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Os diversos tipos de responsabilidade jurídica

Agenda 13/09/2008 às 00:00

Fala-se em basicamente em dois tipos de responsabilidade: civil e penal, sendo ainda comum a referência a um terceiro tipo: administrativa [01], que acaba por ser um desmembramento da responsabilidade penal. Os autores de cada área buscam, com variados graus de sucesso, delimitar cada uma delas, com especial atenção dada às duas primeiras.

A princípio, pouca, se alguma, distinção essencial pode ser identificada. O mesmo ato danoso pode gerar mais de um tipo de responsabilidade, sem que seja possível separar que parte do ato leva a que tipo de responsabilidade. Mas, afinal, o que diferencia uma sanção civil de uma penal?

Classificar, p. ex., a responsabilidade penal com base na "sanção abstratamente cominada", como faz Frederico Marques (apud Brossard, 1964, p. 64), ou como aquela definida pela lei penal, como faz Magalhães Noronha (1967, p. 121), é dizer nada.

Magalhães Noronha (loc. cit.) acaba, então, por identificar a divisão na gravidade da violação à ordem jurídica. Para Zaffaroni et al (2004, p. 99) essa linha estaria no caráter da sanção – a sanção civil proviria uma prevenção e reparação ordinária, enquanto a penal tem um "caráter especificamente preventivo ou particularmente reparador".

Os Mazeaud (1931, p. 5-8) fazem a distinção com base na repercussão da lesão, de modo que a responsabilidade será penal se houver dano à ordem social, à sociedade como um todo, e civil se o dano for privado, atingindo pessoa determinada. Também Basileu Garcia (1968, p. 17-18) situa a divisão em haver interesse público ou meramente individual. Aguiar Dias (1960, p. 17-18) rejeita esta distinção, pois, com Pontes de Miranda, afirma que toda lesão individual também atinge a ordem social. Ademais, a categoria hoje reconhecida de direitos difusos e coletivos torna essa distinção inidônea.

Tampouco é útil tentar construir uma diferenciação com base no bem jurídico lesado, como faz Marcos Bernardes de Mello (2003, p. 243-244), pois frequentemente a lesão a um mesmo bem jurídico pode gerar mais de um tipo de responsabilização.

"Se, no plano biológico, as divisas entre o mundo vegetal e o animal nem sempre são nítidas, da mesma forma, no elenco das instituições nem sempre é fácil distribuí-las em categorias estanques, estèticamente repartidas e catalogadas, à feição do que se poderia denominar parnasianismo jurídico" (Brossard, 1964, p. 71).

Assim é que Régis de Oliveira (2005, p. 19-20), apoiado na lição de Merkl, nega a haveria qualquer diferença ontológica entre as responsabilidades civil e penal, e nem mesmo a responsabilidade administrativa. Para o autor, a diferenciação se faria pelo órgão que aplica a sanção, isto é, "no regime jurídico a que a repulsa estiver subordinada".

Aderimos, no entanto à posição de Aguiar Dias (1960, p. 18), para quem a diferença estaria em que na responsabilidade penal se busca uma punição, enquanto na responsabilidade civil uma reparação, conclusão a que, outrossim, também chegam os Mazeaud (loc. cit.). De forma semelhante, Teixeira de Freitas (2003, p. LXII) entende que é a "sancção da pena" que "estrema as Leis Criminaes das Leis Civis", acrescendo ainda que "as disposições criminaes são a sancção inseparavel das disposições civis" (2003, p. 484-485).


1. Responsabilidade penal

A responsabilidade penal tem como fundamento e objetivo a manutenção da paz social, de modo a evitar a bellum omnium contra omnes, na definição de Welzel (apud Zaffaroni et al, 2004, p. 458), resultando na imposição de uma sanção punitiva. A nossa legislação trata de duas categorias diferentes de infrações penais (ou delitos, ou crimes em sentido lato): crimes em sentido estrito – ofensas graves a interesses juridicamente protegidos de alto valor, de que resultam danos ou perigos próximos, a que a lei comina sanções igualmente mais gravosas; e contravenções – condutas menos graves, apenas reveladoras de perigo, a que a lei comina sanções de pequena monta (cf. José Afonso, 2004, p. 304-305).

Na esfera penal o princípio da legalidade se faz presente com intensidade máxima, somente sendo admissível o enquadramento de determinada conduta como delito penal (tipicidade) se a conduta for legalmente proibida e violar a norma [02], lesionando o bem jurídico tutelado (tipicidade penal) (cf. Zaffaroni et al, 2004, p. 435-436); da mesma forma, somente há apenamento para a conduta, se houver prévia cominação em lei.

A responsabilização penal se restringe às sanções próprias do Direito Penal, que têm por fim último a prevenção e a retribuição do ato-fato criminoso e, principalmente, segundo a orientação legislativa corrente, a ressocialização do infrator, i.e., sua readequação social, visando a estabilidade social, economicamente viável e pacífica (Darlan Bittercourt et al, 1997, p. 57).

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2. Responsabilidade administrativa

A responsabilidade administrativa resulta de infração a normas administrativas, sujeitando o infrator a uma sanção de natureza também administrativa; ela se fundamenta na capacidade que as pessoas jurídicas de direito público têm de impor condutas ao administrado – é o poder administrativo, inerente à Administração dos entes políticos, nos limites das respectivas competências institucionais (cf. José Afonso, 2004, p. 301; Hely Lopes Meirelles, 1996, p. 101).

Dentre esses poderes, é de especial interesse o poder de polícia administrativa, "que a Administração Pública exerce sobre todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade" (Hely Lopes Meirelles, 1996, p. 114). Todos os entes estatais possuem poder de polícia referentemente à matéria que lhes cabe regular.

Tanto o direito penal como o direito administrativo, no que se refere aos poderes disciplinar e de polícia, são direitos sancionatórios, veiculados por meio de ações condenatórias, distinguindo-se pela natureza das sanções e pelos fins que cada um persegue. [03] Assim, tal como na esfera penal, entende-se que a sanção administrativa de natureza punitiva não deve passar ao sucessor do infrator (CF 5º, XLV), transmitindo-se tão somente a sanção de natureza reparatória (cf. Régis de Oliveira, 2005, p. 35.).

Para Goldschmidt (apud Régis de Oliveira, 2005, p. 46-47), definindo pena e sanção administrativa por sua essência,

"delito administrativo será somente o descumprimento de uma obrigação positiva que o cidadão tem para com a Administração enquanto membro da sociedade e, portanto, enquanto parte desta Administração".

A aplicação de sanção administrativa, tal como a penal, deve necessariamente ser precedida de processo administrativo, onde haverá contraditório e ampla defesa, observando-se o devido processo legal (CF, art. 5º, LV).


3. Responsabilidade civil

A responsabilidade civil impõe ao agente a obrigação legal de tornar indene a vítima do dano, i.e., reparar o dano ou ressarcir o prejuízo causado por sua conduta antijurídica.

Hoje, ao contrário do que lecionava a doutrina clássica, o dano a ser reparado não será necessariamente da ordem patrimonial, ainda que, para fins de indenização, possa ser expresso em valores monetários.

Na responsabilidade civil encontramos o regime menos estrito de todos, enquanto na responsabilidade penal, e administrativa, via de regra somente se sanciona o dolo, e excepcionalmente a culpa, para a responsabilidade civil bastava a caracterização da culpa, sendo desnecessária a demonstração do dolo.

Partindo de um sistema onde a regra era a responsabilidade subjetiva, a evolução levou à ampla aceitação da idéia de responsabilidade objetiva para casos determinados a partir da previsão casos específicos de presunção de culpa e de responsabilidade sem culpa.

Atualmente, o nosso sistema agasalha um sistema que vem sendo chamado de dúplice, com duas regras gerais: uma de responsabilidade subjetiva (CC, art. 186) e outra de responsabilidade objetiva (art. 927, §ú).


4. Bibliografia

BELEZA, Tereza Pizzaro. Direito penal, vol. 1. 2ª ed., Lisboa: AAFDL, 1985.

BITTENCOURT, Darlan Rodrigues; MARCONDES, Ricardo Kochinski. Lineamentos da responsabilidade civil ambiental. In: Revista dos tribunais, n. 740. São Paulo: RT, jun/1997. p. 53-95.

BROSSARD, Paulo. O impeachment. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1964.

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1960. 2v.

FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis. Ed. fac-similar, Brasília: Senado Federal, 2003. 2v.

GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal, vol. 1, t. 1. 4ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1968,

MAZEAUD, Henri; MAZEAUD, Léon. Traité théorique et pratique de la responsabilité civile délictuelle et contractuelle. Paris: Recueil Sirey, 1931. 3v.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 21ª ed. atual. por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle F.º, São Paulo: Malheiros, 1996.

MELLO. Marco Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 12ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003.

NORONHA, E. Magalhães. Direito penal, vol. 1. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 1967.

OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e sanções administrativas. 2ª ed., São Paulo: RT, 2005.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituïção de 1967 com a emenda nº 1 de 1969, vol. III. 2ª ed., São Paulo: RT, 1970.

SILVA, Germano Marques da. Direito penal português, v. 1. 2ª ed., Lisboa: Verbo, 2001.

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 2004.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro – parte geral. 5ª ed., São Paulo: RT, 2004.


Notas

  1. Há ainda quem fale em responsabilidade política quanto aos crimes de responsabilidade e, nos sistemas parlamentaristas, à moção de desconfiança, p. ex.. Esta última é completamente não-jurídica, e não tem qualquer relação com a categoria ora estudada. Já quanto ao crime de responsabilidade, não é pacífica a sua natureza; prevalecem os entendimentos de que seja de natureza política (Brossard, 1964), criminal (Pontes de Miranda, 1970, p. 355), ou ainda mista (José Frederico Marques, apud Brossard, p. 64). A primeira nos parece descabida, pois ainda que quando julgado pelo Legislativo a decisão seja insindicável em seu mérito, somente terá cabimento a condenação quando fundamentada em uma das hipóteses previstas em lei (Lei nº 1079/1950 e Dec.-Lei nº 201/1967), além de prever sanções que não apenas a perda do cargo público, diversamente da verdadeira responsabilidade política, que não pressupõe ilícito e nem dano, e que tem como única conseqüência a perda do cargo político.
  2. O termo norma é utilizado como o resultado do diálogo entre as regras proibitivas e as preceptivas e fomentadoras de determinada conduta, i.e, verifica-se se o bem lesado estava juridicamente protegido no caso concreto.
  3. Cf. Germano Marques da Silva, 2001, p. 144. Ainda segundo o mesmo autor, "as sanções disciplinares têm fins idênticos às das penas criminais; como elas reprovam e procuram prevenir faltas idênticas por parte de quem quer que seja obrigado a deveres disciplinares e especialmente daquele que os violou. Mas aquelas sanções têm essencialmente em vista o interesse da função que defendem e a sua actuação repressiva e preventiva é condicionada pelo interesse dessa função, por aquilo que mais convenha ao seu desempenho actual e futuro" (p. 145). "Tendo embora um carácter menos agressivo que o direito penal, o direito disciplinar integra-se com ele e com alguns outros ramos (como o direito de mera ordenação social, o direito penal administrativo ou o chamado direito penal económico) num género mais vasto a que costuma chamar-se ‘direito repressivo’ ou, menos enfaticamente, ‘direito sancionatório de carácter punitivo’. Este ramo mais vasto é naturalmente dominado pelas ideias e princípios do direito penal, por ser ele a espécie mais trabalhada. É por isso que a doutrina, ainda que com resistências esporádicas, tem defendido a aplicação, adaptada, de tais ideias e princípios ao direito disciplinar" (Teresa Pizarro Beleza, 1985, p. 61).
Sobre o autor
Marcelo Azevedo Chamone

Advogado, Especialista e Mestre em Direito, professor em cursos de pós-graduação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAMONE, Marcelo Azevedo. Os diversos tipos de responsabilidade jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1900, 13 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11725. Acesso em: 22 dez. 2024.

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