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O que você deve saber sobre os institutos da decadência e da prescrição tributária

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Agenda 24/07/2008 às 00:00

Indaga-se: basta tão-somente o transcurso de um prazo definido em lei, para se querer alegar a ocorrência do instituto da decadência ou prescrição?


1. Introdução

Os princípios jurídicos da segurança e da estabilidade devem nortear as relações jurídicas. Assim, o perecimento do direito, pela inércia de seu titular associado ao transcurso de determinado prazo, justifica-se porque as relações jurídicas não podem eternizar-se.

A existência dos institutos da decadência e da prescrição visa a propiciar maior estabilidade aos negócios jurídicos. Desse modo, o brocardo jurídico dormientibus non succurrit jus, com o significado de que o direito não socorre aos que dormem, traduz com perfeição o princípio, comum à decadência e à prescrição, de que a lei não deve tutelar, indefinidamente, os direitos


2. Os institutos da decadência e prescrição

Câmara Leal [01] conceitua decadência como "a extinção do direito pela inércia de seu titular, quando sua eficácia foi, de origem, subordinada à condição de seu exercício dentro de um prazo prefixado, e este se esgotou sem que esse exercício se tivesse verificado".

Prescrição, para o mesmo autor, [02] é "a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso". Sob a tese disciplinada no art. 189 do Código Civil - CC de 2002, define-se prescrição como sendo "a perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto pela lei." [03]

A decadência tributária vem impedir que a Fazenda Pública, em razão de sua inércia, exerça, após determinado prazo, o direito de lançar, de ofício, o crédito tributário, e a prescrição tributária refere-se à ação de cobrança do crédito tributário definitivamente constituído, impedindo que o Fisco aplique qualquer medida coercitiva para se exigir o crédito tributário prescrito.

EXEMPLO HIPOTÉTICO Nº 01: decadência tributária

(1) A título de ilustração, na hipótese de o fato gerador do Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU ocorrer no dia 1º de janeiro de 2007, o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário, nos termos do art. 173, I, do Código Tributário Nacional - CTN, extingue-se após 5 (cinco) anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

(2) O Fisco tem assim a possibilidade jurídica de efetuar o lançamento no transcorrer do exercício de 2007. Se não realizado, é nesse exercício de 2007 que o Fisco poderia ter efetuado o lançamento para fins de contagem do prazo decadencial;

(3) Nos cinco anos seguintes, também poderá ser efetuado o lançamento tributário. Entretanto, o prazo decadencial já está em curso desde o dia 1º de janeiro de 2008, isto é, "do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado", com seu marco terminal em 31 de dezembro de 2012, para realizar o respectivo lançamento de 2007.

EXEMPLO HIPOTÉTICO Nº 02: prescrição tributária

(1) Na hipótese de o fato gerador do IPTU ocorrer no dia 1º de janeiro de 2008, o Fisco, exercendo o seu direito de efetuar o lançamento tributário, lançou o tributo, em 02 de março de 2008, constituindo o respectivo crédito tributário;

(2) O contribuinte, notificado do lançamento, não efetuou o pagamento e nem interpôs recurso contra o ato, no prazo regulamentar de 30 (trinta) dias;

(3) Com isso, houve o trânsito em julgado administrativo, ou seja, a constituição definitiva do crédito tributário no dia 02 de abril de 2008;

(4) A partir dessa data, tem-se o início o prazo prescricional para o Fisco exigir (execução judicial) o referido crédito tributário (CTN, art. 174), tendo como marco fatal a data de 02 de abril de 2013, caso não ocorra a causa suspensiva de 180 dias, disposta no art. 2º, § 3º, da Lei 6.830/80, e nem causas interruptivas do referido prazo, descritas no parágrafo único do art. 174 do CTN.


3. Os institutos no direito privado & direito público e suas distinções

A decadência e a prescrição não são institutos próprios do Direito Tributário. Assim, embora a fonte desses institutos decorra do direito privado, são eles aplicados no Direito Tributário, ramo do direito público, com autonomia, características e peculiaridades próprias, que os distinguem dos institutos no direito privado, e que não podem ser deixadas de lado quando se vai estudar o tema extinção do crédito tributário, por decurso de prazo.

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Muitas são as teorias que procuram explicar as diferenças entre os institutos da decadência e da prescrição: [04]

(a) uma das mais aceitas e divulgadas distinções entre decadência e prescrição está em aludir à decadência o perecimento do direito e, à prescrição, o desaparecimento da ação que protege o direito. Críticas não faltam a essa distinção padronizada pela doutrina, considerando-a deficiente e insuficiente por se basear apenas no objeto dos institutos (direito e ação). No Direito Tributário, o CTN, no art. 156, V, determina que o crédito tributário é extinto tanto pela decadência quanto pela prescrição, significando dizer que o objeto da prescrição tributária não se resume a atingir apenas a ação, mas também o próprio direito;

(b) na regra privativista, padronizada pela doutrina, havia uma distinção marcante e bastante divulgada, apregoando-se que, o prazo de decadência não tem impedimentos, suspensões nem interrupções e, na prescrição, o seu prazo está sujeito a causas impeditivas, suspensivas e interruptivas.

Com a edição do CC, de 2002, introduziu-se uma ressalva inovadora no seu art. 207, pelo qual o prazo decadencial poderá estar sujeito a impedimentos, suspensões ou interrupções, bastando disposição de lei nesse sentido.

Assim, esse traço diferencial entre os institutos, há muito pacificado na doutrina privativista, deixou de prevalecer. No Direito Tributário, da mesma forma, nunca foi bem aceito, notadamente quando se analisa o inciso II do art. 173 do CTN, no qual há um explícito caso de interrupção do prazo decadencial, segundo renomados doutrinadores;

(c) é correto afirmar que a decadência tributária alcança a obrigação tributária, atingindo o direito em si, de modo que mais nada pode pretender a Fazenda após sua ocorrência. Em havendo a prescrição tributária, está o Fisco impedido de aplicar qualquer medida coercitiva para se exigir o crédito tributário prescrito.

Em razão de o objeto da prescrição tributária não se resumir à ação, ou à pretensão segundo o CC de 2002, mas também ao próprio direito, a assertiva de que a quitação de débito prescrito não propicia repetição é irrepreensivelmente aceita no Direito Civil (CC, art. 882), não, porém, no Direito Tributário;

(d) no Direito Tributário, além de a decadência tributária, uma vez verificada, poder ser reconhecida de ofício, em qualquer momento e instância, tanto pela autoridade judiciária quanto pela própria autoridade administrativa, a prescrição tributária também pode ser reconhecida de ofício, independentemente de invocação das partes, por estar, da mesma forma que a decadência, extinguindo o crédito tributário (CTN, art. 156, V). Com a nova redação dada pela Lei nº 11.280, de 2006, ao § 5º do art. 219 do CPC, o juiz, em qualquer caso, pronunciará, de ofício, a prescrição.


4. Os institutos no Direito Tributário

No CTN, o instituto da decadência vem disciplinado no seu art. 173 e o da prescrição está regrado no seu art. 174, estando definidos, no art. 156, V, do mesmo diploma legal, como modalidades de extinção do crédito tributário.

No Direito Tributário, diferentemente do que se verifica no Direito Civil, há um evento marcante e significativo, denominado ato de lançamento, que irá separar, de forma nítida, os prazos decadencial e prescricional. É impossível assim ocorrer a simultaneidade, ou seja, a sobreposição desses intervalos, pois "antes que ele ocorra, só podemos cogitar do lapso da decadência; e, depois de realizado, apenas terá sentido pensar no prazo de prescrição". [05] Em razão disso, não há dúvidas, no Direito Tributário, se determinado prazo tem natureza decadencial ou prescricional, pois os referidos prazos estão delimitados pelo ato de lançamento tributário, que funciona como um marco material.

Desse modo, a decadência tributária somente ocorre se não for efetuado o lançamento tempestivamente, ou seja, se não há o lançamento. Efetuando-se o lançamento tributário dentro do prazo legal, não há mais se falar em decadência. Já a prescrição tributária ocorre quando o Estado deixa de promover a cobrança do crédito tributário, no prazo de cinco anos contados da constituição definitiva do crédito tributário. Ou seja, apenas inicia o prazo prescricional se tiver ocorrido o ato de lançamento, mais especificamente, depois de estar constituído definitivamente o crédito tributário (CTN, art. 174).

Importante ressaltar ainda que entre o lançamento tributário efetuado e contestado (impugnado) e até que ocorra a decisão final do contencioso administrativo, independentemente do período transcorrido, não há qualquer modalidade de extinção de crédito tributário pelo decurso do prazo, nem decadência, nem prescrição. Isso porque, com a constituição do crédito tributário, pelo lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo, cessa a inércia do Fisco, não se falando mais em decadência e o prazo de prescrição apenas tem seu início com a constituição definitiva do crédito tributário, isto é, com o trânsito em julgado administrativo (decisão final do contencioso administrativo). [06]

EXEMPLO HIPOTÉTICO Nº 03: decadência e prescrição tributárias

(1) Na hipótese de o fato gerador do IPTU ocorrer no dia 1º de janeiro de 2000, o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

(2) Se o Fisco não efetuar o lançamento do referido IPTU até 31 de dezembro de 2005, estará o crédito tributário extinto pela decadência;

(3) No caso, o Fisco efetuou o lançamento em 10 de outubro de 2004, e assim não há mais se falar em decadência, porquanto exerceu tempestivamente o seu direito de constituir o crédito;

(4) O contribuinte, notificado do lançamento, interpôs recurso contra o ato, no prazo regulamentar, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário (CTN, art. 151, III);

(5) A decisão administrativa definitiva, desfavorável ao contribuinte, ocorreu tão-somente em 23 de março de 2010, ou seja, aproximadamente cinco anos e meio depois do lançamento e dez anos da ocorrência do fato gerador, quando então ocorreu a constituição definitiva do crédito tributário;

(6) A partir dessa data, 23/03/2010, inicia-se o prazo prescricional para a Fazenda Publica exigir (em execução fiscal) o referido crédito tributário, com seu marco fatal em 23 de março de 2015, caso não ocorra a causa suspensiva de 180 dias, do art. 2º, § 3º, da Lei 6.830/80, e nem causas interruptivas do referido prazo, dispostas no parágrafo único do art. 174 do CTN.


5. Os pressupostos necessários à ocorrência dos institutos

Os institutos da decadência e da prescrição apresentam um ponto de contato, que os assemelha: ambos se fundem no não-exercício do titular durante um certo lapso de tempo, isto é, têm eles a INÉRCIA e o TEMPO como fatores operantes comuns. [07] Ou seja, o direito não socorre a quem permanece inerte durante um determinado espaço temporal.

É cediço que o pressuposto temporal vem definido expressamente na norma legal, [08] a exemplo do que dispõe os artigos 173 e 174 do CTN, ao definirem um prazo extintivo de 5 (cinco) anos.

O elemento inércia, por sua vez, significa, no caso em análise, a tendência do titular (detentor) de um direito manter-se no estado em que se encontra, ou seja, parado, sem executar qualquer ação na sua busca. Em outras palavras, o detentor do direito sabe da existência do direito e não age. Desse modo, para que esteja caracterizada a inércia torna-se indispensável que o titular do direito tenha conhecimento de que o direito existe ou ocorreu, sem o qual não se pode alegá-la.

Importante frisar, assim, que não basta tão-somente o transcurso de um prazo, para se querer alegar a ocorrência do instituto da decadência ou prescrição. Para que o prazo extintivo tenha início é imprescindível verificar, além do marco inicial do tempo definido em lei, o pressuposto da inércia do titular do direito, sem o qual não há se falar em início de qualquer prazo extintivo.

EXEMPLO HIPOTÉTICO Nº 04: decadência tributária

(1) Na hipótese de o fato gerador do IPTU ocorrer no dia 1º de janeiro de 2000, inicia-se a contagem do prazo decadencial em 1º de janeiro de 2001, nos termos do art. 173, I, do CTN;

(2) Em 15 de janeiro de 2000, há uma ordem judicial determinando expressamente para que a Fazenda Pública se abstenha de lançar o referido imposto. O Fisco, em obediência à determinação judicial, não efetua o lançamento tributário;

(3) Indaga-se: em 1º de janeiro de 2001, tem-se início do prazo de decadência?

(4) Mesmo já ultrapassado o termo inicial do prazo decadencial descrito em lei, não faz sentido alegar-se o início ou transcurso de prazo extintivo da decadência contra o ato de lançar, pois, estando o Fisco impedido de agir, está ausente um dos pressupostos necessários a sua ocorrência, qual seja, a inércia do titular do direito;

(5) Cassada a liminar ou havendo o trânsito em julgado favorável ao Fisco, aplica-se a regra disposta no art. 173, I, do CTN, com o deslocamento do início do prazo de decadência para o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que a medida liminar foi cassada ou em que houve o trânsito em julgado da sentença. [09]

Assim, mesmo já ocorrido o termo de início do prazo extintivo definido em lei, não necessariamente significa que o prazo teve seu início.

Essa assertiva está presente em vários ramos do Direito, onde existem hipóteses em que a contagem dos prazos extintivos não se inicia a partir da ocorrência do fato, e sim, tão-somente do momento em que se tem conhecimento dele ou quando o titular do direito tiver condições plenas de agir. Ou seja, inicia-se somente a partir do momento em que se verifica a ocorrência da inércia do titular do direito: "sabia ou tinha condições de agir e não agiu". Senão vejamos:

(a) no Direito Penal: O Código Penal, [10] nos termos de seu art. 103, disciplina que o direito do ofendido de se queixar ou de representar decai, se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que soube quem é o autor do crime. Ou seja, o prazo decadencial apenas se inicia do momento em que se tem conhecimento da autoria do crime, não iniciando o prazo de decadência de seu direito enquanto isso não acontecer;

(b) no Direito Civil: No Código Civil, [11] há disposições prevendo que o prazo extintivo apenas tem seu início com a ciência do vício ou aparecimento do vício ou defeito (CC, art. 445 e art. 618), e, ainda, se um negócio jurídico é realizado com simulação, então nulo, não está sujeito à extinção pelo decurso do tempo (CC, art. 169);

(c) no Direito do Consumidor: Da mesma forma, no Código de Defesa do Consumidor, [12] verifica-se que os prazos extintivos tão-somente têm seu início quando for evidenciado o defeito, ou ainda, a partir do conhecimento do dano e de sua autoria;

(d) no Direito Administrativo: No direito administrativo podemos citar a Lei nº 9.784, de 1999, [13] que disciplina que comprovada má-fé na prática de atos administrativos que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, o prazo decadencial para a Administração anular o ato não é contado da data em que o ato foi praticado, e sim de quando é descoberto;

(e) no Direito do Processo Civil: A Lei nº 1.533, de 1951, [14] que altera o Código do Processo Civil, também disciplina que o direito de requerer mandado de segurança somente se extingue a contar do conhecimento do ato a ser impugnado;

(f) no Direito Tributário: É cediço que o CTN, ao dispor da ressalva constante do § 4º do seu art. 150: [15]"... salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação", não admite que contribuintes que se utilizam de "dolo, fraude ou simulação venham a ser beneficiados por uma preclusão da faculdade de lançar nas mesmas condições em que o seria a hipótese de ter o sujeito passivo agido de boa fé", como bem coloca Souto Maior Borges. [16]

Destarte, para se analisar a extinção do direito pelo instituto da decadência é imprescindível levar em consideração a presença dos pressupostos necessários à sua ocorrência, quais sejam, a inércia e o tempo, sem os quais não se pode alegá-la.

Frise-se, sem estar caracterizada a inércia do titular do direito não há se falar em início de qualquer prazo extintivo, independentemente do transcurso de prazo que tenha ocorrido. [17]

Sobre o autor
José Hable

Auditor Fiscal da Secretaria de Fazenda do Distrito Federal. Conselheiro e Presidente do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais (TARF). Mestre em Direito Internacional Econômico pela Universidade Católica de Brasília. Pós-graduado em Direito Tributário, com o título de especialista docente em Direito Tributário, pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF e Instituto de Cooperação e Assistência Técnica – ICAT (2000). Graduado em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília – CEUB (1999). Graduado em Administração de Empresas pela Faculdade Católica de Administração e Economia - FAE (1990). Graduado em Agronomia pela Universidade Federal do Paraná UFPR (1990). Professor de Direito Tributário. Autor de livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HABLE, José. O que você deve saber sobre os institutos da decadência e da prescrição tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1849, 24 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11523. Acesso em: 27 dez. 2024.

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