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Apontamentos sobre a cognição judicial no processo civil

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Agenda 09/08/2008 às 00:00

2. Objeto da cognição judicial

Ultrapassada a análise da possibilidade e origem do conhecimento, na qual o pólo subjetivo (sujeito cognoscente) da relação cognitiva mereceu destaque, necessário também seja feita uma abordagem, ainda que sucinta, sobre o objeto a ser conhecido pelos magistrados no processo cognitivo [40], completando, dessa forma, o binômio sujeito-objeto.

Objeto (de ob e jectum, que significa o que está presente diante do cognoscente), como já visto, é aquilo que se põe diante de nós. O objeto, enquanto conhecido, pode ser definido como uma imagem (não algo do mundo extramental) que não é uma cópia de um objeto, apesar de ser uma tradução cerebral deste, e não é idêntica a ele por ser mais pobre em elementos determinantes [41], pois é capturado e decodificado após passagem por nosso sistema de referência espácio-temporal. Conforme lição de Alejandro LLANO, "ser objeto de uma potência cognoscitiva não é uma propriedade real das coisas, nem significa diretamente a realidade do conhecido: aponta, melhor dizendo, para a cognoscibilidade do que se capta" [42].

Deve-se notar, antes de mais nada, que o conceito de objeto da cognição judicial é diferente do conceito de objeto do processo (definido pela demanda [43]), haja vista que este é bem mais restrito que aquele. O objeto da atividade cognitiva do magistrado engloba, inegavelmente, o objeto do processo, todavia a ele não se restringe.

Há grande dissensão doutrinária, tanto nacional quanto internacional, no que tange ao estudo do objeto da cognição.

Uns ponderam que o objeto da cognição judicial seja um binômio [44], composto pelas condições da ação e pelos pressupostos processuais, outros autores, que integram a posição majoritária na doutrina pátria, defendem a idéia de que o objeto da cognição judicial é um trinômio [45] formado pelas condições da ação, pressupostos processuais e mérito da causa. E existem os que defendem que o objeto da cognição do juiz seja um quadrinômio [46], constituído pelos pressupostos processuais, supostos processuais, condições da ação e mérito.

Alexandre Freitas CÂMARA, destoando dos demais posicionamentos doutrinários existentes, afirma que o objeto da cognição judicial realmente é um trinômio, todavia composto pelas seguintes premissas: questões preliminares, questões prejudiciais e meritum causae [47]. Essa posição, a nosso sentir, parece ser a mais adequada, visto que possui uma estrutura metodológico-sistemática mais abrangente, englobando todas as questões relativas ao processo.

São apreciadas pelo juiz, em primeiro plano, as questões preliminares. Estas são uma das espécies de questão prévia (a outra espécie de questão prévia envolve as questões prejudiciais), assim entendida toda a questão que deva ser apreciada antes do mérito da causa [48]. As questões preliminares são aqueles pontos controvertidos cuja solução pode acabar por impedir o julgamento do objeto do processo (mérito). Encontram-se nessa categoria (questões preliminares) as condições da ação e os pressupostos processuais, haja vista que tais questões podem impedir a apreciação do mérito da causa, extinguindo-se o processo sem sua resolução.

Como se sabe, para que o direito de ação seja exercido, pleiteando ao Estado-Juiz uma prestação jurisdicional, necessário que se atendam certos requisitos de admissibilidade, previstos no artigo 267, VI, do Código de Processo Civil, que são as condições da ação: possibilidade jurídica do pedido, legitimidade das partes e interesse de agir. As condições da ação são requisitos indispensáveis para que se possa dar forma plena e adequada ao exercício do poder constitucional de ação, pois somente é possível a análise do direito material postulado em juízo quando todas essas condições coexistirem [49]. Ante a ausência de uma das condições da ação, deve o processo ser extinto sem resolução do mérito por carência da ação. Destarte, podemos definir condições da ação [50] como "aquelas necessárias para a própria existência da ação" [51], podendo ser conhecidas a qualquer tempo e grau de jurisdição.

Pressupostos processuais [52], por sua vez, são os requisitos necessários à existência do processo, bem como ao seu desenvolvimento válido (ausentes alguns pressupostos, o processo é extinto sem resolução de mérito, conforme artigo 267, IV, do Código de Processo Civil). Antes de examinar o mérito, o magistrado deve observar "se foram obedecidos os pressupostos processuais, isto é, se o caminho percorrido até o resultado final foi de forma regular" [53]. Assim como as condições da ação, devem os pressupostos processuais ser conhecidos de ofício pelo juiz.

A segunda espécie de questão prévia é a questão prejudicial, que é definida como "o antecedente lógico e necessário do julgamento do mérito (questão prejudicial), e que vincula a solução deste, podendo ser objeto de demanda autônoma" [54]. Tal questão deve, obviamente, ser apreciada antes do objeto do processo, o que explica sua inclusão como elemento destacado do mérito no objeto da cognição judicial. Exemplo utilizado por grande parte da doutrina é o da ação de alimentos, no qual o autor alega ser filho do réu, e este, em sua contestação, nega a paternidade.

Deve-se ressaltar, mais uma vez, que a questão prejudicial não faz parte do mérito da causa, razão pela qual não recai sobre ela a autoridade da coisa julgada (a menos que seja objeto de uma ação declaratória incidental), conforme artigo 469, III, do Código de Processo Civil. Assim, o magistrado apenas conhece a questão prejudicial, não a julga. Existindo questões prejudiciais, destarte, deve o magistrado conhecer e resolver antes a questão subordinante e, conforme o resultado dessa, poderá tornar-se desnecessário o conhecimento da questão subordinada.

O último componente do trinômio que forma o objeto da cognição judicial é o mérito da causa. Conforme preleciona DINAMARCO:

Mérito, meritum, provém do verbo latino mereo (merere), que, entre outros significados, tem o de pedir, pôr preço; tal é a mesma origem de meretriz e aqui também há a idéia do preço, exigência. Daí se entende que meritum causae (ou, na forma plural que entre os mais antigos era preferida, merita causae) é aquilo que alguém vem a juízo pedir, postular, exigir. O mérito, portanto, etimologicamente é a exigência que, através da demanda, uma pessoa apresenta ao juiz para exame [55].

O meritum causae (lide [56], objeto do processo, objeto litigioso) deve ser entendido, portanto, como a pretensão manifestada pelo autor em sua petição inicial [57]. Assim, analisadas as questões prévias, passa o magistrado a analisar o mérito, cabendo a ele julgar procedente ou improcedente o pedido do autor. Sobre o objeto do processo (mérito) o magistrado é obrigado a pronunciar-se (conforme o artigo 126 do Código de Processo Civil, é vedado o non liquet), e, ao julgar o caso concreto, deve apreciar e decidir todas as questões presentes no processo, todavia somente sobre o objeto litigioso é que recairá a coisa julgada material (artigos 468 e 469 do Código de Processo Civil).

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Deve-se colocar em evidência uma observação já feita. O objeto do processo, como visto, é delineado por meio da demanda inicial, na qual o autor requer a prestação de uma tutela jurisdicional para resguardar seus direitos e interesses. Todavia, constitui objeto do conhecimento do magistrado toda a gama de questões suscitada no processo, independentemente da parte das quais emanaram (autor ou réu). Nessa vertente, Kazuo WATANABE:

O objeto litigioso, conforme ficou visto, é fixado pelo pedido do autor, exceção feita às ações dúplices e aos institutos que permitem a ampliação objetiva do processo, como a ação declaratória incidental. O réu, porém, em razão da bilateralidade da ação, que confere ao processo a natureza dialética necessária à boa administração da justiça, amplia a matéria da cognição, a área de atividade lógica do juiz, através da defesa. Ele o faz controvertendo os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido invocados pelo autor como causa de pedir, ou aduzindo fatos novos, extintivos, impeditivos ou modificativos do direito do autor. Excluídas as questões processuais (arts. 267, §3º, e 301, §4º, CPC) e algumas outras atendíveis de ofício, quanto ao mérito da causa. [58]

Logo, tomando o meritum causae como um dos componentes do objeto de conhecimento do magistrado (trinômio), deve-se entendê-lo em seu sentido amplo, ou seja, envolvendo todas as questões suscitadas pelas partes do processo, bem como aquelas que por ofício deva o juiz conhecer, cumprindo inteiramente, dessa forma, a atividade cognitiva que servirá de fundamento à decisão a ser emanada pelo Estado-Juiz [59].

Interessante observação deve ser feita neste ensejo. Como preleciona Enrico Túlio LIEBMAN:

La cognizione del giudice ha per necessità que oggetti diversi: l´accertamento dei fatti e l´aplicazione del diritto. La prima di queste operazioni ha lo scopo di scoprire la verità relativamente alle circostanze di fatto rilevanti per la causa; la seconda ha lo scopo di scegliere le norme applicabili al fatto, interpretarle correttamente e ricavare da esse la regola giuridica concreta che lo disciplina a norma del diritto vigente [60].

De tal modo, em cada um dos dados que compõe o trinômio, há sempre dois objetos distintos de conhecimento, que são os fatos e o direito. Os fatos, que são conhecidos in statu assertionis (ou seja, como foi afirmado na exordial, tais como as condições da ação) ou por efetiva cognição, tem por escopo a descoberta da verdade acerca das circunstâncias de fato relevantes para a solução do litígio. A cognição sobre a matéria de direito abrange tanto a regra jurídica em sua abstração, como a valoração jurídica dos fatos (seguida do estabelecimento das conseqüências jurídicas aplicáveis ao caso concreto) [61].

Assim sendo, pode-se concluir que o objeto de cognição do juiz, de forma geral, são todas as questões ligadas ao processo em si. No decorrer do iter lógico até o provimento final, deve o magistrado conhecer todas as questões relevantes da demanda (as de fato e as de direito, controversas e incontroversas) alegadas pelas partes.


3. A utilização da cognição como técnica processual

Uma das maiores preocupações dos processualistas hodiernos é a da instrumentalidade do processo como forma de garantir a efetividade da tutela de direitos substanciais. Por meio do processo, portanto, busca-se garantir a diligente e efetiva concessão da tutela jurisdicional, que é o "conjunto de medidas estabelecidas pelo legislador processual a fim de conferir efetividade a uma situação da vida amparada pelo direito substancial" [62].

O processo, cujo escopo é tutelar uma situação material (do autor ou do réu) e obter uma conseqüente pacificação definitiva, deve ser instrumento eficaz na proteção de direitos ou de situações jurídicas. O Estado-Juiz deve, assim, tutelar situações de direito material amparadas por normas jurídicas.

A cognição judicial é uma valiosa técnica de adequação do processo à natureza do direito material, ou mesmo à peculiaridade da pretensão a ser efetivamente tutelada. Mostra-se a cognição como uma importante ferramenta em prol da instrumentalidade substancial, no sentido de oferecer todos os recursos necessários ao efetivo amparo dos direitos e interesses contra toda e qualquer violação, ou mesmo ameaça de ofensa [63].

A cognição fornece um importantíssimo ponto de visão para a compreensão do processo no plano teórico e em sua realização concreta, como instrumento de realização de direitos. Ademais, é uma relevantíssima técnica para a concepção de processos com procedimentos diferenciados e melhor adaptados à efetiva tutela de direitos substanciais.

É inegável a relevância e a utilidade da técnica da cognição para a estruturação dos diversos tipos de procedimento, pois é exatamente por meio dela que se torna possível a adequação do processo (instrumento) ao direito material correspondente. O procedimento estabelecido em lei é um iter a ser seguido para que se atinja determinado fim. Para concretizar tal escopo, ficam preestabelecidos no procedimento seus componentes, tais como: os atos que o compõe, suas respectivas formas, os sujeitos que dele fazem parte (pólos ativo e passivo), os prazos processuais, dentre outros. Salienta WATANABE que:

Sem a noção do procedimento, afigura-se bastante difícil compor um conceito preciso de processo, pois é o procedimento, ao que nos parece, que dá a própria estrutura da relação jurídica processual, que por meio dele assume uma configuração definida. Sem ele, a relação jurídica processual seria algo amorfo, disforme e sem ossatura [64].

Dessa forma, o procedimento a ser utilizado variará de acordo com o direito substancial pleiteado em juízo. Pode ser que, em virtude do direito material pleiteado, verbi gratia, seja necessária a utilização de um procedimento mais célere, porém com menor carga cognitiva, ou de um procedimento que resguarde, mormente, a segurança jurídica, todavia mais demorado, ou ainda procedimentos que limitem as questões que podem ser levadas a conhecimento do magistrado. Tudo dependerá, como dito, do direito substancial demandado, adequando-se assim o instrumento ao objeto.

3.2. Cognição nos planos horizontal e vertical

A cognição judicial, vista como uma técnica em prol da instrumentalidade do processo, pode ser dividida em dois planos distintos de conhecimento: o plano horizontal (extensão) e o plano vertical (profundidade) [65].

Miguel REALE, ao tratar do conhecimento científico, já explicitava a existência de dois planos de cognição, verbis:

O conhecimento científico realiza sempre uma ordenação dos fenômenos e da realidade orientando-se no sentido da generalidade objetiva. Podemos dizer, recorrendo a uma imagem imperfeita, que este trabalho de ordenação se processa vertical e horizontalmente. Verticalmente, no sentido de uma sondagem cada vez mais penetrante nos estratos da realidade para a classificação minuciosa dos objetos e a indagação de seus antecedentes e conseqüências; e, horizontalmente, no sentido de procurar, cada vez mais, os nexos que ligam entre si os resultados atingidos [66].

No plano horizontal de cognição, no qual é verificada a extensão do conhecimento do magistrado, busca-se analisar qual a amplitude com que são conhecidos os elementos que compõem o objeto da cognição (trinômio). No plano horizontal, portanto, a cognição tem por limite os elementos objetivos do processo [67] (questões preliminares, questões prejudiciais e meritum causae).

Nesse plano, a cognição poderá ser plena ou limitada (parcial) conforme a extensão admitida. A cognição judicial será plena quando todos os componentes do trinômio são apreciados sem limitação, sendo mais freqüente essa cognição no processo de conhecimento, pois o princípio da economia processual impõe a busca de um processo capaz de assegurar o máximo de vantagem com o mínimo de despesa. Assim, na maior parte dos processos de conhecimento o objeto da demanda será completamente analisado pelo Estado-Juiz, com o que se garante a mais completa resolução da questão submetida ao Judiciário. A cognição será limitada, ao revés, quando há alguma restrição à amplitude da cognição.

No plano vertical de cognição, busca-se analisar a profundidade da análise dos elementos a serem apreciados pelo magistrado. A cognição, conforme o grau de profundidade atingido pelo juiz, pode ser: exauriente, sumária ou rarefeita (superficial) [68]. A cognição é exauriente quando é atingido um grau máximo de conhecimento sobre o objeto posto à apreciação do juiz. Diz-se sumária a cognição quando não é possível ao juiz atingir um grau de certeza em relação ao objeto, chegando apenas a analisá-lo sob o ponto de vista do provável. A cognição rarefeita, por fim, é uma espécie de conhecimento ainda mais superficial que a sumária, sendo verificada, entre outros, no processo de execução e nas medidas liminares cautelares.

É exatamente do cruzamento desses dois planos de conhecimento que irão surgir as diferentes espécies de cognição judicial e, conseqüentemente, os diversos procedimentos correspondentes, o que influirá, ainda, na possibilidade do surgimento ou não coisa julgada material.

3.3. Espécies de cognição judicial

Após analisar o conceito, o objeto, a utilidade e os planos da cognição judicial, há que se passar à classificação de suas diversas espécies, que surgem do cruzamento das modalidades existentes nos planos horizontal e vertical de cognição.

CHIOVENDA, um dos pioneiros no tema em análise, classifica a cognição judicial em duas modalidades: ordinária e sumária. Assevera o autor que:

Diz-se ordinária, ou seja, plena e completa, a cognição do juiz, quando tem por objeto o exame a função de todas as razões das partes, quer dizer, de todas as condições para a existência do direito e da ação de todas as exceções do réu. Qualifica-se de sumária ou incompleta a cognição do juiz quando o exame das razões das partes ou não exaustiva ou é parcial [69].

Apesar da valiosa lição para a ciência processual, tal classificação não foi acolhida pela melhor doutrina, razão pela qual adotamos a classificação estruturada por Kazuo WATANABE, uma das vozes mais autorizadas sobre o tema no país, que estabelece as seguintes espécies de cognição: a) cognição plena e exauriente; b) cognição parcial e exauriente; c) cognição plena e exauriente secundum eventum probationis; d) cognição eventual, plena ou limitada e exauriente (ou secundum eventum defensionis); e) cognição sumária [70]. Pode ainda ser pensada a inclusão de uma outra espécie cuja denominação seria "cognição rarefeita" (ou superficial), a qual, apesar da proximidade, é distinta da cognição sumária.

A cognição plena e exauriente é aquela que é feita de forma plena sobre todos os elementos objetivos presentes no processo e completa quanto à profundidade, e é buscada na maioria dos processos, pois garante uma solução com caráter de definitividade ao conflito de interesses posto sob apreciação do Estado-Juiz. Possui um maior índice de segurança quanto à certeza do direito controvertido, haja vista que a decisão tomada pelo magistrado é toda baseada em juízos de certeza. Podem ser tomados como exemplos desta espécie de cognição os procedimentos comuns (ordinário e sumário [71]) e o procedimento dos Juizados Especiais Cíveis (procedimento sumaríssimo, que apesar de sua celeridade e informalidade, é caracterizado apenas pela abreviação do iter procedimental, não interferindo na cognição do magistrado).

Na atividade cognitiva parcial e exauriente, a perquirição por parte do magistrado não atinge toda a realidade fática (limitada quanto à extensão), porém, os pontos que podem ser conhecidos pelo juiz são solucionados sem limite no tocante à profundidade. A limitação, portanto, é apenas quanto a amplitude do objeto posto a ser conhecido, porquanto em relação às questões que podem ser resolvidas a cognição é exauriente. As peculiaridades do direito material e a necessidade de tornar o procedimento mais célere (por exemplo, com a proibição de controvérsia sobre alguma questão no processo, ressalvada a possibilidade de tal questão ser discutida em ação autônoma) levam o legislador a estabelecer limitações ao conhecimento do juiz por meio desta técnica de cognição. Dessa forma, reguarda-se, nos procedimentos que se valem dessa espécie de cognição, os valores certeza e celeridade, já que se permite a prolação de sentença em um tempo inferior ao que seria necessário para o exame de toda a extensão do litígio. Pode-se citar como exemplo o processo de conversão de separação em divórcio litigiosa, que restringe a matéria que pode ser alegada pelo réu em sua contestação (artigo 36, parágrafo único, da Lei 6.515/77). Deve ser lembrada aqui a observação feita por WATANABE, ao dizer que:

(...) as limitações ao direito do contraditório e, por via de conseqüência, da cognição do juiz, sejam estabelecidas em lei processual ou em lei material, se impossibilitam a efetiva tutela jurisdicional do direito contra qualquer forma de denegação da justiça, ferem o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e por isso são inconstitucionais (ofensa ao inc. XXXV do art. 5º da CF 88; na CF anterior, art. 153, §4º) [72].

Na cognição plena e exauriente secundum eventum probationis, para que ocorra uma atividade cognitiva sem limites nos planos horizontal e vertical, é necessária a existência de provas o suficiente para que a controvérsia seja dirimida, baseando-se o magistrado, neste caso, em juízos de certeza. Interessante observar que a decisão do conflito está condicionada à profundidade da cognição alcançada pelo magistrado, com base nas provas existentes nos autos, podendo, eventualmente, atingir a cognição exauriente. Caso haja insuficiência das provas deduzidas em juízo, deixando, portanto, a lide sem uma resolução, deve o juiz remeter as partes às vias ordinárias ou à ação própria, ou ainda decidir o objeto litigioso, entretanto, sem caráter de definitividade. Assim, não há limitação à extensão da matéria a ser discutida em juízo, mas com o condicionamento da profundidade da cognição à existência de elementos comprobatórios suficientes.

Busca-se por meio da técnica da cognição secundum eventum probationis, que é aquela sem limitação à extensão da matéria debatida e conhecida, contudo condicionada a profundidade da cognição à existência de elementos probatórios suficientes, arquitetar procedimentos simples e mais céleres. Tal intuito pode ser atingido, exemplificativamente, por meio de supressão de fase probatória específica ou mesmo pelo condicionamento do surgimento da coisa julgada material à profundidade da cognição que o magistrado conseguir atingir com base nas provas existentes no processo. São exemplos: mandado de segurança, ação civil pública, ação popular, dentre outros.

Além dessas espécies cognitivas pode-se vislumbrar, ainda, a cognição eventual, plena ou limitada, e exauriente (secundum eventum defensionis), na qual somente haverá cognição se o demandado tomar a iniciativa do contraditório, eis porque eventual. É exemplo dessa modalidade cognitiva a ação monitória, na qual se inverte a iniciativa do contraditório, tornando-se necessária a cognição unicamente quando o demandado adotar a iniciativa do contraditório (artigos 1102a e seguintes do Código de Processo Civil).

A cognição sumária [73], por sua vez, é a que atinge superficialmente o que é posto para ser conhecido no processo (plano vertical), é uma cognição menos profunda no sentido vertical. A utilização dessa espécie de cognição é permitida, via de regra, em razão da urgência e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, ou para a antecipação do provimento final, nos casos permitidos em lei, ou ainda em razão da particular disciplina da lei material [74]. Portanto, nota-se essa espécie de cognição, de forma precípua, nas tutelas de urgência, como por exemplo, na antecipação dos efeitos da tutela e nas ações cautelares, nas quais, diante da existência do fumus boni juris e do periculum in mora, o Estado entrega de forma imediata a tutela solicitada, haja vista que qualquer espécie de atraso pode ocasionar danos irreparáveis à parte que pediu a proteção estatal. Assim sendo, não se dispõe de tempo o suficiente para proceder-se a uma cognição mais profunda e detalhada em torno da lide posta ao julgamento do Estado-Juiz, partindo-se, então, para uma cognição que possa ser tomada de uma forma célere, baseada em juízos de probabilidade (ou de verossimilhança, para alguns autores), apta a atingir o fim a que se propôs.

Por fim, a cognição rarefeita (ou superficial), que, como acima já salientado, pode ser incluída para melhor abranger as espécies cognitivas. Cuida-se de uma cognição mais superficial que a própria cognição sumária, haja vista que é baseada em juízos de verossimilhança (ou de mera verossimilhança, para alguns), como restará claro no decorrer do capítulo subseqüente. A cognição rarefeita, dessa forma, é estruturada num "juízo que se produz sobre uma máxima de experiência, decorrente da verificação da freqüência com que se produz o fato alegado pela parte" [75]. Tal modalidade de cognição é verificada tanto no processo de execução [76] quanto nas decisões de liminares em processo cautelar.

Sobre o autor
Vinícius José Corrêa Gonçalves

Advogado. Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro). Pós-graduando (lato sensu) em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul /IBDP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Vinícius José Corrêa. Apontamentos sobre a cognição judicial no processo civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1865, 9 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11580. Acesso em: 18 dez. 2024.

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