), e não o de iniciar a sua constituição (pela notificação).

Desse modo, em que pese o entendimento defendido pela primeira corrente, amparado no princípio de que a lei não deve tutelar indefinidamente um direito, não há se concordar com tal interpretação, por absoluta falta de amparo legal.

A natureza jurídica do prazo entre o lançamento tributário impugnado e a solução do contencioso administrativo fiscal é abordada no artigo "A demora na decisão do contencioso administrativo fiscal", [04] em que se conclui que, "entre o lançamento tributário contestado até que ocorra a decisão final do contencioso administrativo, independentemente do período transcorrido, não há a extinção do crédito tributário pelo decurso do prazo."

Há que se enfatizar ainda que o mencionado dispositivo legal se refere tão-somente aos tributos sujeitos às modalidades de lançamento de ofício e por declaração, pois, quanto aos sujeitos ao lançamento por homologação, o início do prazo extintivo tem-se com a ocorrência do fato gerador do tributo. E a notificação de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento inicia a contagem do prazo decadencial, para os créditos tributários em que o referido prazo extintivo ainda não teve início.

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Há ainda uma corrente doutrinária minoritária que interpreta os dizeres do referido parágrafo único, argüindo que, com o início da ação fiscal, pelo termo de início, o prazo de decadência cessaria para todos os créditos tributários alcançados na notificação (limitados aos cinco anos anteriores), e que, a partir da data da notificação, teria o Fisco mais cinco anos para constituir os respectivos créditos tributários, pelo lançamento de ofício.

Essa interpretação, todavia, tem pouco sentido, pois a notificação, que inicia a ação fiscal, não tem o condão de cessar o prazo de decadência e muito menos de interrompê-lo, além do fato de que essa tese permitiria um prolongamento, por até dez anos, do prazo decadencial, na hipótese de o Fisco realizar as "medidas preparatórias" apenas nos últimos dias do prazo decadencial inicial dos cinco anos, tendo a partir delas mais cinco anos para efetuar o respectivo lançamento tributário.


O Parágrafo Único do Art. 173 do CTN

Como bem se expressa Luciano Amaro, [05] "o parágrafo único do art. 173 é um dispositivo perdido no tempo." Isso porque, em realidade, o referido parágrafo, na prática, tem sua utilidade bastante reduzida, por estar seu emprego limitado aos tributos sujeitos ao lançamento de ofício e por declaração, e, tão-somente aos créditos tributários que ainda não tiveram seu prazo decadencial iniciado, ou seja, do ano em que a notificação foi realizada.

Para uma melhor compreensão dos dizeres do mencionado parágrafo único, colocamos, a título de ilustração, o seguinte caso hipotético:

(1) a Fazenda Pública expede notificação ao contribuinte, datada de 10 de outubro de 2006, para apresentar documentos relacionados a determinado imóvel, por não constar de seus arquivos o lançamento do Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU, referentes aos exercícios de 2004, 2005 e 2006.

Com esses fatos colocados, indaga-se: quais as conseqüências da referida notificação no que se refere ao prazo de decadência?

(2) quanto aos fatos geradores do imposto referentes aos exercícios de 2004 e 2005, os prazos decadenciais tiveram seus inícios em 1º de janeiro de 2005 e 1º de janeiro de 2006, respectivamente (CTN, art. 173, I), não sofrendo nenhuma interferência da notificação. Pode assim o Fisco utilizar-se de seu direito de constituir, pelo lançamento de ofício, os respectivos créditos tributários devidos, até o dia 31 de dezembro de 2009 e 31 de dezembro de 2010, sob pena, então, de o seu direito ser alcançado pela decadência;

(3) no que se refere, entretanto, ao fato gerador do IPTU do exercício de 2006, se a Fazenda Pública não tivesse se manifestado em 10/10/2006, data da notificação, o prazo decadencial somente teria começado em 1º de janeiro de 2007 (CTN, art. 173, I). Todavia, com base no que dispõe o mencionado parágrafo único do art. 173, o dies a quo da decadência é antecipado para o dia 10 de outubro de 2006, podendo o Fisco constituir o crédito tributário devido até o dia 10 de outubro de 2011, sob pena de ser extinto pela decadência.

Desse modo, como podemos observar, a notificação de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento só interfere no prazo de decadência quanto aos créditos tributários do ano em que a notificação é realizada, ou seja, no exercício cujo prazo decadencial ainda não tenha iniciado, pois, quanto aos dos anos anteriores, os respectivos prazos já estão em curso, consoante a regra do inciso I do art. 173 do CTN, não se admitindo, no caso em análise, interrupções nem suspensões do prazo decadencial.

Na hipótese de lavratura de auto de infração - AI, em ação fiscal, para efeitos de estar exercitado o referido direito de o Fisco constituir o crédito tributário, constante do caput do art. 173 do CTN, podemos afirmar que o crédito tributário estará constituído somente a partir do momento em que o sujeito passivo autuado toma ciência do referido AI, [06] isto é, com a consumação do ato de lançamento pela sua notificação regular (CTN, art. 145). [07]


Referências bibliográficas

AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro. 12 ed., São Paulo: Saraiva, 2006.

COÊLHO, S. C. N. Curso de direito tributário brasileiro. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

DENARI, Zelmo. Decadência e prescrição tributária - breve ensaio, aplicado ao ICM. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

FANUCCHI, Fábio. A decadência e a prescrição em direito tributário. 2 ed., São Paulo: Resenha Tributária, 1971.

GRECO, Marco Aurélio. Dinâmica da tributação e procedimento. São Paulo: RT, 1979.

HABLE, José. A Extinção do Crédito Tributário por Decurso de Prazo. 2ª ed, Brasília: Editora Lúmen Juris, 2007.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários ao código tributário nacional. Coord. de Carlos Valder do Nascimento. 2 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998.

MORAES. B. R. Compêndio de direito tributário. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2v, 1997.


Notas

(1) Entre outros autores estão: DENARI, Z. Obra citada, p. 31-38 e GRECO, M. A. Obra citada, p. 248-249.

(2) Nesse sentido: AMARO, L. S. Obra citada, p. 408; MORAES, B. R. Obra citada, p. 370-381; COÊLHO, S. C. N. Obra citada, p. 720-721 e MARTINS, I. G. S. Obra citada, p. 418, entre outros.

(3) FANUCCHI, F. A. Obra citada. p. 87.

(4) HABLE, José. A demora na decisão do contencioso administrativo-fiscal. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1705, 2 mar. 2008. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/11002. Acesso em: 05 jun. 2008.

(5) AMARO, L. S. Obra citada. p. 408.

(6) BRASIL. STJ. REsp 533486/RS, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, 2ª T, Data do Julgamento 15/12/2005, DJ 06.03.2006 p. 295, ementa: "(...) O período decadencial se estende até o instante da notificação do auto de infração ou do lançamento do débito; momento a partir do qual a exigibilidade do crédito fica suspensa até decisão final no processo administrativo. Após, inicia-se o prazo prescricional. (...)".Disponível em: http://www.stj.gov.br. Acesso em: 20 jul. 2006.

(7) HABLE, J. Obra citada, p. 24/27. Ver ainda artigo: HABLE, José. A ação fiscal e o cessamento do prazo decadencial. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1625, 13 dez. 2007. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/10759. Acesso em: 05 jun. 2008.

Sobre o autor
José Hable

Auditor Fiscal da Secretaria de Fazenda do Distrito Federal. Conselheiro e Presidente do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais (TARF). Mestre em Direito Internacional Econômico pela Universidade Católica de Brasília. Pós-graduado em Direito Tributário, com o título de especialista docente em Direito Tributário, pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF e Instituto de Cooperação e Assistência Técnica – ICAT (2000). Graduado em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília – CEUB (1999). Graduado em Administração de Empresas pela Faculdade Católica de Administração e Economia - FAE (1990). Graduado em Agronomia pela Universidade Federal do Paraná UFPR (1990). Professor de Direito Tributário. Autor de livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HABLE, José. Decadência e o parágrafo único do art. 173 do CTN.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1834, 9 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11475. Acesso em: 26 dez. 2024.

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