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A inconstitucionalidade da quesitação na reforma do júri.

Arts. 482 e 483 da Lei nº 11.689/08

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Agenda 18/08/2008 às 00:00

4. DA POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR (ARTS. 10 A 12 DA LEI 9868/99) – PEDIDO LIMINAR.

Para que seja concedida a medida cautelar é necessário que sejam preenchidos dois requisitos: o fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e o periculum in mora (perigo na demora).

O fumus boni iuris, de acordo com Ovídio Baptista da Silva, "é a existência de que o direito acautelado seja tratado, no juízo da ação assegurativa, não como um direito efetivamente existente, e sim como uma simples probabilidade de que ele realmente exista" ("Curso de Processo Civil", v. 3, Ed. RT, SP, 2000. p. 75). Já quanto o periculum in mora, ressalta-se a lição de Alexandre Freitas Câmara: "Como sabido, a tutela jurisdicional cautelar é modalidade de tutela de urgência, destinada a proteger a efetividade de um futuro provimento jurisdicional, que está diante de iminência de não alcançar os resultados práticos dele esperados. É esta situação de perigo iminente que recebe o nome de periculum in mora" (Lições de Direito Processual Civil, Ed. Lúmen Júris, 12ª ed., 2007. v. III, pág. 38).

Na presente situação, a concessão de liminar, com extrema urgência, é medida que se impõe.

O fumus boni juris é evidente, conforme a fundamentação acima exposta, com a quebra dos princípios constitucionais do contraditório, igualdade, proporcionalidade, no que tange à atuação do Ministério Público, bem como aos princípios basilares do Júri, plenitude de defesa, sigilo das votações e soberania dos veredictos.

Conforme se verificou, houve violações a princípios constitucionais expressos (contraditório, igualdade, juiz natural, devido processo legal, princípios específicos do júri como soberania dos veredictos, sigilo das votações, plenitude de defesa), algo inadmissível em um Estado Democrático, em que o Júri foi erigido à garantia individual do cidadão. Além disso, por uma interpretação da nova lei segundo a Constituição de 1988, há total incompatibilidade do sistema adotado pela Lei n.º 11.689/08, ferindo também princípios implícitos como proporcionalidade, duplo grau de jurisdição.

Tal situação jurídica representa um enorme perigo para instituição Tribunal do Júri e, acima de tudo, para a própria Justiça Brasileira, pois o Júri cuida dos processos mais rumorosos, importantes e impactantes para a população, tendo em vista que trata da vida e da liberdade.

Certa, assim, a presença do fumus boni juris a embasar a necessidade da medida de urgência.

De outra banda, o periculum in mora vem estampado na necessidade de evitar que, com a entrada em vigor da reforma do Júri, haja verdadeiro caos no sistema do júri brasileiro, com aplicação de norma flagrantemente inconstitucional, que ensejará a nulidade de júris e mais júris que estarão acontecendo nas mais diversas comarcas deste Brasil continental.

Se isso não for evitado, com urgência, inúmeros processos de júri serão julgados, com a aplicação da nova lei e passíveis de anulação, o que acarretará em conseqüências gravíssimas e concretas: soltura de réus, atraso no andamento de processos, além de total descrédito no sistema judiciário brasileiro.

A urgência da medida é incontestável, pois aplicando-se a nova legislação sobre o Júri, haverá uma verdadeira confusão, desordem e insegurança nos julgamentos. A começar que a lei é tão inadequada que não haverá como os juízes elaborarem os quesitos sem impugnação por parte tanto da acusação como da defesa, já que estará ferindo princípios que afetam o Ministério Público, principalmente contraditório e igualdade, além da própria plenitude de defesa.

Torna-se imperativo a concessão de liminar, impedindo-se que a lei inconstitucional cause estragos irreparáveis em inúmeros processos que serão julgados já nos primeiros dias de sua lamentável vigência, que fere, sobretudo, a soberania do Tribunal do Júri.


5. CONCLUSÃO

A reforma do Júri, como proposta, representa um passo firme para o descrédito da Instituição, buscando, claramente, a sua abolição. Que muitos são contrários a instituição não há como se negar, entretanto, não cabe discussão diante de sua posição no ordenamento jurídico brasileiro: artigo 5º da Constituição Federal, como garantia individual, direito fundamental, exemplo de vigor democrático em nosso país.

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Não é por nada que o mestre Evandro Lins e Silva, um dois maiores juristas deste país, orgulho do Tribunal do Júri brasileiro, no magnífico livro "A Defesa tem a Palavra – O Caso Doca Street e Algumas Lembranças" iniciava com a seguinte dedicatória: Ao Tribunal do Júri...escola de democracia, o povo na justiça, onde aprendi que o direito deve servir à vida".

O Júri é o maior exemplo de democracia neste país. Democracia que tanto se lutou para conquistar e que, em 1988, foi consagrada e firmada com a Constituição Cidadã. O Tribunal do Povo, para julgar SOBERANAMENTE os crimes dolosos contra a vida, foi mantido, com sua estrutura reconhecida na Carta Magna. Ou seja, o constituinte não titubeou, marcou posição na defesa do Júri, mantendo-o e dando-lhe VIDA E PODER no meio jurídico brasileiro.

Não pode, assim, uma legislação ordinária, disfarçadamente, de modo oblíquo, atingir o Júri em seu pilar mais sagrado e fonte de seu poder: sua soberania. Isso representa o fim do Júri, sua abolição, pois Júri sem soberania, como dizia Ruy Barbosa, é qualquer coisa, menos Júri, um arremedo de instituição.

Cabe relembrar a visão de Carlos Luiz Bandeira Stampa, magistrado que juntamente com Magarinos Torres, Faustino Nascimento, defenderam a instituição quando lhe tentaram arrancar sua soberania, sendo que suas lições são de inteira aplicação ao quadro trazido na presente representação:

"O Júri é realmente o pulso que indica a vitalidade democrática de um povo. Nas verdadeiras democracias, o Júri existe com número ímpar de jurados, é garantido o sigilo das votações, há plenitude de defesa para os réus e há soberania dos veredictos. Quando são impostas limitações ao Júri, a democracia está debilitada, corre perigo. É pulso fraco, irregular, sintoma de um organismo enfermo. A defesa da instituição do Júri é, portanto, a defesa da própria democracia"

(Os Grandes Processos do Júri, Ed. Lumen Juris, 6ª edição, Vol. I, pág. 09).

A defesa do Tribunal do Júri, livre e soberano, de acordo com a vontade da Constituição de 1988, em que a cidadania venceu a tirania, é a defesa, realmente, da DEMOCRACIA.

A reforma lançada pela Lei n.º 11.689/08, principalmente, no que se refere à quesitação, traz uma verdadeira e completa afronta à instituição do Júri, violando a SOBERANIA da instituição e seus demais princípios fundamentais, bem como princípios constitucionais do Processo Penal, algo que deve ser combatido e declarado inconstitucional, pois, como visto, possui conteúdo claramente ANTIDEMOCRÁTICO.

Como bem sustentou Ruy Barbosa, defendendo o Júri e deixando registrado a intenção de certas "reformas" da instituição (com incrível aplicação em pleno ano de 2008, quase cem anos após!):

"Há, em verdade, na questão do júri, duas classes de reformadores distintas: a dos seus adeptos, que crentes na eficácia da instituição, se empenham em aperfeiçoá-la, e dos seus antagonistas, que mediante providências inspiradas no pensamento oposto, buscam cercear e desnaturar progressivamente essas tradições, até que a eliminem. Os segundos usam também o nome de reformadores, quando o que realmente lhes cabe, seria o de abolicionistas: porque a tendência de seus alvitres é, se nem sempre confessada, ao menos manifesta, a abolição do júri" (ob. cit., pág. 23).

Ao menos, por estar no artigo 5º da Constituição Federal, como "clausula pétrea", abolir a instituição não poderão fazer. Entretanto, seu crédito, sua força, sem dúvida, estão tentando arrancar. Cabe a nós, que acreditamos nesta instituição secular, que faz Justiça há anos neste país, exemplo de democracia com o povo julgando e inserido em um Poder de Estado, fazermos sua incondicional defesa, de maneira a mantê-la viva e que possa seguir cumprindo o seu papel constitucional: dizer a Justiça nos casos de crimes dolosos contra a vida.

ROBERTO LYRA, citado por ROMEIRO NETO, afirmava que "...o Júri, para absolver ou condenar, pode ascender a sua visão da estreiteza dos textos para a realidade individual e social...O JÚRI FAZ, SEM DÚVIDA, OBRA PERFEITA DE JUSTIÇA SOCIAL. QUE SE FAÇA JUSTIÇA AO JÚRI CUJA EFICIÊNCIA NINGUÉM LHE PODE RECUSAR..." (Os Grandes Processos do Júri, Ed. Lumen Juris, 6ª edição, Vol. I, pág. 35).

O saudoso e maior defensor do Júri, Antônio Magarinos Torres, juiz-presidente do Júri da capital do Brasil (na época, Rio de Janeiro), registrava:

"Júri é participação direta da sociedade na repressão dos crimes, tão legítima, pois, como a do povo na feitura das leis, a que não se exige habilitação técnica (Carrara); e como é fundamental princípio democrático o do mínimo das delegações (João Arruda), lógico é que o próprio povo, que legisla, também aplique, ele mesmo, as suas prevenções em matéria vital e orgânica, como é a criminal (João Barbalho); porque só ao poder que as faz é compreensível à liberdade na aplicação das leis para que, como convém, possa acomodá-las às necessidades de cada época e lugar (Carvalho Mourão)" (Processo Penal do Júri no Brasil, Ed. Quorum, 2008, pág. 53).

Mais adiante, o ilustre jurista sentenciava:

"O JÚRI é a própria justiça, feita de bom senso e de verdade".

Que essa eficiência e capacidade de fazer Justiça Social seja preservada, mantendo-se a instituição do Júri com seu poder intocado e, da mesma forma, os ditames afirmados na Constituição, topo da pirâmide do ordenamento jurídico, se efetiva e verdadeiramente podemos dizer que vivemos em um Estado de Direito Democrático, pois é o Tribunal do Júri, independente e soberano, um dos baluartes do regime democrático.

Espera-se que a inconstitucionalidade dos artigos 482 e 483 da Lei 11.689/08 seja declarada, urgentemente, em defesa da soberania do Tribunal do Júri, da Constituição Federal, da Justiça e do cidadão.

Sobre o autor
Márcio Schlee Gomes

Promotor de Justiça Criminal no Rio Grande do Sul. Professor Universitário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Márcio Schlee. A inconstitucionalidade da quesitação na reforma do júri.: Arts. 482 e 483 da Lei nº 11.689/08. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1874, 18 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11616. Acesso em: 22 nov. 2024.

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