7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do presente trabalho conclui-se que o conceito de garantia da ordem pública deve ser interpretado de acordo com os princípios insertos na Constituição Federal, tais como o do estado de inocência, da razoabilidade e do devido processo legal, bem como deve manter estrita observância ao direito de liberdade do indivíduo que só deve ser relativizado diante de razões justificáveis que legitimem a constrição que recai sobre esse direito fundamental.
Além de conter necessariamente os pressupostos e fundamentos que a justifiquem, o decreto de prisão preventiva deve estar bem fundamentado em fatos concretos, arrimado em uma robusta base factual, além de dever estar demonstrado o caráter cautelar da medida.
As quatro principais interpretações feitas pelos Tribunais pátrios foram analisadas e a partir de um enfoque crítico e em sintonia com os postulados de um Sistema Penal Garantidor chegou-se às seguintes conclusões: O clamor social não autoriza a prisão preventiva por não se confundir com a ordem pública, havendo precedentes do STJ e STF que indicam ser correto este posicionamento, pois o abalo social é a conseqüência natural de qualquer crime. A gravidade do delito, por si só, também não enseja a custódia cautelar, haja vista que a gravidade é algo acessório ao crime, estando ínsito a qualquer tipo penal incriminador. Da mesma forma, o resguardo da credibilidade da Justiça não é capaz de ensejar a prisão preventiva para acautelar a ordem pública, tendo em vista que este posicionamento é manifestamente equivocado em manifesta deturpação do caráter instrumental da medida cautelar que exige sua "utilidade" para a efetividade do processo.
Por último, fora abordado o aspecto da periculosidade do réu como motivo autorizador da decretação de prisão preventiva como garantia da ordem pública e chegou-se à conclusão de que a única hipótese autorizativa consistia no cometimento de um novo delito pelo agente no curso do processo, haja vista que haveria supedâneo fático para a decretação da custódia e motivo suficiente para a ruptura da presunção de inocência, do contrário, não seria possível a decretação da sobredita custódia.
Diante da constatação de que a prisão provisória fundada na preservação da ordem pública não é vista por muitos como manifestamente ilegal ou ilegítima, defende-se, pelo menos, que em sendo a "garantia da ordem pública" uma cláusula aberta, de conteúdo significante abrangente, tal fundamento embasador de medida tão drástica – que é a privação da liberdade do indivíduo – deve ter seu alcance limitado através de técnica hermenêutica de interpretação restritiva.
Mas, o que ficou realçado nesse trabalho monográfico é que, em respeito aos requisitos e natureza das medidas cautelares, da qual a prisão preventiva é uma de suas modalidades, e sem descurar da observância dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo que sofre a persecução penal, a prisão preventiva deve estar devidamente fundamentada em fatos concretos, somente podendo ser decretada para acautelar o processo.
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NOTAS
- Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2005, p. 55), os interesses primários correspondem "à dimensão pública dos interesses dos indivíduos enquanto partícipes da Sociedade (entificada juridicamente no Estado), nisto incluído o depósito intertemporal destes mesmos interesses(...)".
- Segundo CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER (2004, p.22), a autotutela pode ser explicada da seguinte forma: "Nas fases primitivas da civilização dos povos inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares (...) Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão"
- Art. 5º, XXXLX da CF: "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal".
- "Essas medidas assecuratórias têm a característica da instrumentalidade, pois destinam-se a evitar o prejuízo que adviria da demora na conclusão da ação penal (periculum in mora), garantindo, através da guarda judicial das coisas, o ressarcimento do prejuízo causado pelo delito". (MIRABETE, 2005, p. 236).
- "Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias concentram-se nas mãos de uma única autoridade". (CAPEZ, 2005, p. 73).
- No processo de conhecimento, o juiz julga com base no conhecimento total dos fatos, trata-se de um procedimento de cognição plena e exauriente, com vistas a solução definitiva com base num denominado juízo de certeza. (ALMEIDA, 2000, p. 01).
- No mesmo sentido: TOURINHO, 2001, p. 100 e MIRABETE, 2005, p. 106.
- Art. 5º, §1º da CF: "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata".
- Cláusulas pétreas são determinadas matérias que não podem ser abolidas do texto constitucional. (MACHADO, 2005, p. 32).
- Art. 60, §4º da CF: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias fundamentais".