IX. Dos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional relativos à reforma do CPP
Analisando estudo [20] realizado pela senhora Edilenice Passos, mestre em biblioteconomia e documentação, servidora da secretaria de informação e documentação do Senado Federal – constatamos que existem 184 (cento e oitenta e quatro) projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional relativos à reforma do CPP.
Compulsando – uma a uma – todas as ementas dos projetos, verificamos que não existe nenhuma linha filosófica ou mesmo dogmática de trabalho entre elas, razão pela qual, inclusive, foi instituída, no âmbito do Senado Federal, Comissão de Juristas para a reforma do Código de Processo Penal e tentativa de consolidação das principais propostas apresentadas, dentro, supomos, de uma linha unitária de pensamento.
Certo é que, até a criação da Comissão, ainda não se podia verificar nenhuma linha específica de atuação.
Nesse particular, uma vez mais lançamos mão da pertinente doutrina do professor Guilherme de Souza Nucci.
Ao apresentar a recentíssima 8ª edição de seu Código de Processo Penal comentado [21], e tecendo uma crítica análise acerca das leis processuais reformadoras, leciona o eminente professor:
"Quanto ao capítulo das provas, a Lei 11.690/08 introduziu algumas modificações importantes. Outras, lamentavelmente, restaram incompletas. Inseriu-se, como meta, a formação da convicção do juiz em função das provas produzidas sob o crivo do contraditório, mas não se impediu, completamente, o uso das provas colhidas na fase investigatória. Concedeu-se ao magistrado maior poder de instrução, autorizando-o a determinar, de ofício, a realização da produção antecipada de provas antes mesmo do início da ação penal.
(...)
Sem dúvida, houve modificações positivas, mas também a introdução de fatores contestáveis, ao menos no tocante à concretude no âmbito da prática forense. Porém, reformas estão sujeitas a equívocos, embora precisem ser realizadas. Aguarda-se que, com o passar do tempo, os operadores do Direito consigam aperfeiçoar, no dia-a-dia, os novos institutos recém criados pela reforma processual penal de 2008" (grifei).
Ora, se a reforma ampliou os poderes instrutórios do Juiz – e efetivamente os ampliou (!), inclusive na fase pré-processual – como imaginar que tenha, de algum modo, mitigado esses mesmos poderes no curso da ação penal – sendo certo que o magistrado é – nos dizeres do professor Fernando Tavernard – o dominus processus?
Nunca é demais lembrar que a única e definitiva missão do Juiz no curso de qualquer processo – civil ou criminal – é o da descoberta da verdade materialmente possível e o da aplicação da lei ao caso concreto, de acordo com essa descoberta.
Nada mais. Nada menos.
E o único modo de descobrir a verdade materialmente possível e julgar de acordo com os milenares e universais princípios de sabedoria, justiça, eqüidade, temperança, razoabilidade e proporcionalidade, é lhe permitindo o exercício de seus poderes instrutórios, necessários e suficientes, para que possa se desincumbir da difícil tarefa de pacificação social com Justiça.
X. Da mensagem n. 350, de 09 de junho de 2008 – O veto Presidencial
Para uma análise conglobante da matéria tratada no presente estudo, não se pode olvidar da mensagem n. 350, de 09 de junho de 2008, que comunicou o Veto do Excelentíssimo Senhor Presidente da República ao §4º do art. 157 do CPP, dispositivo este que tentava introduzir característica do sistema acusatório estrangeiro no ordenamento jurídico-penal brasileiro.
Dizia o vetado dispositivo:
"§4º. O juiz que conhecer do conteúdo de prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão." (NR)
Ao vetar referido dispositivo – e reafirmar indelevelmente que o sistema adotado no Brasil ainda é, nos dizeres do professor Nucci, o inquisitivo garantista ou misto – Sua Excelência esclareceu, dentre outros aspectos, qual era a real intenção da mini-reforma:
"O objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser, eventualmente, substituído por um outro que nem sequer conhece o caso."
Ora, se o objetivo primordial da reforma é imprimir celeridade e simplicidade, a própria discussão acerca da eventual alteração na ordem de inquirição das testemunhas já violaria, flagrantemente, tal objetivo, eis que não há nada mais formal do que impedir o Julgador de realizar suas indagações no momento processual que achar mais adequado e também não há nada que emperre mais uma audiência do que – ao invés do Juiz colher, diretamente, aquilo que ele acha importante para julgar – as partes tentarem "adivinhar" o pensamento do Juiz e ficarem formulando, durante um tempo incalculável, as perguntas que, acham, irão satisfazer o convencimento do magistrado.
Muito mais célere e simples que o próprio Juiz já faça suas perguntas e, na seqüência, as partes complementem com aquilo que entenderem relevante ao julgamento da causa como, efetivamente, determina a lei.
XI. Da necessária atenção que a sociedade deve ter com os relevantes trabalhos a serem desenvolvidos pela Comissão encarregada da reforma do código de processo penal: a importância do momento histórico
Curiosamente – e não obstante a reconhecida capacidade ética, moral e técnico-jurídica de todos os seus membros, a qual não se discute – verificamos que nenhum Juiz de Direito ou mesmo Desembargador com exercício e atuação efetiva em área criminal, fora convocado para participar de referida Comissão de Reforma do Código de Processo Penal [22].
Referidos membros são reconhecidos juristas, escritores e professores e, indubitavelmente, irão prestar efetiva e valorosa colaboração para o aprimoramento das leis processuais penais brasileiras.
Ocorre, entretanto, que não se afigura razoável – e muito menos produtivo – que em uma Comissão instituída pelo Poder Legislativo para reforma de leis processuais, onde os principais destinatários são os Órgãos do Poder Judiciário e, em especial, os magistrados criminais de primeiro e segundo graus, estes últimos não tenham sido convocados – em número proporcional – para auxiliar nos trabalhos.
Como imaginar a criação de um novo código de processo sem a participação efetiva dos seus principais destinatários?
Qual será o resultado, bem como a linha filosófico-dogmática, a ser adotada pela nova legislação?
Considerando, como já dito, que todos os integrantes da Comissão são juristas de renome, professores e escritores, importante analisar a origem profissional de cada um para verificarmos se há, ou não, um equilíbrio mínimo na saudável e indispensável representatividade do Poder Judiciário e das Instituições que integram e/ou interagem com o sistema de justiça brasileiro.
Verificando – por intermédio, exclusivamente, da biografia disponível no sítio eletrônico do Senado Federal – a origem profissional dos 09 (nove) integrantes da Comissão constatamos a absoluta preponderância na representatividade de algumas Instituições em franco detrimento da representatividade do Poder Judiciário [23].
Inevitável o seguinte questionamento:
Será que a participação efetiva e proporcional de Juízes e Desembargadores criminais na Comissão de reforma do CPP também violaria o sistema acusatório?
Ou então: deveria a atuação processual dos Juízes realmente ser relegada a plano secundário, assim como os magistrados parecem ter sido tratados no momento da composição da Comissão?
Pensamos que não.
Do mesmo modo como os poderes instrutórios do Juiz, em especial no curso da ação penal, em nada violam o sistema acusatório, também a participação efetiva de magistrados de primeiro e segundo graus, atuantes na área criminal estadual e federal, muito antes de prejudicar os trabalhos, certamente iria contribuir de forma decisiva para um efetivo aprimoramento das regras processuais penais e fortalecimento da Justiça Criminal.
Infelizmente, parece que alguns operadores do direito não pretendem apenas a limitação dos poderes instrutórios do Juiz no bojo das ações penais, mas sim – e o que é ainda mais preocupante – o paulatino e nefasto alijamento do Poder Judiciário na participação das políticas públicas relativas à consolidação do próprio Estado Democrático de Direito.
Quem ganhará (ou perderá) com isso?
Só a história nos dirá.
XII. Últimas Reflexões:
Em 08 de dezembro de 1908, THEODORE ROOSEVELT, célebre presidente norte-americano, enviou mensagem ao Congresso Americano com o seguinte teor:
"Os principais criadores do direito (...) podem ser, e freqüentemente são, os juízes, pois representam a voz final da autoridade. Toda vez que interpretam um contrato, uma relação real (...) ou as garantias do processo e da liberdade, emitem necessariamente no ordenamento jurídico partículas dum sistema de filosofia social; com essas interpretações, de fundamental importância, emprestam direção a toda atividade de criação do direito. As decisões dos tribunais sobre questões econômicas e sociais dependem da sua filosofia econômica e social, motivo pelo qual o progresso pacífico do nosso povo, no curso do século XX, dependerá em larga medida de que os juízes saibam fazer-se portadores duma moderna filosofia econômica e social, antes de que superada filosofia, por si mesma produto de condições econômicas superadas" [24].
Neste momento da história evolutiva do direito brasileiro, os Tribunais de 2º grau e, na seqüência, o Colendo Superior Tribunal de Justiça e o Excelso Pretório, uma vez mais estarão sendo chamados a decidir, verdadeiramente, os rumos da Justiça Criminal de nosso país.
A decisão a ser tomada certamente representará – como nos dizeres do presidente norte-americano – além de partículas dum sistema de filosofia social a própria direção de toda a atividade de criação do direito.
No presente artigo, procuramos demonstrar que a manutenção da ordem na coleta dos depoimentos das testemunhas – iniciando-se pelos questionamentos do magistrado – encontra-se lastreada na certeza de que as leis reformadoras não alteraram a ordem das perguntas durante as audiências; nas recentíssimas decisões do Excelso Supremo Tribunal Federal e do Colendo Superior Tribunal de Justiça; na doutrina, dentre outros, dos eminentes juristas e professores Ada Pellegrini Grinover, Alexandre Câmara, Fernando Tavernard, Guilherme de Souza Nucci, Juliano Nanuncio, Luiz Flávio Gomes, Marcos Antonio Santos Bandeira, Oriana Piske de Azevedo Magalhães Pinto, Rogério Sanches e Ronaldo Batista; bem como na constatação de que, muito ao revés de suprimir os poderes instrutórios do Juiz, a reforma processual veio ampliá-los, tudo com vistas a imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas conforme muito bem esclarecido pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República quando da mensagem de veto n. 350, de 09 de junho de 2008.
A toda evidência, a questão de fundo não é, meramente, quem deve iniciar formulando perguntas às partes.
Até porque, aderindo ao posicionamento de todos os eminentes juristas citados, parece-nos claro que a lei, em nenhum momento, alterou a ordem de quem deve iniciar perguntando, sendo que a alteração do art. 212 serviu para introduzir – em boa hora, diga-se – a possibilidade das partes formularem suas reperguntas diretamente às testemunhas, o que vêm sendo adotado pela imensa maioria dos Juízes criminais do DF (senão todos!).
O que se busca, ao que parece, com a tese de que o exercício dos poderes instrutórios do Juiz no curso da ação penal viola o sistema acusatório, é o primeiro passo para o completo afastamento do Juiz criminal de suas atuais funções, tanto no curso do processo quanto na fase pré-processual, reservando-lhe um lugar de mero espectador do duelo de partes, inerte e passivo, aguardando para ao final, na função de um mero árbitro-espectador que se contenta em, ficticiamente (ou formalmente), escolher entre a tese apresentada pela acusação e a tese apresentada pela defesa – as quais podem, efetivamente, não espelhar, nenhuma delas, a verdade dos fatos – proferir sua decisão.
Observe-se que retirar do Juiz a possibilidade de efetuar suas perguntas no momento em que achar mais oportuno e conveniente para o esclarecimento da verdade constitui-se, verdadeiramente, no primeiro e decisivo passo para retirar-lhe todos os seus poderes instrutórios e transformá-lo, como já dito, em um ser processual praticamente inanimado, limitado à tentativa de aplicar o direito ao caso concreto sem qualquer segurança, posto que estará tolhido em sua possibilidade de instruir os autos na busca da verdade materialmente possível.
Seria realmente essa a vontade do povo brasileiro traduzida pela voz dos membros do Congresso Nacional?
Seria realmente essa a forma de se entender o sistema processual penal brasileiro?
Estaria equivocada a moderna doutrina processual civil que prega – com absoluta coerência e acerto – a necessidade de reforçar a atuação instrutória do Juiz como forma de proferir decisões comprometidas com a verdade e, com isso, implementar políticas públicas capazes de transformar a realidade de nosso país?
Estariam equivocadas as vozes – inclusive advindas do Excelso Pretório – que sinalizam no sentido de o Poder Judiciário exercer a função de vetor de transformação social?
Estaria, realmente, a magistratura brasileira ainda impregnada de algum resquício de ranço inquisitivo oriundo da época das barbáries anteriores à idade das luzes?
O atual sistema acusatório-temperado (inquisitivo-garantista ou misto), indelevelmente recepcionado pela Constituição Cidadã de 1988, conforme reiteradas decisões da Corte Suprema, viola algum tipo de direito ou garantia fundamental da pessoa humana?
Questões dessa magnitude – e até maiores – são diuturnamente enfrentadas na grande maioria dos países ditos civilizados de nosso planeta, oportunidade em que o Judiciário, enquanto poder, realiza suas escolhas e define qual seu papel dentro da sociedade em que está inserido.
A esse respeito, inclusive, o festejado pensador italiano e professor Mauro Cappelletti [25] teve a oportunidade de escrever, pontuando, de forma absolutamente clara, as opções e conseqüências de cada escolha. Senão vejamos:
"Estamos, pois, em face de dois desenvolvimentos paralelos de grande alcance, cada um deles revelando os claros sintomas da profunda crise do nosso mundo contemporâneo. De um lado, existe o gigantismo do Poder legislativo, chamado a intervir ou a "interferir" em esferas sempre maiores de assuntos e de atividade; de outro lado, há o conseqüente gigantismo do ramo administrativo, profunda e potencialmente repressivo.
As sociedades mais sãs esforçaram-se e se esforçam por encontrar a cura desses desenvolvimentos, potencialmente patológicos. Não é este o lugar para o exame das várias tentativas realizadas e que continuam a se realizar em tal sentido: da descentralização legislativa à participação popular nos procedimentos decisórios da administração. Basta notar que, também para o judiciário, tais desenvolvimentos comportaram conseqüências importantes, sobretudo o aumento da sua função e responsabilidades. Pelo fato de que o "terceiro poder" não pode simplesmente ignorar as profundas transformações do mundo real, impôs-se novo e grande desafio aos juízes. A justiça constitucional, especialmente na forma do controle judiciário da legitimidade constitucional das leis, constitui um aspecto dessa nova responsabilidade. Como demonstrou a evolução de número crescente de países, no estado moderno o legislador-gigante não poderia mais, sem gravíssimos perigos, ser subtraído a controle.
(...)
Na verdade, talvez com a só exceção dos Estados Unidos, os tribunais judiciários mostraram-se geralmente relutantes em assumir essas novas e pesadas responsabilidades. Mas a dura realidade da história moderna logo demonstrou que os tribunais – tanto que confrontados pelas duas formas acima mencionadas do gigantismo estatal, o legislativo e o administrativo – não podem fugir de uma inflexível alternativa. Eles devem de fato escolher uma das duas possibilidades seguintes: a) permanecer fiéis, com pertinácia, à concepção tradicional, tipicamente do século XIX, dos limites da função jurisdicional, ou b) elevar-se ao nível dos outros poderes, tornar-se enfim o terceiro gigante, capaz de controlar o legislador mastodonte e o leviatanesco administrador.
a)Recaindo a escolha na primeira alternativa, a autoridade judiciária ficará confinada ao tranqüilo, embora apertado, campo das funções "protetoras" e "repressivas". A sua escolha não superará os que podem ser considerados, em sentido lato, conflitos que não envolvem as novas tarefas promocionais, agudas e usualmente discricionais do "Poder político" do estado. Foi o que ocorreu, em princípio (sem que se possam fazer agora as oportunas ressalvas e precisões), na Europa continental, tanto ocidental quanto oriental. Aqui, por outro lado, a autoridade judiciária, ou a ordre judiciaire, viu progressivamente diminuir a própria relevância político-social, motivo pelo qual se pode dizer, sem demasiado exagero, que, em face dos poderes legislativo e executivo, a sua impotência tornou a magistratura ordinária na débil e quase marginal "sobrevivente" de outros tempos. Contudo, existe também um dado da realidade em relação ao qual, mais cedo ou mais tarde, as várias sociedades serão levadas a reagir (e muitas de fato já reagiram com eficácia variada) a esta patológica situação de perigoso desequilíbrio no âmbito do sistema de poderes do estado. Gradualmente instituíram, ou estão instituindo, organismos quase-judiciários de natureza e denominação diversa – agências, conselhos, tribunais administrativos, "ombudsmen", árbitros e conciliadores e até "árbitros do estado" e similares – investidos de tarefa não exercida pela ordre judiciaire, ou seja, pela magistratura ordinária: exatamente o controle dos "poderes políticos" e, com isto, a proteção dos cidadãos e da sociedade em geral, contra os abusos daqueles.
(...)
b)Recaindo a escolha, pelo contrário, na segunda alternativa – como aconteceu, sempre em linha de princípio e com muitas alternâncias e variantes, em vários sistemas de "Common Law", especialmente nos Estados Unidos – assistir-se-á então ao emergir do judiciário como um "terceiro gigante" na coreografia do estado moderno. Os tribunais judiciários ordinários – o "ramo menos perigoso", segundo a célebre definição de Alexander Hamilton – passaram com audácia a aceitar a tarefa de ultrapassar o papel tradicional de decidir conflitos de natureza essencialmente privada. Todos os juízes, e não apenas alguns daqueles novos juízes especiais (ou "quase-judiciais"), tornaram-se, dessa maneira, os controladores não só da atividade (civil e penal) dos cidadãos, como também dos "poderes políticos", nada obstante o enorme crescimento destes no estado moderno, e talvez justamente em virtude desse crescimento.
Certamente, o surgimento de um dinâmico terceiro gigante, como guardião e controlador dos poderes políticos do novo estado leviatã, constitui por si mesmo um acontecimento não imune aos riscos de perversão e abuso. Existe, antes, certa semelhança entre esses riscos e os decorrentes de outras manifestações do gigantismo estatal, de natureza legislativa ou administrativa: riscos de autoritarismo, lentidão e gravosidade, de inacessibilidade, de irresponsabilidade, de inquisitoriedade policialesca. Nada obstantes, deve-se desde logo afirmar que, com relação ao poder judiciário, cuida-se de riscos menos graves, senão por outra razão porque, exatamente por sua própria natureza e estrutura, é o ramo "menos perigoso".
É inegável a confiança deste autor no sentido de que – independentemente da decisão a ser tomada – os Egrégios Tribunais de Justiça e Regionais Federais, bem como as Colendas Cortes Superiores de nosso país, irão, como de costume, dirimir mais esta questão com a serenidade, sensatez, temperança e sabedoria que lhes são peculiares e inerentes.
A opção escolhida irá definir os rumos da Justiça Criminal brasileira, bem como o verdadeiro papel do Juiz no Estado Democrático de Direito, papel esse que – certamente – será independente, destemido e rigorosamente desempenhado pelos julgadores nacionais, qualquer que seja a opção escolhida.
Por oportuno, e por questão de absoluta Justiça, imprescindível registrar que este autor vislumbra o Ministério Público e a Advocacia, pública ou privada, como duas das Instituições mais importantes para a consolidação do Estado Democrático brasileiro e para a garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana, funções essas que, sob nenhuma hipótese, serão mitigadas pela aplicação da lei na forma como determinado pelo atual ordenamento jurídico-penal brasileiro.
De todo modo, este autor também acalenta o sonho de que chegará o dia em que os Poderes e Instituições republicanas – bem resolvidos e conformados em seus relevantes e imprescindíveis papéis sociais – irão trabalhar imantados e focados na concretização de um mesmo e único ideal maior de construção de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, onde não mais se ouvirá falar do desrespeito dos direitos dos cidadãos; de homicídios covardes e desumanos (Ana Lídia, João Hélio, Isabela e tantos outros); de execuções de jovens e crianças nas escadarias da Candelária; de ondas de violência praticadas por inúmeras facções criminosas espalhadas pelo país; de seqüestro de bebês recém-nascidos em maternidades da Capital Federal e de outros Estados; de incineração de pessoas vivas em via pública; de extorsões mediante seqüestro onde os algozes, covardemente, estupram e matam suas vítimas; de denúncias de toda a sorte de corrupção em todas as esferas de Poder; de grampos ilegais na Corte Suprema, enfim, não mais se ouvirá falar da quantidade desmesurada de mazelas que há séculos assola nosso país.
Quando chegarmos a esse ideal, talvez possamos, verdadeiramente, iniciar a construção de uma sociedade justa, livre e igualitária, garantindo o desenvolvimento nacional por intermédio da erradicação da pobreza e da marginalização, bem como reduzindo as desigualdades sociais e regionais, promovendo – ao fim e ao cabo – o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.