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Inquérito policial e exercício de defesa

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Agenda 13/09/2008 às 00:00

3. OITIVAS

Como apontado, a realização de oitivas no decorrer do procedimento investigatório é de grande valia para o fortalecimento da hipótese a ser indicada na elaboração do relatório pela Autoridade Policial, sem o que o tema ficaria somente amparado por provas técnicas e por informações policiais juntadas aos autos.

Além disso, o apontamento dos elementos de prova colhidos na instrução do inquérito policial pode vir a servir como base para a intimação das testemunhas de acusação e defesa no processo, sem o que seriam necessárias pesquisas e acesso, por exemplo, a endereços e a telefones de contato, o que também indica a possibilidade de uso de testemunhos na formação das teses de cada parte.

Deve ser levado em conta, neste ato, que a idéia de que as oitivas realizadas durante a chamada fase inquisitorial são encaradas pela doutrina em geral como "provas repetíveis", quer dizer, como elementos de prova que serão repetidas em um eventual processo penal com interrogatórios e coleta de provas testemunhais.

A coleta de declarações, depoimentos e de interrogatórios no inquérito policial têm por função, como tudo o que está disposto no encadernado remetido ao Judiciário com o relatório, dar subsídios ao Ministério Público para oferecimento de denúncia.

Portanto, a visão encarcerada de "prova repetível" é, na verdade, inexistente, haja vista que o que se terá em Juízo é coleta de prova, ou meio de defesa em caso de interrogatório, totalmente diferente da fase preliminar, onde prepondera a busca por indícios que sustentem a peça ministerial.

De tal modo, importante reconsiderar a visão simplista de tais importantes momentos na fase inquisitorial, posto que pelo ato em que são concebidas, muitas vezes no "calor" dos flagrantes ou em situações diversas, ali podem vir a ser coletadas informações "irrepetíveis", posto que, conhecendo o conteúdo das investigações, já em Juízo, muitos oitivandos reformam o que foi alegado na defesa de seus interesses.

Coleta de informações, em tais casos, depende muitas vezes do momento em que são colhidas, devendo ser observado que investigação policial deve ser ágil, concisa e precisa, sendo contraproducentes protelações desnecessárias, com intimações postais, agendamento de oitivas para dias após os fatos etc.

3.1. DECLARAÇÕES E DEPOIMENTOS

Em sede de inquérito policial, busca-se diferenciar a coleta de informações entre o suspeito, o qual responde a auto de qualificação e interrogatório, e as "testemunhas", as quais são convocadas para prestar esclarecimentos em termos chamados de depoimento ou de declarações.

Todavia, mesmo em sendo intimada para prestar informações, a testemunha pode ser informada de sua futura condição, em tese, através do modo como é convidada a responder as perguntas que lhe serão formuladas.

Desta maneira, entende-se que, caso não haja quaisquer possibilidades do oitivando vir a ser encarado como suspeito, pelo que deve estar ciente do compromisso de falar a verdade, sob pena de cometimento de crime de falso testemunho, há necessidade de confecção de termo de depoimento.

Em depoimentos, portanto, a testemunha vem realmente informar sobre temas que são de interesse para o conjunto investigatório, de onde serão deduzidas as hipóteses perante, por exemplo, as contradições apresentadas por indiciados nos interrogatórios ou sobre dados ainda obscuros no contexto estudado. As informações repassadas por testemunhas são usadas na elaboração da hipótese investigativa.

Em sede de coleta de declarações, por outro lado, o oitivando não deve prestar compromisso de falar a verdade, posto que é possível ser, em algum outro momento, encarado como suspeito e vir a ser indiciado. Desta feita, não haveria como compromissar tal "testemunha" a expor dados que, mais tarde, podem ser usados em seu indiciamento ou em denúncia. Vige, aqui, o princípio de desobrigação do suspeito (indiciado) em produzir provas contra si.

De tal modo, é preciso informar ao intimado a condição em que comparece para prestar esclarecimentos, desde logo evitando que possa dizer o que possa prejudicá-la, o que deve ser repassado no início da coleta dos dados qualificativos. Tal entendimento também deve valer para aqueles que, prestando depoimento, venham a ser englobados no rol de investigados/suspeitos.

Todavia, resta responder a questões que persistem após a divisão anunciada. A primeira delas repousa no tema referente ao declarante que venha ser indiciado no mesmo ou em outro procedimento. Onde será resguardado o direito a permanecer em silêncio se já informou sobre sua suposta participação, ou dados que poderão ser usados contra sua defesa, em termo de declarações?

Observa-se que o resguardo às garantias constitucionais perpassa pelos cuidados a serem tomados na coleta de testemunhos na fase preliminar, os quais,como informado, podem não servir para uso no processo penal, mas certamente serão apreciados na elaboração da denúncia.

Da mesma forma, também inadequado o indiciamento indireto de declarantes, haja vista que prestaram informações sem terem sido advertidos sobre a possibilidade de somente se manifestarem em Juízo. Tal prática ocorre em procedimentos onde, com base no que foi colhido durante o desenvolvimento de diligências, o declarante acabou sendo encarado como suspeito, o que acarretaria seu indiciamento.

Portanto, como já foi ouvido e declarou o que muitas vezes já interessava aos autos, bastaria a prática do indiciamento indireto. Todavia, se for novamente encontrado, caberia ser intimado a comparecer e a confirmar, querendo, o que já foi dito, ou a simplesmente calar-se, reservando-se suas manifestações para eventual processo penal.

Outro ponto a ser esclarecido em relação a tais atos é o modo pelo qual são coletadas as informações e como os depoentes/declarantes devem ser intimados a prestar os esclarecimentos necessários.

Neste ato, pergunta-se: é possível realizar tais diligências sem intimação, com coleta de informações através de entrevistas, de telefonemas ou por quaisquer meios expeditos?

Importante apontar, antes de qualquer análise, que é inadmissível que investigações policiais perdurem por muito tempo sem conclusões sobre as hipóteses originalmente levantadas.

Portanto, e levando-se em consideração que o objetivo é aportar indícios para que o representante do Ministério Público denuncie, é possível afirmar que a juntada de informações em inquérito policial deve ser expedita, com a possibilidade do uso de e-mails, telefonemas, entrevistas na residência, no local de trabalho ou onde a testemunha (frise-se, testemunha) possa ser encontrada e digne-se a colaborar com o desenvolvimento do inquérito policial.

Colhidos os dados necessários, tais informações devem vir aos autos do procedimento em forma de relatórios ou em mídia para que todo o conjunto possa ser apreciado na elaboração conclusão pela Autoridade Policial.

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Preferindo ser orientado por advogado habilitado, o declarante pode ser intimado a comparecer; não há óbice e é obrigação a concessão de tal oportunidade, isto em estrita obediência aos prazos previstos para apresentação do procedimento em Juízo.

O objetivo, em todos os casos, é coletar informações dentro de investigações céleres, sem que sejam submetidos a constrangimentos aqueles que prefiram esclarecer pontos de interesse dos órgãos de segurança fora da delegacia.

Assim, cumpre regulamentar o procedimento levado a efeito nas oitivas de testemunhas e declarantes no inquérito policial, posto que nada há no Código de Processo Penal que guie a execução de tais atos.

3.2. O INTERROGATÓRIO (INDICIAMENTO)

O interrogatório policial é o ato pelo qual o suspeito é convertido em possível autor de delito, ato este concretizado através do indiciamento. Assim, considera-se indiciado o suspeito que teve contra si lavrado auto de qualificação e interrogatório ou que, preso em flagrante, foi igualmente qualificado e interrogado 12, com preenchimento de Prontuário de Identificação Criminal (PIC) e Boletim de Vida Pregressa (BVP) 13, documentos (formulários) que fazem parte do auto lavrado e que servem para alimentação do banco de dados.

Conforme relata NUCCI 14, "o indiciado é a pessoa eleita pelo Estado-investigação, dentro da sua convicção, como autora da infração penal". Em apertada síntese, a condição apresentada relata a existência de mais que mera suspeita sobre sua participação em determinado ato criminoso, haja vista que passará a ser encarado como provável autor, ou como "quase réu", conforme citado na ementa do HC 338.92-3, TJSP, Campinas, 6ª C., rel. Pedro Gagliardi, 15.03.2001, v. u., JUBI 61/01 15.

O autor citado ainda acrescenta, em seus comentários ao artigo 6º do Código de Processo Penal, sobre o que significa ser indiciado, isto é, apontado como autor do crime pelos indícios colhidos no inquérito policial. Para ele, tal ato implica em um "constrangimento natural, pois a folha de antecedentes receberá a informação, tornando-se permanente, ainda que o inquérito seja, posteriormente, arquivado". 16

Portanto, o ato de indiciamento revela-se como sendo imprescindível dentro da forma a ser seguida no procedimento preliminar, haja vista que indica ao investigado que foi apontado como provável autor de certo delito, possibilitando ao mesmo, desde já, preparar meios para sua defesa. O ato em tela é obrigatório.

De acordo com o que pensa AURY LOPES JÚNIOR 17, "o indiciamento pressupõe um grau mais elevado de certeza da autoria que a situação de suspeito".Ainda, relata que "o indiciamento deve resultar do instante mesmo em que, no inquérito policial instaurado, verificou-se a probabilidade de se o agente o autor da infração penal, e, como instituto jurídico, deverá emergir configurado em ato formal de polícia judiciária".

O entendimento em tela foi também reproduzido por NUCCI 18 quando citou o pensamento de PITOMBO sobre o indiciamento:

Não há de surgir qual ato arbitrário da autoridade, mas legítimo. Não se funda, também, no uso de poder discricionário, visto que inexiste a possibilidade legal de escolher entre indiciar ou não. A questão situa-se na legalidade do ato. O suspeito, sobre o qual se reuniu prova da autoria da infração, tem que ser indiciado. Já aquele que, contra si, possui frágeis indícios, ou outro meio de prova esgarçado, não pode ser indiciado. Mantém ele como é: suspeito. Em outras palavras, a pessoa suspeita da prática de infração penal passa a figurar como indiciada, a contar do instante em que, no inquérito policial instaurado, se lhe verificou a probabilidade de ser o agente.

De acordo com tal procedimento, em caso de lavratura de auto de prisão em flagrante, tal documento deve conter a data e o local onde foi lavrado, a indicação da autoridade que o presidiu e, a seguir, será qualificado o condutor, após o que será compromissado e indagado sobre o fato que motivou a prisão e as circunstâncias em que esta se verificou.

Conforme está exposto na leitura do texto legal, após o depoimento do condutor, ouvem-se, no mínimo, duas testemunhas que tenham presenciado o fato ou a prisão, e, na sua ausência, deverão assinar o auto pelo menos duas testemunhas que tenham assistido à apresentação do preso à Autoridade Policial (art. 304, § 2º, CPP). Após a qualificação e compromisso da primeira testemunha, será ela indagada sobre o fato. A seguir, ouve-se a segunda testemunha e, por último e na mesma peça, será ouvido o preso, que se chama de conduzido ou interrogado 19.

Nos termos do que diz CABETTE:

"[...] o interrogatório do conduzido se subdivide em interrogatório de qualificação (nome, filiação, estado civil, naturalidade, idade, profissão, etc.) e em seguida, vem o interrogatório de mérito, em que ao conduzido será perguntado se é verdadeira aquela imputação; enfim, será interrogado de acordo com o que dispõe o art. 178. do CPP (com redação dada pela Lei 10.792/2003)". 20

O mesmo autor segue relatando que, concluído o auto de prisão em flagrante, este deverá ser assinado pela Autoridade Policial, pelo condutor, pelas testemunhas, pelo conduzido, pelo advogado e subscrito pelo escrivão. Caso o detido não souber, não quiser ou não puder assiná-lo, deverá o documento, ou seja, o auto, ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura, na presença do acusado, do condutor e das testemunhas que depuseram.

Importante ser observado que o conduzido somente tem relação com seu interrogatório, não devendo assinar as demais peças como acontecia antes da edição da Lei nº 11.113/05, quando todos, condutor, testemunhas, escrivão e Autoridade Policial tinham que aguardar todo o procedimento para que, somente ao final, apusessem as assinaturas.

Todavia, também não cabe ao conduzido, ou a seu advogado, assistir a coleta das informações que levaram o condutor a dar voz de prisão em flagrante ao detido, haja vista que, salvo melhor juízo, sua função restringe-se ao assistido e às conseqüências do ato sobre sua vida, não tendo a Autoridade Policial a obrigação de permitir que este ou que seu defensor assistam o depoimento daqueles.

Deve ser levado em consideração que, em alguns casos, embora raros, o condutor do flagrante não é policial, mas cidadão que usando a faculdade permitida em lei, deu voz de prisão a quem cometeu ato ilícito e está em flagrante. Assim, a presença do conduzido ou de seu advogado poderia vir a inibir o condutor, ou as testemunhas, durante a coleta de informações.

Conforme CABETTE, o auto de prisão em flagrante é peça inteiriça, de texto corrido e ditado pela Autoridade Policial, a qual formula as perguntas ao conduzido, concluindo por seu indiciamento.

Neste ato, pergunta-se: é possível indiciar o suspeito, conduzido em flagrante à delegacia sob voz de prisão, sem concluir pela existência da prisão?

Uma das primeiras observações a serem feitas refere-se ao momento da prisão e das diferenças existentes entre prisão e indiciamento.

Em relação ao momento, requer-se atenção para o fato de que, embora tenha recebido o conduzido voz de prisão em flagrante por quem tem o dever de fazê-lo ou por pessoas de modo facultativo, quem vai decidir pela existência dos requisitos para tal configuração é a Autoridade Policial. Em caso positivo, será dado seguimento ao procedimento do flagrante, o que também engloba o que deve ser feito em casos em que sejam vislumbrados crimes de menor potencial ofensivo; caso entenda como inexistente o crime apontado ou como ausente o flagrante anunciado, o conduzido será ouvido e prontamente liberado 21.

De tal modo, sim, é possível providenciar o indiciamento do conduzido caso sejam observados fatos que levem a crer que não houve flagrante, embora haja dados e informações que induzam à conclusão sobre autoria e materialidade do delito. Assim, o conduzido será indiciado através da lavratura de auto de qualificação e interrogatório, onde tomará ciência das imputações que lhe são feitas.

Novamente colhendo o que foi apontado por AURY LOPES JÚNIOR 22, é importante acrescentar que, do flagrante delito, emerge a relativa certeza visual ou presumida da autoria. Portanto, segundo o autor acima citado, o flagrante válido impõe o indiciamento, o que também vale para a prisão preventiva, a qual exige para a decretação a existência de "indícios suficientes de autoria".

Todavia, é possível haver discordância no que diz respeito aos requisitos da decretação de prisão temporária, onde o mesmo autor coloca que a expressão "fundadas razões de autoria" seria suficiente para que houvesse o indiciamento formal.

Levando-se em consideração que a prisão temporária tem seus objetivos vinculados à investigação, e não ao processo, nada havendo de concreto com relação aos mesmos requisitos da prisão preventiva, não há que ser considerado obrigatório o indiciamento em decorrência de cumprimento de tal mandado.

No que tange ao flagrante, mister tecer breves comentários ao que foi trazido pela Lei nº 10.792/2003.

A primeira alteração trazida pela nova lei foi a colheita imediata do depoimento do condutor através de termo de depoimento, no qual deverá a Autoridade Policial colher desde logo a assinatura do mesmo. O objetivo dessa alteração foi o de liberar o policial responsável pela prisão em flagrante, que, no sistema anterior, tinha que permanecer na delegacia até o final do interrogatório do conduzido, o que na maioria das vezes demora várias horas.

Assim, no novo sistema, ouvem-se o condutor e as testemunhas, entregando ao primeiro cópia do termo e recibo de entrega do preso. Após, todos são liberados.

Também significativa a alteração em relação à oitiva das testemunhas e interrogatório do conduzido, vez que na nova redação, as assinaturas serão feitas ao final de cada oitiva, o que implica em dizer que o depoimento das testemunhas e o interrogatório do conduzido não farão parte de uma mesma peça.

Realizadas todas as oitivas, lavrará "a autoridade, afinal, o auto". Conforme se depreende, será neste momento que a Autoridade Policial confirmará a prisão efetuada pelo condutor com base nos indícios demonstrados.

Quanto a tal providência, importante observar que a presença dos Delegados de Polícia na coordenação das diligências que resultam em flagrantes impede que o juízo sobre a prisão ocorra somente após os depoimentos dos condutores e das testemunhas.

Da mesma forma, interessante constar que a decisão de remeter o conduzido à prisão deve vir acompanhada de argumentos que embasem tal importante providência, o que será efetivado através de despacho (despacho de fundamentação). Além disso, o interrogatório do indiciado não poderia servir para tal embasamento, posto que o que servirá de fundamento para o auto de prisão são os depoimentos, sob compromisso, do condutor e das testemunhas.

Assim, no auto de prisão em flagrante previsto pela nova legislação, a Autoridade Policial deverá narrar de forma resumida os fatos, fazendo juízo prévio de existência de crime em tese, imputável ao conduzido, quando mandará recolhê-lo à prisão. A alteração deixa claro, portanto que o conduzido deverá assinar o auto de prisão em flagrante, ao contrário do condutor e das testemunhas da infração.

Assim, em primeira análise, é possível dizer que o novo auto de prisão em flagrante deve ser subscrito pelo escrivão, assinado pela Autoridade Policial e pelo conduzido, sem as assinaturas do condutor ou das testemunhas da infração, os quais somente atestam o que aconteceu, servindo as informações expostas para convencimento na lavratura do auto. O auto de prisão em flagrante em si, portanto, é o documento que contém o interrogatório do indiciado, a nota de ciência das garantias constitucionais, a nota de culpa, as apreensões, os laudos preliminares e as devidas comunicações, embora todas as peças, inclusive os depoimentos, devam ser enviadas ao Juízo para eventual homologação.

Não é demais lembrar, entretanto, que na falta das testemunhas da infração, deverão assinar o auto de prisão em flagrante "pelo menos duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade".

Portanto, se não tiverem sido ouvidas testemunhas da infração, o auto deverá ser subscrito por escrivão e assinado pela Autoridade Policial, pelo conduzido e pelas testemunhas de apresentação do conduzido.

Lavrado o auto de prisão em flagrante, compete à Autoridade Policial comunicá-la ao Juiz, inclusive para permitir a verificação das hipóteses do art. 310. e parágrafo único, CPP, e esta comunicação é feita enviando-se ao Magistrado cópia do auto respectivo 23.

Assim, é possível afirmar que o indiciamento independe da lavratura do flagrante, haja vista que, ausente os indícios que possibilitem a prisão, o conduzido pode vir a ser indiciado e liberado. Ainda, em caso de coleta de maiores informações a posteriori, tal conduzido pode ser intimado e indiciado, tomando pé do que está sendo apontado contra ele.

Todavia, mister considerar que deveria estar também prevista a remessa de breve fundamentação da decisão de lavrar o auto por parte da Autoridade Policial, haja vista que a leitura "fria" dos dizeres do condutor e das testemunhas, aliado ao que eventualmente foi dito pelo flagrado, não basta, podendo ser bastante útil às conclusões que devem ser tiradas pelo representante do Ministério Público e pelo magistrado que apreciar o material enviado.

Tais considerações merecem maior destaque em situações em que o prazo para encerramento do procedimento investigatório é maior, mesmo em casos de indiciados presos, podendo chegar a 60 (sessenta) dias após prorrogação como na Lei nº 11.343/06.

Portanto, é necessário que sejam descritos detalhes sobre o que levou à Autoridade Policial a lavrar o flagrante nos termos do indiciamento, ou seja, maiores informações sobre as conclusões sobre o local da prisão, ânimo do conduzido, circunstâncias da ação policial etc. Tais providências estão previstas no chamado despacho de fundamentação. 24

Tal pensamento já foi mencionado por SOBRINHO 25, ao comentar o conteúdo da antiga lei antitóxicos, quando disse que "muito embora a motivação apresentada para a classificação do fato e a motivação para o indiciamento sejam juízos diferentes, eles são seqüenciais e guardam relação entre si, pois, para indiciar alguém como provável autor de um delito, a Autoridade Policial deve antes definir, provisoriamente, qual foi o delito cometido, sendo, portanto, positiva a preocupação do legislador da Lei de Entorpecentes ao exigir a motivação para a classificação do fato".

Este também é o entendimento de AURY LOPES JÚNIOR 26 quando diz que "o momento e a forma do indiciamento deveriam estar disciplinados claramente no CPP, exigindo um ato formal da Autoridade Policial e a imediata oitiva do sujeito passivo que, na qualidade de indiciado, está sujeito a cargas, mas também lhe assistem direitos. Entre eles, o principal é saber em que qualidade declara, evitando-se assim o grave inconveniente de comparecer como "testemunha" quando na verdade deveria fazê-lo na qualidade de suspeito que está na iminência de ser indiciado".

Outra fonte de controvérsias no que tange ao indiciamento repousa no momento em que o investigado deve ser chamado para o ato, quer dizer, para que seja indiciado e tome conhecimento do que está sendo apontado contra ele no procedimento. Ou melhor, em que fase do inquérito policial deve o investigado ser qualificado e interrogado.

De acordo com LOPES JÚNIOR 27, assim que for apontado como provável autor de delito, o investigado, através de profissional habilitado, tem o direito de ter acesso ao conteúdo do inquérito policial, onde passaria a se defender, requerendo, inclusive, diligências à Autoridade Policial.

Por este entendimento, prevalecem sobre o desenvolvimento da investigação policial os interesses do investigado, mesmo que tal prática coloque em evidente risco o procedimento, naturalmente sigiloso e onde são perpetrados atos que somente têm eficácia mediante a dissimulação durante a execução. Sabendo dos teores da investigação, certamente o indiciado não mais atuará da mesma forma, podendo, inclusive, delatar o andamento do feito aos demais integrantes em caso de multiplicidade de alvos.

Por outro lado, e representando a maioria dos doutrinadores, é necessário observar que, na fase pré-processual, o interesse público têm maior peso, o que representa a inexistência da obrigação em dar-se ciência ao investigado sobre o inquérito até que estejam em fase terminal as diligências para a conclusão das investigações.

Esta, sem a menor sombra de dúvidas, é a melhor opção haja vista as funções exercidas pelo inquérito dentro da preparação à denúncia. Os atos investigatórios devem ser desenvolvidos de forma velada, sem que o alvo investigado possa perceber a movimentação policial, mesmo em casos de diligências em que o crime já foi cometido. Em sede de acompanhamentos de quadrilhas, independentemente do nível de sofisticação destas, maior preocupação com a manutenção do sigilo, haja vista a permanência do delito e eventual seqüência de atos que devem constar dos relatórios policiais.

Outro ponto que contribui para tal entendimento é o fato de que, colhendo maiores informações sobre a participação daquele que será indiciado, a Autoridade Policial e sua equipe terão subsídios para a tirada de conclusões sobre o nível de envolvimento deste no cometimento do delito sob apuração, o que certamente pode vir a aumentar o valor do auto de qualificação e interrogatório para a compreensão da trama pelo representante do Ministério Público caso este não esteja acompanhando as investigações.

Observando-se, portanto, as características do interrogatório na fase policial, considera-se tal ato como um dos mais importantes no contexto do procedimento pré-processual, posto que nele são expostas informações, tanto nas perguntas da equipe, como nas respostas do indiciado, que certamente serão úteis à formulação da peça ministerial que dará início à ação penal.

No entanto, é necessário que sejam observadas as diretrizes estabelecidas e citadas acima para que sejam resguardados os direitos dos que são ouvidos em inquéritos policiais, evitando, com isso, a confecção de procedimentos atentatórios aos preceitos constitucionais.

Sobre o autor
Rafael Francisco França

Delegado de Polícia Federal - Departamento de Polícia Federal, lotado na Delegacia Regional Executiva da Superintendência em Porto Alegre/RS. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Processual Penal, e em Segurança Pública. Mestrando em Ciências Criminais pela PUC/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANÇA, Rafael Francisco. Inquérito policial e exercício de defesa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1900, 13 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11719. Acesso em: 22 dez. 2024.

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