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A função social do advogado

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Agenda 23/08/2008 às 00:00

Sumário:Notas Iniciais – 1. A Gênese da profissão – 2. A evolução no Brasil – 3. A função social do advogado. 3.1 O direito de recorrer à justiça. 3.2 A tutela de interesses e direitos difusos e coletivos. 3.3 O Estatuto da Ordem dos Advogados e o Código de Ética e Disciplina – 4. A advocacia na Constituição Federal – 5. A importância do advogado através dos princípios processuais – Conclusão.


NOTAS INICIAIS

A função social do Advogado, tema deste estudo, encerra no seu bojo questões de extrema relevância para a sociedade. O ministério privado da advocacia é função indispensável para o funcionamento da justiça conforme proclama a Constituição Federal. Cumpre mencionar que não é apenas a justiça que não pode prescindir da advocacia, mas o Estado Democrático de Direito também é dependente do nobre ofício dos advogados.

Na busca de uma sociedade mais justa e fraterna, a atividade profissional do advogado assume papel decisivo, especialmente pela contribuição a desempenhar para o estabelecimento da Democracia estruturada e praticada com a participação da sociedade como um todo. Essa função a ser exercida pela advocacia na construção de uma Democracia para o Século XXI, centrada na proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana, foi destacada por Hermann Assis Baeta [01], com as seguintes expressões: "o advogado é, antes de tudo, um cidadão que não fica à margem, acima ou abaixo da conceituação destinada ao ser político". Prossegue, ainda, ressaltando que o "cidadão-advogado" tem um poder de participação superior ao cidadão comum na construção da Democracia, vez que capacitado juridicamente em face de sua formação acadêmica e de um treinamento cotidiano a que o exercício profissional o impele, podendo discernir e influir de forma mais eficiente e eficaz na persecução da Democracia e da Justiça.

Na sociedade brasileira, pelas contradições e características socioeconômicas e políticas que apresenta, o causídico exerce, dentre outras tantas, as funções de postular direitos e defender a Constituição, a ordem pública do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da Justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas, consoante se extrai do artigo 44 [02] do Estatuto da Ordem dos Advogados - Lei n º 8.906/90 [03].

Nesse panorama, o presente trabalho pretende apontar a importância e a indispensabilidade do advogado dentro da sociedade, bem como apresentar como a advocacia está inserida no ordenamento jurídico pátrio, apontando regras e princípios positivados na lei que realçam a função social do advogado. Sem a pretensão de esgotar o tema, tendo em vista a proposta acadêmica, este estudo visa, também, demonstrar o papel do advogado no processo, como ensina Carnelutti [04]:"a ação no processo requer por parte de quem a exercite determinadas qualidades e disposições, que nem todos estão em situação de possuir".


1. A GÊNESE DA PROFISSÃO

O homem é um ser social, dependente dos seus semelhantes para sua sobrevivência. Na explicação de Calmon de Passos, o homem é um ser incompleto, incapaz de realização pessoal sem a aceitação de seus pares [05]. Neste convívio, estabeleceram-se normas de relacionamento, que, em outras palavras, resumem a existência do direito, que é forma de vida social, como se expressa Legaz y Lacumbra, não uma forma qualquer de que se possa livremente prescindir, sim uma forma necessária, com necessidade ontológica [06].

Com a formação do Estado, estabeleceu-se o monopólio da jurisdição, e a possibilidade de ação e reação pelas próprias mãos dos titulares - autotutela – foi restringida significativamente. Daí a necessidade do processo judicial como meio para obtenção da tutela jurídica estatal [07].

Nesta senda, se o Estado retirou do indivíduo a titularidade de tornar efetiva a satisfação de seus interesses, em contrapartida, criou o poder que o particular tem de exigir do Estado a prestação dessa atividade e a disponibilidade de todos os instrumentos necessários para esse desiderato. Como afirma Calmon de Passos: "jurisdição sem direito de ação atribuído uti civis e sem a efetiva garantia dos instrumentos processuais adequados para esse fim não é jurisdição, é arbítrio [08]. É nesse contexto social que insere-se o advogado, que tem a tarefa de fazer valer os seus direitos que não podem ser exercidos de mão própria.

Assim, foi em Tibério Caruneaneo, primeiro pontífice plebeu que viveu em Roma, três séculos antes de Cristo, que se conta ter sido o primeiro a exercer a advocacia como profissão [09]. De outra banda, Paulo Luiz Netto Lobo sustenta que "a advocacia, como defesa de pessoas, direitos, bens e interesses, nasceu no terceiro milênio antes de Cristo, na Suméria" [10]. Há quem aponte para tradição entre os judeus, segundo o Antigo Testamento, de confiar aos sábios em leis o poder de ministrar argumentos e fundamentos para quem necessitasse defender-se perante autoridades. No Egito, havia restrição às alegações oratórias, para que as artes suasórias e os usos retóricos do defensor não influíssem nos juízes [11].

Pinto Ferreira aponta para Atenas como sendo o berço da advocacia, referindo que, naquela época, as partes firmavam compromisso na presença do Areópago, mediante juramento, fazendo suas defesas de modo lacônico, pois Sólon exigia que todo cidadão fizesse pessoalmente a sua defesa. Nas causas públicas, o povo escolhia um orador para sustentar a acusação. Posteriormente as próprias partes faziam-se substituir por terceiras pessoas, que as representavam.

Em Roma, conforme argumenta Silvio Ribeiro [12], não existia inicialmente uma profissão especial para a defesa dos interesses, em litígio; o patronus ministrava conselhos e dava proteção à sua clientela. Gradualmente, a obrigatoriedade do comparecimento pessoal em juízo foi cedendo lugar para a representação processual, com o patrocínio de ações em nome alheio, sem contudo, deixar de agir em suo nomine. Foi em Roma que a função nobre do profissional capaz de testar a força e a legitimidade da lei ganhou relevância e dignidade transcendental. Tão transcendental que o advogado não recebia salários, mas honrarias pelo seu serviço, delas advindo a expressão remuneratória da atualidade, qual seja a do advogado receber honorários [13].

Muito embora não seja unânime o surgimento da advocacia como atividade profissional organizada, alguns estudiosos situam a regulamentação do exercício da profissão no século XIII, com a Ordenança Francesa do Rei São Luiz, quando teriam sido fixados requisitos para exercê-la. No século XIV, a sociedade livre e voluntária dos profissionais do foro passou a ser chamada de Ordem dos Advogados – Ordre des Advocats – que, anos mais tarde, pelas mãos de Felipe de Valois, receberia o seu Código. As normas reguladoras da advocacia vedavam a postulação em juízo por quem não fosse advogado, exigindo a prévia inscrição e juramento para que o profissional fosse considerado habilitado.

Foi, como se observou do breve histórico, a evolução da profissão da advocacia que, nos primórdios concentrava-se na defesa dos interesses dos particulares frente à sociedade – vez que ainda não existia o Estado como ente organizado -, para posteriormente se consolidar na representação de todos em juízo, face ao monopólio da justiça assumido pelo Estado. Neste ínterim, a advocacia evoluiu na sua participação dentro da sociedade, vindo a ocupar posição de destaque dentro da organização judiciária, porquanto representa função indispensável à administração da justiça [14].


2. A EVOLUÇÃO NO BRASIL

Não encontram-se registros históricos da advocacia como atividade organizada na fase colonial do Brasil. Época de exploração portuguesa, o Brasil colônia não apresentou desenvolvimento cultural. A propositada ausência de instituições de ensino jurídico no Brasil obrigava os estudantes brasileiros a cruzarem o oceano a fim de adquirir conhecimento técnico. Como aponta Renato Blum, deflagra-se, desse momento histórico, o rigoroso valor que deve ser atribuído ao estudo jurídico, verdadeiro formador de opinião [15]. O propósito de não existir interesse político por parte do governo português em instalar cursos jurídicos no Brasil era uma manifestação consciente da Metrópole, temendo por aí que atingisse, a colônia, um processo mais rápido de emancipação [16].

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Aponta, Celso Ribeiro Bastos, que nas Ordenações Afonsinas, bem como nas Manuelinas, havia normas sobre o exercício da advocacia, estabelecendo que somente poderiam advogar aqueles que cursassem direito canônico ou direito civil, durante oito anos, na Universidade de Coimbra, e após dois anos da conclusão dos estudos [17]. Havia disposição legal que determinava prisão para os rábulas e, também, para aqueles que abandonassem a causa.

Em 1827, foram criados os cursos de Direito no Brasil, em São Paulo e Olinda, sendo responsáveis pela formação de personalidades importantes como Clóvis Beviláquia, Silvio Romero, entre outros. Dezesseis anos mais tarde, foi fundado, no Rio de Janeiro, o Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, mas não possuía entre suas atribuições a de fiscalização da vida profissional dos advogados, vez que cabia ao Poder Judiciário esta atribuição com algumas limitações. Era requisitado ao bacharel para tornar-se advogado a conclusão do curso e a apresentação do diploma para registro nos Tribunais de Justiça. Não se perquiria os conhecimentos do profissional, nem mesmo a procedência ou validade do diploma [18].

No ano de 1930, era criada a Ordem dos Advogados do Brasil, próxima dos moldes atuais, através do Decreto nº 19.408 que assim dispunha em seu artigo 17: Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de disciplina e seleção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, aprovados pelo Governo" [19].

Durante todo o período republicano da história nacional o advogado exerceu papel de extrema relevância, emprestando seus conhecimentos técnicos para o desenvolvimento da sociedade. Caio Mário, em discurso de posse da Presidência do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, em 1975, dizia que em todas as fases de nossa História, o advogado esteve presente na hora das convocações. Em qualquer fase, em todas as quadras da formação e do desenvolvimento da Pátria Brasileira [20].

O grande avanço, consoante lição do professor Celso Ribeiro Bastos, deu-se com a inclusão na Constituição Federal de 1988 do artigo 133 que diz: O Advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. A previsão, no Texto Magno, conferiu à profissão importância e peso que não podem ser desprezados.

O atual Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – Lei nº 8.906/94 – veio para reforçar a disposição constitucional e assegurar garantias e prerrogativas à profissão do advogado. Cumpre, ainda, comentar a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil é respeitável, ocupando relevante posição na Constituição. É lembrada pelo artigo 103 que atribuí ao Conselho Federal a legitimação para propositura de ação direta de inconstitucionalidade, bem como é atribuída à Ordem a responsabilidade da elaboração de lista sêxtupla para o preenchimento de vagas dos Tribunais Regionais Federais e dos Estados, inteligência do artigo 94 da CF.


3. A FUNÇÃO SOCIAL DO ADVOGADO

Nas palavras de Pinto Ferreira, "o advogado exerce uma nobilitante função social, facilitando a obra do juiz e a aplicação da justiça". Pois, realmente, o causídico está intrinsecamente ligado à organização judicial, intermediando a relação entre o juiz – Estado – e a parte, na busca de uma prestação jurisdicional que seja justa para aqueles envolvidos no caso concreto. Por esta razão o advogado é indispensável à justiça, vale dizer, ao Estado, atuando como um "servidor do Direito", na frase de Geist, necessita do advogado para prover a prestação jurisdicional. Para o douto jurista Ives Gandra Martins, o profissional da lei, desempenha papel na manutenção do organismo social, pois, é ele que efetua a defesa e a interpretação do ordenamento jurídico, sendo considerado pelo mestre como a estrutura primeira da sociedade [21].

A advocacia, essa árdua fadiga posta ao serviço da Justiça, na preciosa definição de Eduardo Couture, tem como tarefa principal a concreção da norma à situação em exame, levando-se em conta o ordenamento jurídico [22]. Como observa Calamandrei: "na sempre crescente complicação da vida jurídica moderna, na aspereza dos formalismos processuais que parecem aos profanos misteriosas tricas, o advogado é um precioso colaborador do juiz, porque trabalha em seu lugar para recolher os materiais do litígio, traduzindo, em linguagem técnica, as fragmentárias e desligadas afirmações da parte, tirando delas a ossatura do caso jurídico para apresentá-la ao juiz em forma clara e precisa e nos moldes processualmente corretos; e daí, graças a esse advogado paciente que, no recolhimento do seu gabinete, desbasta, interpreta, escolhe e ordena os elementos informes proporcionados pelo cliente, o juiz chega a ficar em condições de ver, de um golpe, sem perda de tempo, o ponto vital da controvérsia que é chamado a decidir". Cumpre dizer que o profissional tem a árdua tarefa de coletar os dados, pesquisar a doutrina e consultar a legislação e jurisprudência pertinentes ao deslinde da controvérsia, que, não raras vezes, estão inacessíveis ao operador do direito. Em muitos casos, a prova cabal do direito a ser demonstrado não é encontrada; a jurisprudência favorável não está disponível, ou, ainda, a legislação para disciplinar a questão posta em causa ainda não existe. E, nesses casos, como em muitos outros, o juiz é alheio a todo este lavor, pois em obediência ao princípio do impulso oficial, bem como em atenção à imparcialidade, está a espera dos fatos para a entrega do Direito [23].

Considerando o Direito como instrumento social de convivência comunitária, o advogado é profissional que detém grande responsabilidade dentro da sociedade, vez que o seu conhecimento técnico lhe permite influir sobremaneira na vida de cada indivíduo. O saber jurídico que acompanha o advogado na sua função social lhe confere o título de mais universal dentre os cientistas sociais, como afirmou Ives Gandra Martins, tendo em vista que o jurista tem a obrigação de conhecer todos os fenômenos da sociedade produzidos pelos fatos estudados por todas as ciências humanas, isto é, o operador do direito deve valer-se de todos os conhecimentos específicos para, através do Direito, regular a convivência comunitária. O advogado é, como assevera Ives, o "médico do organismo social" que sabe o remédio correto a ser ministrado ao seu paciente, pois, como argüiu Caio Mário, "quando o eclipse obscurece as liberdades fundamentais, ele, e não outro, é habilitado a manipular o instrumental regulador" [24].

3.1. O direito de recorrer à justiça

A Constituição Federal preceitua o livre acesso ao poder judiciário, devendo ser assegurado a todos os cidadãos a efetiva prestação jurisdicional [25]. Decorre deste princípio que todo o cidadão brasileiro, ou não, tem o direito de recorrer à justiça para fazer valer o seu direito obstaculizado por outrém.

Nesse passo, o advogado cumpre o papel de levar a situação fática, talhando com o seu conhecimento, à apreciação do juiz a pretensão do indivíduo. Todavia, o direito de livre acesso aos Tribunais não deve ser entendido como mero direito à sentença, como adverte Ada Pellegrini Grinover [26]. Continua a nobre processualista, afirmando que "os princípios informadores do processo já garantem o dever fundamental do juiz à prestação jurisdicional que, uma vez recusada, levará à configuração do abuso de poder, não de inconstitucionalidade. Bem pelo contrário, é nas fases sucessivas à propositura da ação que o autor, como o réu podem encontrar obstáculos à obtenção de um pronunciamento de mérito, por impedimento superveniente, internos ou mesmo estranhos ao processo. E a possibilidade de deduzir em juízo um direito mediante a instauração do processo, reduzir-se-ia a bem pouco se não se garantissem, constitucionalmente, os meios para obter o pronunciamento do juiz sobre a razão do pedido".

Dessarte, a garantia de recorrer à justiça é mais do que simplesmente deduzir em juízo um direito, pois se assim o fosse estaria dispensada a atuação do advogado nesse caso hipotético. O princípio do livre acesso à justiça deve garantir os meios necessários para a consecução de um pronunciamento sobre a "razão" do pedido, assegurando durante todo o processo a observância do ordenamento jurídico, o que só pode ser alcançado com a atuação por meio dos conhecimentos técnicos e científicos de profissionais habilitados que reduzam a margem de erros e de insucessos a que pode estar fadada a atividade jurisdicional [27].

A Constituição garante ao cidadão que não possui recursos para promover a defesa de seus interesses, a assistência jurídica gratuita, a ser realizada pela Defensoria Pública ou, em não havendo atendimento na comarca, por um advogado particular. Por óbvio, não se trata de uma regra de proteção corporativa proteger os interesses dos advogados na prospecção de clientela. Na verdade, revela-se garantia do cidadão de que seu direito será defendido por profissional qualificado para postulação em juízo do seu interesse. Assim como aquele que está acometido de qualquer moléstia procura por um especialista na proteção da sua saúde, o indivíduo que se vê atingido por uma injustiça deve ser atendido pelo único estudioso capaz de prescrever o tratamento correto para o seu mal. É o advogado, em face do seu envolvimento com questões sociais, o responsável pela tutela das garantias do cidadão e guarda da ordem jurídica. Configura-se, portanto, o ius postulandi não como um privilégio, mas um nobre encargo inerente ao ofício da advocacia.

3.2. A tutela dos interesses e direitos individuais e coletivos

Com o sucesso da Revolução Francesa sobre a opressão totalitária da monarquia déspota, os sistemas jurídicos passaram a privilegiar a defesa do indivíduo, onde na concepção clássica, o advogado atuara na proteção da sociedade civil. Na ideologia liberal, privilegiava-se a propriedade privada, interesse privado, assim como conflitos eminentemente privados.

Todavia, com o declínio da doutrina liberal e o avanço do Well Fare State, as características da profissão do advogado sofreram importante mudança. O advogado que outrora defendia o indivíduo, passa a defender classes, grupos sociais ou profissões, até mesmo a generalidade dos homens, portanto inapropriáveis – os chamados interesses difusos ou coletivos [28].

O crescimento dos interesses coletivos, protagonizados por grupos de diversas naturezas, importou em incertezas para os Estados então emergentes, vez que a ascensão de tais grupos poderia abalar a estabilidade dos regimes [29]. Contudo, a natureza humana tende a se associar, a formar grupos e, assim, não poder-se-ia institucionalmente contrariar essa vocação. Efetivamente, na virada do século XIX e início do século XX, seria consagrada a liberdade sindical e o direito de livre associação, originando um considerável crescimento corporativo, na forma de sindicatos, associações, trustes, cartéis, conglomerados financeiros partidos políticos, só para citar alguns exemplos [30].

Nesse processo histórico progressivo, e ao que tudo indica irreversível, o Estado passou a reconhecer interesses coletivos e, ao mesmo tempo, outorgar formas de tutela de tais interesses. O primeiro passo para a proteção dos direitos sociais foi dado com a edição de normas-objetivos ou programáticas, deixando, a lei, de ser simples fator de conservação para impulsionar grandes transformações sociais. Simultaneamente, foram criados institutos jurídicos para efetivar a tutela dos interesses coletivos. Estes institutos ensejaram o exercício de uma advocacia realmente voltada para a realização de interesses coletivos, seja judicial ou extrajudicialmente. Para exemplificar, pode-se citar as convenções coletivas e os dissídios coletivos, no âmbito do Direito coletivo do trabalho, e, também, a ação popular e a ação civil pública na esfera cível [31].

A utilização cada vez mais freqüente desses remédios jurídicos proporcionou a ampliação da legitimação ad causam, seja no pólo passivo ou ativo. É que para a proteção de interesses de grupos sociais por vezes tão numerosos, a legitimação de um representante ou de uma associação se revelaria a melhor alternativa para a rápida e efetiva prestação jurisdicional. Na esteira do direito norte-americano, onde a legitimação para a defesa de interesses transindividuais é corrente, dever-se-ia ter maior discussão entre nós. Nesse modelo, destacam-se as public interest actions que destinam-se a defesa de interesses difusos, ou como dizem os norte-americanos, à proteção de interesses sociais não representados ou mal representados. Há, também, a class action, onde compete ao membro de qualquer grupo a proteção dos integrantes que estão na mesma categoria.

Com o patrocínio destas pretensões de interesse coletivo, o advogado, como aduz Comparato [32], "a um só tempo, autor e representante, exerce, em seu nome pessoal, autêntico ministério público". Vale dizer que a atuação do profissional do direito avança em importância dentro da sociedade, deixando de resguardar os interesses que outrora se afiguravam eminentemente privados para veicular demandas em que estão em pauta verdadeiros direitos e interesses sociais. É por essa razão que Gneist ressalta que sua função é necessária ao Estado, como servidor do Direito.

Há que se destacar, ainda, a visão do Professor Titular da Universidade de Salamanca, Lorenzo M. Bujosa Vadel, [33] que sustenta a dupla dimensão da atuação do advogado. Distingue a vertente privada na postulação de interesses alheios, proporcionando uma defesa técnica para a parte. De outra banda, destaca a vertente pública do ofício do advogado, onde atua na administração da justiça.

3.3. O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e o Código de Ética e Disciplina

Afirma, importante jurista argentino, que cabe ao advogado, através da postulação racional do direito aplicável, a consagração da justiça [34]. Traduz-se, assim, o grande papel desempenhado pelo advogado dentro da sociedade, vale dizer, sua função social.

Para dissertar sobre a função social do advogado, faz-se imperioso trazer à baila a disciplina da Lei nº 8.906/94, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. A exemplo da Constituição Federal, o Estatuto da OAB consagra a advocacia como "função essencial à justiça", conferindo status de atividade essencial para a boa administração do judiciário.

A advocacia ombreia, conjuntamente com a magistratura e o Ministério Público, o árduo mister de conferir ao ordenamento jurídico, até então estático, mobilidade, vale dizer, são os advogados, magistrados e promotores, os responsáveis pela busca incessante da justiça. É, o advogado, como ressaltou Caio Mário [35]"o artesão da vitória do direito contra o arbítrio e a injustiça".

Cumpre, para realçar a função social do advogado, colacionar a regra contida no artigo 2º e seus parágrafos. Preleciona o dispositivo legal que "o advogado é indispensável à administração da justiça". O legislador quis dizer, acima de tudo, que a função do advogado como partícipe da relação jurídica processual responsável pela busca verdade real, é indispensável ao poder judiciário. Delineia-se, com isso, a função social do advogado dentro do processo, mas acima de tudo dentro da sociedade, atuando como peça essencial na proteção dos direitos e garantias fundamentais. Para tanto, a atividade profissional deve ser exercitada de maneira independente e sem vínculos com o Estado.

No parágrafo 1º, do mesmo artigo, é consagrada a função social da advocacia. Diz, o parágrafo primeiro: "no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social". Sem olvidar o caráter eminentemente privado da advocacia, o seu exercício é, sem sobra de dúvida, uma função social, desempenhando papel fundamental na manutenção da tranqüilidade da sociedade. Como salientou Ruy Azevedo Sodré [36]: "o advogado exerce função social, pois ele atende a uma exigência da sociedade. Basta que considere o seguinte: sem liberdade, não há advogado sem a intervenção não há ordenamento jurídico e sem este não há condições de vida para a pessoa humana. Logo, a atuação do advogado é condição imprescindível para que funcione a justiça. Não resta, pois, a menor dúvida de que o advogado exerce função social".

O cotidiano é repleto de situações regidas sob a égide do Direito, vez que tudo na vida se subordina ao império da lei. Consequentemente, a vida social prescinde de uma ordem jurídica que tem como força motriz o trabalho, dentre outros, do advogado. Não se pode pugnar por uma ordem econômica estável sem observância da ordem jurídica, assim como não há ordem social, nem tampouco paz social [37]. Para Ives Gandra Martins [38], o Direito é o instrumento social de convivência comunitária, sendo o advogado o profissional de maior responsabilidade pelo simples fato de conhecer e manejar este instrumento, permitindo o seu fluir regulador e intraumático para a acomodação do organismo grupal. Arremata o douto mestre que "é o advogado, portanto, o mais relevante dos profissionais sociais, porque lhe cabe a função mais transcendente no organismo social, ou seja a de defesa e interpretação da sua própria estrutura primeira, que é o sistema jurídico. É o advogado, portanto, a espinha dorsal de todos os profissionais dedicados às ciências sociais".

Cabe, também, destacar o princípio da imprescindibilidade do advogado, encontrados na Constituição Federal em seu artigo 133; na Lei nº 8.906/94, artigo 2º caput, assim como no Código de Ética e disciplina, artigo 2º, instituído pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Depreende-se dessas normas que a presença do advogado na sociedade é fator inequívoco de observância e respeito às liberdades públicas e aos direitos constitucionalmente assegurados às pessoas [39]. Nesse passo, na moralização do processo civil de que fala Mauro Capelletti [40], compete ao profissional do direito, na sua nobre missão, agir com probidade e lealdade com relação aos partícipes do processo e, sobretudo, com o juiz, que é o sujeito imparcial da relação processual. Na célebre obra, os mandamentos do advogado, Eduardo Couture [41] enfatiza a lealdade do advogado para com os atores principais da relação processual, isto é, cliente, adversário e o juiz, dizendo: "Sê leal para com o cliente, a quem não deves abandonar senão quando reconheceres que é indigno de ti; leal para o adversário, mesmo quando ele seja desleal contigo; leal para o juiz que, ignorando os fatos deve confiar nos que alegaste e que, quanto ao direito, deve, de quando em quando, aceitar os preceitos que invocaste".

De fato, o sistema judiciário depende da qualidade ética das partes baseadas no respeito, honra, decoro, probidade e respeitabilidade, pois somente assim poderá se atingir o fim colimado pelos participantes da relação jurídica processual. É com base na atuação ética e retilínea do advogado, bem como dos demais "atores" do processo que poderá se preservar a realização da justiça.

Na realidade, a atividade profissional do advogado extravasa a fronteira do direito, sendo considerada uma atividade político social, possuindo múnus público, teor ético e acima de tudo, constitui a via direta de acesso do povo ao judiciário [42]. Também, como infere Benedito Calheiros Bomfim: "poucos têm a percepção do significado e alcance da profissão, de seu caráter político, público, de seu substrato ético e moral. Não lhes importa se o pleito é justo, se o direito é legítimo, se o cliente age de boa-fé, desde que possam dar enquadramento legal à postulação". Pugna-se para a formação de uma consciência de que a advocacia é uma atividade político-jurídica, possui múnus público, conteúdo ético, político e social, constitui uma forma de participação, de inserção na comunidade, de opção pela justiça, de luta pelo direito e pela liberdade, de tutela dos interesses da sociedade [43].

Sobre o autor
Éderson Garin Porto

bacharelando em Direito pela PUC/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO, Éderson Garin. A função social do advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1879, 23 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11634. Acesso em: 23 dez. 2024.

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