Conclusão
Assim, justificável e necessário o estabelecimento de limites à atividade instrutória do juiz, no âmbito do processo penal, levando-se em conta que a Constituição Federal apontou novos rumos para esse ramo da ciência jurídica. Essa limitação visa não apenas a preservar-lhe a imparcialidade, mas, notadamente, por imperativo do sistema acusatório adotado pela Carta Magna.
Nessa conformidade, se não deve o juiz produzir prova em prol da acusação, não é admissível que intervenha, igualmente, para favorecer ao acusado, pois ambas as partes devem ser contempladas pelo princípio acusatório e não apenas este último. O comprometimento com as provas é equivalente ao que se observa quando o juiz tem o poder de iniciar o processo, já que sua decisão poderá ser embasada nos elementos probatórios que ele mesmo pesquisou e levou aos autos, por considerar importantes para o desfecho da causa.
Os princípios invocáveis em prol do acusado (presunção de inocência, favor rei, in dúbio pro reo), devem ser utilizados diretamente em seu benefício, no momento da sentença, e não como razões para a quebra do princípio da iniciativa da parte. Também descabe atuação do juiz como forma de suprir eventual desigualdade entre as partes, situação que deve ser contornada por outros meios, como, inclusive, se for o caso, a substituição do defensor.
O juiz deve exercer o seu papel de garantidor ou de árbitro, restringindo-se a mediar o embate entre acusação e defesa, na medida em que o processo, segundo Calamandrei, assemelha-se a um jogo. Assim, na sua condição de árbitro, ao sentenciar o juiz anuncia o resultado do jogo, sendo-lhe vedado alterar as regras do jogo e, principalmente, intervir nas estratégias dos participantes [37].
É evidente que o juiz não pode descurar do impulso oficial do processo, pois se trata de um poder-dever do juiz, inerente ao poder de decidir, posto que o juiz não tem ônus de prova no processo. Mas, esse poder-dever é limitado e excepcional, porquanto o juiz só deve diligenciar a respeito de ponto duvidoso, anteriormente colocado pelas partes, e que restou mal esclarecido.
Desse modo, deve-se admitir, em caso excepcional, procedimento probatório ex offício em relação, tão somente, aos fatos já discutidos no processo, em que constem as fontes de prova sobre as quais terá lugar a posterior atividade probatória, ao se vislumbrar a possibilidade de que possa contribuir para a busca da verdade processual.
Sendo assim, a reforma do processo penal, pela Lei 11.690, de 2008, traçou caminho oposto a esse objetivo, por isso já se vê questionada.
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Notas
CALMON FILHO, Petrônio. A investigação criminal na reforma do Código de Processo Penal: agilidade e transparência. Disponível em: http//www.geraldoprado.com. Acesso em dez. 2000.
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Em 1998, o signatário destas linhas apresentou projeto de mestrado à PUC São Paulo, sob o título "Limites aos poderes instrutórios do juiz criminal". Tratava-se de proposta no sentido de uma releitura do art. 156 do CPP, quanto à atividade probatória do juiz, para que o texto do Código se adequasse ao princípio acusatório adotado explicitamente pela Constituição Federal. A conclusão da pesquisa ocorreu em 2001, mesma ocasião da apresentação dos projetos de reforma do CPP.
CAMARGO ARANHA, Adalberto José Q. T., Da prova no processo penal, São Paulo: Saraiva, 1994. p.15.
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1993. pp. 204 e 216, respectivamente.
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CHOUKR, Fauzi Hassan. CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo penal à luz da Constituição, Bauru: Edipro, 1999. p. 16.
PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. O juiz penal e a pesquisa da verdade real, in: MARQUES PORTO & MARQUES DA SILVA (orgs.), Processo Penal e Constituição Federal. São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 74.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 318.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 15.
Florian Apud GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 33.
GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. p. 47.
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Pois, mesmo no Processo Penal, em que existe maior liberdade instrutória, o princípio da vinculação temática, corolário do direito de defesa, impede alargamentos arbitrários das atividades de cognição e decisão (DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Processual Penal, vol.1, p. 145).
GOMES FILHO, MAGALHÃES, op. cit., 45.
Id., p. 46.
Op. cit., p. 74.
Nesse sentido: SOUTO MAIOR, Jorge Luiz (Verdade formal versus verdade real, in: Juizes para a democracia. N. 22, p. 7, que assim resumiu seu pensamento: "O importante é que não se estabeleçam, doutrinariamente, limites à atuação do juiz, que o impeçam de buscar a verdade real pois estes limites podem estar a serviço daqueles que agem, deliberadamente, contra a lei".
PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: A conformidade Constitucional das leis processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1999. p. 132.
SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 130.
Curso de processo penal. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.p. 328.
BARROS, Antonio Milton. O processo penal segundo o sistema acusatório, passim.
Nesse sentido, por exemplo, BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 112; e PITOMBO, Cleunice Valentim Bastos. Considerações iniciais sobre a Lei 11.690/08, In: Boletim do IBCCRIM, ano 16 - n. 188 – julho de 2008, pp. 20-22.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Op. cit., p. 333.
PRADO, Geraldo. Op. cit., p. 131.
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COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. As reformas parciais do CPP e a gestão da prova: segue o princípio inquisitivo. In: Boletim do IBCCRIM, ano 16 - n. 188 – julho de 2008. p. 12.
SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo penal constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 253.
Apesar de que a regulamentação do contraditório nas perícias era um dos declarados propósitos da reforma, como assevera Pierpaolo Cruz Bottini no artigo Aspectos Gerais da Reforma Processual. In. Boletim do IBCCRIM, ano 16, n. 188, julho 2008, pp. 26-27.
LOPES JUNIOR, Aury. Bom para quê (m)? In. Boletim do IBCCRIM, ano 16, n. 188, julho 2008, p. 09.
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão nos elementos exclusivamente informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Por sinal, o anteprojeto mencionava provas irrepetíveis, termo usualmente empregado para se referir àquelas provas que, realizadas durante o inquérito, não são reproduzidas em juízo, a exemplo das perícias.
O pomar e as pragras. In: Boletim do IBCCRIM, ano 16, n. 188, julho 2008, p. 2.
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Nesse sentido, dentre outros, BARROS, Antonio Milton de. Processo Penal segundo o sistema acusatório. LED-Leme-SP, 2000, passim. No mesmo sentido, CHOUKR, Fauzi Hassam. Processo penal à luz da Constituição, São Paulo: Edipro, 1999. passim e PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: A conformidade Constitucional das leis processuais penais, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. passim.
LOPES JUNIOR, Aury. Op. cit., p. 10.
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Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
CRUZ, Rogério Schietti Machado. Com a palavra, as partes. In: Boletim do IBCCRIM, ano 16 - n. 188 – julho de 2008, p. 17-18.
Op. cit. p. 2.
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Op. cit., 13.
PLETSCH, Natalie Ribeiro. Formação da prova no jogo processual penal. São Paulo: IBCCRIM, 2007. p. 65.