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A reforma processual penal de 2008 e a ordem de inquirição das testemunhas após a novel redação do art. 212 do CPP

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O novel art. 212 do CPP não determina, em nenhum momento, que o Juiz deixe de iniciar a coleta da prova oral para exercer função meramente supletiva no curso da ação penal.

I. Introdução

Previa o art. 212 do Decreto-Lei n. 3.689/1941 (Código de Processo Penal), em sua redação original:

Art. 212. As perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida.

Com o advento da Lei Federal n. 11.690, de 09 de junho de 2008, referido dispositivo legal passou a ter a seguinte redação:

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.

Após a entrada em vigor da legislação reformadora, alguns estudiosos começaram a defender a interpretação de que o magistrado criminal estaria impedido de iniciar a inquirição das testemunhas podendo, tão-somente e ao final, complementar a inquirição sobre pontos não esclarecidos.

Desse modo, passaram a sustentar, ainda, que caso o Juiz inicie a oitiva das testemunhas, estará incorrendo em error in procedendo e violando o sistema acusatório previsto no art. 129, inciso I, da CF/88, o que ensejaria o cabimento de reclamação face à ausência de previsão de outro recurso para a espécie.

Em apertada síntese, os argumentos – equivocados, conforme procuraremos demonstrar – mais comuns dos defensores de tal pensamento são os seguintes:

1. O ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema acusatório desde a Constituição Federal de 1988 (art. 129, I);

2. Os poderes instrutórios do Juiz no processo penal devem se limitar a uma atuação meramente suplementar;

3. O novo art. 212 do CPP alterou a ordem das perguntas entre partes e Juiz para que aquelas perguntem antes deste;

4. É equivocada a interpretação daqueles que argumentam que a única alteração do dispositivo foi permitir as perguntas diretas, sem alterar a ordem da inquirição;

5. Existe claro ranço inquisitivo no direito processual penal brasileiro eis que o CPP de 1941 foi concebido sob as luzes, dentre outras, das Ordenações Portuguesas;

6. A vontade da lei foi a de implantar um sistema garantista que assegurasse a imparcialidade do Juiz e a vontade do legislador foi a de permitir que, primeiro, as partes pudessem perguntar e, após, o Juiz teria a iniciativa probatória suplementar;

7. A reforma teve como objetivo assegurar a implantação do sistema acusatório puro;

8. A legislação infraconstitucional deve ser interpretada para dar o máximo de efetividade possível às normas constitucionais;

9. Haverá um prejuízo presumido e, conseqüentemente, a nulidade absoluta dos depoimentos colhidos caso a interpretação defendida para o novel art. 212 não seja observada.


II. O novel art. 212 do CPP e sua interpretação literal e doutrinária

Pela leitura dos dispositivos constantes da Lei Federal n. 11.690/2008, percebe-se claramente que o novel art. 212 do CPP não determina, em nenhum momento, que o Juiz deixe de iniciar a coleta da prova oral para exercer função meramente supletiva no curso da ação penal.

Em sentido diametralmente oposto, temos que a nova redação, em especial em seu parágrafo, veio apenas reforçar a possibilidade de o Juiz, além de iniciar a tomada dos depoimentos (como, aliás, lhe é expressamente determinado, sistematicamente, pelos artigos 185, 188, 201 e 473 do CPP, dentre outros), também poder, após a inquirição das partes, formular perguntas complementares para o melhor esclarecimento da verdade material.

Nesse norte, ao analisar a nova redação do art. 212 do CPP e seu parágrafo único, o magistrado paulista – referência do moderno direito processual penal brasileiro – professor Guilherme de Souza Nucci [01], afirma:

"69. Reperguntas diretas às testemunhas: a Lei 11.690/2008 eliminou o sistema presidencialista de inquirição das testemunhas, vale dizer, todas as perguntas, formuladas pelas partes, deviam passar pelo juiz, que as dirigia a quem estivesse sendo ouvido. Em outros termos, antes da reforma processual, quando a parte desejasse fazer uma repergunta, dirigiria a sua indagação ao magistrado que a transmitiria à testemunha, com suas próprias palavras. De fato, era um sistema vetusto e lento. Afinal, a testemunha havia entendido perfeitamente o que fora perguntado pela acusação ou pela defesa, bastando-lhe responder. Mesmo assim, era orientada a esperar que o magistrado repetisse a tal pergunta para que, então, pudesse dar sua resposta. Tratava-se de uma precaução para que as partes não induzissem as testemunhas ou não fizessem indagações despropositadas ou ofensivas. De todo modo, o sistema era anacrônico. Imaginemos a modernidade do processo informatizado, com os depoimentos colhidos em fita magnética. Para que ouvir duas vezes a mesma indagação? Desnecessário. Basta que a parte faça a repergunta diretamente à testemunha. Se houver alguma pergunta indevida, deve o juiz indeferi-la. Para isso, está o magistrado presente, controlando os atos ocorridos em audiência, sob sua presidência.

Tal inovação, entretanto, não altera o sistema inicial de inquirição, vale dizer, quem começa a ouvir a testemunha é o juiz, como de praxe e agindo como presidente dos trabalhos e da colheita da prova. Nada se alterou nesse sentido. A nova redação dada ao art. 212 manteve o básico. Se, antes, dizia-se que "as perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha", agora se diz que "as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha (...)". Nota-se, pois, que absolutamente nenhuma modificação foi introduzida no tradicional método de inquirição, iniciado sempre pelo magistrado. Porém, quanto às perguntas das partes (denominadas reperguntas na prática forense), em lugar de passarem pela intermediação do juiz, serão dirigidas diretamente às testemunhas. Depois que o magistrado esgota suas indagações, passa a palavra à parte que arrolou a pessoa depoente. Se se trata de testemunha da acusação, começa a elaborar as reperguntas o promotor, diretamente à testemunha. Tratando-se de testemunha da defesa, começa a reinquirição o defensor, diretamente à testemunha. Após, inverte-se. Finalizadas as perguntas do promotor à testemunha de acusação, passa-se a palavra ao defensor ( se não houver assistente de acusação, que tem precedência). O mesmo se faz quando o defensor finaliza com a sua inquirição; passa-se a palavra ao promotor e, depois, ao assistente, se houver." (grifei)

E quanto ao preciosismo do legislador no tocante ao parágrafo único do novel art. 212 do CPP, o qual, juntamente com os demais artigos da mini-reforma processual, reafirma e amplia ainda mais os poderes instrutórios do juiz, arremata o mestre paulista [02]:

"Embora desnecessário o conteúdo do parágrafo único, por ser óbvio, pode o magistrado continuar a perguntar à testemunha, mesmo quando as partes finalizem suas questões, caso não esteja satisfeito com as respostas dadas, em especial no tocante aos pontos não esclarecidos pela pessoa depoente."

Observe-se que o fortalecimento dos poderes instrutórios do Juiz também faz parte da mais moderna e crescente doutrina processual civil mundial a qual – após muitas e muitas décadas sustentando que o julgador não deveria influir na instrução probatória, acabou por compreender a legitimidade democrática da atribuição de tais poderes ao Juiz, o qual, antes de quedar-se inerte e passivo, como mero espectador de um duelo das partes, deve, sim, assumir uma posição de protagonista e dirigir realmente o processo, determinando a prática de todos os atos que se façam necessários para que a prestação jurisdicional possa se dar da melhor forma possível.

Nesse sentido é a lição do respeitado processualista e professor Alexandre Câmara [03]. Vejamos:

"A possibilidade de o juiz determinar a produção de provas de ofício está intimamente ligada à evolução do direito processual, que não mais admite um juiz passivo. Exige-se um julgador participante, que dirija realmente o processo, determinado a prática de todos os atos que se façam necessários para que a prestação jurisdicional possa se dar da melhor forma possível. Assim é que a determinação judicial para que se produza certa prova não deve ser considerada como meramente livre, desde o início do processo, e sejam as partes atuantes ou não neste sentido, para determinar a produção dos meios probatórios necessários à formação de seu convencimento.

Diverge, profundamente, a doutrina moderna acerca da possibilidade de o juiz, em um processo civil democrático, determinar ex officio a produção de provas. Não tenho, porém, qualquer dúvida em afirmar a legitimidade democrática da atribuição de tais poderes ao juiz. Como já tive oportunidade de sustentar em passagem anterior destas Lições, em um Estado que tenha a configuração do brasileiro, que busca a transformação da realidade social através da implementação de políticas públicas, o processo civil (microcosmo desse Estado) dever ser, também, ativo, cabendo ao juiz a implementação dessas políticas e a busca de decisões verdadeiras (isto é, comprometidas com a verdade). Assim, é preciso reconhecer o poder do juízo de determinar, de oficio, a produção das provas que sejam necessárias para que o juiz encontre a verdade e atue, corretamente, a vontade concreta do ordenamento jurídico." (grifei)

Assim, dentro da moderna teoria (e necessidade!) de fortalecimento dos Órgãos do Poder Judiciário como forma de se buscar decisões comprometidas com a verdade real e que sirvam para, verdadeiramente, ajudar a transformar a realidade social de nosso país [04], a correta interpretação do parágrafo único do art. 212 parece ser, de fato, aquela que apenas reafirma a possibilidade de o Juiz, após colher o depoimento das testemunhas e passar a palavra ao Ministério Público e à Defesa para que formulem suas perguntas diretamente, também poder, ao final, complementar a inquirição para dirimir qualquer dúvida que eventualmente ainda paire nos autos.

Ademais, como imaginar que, no processo civil (que cuida de matéria eminentemente privada), os doutrinadores defendam uma maior participação da autoridade judiciária na coleta de provas e na busca da verdade materialmente possível e, no processo penal (que trata de matéria eminentemente pública), tal atuação passe a ser vedada, reservando ao Juiz um papel de mero espectador do duelo das partes?

Nesse particular, interessante notar que a tese dos que defendem posição contrária também esbarra na lição de outros grandes processualistas penais brasileiros.

A professora Ada Pellegrini Grinover, titular da cadeira de direito processual penal da Universidade de São Paulo, reconhecidamente uma das maiores defensoras da introdução do sistema acusatório no ordenamento jurídico-penal brasileiro, possui entendimento diametralmente oposto ao daqueles que defendem a supressão dos poderes instrutórios do Juiz no processo penal.

Não obstante ser considerada como uma das idealizadoras das reformas processuais penais que ora estão se incorporando no ordenamento jurídico-penal brasileiro, a mestra da USP, ao analisar a iniciativa instrutória do Juiz no processo penal acusatório, afirma [05]:

"A observância das normas jurídicas postas pelo direito material interessa à sociedade. Por via de conseqüência, o Estado tem que zelar por seu cumprimento, uma vez que a paz social somente se alcança pela correta atuação das regras imprescindíveis à convivência das pessoas. Quanto mais o provimento jurisdicional se aproximar da vontade do direito substancial, mais perto se estará da verdadeira paz social.

Trata-se da função social do processo, que depende de sua efetividade. Nesse quadro, não é possível imaginar um juiz inerte, passivo, refém das partes.

Não pode ele ser visto como mero espectador de um duelo judicial de interesse exclusivo dos contendores. Se o objetivo da atividade jurisdicional é a manutenção da integridade do ordenamento jurídico, para o atingimento da paz social, o juiz deve desenvolver todos os esforços para alcançá-lo. Somente assim a jurisdição atingirá seu escopo social.

O papel do juiz, num processo publicista, coerente com sua função social, é necessariamente ativo. Deve ele estimular o contraditório, para que se torne efetivo e concreto. Deve suprir às deficiências dos litigantes, para superar as desigualdades e favorecer a par condicio. E não pode satisfazer-se com a plena disponibilidade das partes em matéria de prova.

Nessa visão, que é eminentemente política, é inaceitável que o juiz aplique normas de direito substancial sobre fatos não suficientemente demonstrados. O resultado da prova é, na grande maioria dos casos, fator decisivo para a conclusão última do processo. Por isso, deve o juiz assumir posição ativa na fase instrutória, não se limitando a analisar os elementos fornecidos pelas partes, mas determinando sua produção, sempre que necessário.

Ninguém melhor do que o juiz, a quem o julgamento está afeto, para decidir se as provas trazidas pelas partes são suficientes para a formação de seu convencimento. Isto não significa que a busca da verdade seja o fim do processo e que o juiz só deva decidir quando a tiver encontrado. Verdade e certeza são conceitos absolutos, dificilmente atingíveis, no processo ou fora dele.

Mas é imprescindível que o juiz diligencie a fim de alcançar o maior grau de probabilidade possível. Quanto maior sua iniciativa na atividade instrutória, mais perto da certeza ele chegará.

O juiz deve tentar descobrir a verdade e, por isso, a atuação dos litigantes não pode servir de empecilho à iniciativa instrutória oficial. Diante da omissão da parte, o juiz em regra se vale dos demais elementos dos autos para formar seu convencimento.

Mas, se os entender insuficientes, deverá determinar a produção de outras provas, como, por exemplo, ouvindo testemunhas não arroladas no momento adequado. Até as regras processuais sobre a preclusão, que se destinam apenas ao regular desenvolvimento do processo, não podem obstar ao poder-dever do juiz de esclarecer os fatos, aproximando-se do maior grau possível de certeza, pois sua missão é pacificar com justiça. E isso somente acontecerá se o provimento jurisdicional for o resultado da incidência da norma sobre fatos efetivamente ocorridos." (grifei)

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Também o renomado jurista Luiz Flávio Gomes e os festejados professores e membros do Ministério Público de São Paulo, Rogério Sanches e Ronaldo Batista, afirmam com absoluta lucidez, que a nova redação do art. 212 do CPP em nada deve alterar a ordem das perguntas em audiência. Peço vênia para transcrever excertos de um dos primeiros livros editados a respeito das reformas processuais penais. Senão vejamos:

"A leitura apressada deste dispositivo legal pode passar a impressão de que as partes devem, inicialmente, formular as perguntas para que, somente a partir daí, possa intervir o juiz, a fim de complementar a inquirição. Não parece ser exatamente assim. Basta ver, por exemplo, a redação do art. 188 do CPP, a determinar que, no interrogatório, de início as perguntas são formuladas pelo juiz que, depois, consultará às partes se há algo a ser esclarecido. E mesmo a atual redação do art. 473 do CPP, que, no plenário do júri, determina a primazia do juiz de colher o depoimento da vítima e das testemunhas, para depois facultar às partes a formulação de perguntas. Afrontaria mesmo nossa tradição conceder-se, desde logo, a palavra às partes, para que o juiz, por último, pudesse perguntar á testemunha. Melhor que fiquemos com a fórmula tradicional, arraigada na "praxis" forense, pela qual o juiz dá início às suas indagações para, depois, facultar às partes a possibilidade de, também, inquirirem a testemunha, desta feita diretamente, sem a necessidade de passar, antes pelo filtro judicial". [06]

No mesmo sentido, ainda, é o entendimento do culto professor e colega de magistratura do Distrito Federal e Territórios, Dr. Fernando Tavernard, o qual, ao analisar a nova redação do art. 212 do CPP, destaca sua visão sistêmica a respeito das mudanças introduzidas pela reforma, em especial o fato de que a lei reformadora em nada modificou a ordem das perguntas às partes, entendimento esse que ratifica e autoriza – na esteira do pensamento de Ada Pelegrini Grinover, Alexandre Câmara, Guilherme de Souza Nucci, Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches e Ronaldo Batista – a interpretação que estamos a adotar. Vejamos excertos de seu artigo [07]:

"(...) Em interpretação preliminar (literal), ter-se-ia a idéia de que o julgador apenas indagaria a testemunha após a inquirição primária da promotoria criminal ou do querelante e da defesa, e mesmo assim de modo complementar, como se estivesse eqüidistante da produção probatória, entregue principalmente às partes (sistema acusatório puro).

Ledo engano. A cogitada norma não inverteu a ordem procedimental. Acentuou tão-somente a conveniência da perquirição ser também conduzida pelos próprios interessados na melhor exploração dessa específica prova subjetiva, quer dizer, retirou o obstáculo (incondicional intermediação do juiz) que não raro constituía imediata repetição de pergunta bem inteligível. Deixou o magistrado de ser "intérprete" das partes para a testemunha e vice-versa. Agora a comunicação entre o inquirido e os demais sujeitos da relação processual (inclusive o assistente da acusação) é plena, mas sob a fiscalização judicial que vetará indagação impertinente (induzir resposta, sem relação com a causa ou repetição de outra já respondida).

É de se pontuar que, fossem as partes os primeiros inquiridores, não faria sentido a não admissão de pergunta "já respondida" (controle judicial), se tivermos em mente a prematura perquirição da testemunha de acusação pela própria promotoria criminal ou querelante.

De outro ângulo, a norma situa-se no capítulo atinente à prova e não ao procedimento. Aliás, tanto no rito ordinário quanto no sumário, a ordem de produção da prova subjetiva em única audiência é a seguinte: oitiva do ofendido, inquirição das testemunhas da acusação e depois as da defesa, esclarecimentos dos peritos (e dos assistentes técnicos), acareações, reconhecimento de pessoas e interrogatório (CPP, artigos 400 e 531).

Nas perguntas direcionadas aos ofendidos, peritos, assistentes técnicos e acusados não foi contemplada a "primária" inquirição direta pela promotoria criminal ou pelo querelante ou pelo defensor. Por sinal, no interrogatório, as partes questionam o réu após o julgador (CPP, artigo 188), o que afasta a idéia de absoluta adaptação - dos mencionados ritos - ao sistema de catalogação da prova em depoimento cruzado (cross-examination norte-americano ou verhören alemão).

Ademais, outros imbróglios surgiriam a fortalecer a conveniência da homogênea tomada dos depoimentos primeiramente pelo magistrado: a) testemunha do juízo e/ou referida (indicada intempestivamente a pedido das partes ou por insistência do juiz após a desistência da respectiva parte); b) acareação entre testemunhas da acusação e da defesa ou entre testemunhas comuns (arroladas pelas partes) ou entre acusado e testemunha; c) direito do assistente da acusação à inquirição direta, como parte coadjuvante da promotoria criminal, mas com interesse imediato à reparação dos danos (CPP, artigo 63, parágrafo único); d) réus com defensores diversos e a factível insistência de perguntas desviantes a recomendar freqüente atuação controladora do juiz, especialmente nas ações privadas; e) risco de malogro do reconhecimento de pessoa em audiência, por condução inadequada da inquirição direta pela parte.

A interferência complementar judicial a que alude o parágrafo único do artigo 212 do CPP se operaria na perquirição isolada de cada testemunha, exatamente para que o magistrado não perca o enredo e possa esclarecer imediatamente o ponto duvidoso, sobretudo em virtude da possibilidade de gravação dos depoimentos (CPP, artigo 405 e parágrafos).

Entrementes, é o juiz quem adverte o sujeito acerca do falso testemunho e conhece da contradita formulada pelas partes (CPP, artigos 210 e 214). E para que a testemunha não se assuste com o súbito "despejo" de expressões jurídicas em prol da (i)doneidade do depoimento primeiramente a ser tomado pela promotoria criminal, querelante ou defensor e também para se obviar nulidades em razão das citadas situações processuais (v.g. inversão da ordem da indagação "primária"), mais prudente que a produção originária desse meio de prova seja efetuada pelo dominus processus.

Assim se facilitaria o controle das perguntas impertinentes e se impediriam a alternância de iniciativa na perquirição e, conseqüentemente, a assimétrica condução e realização da única audiência instrutória (ora o juiz começaria a tomada do depoimento, ora as partes). Prestigia-se, pois, a harmonia procedimental: inquirição primária pelo destinatário da prova (julgador - CPP, artigo 251) e, ato contínuo, os questionamentos diretamente formulados pelas partes (promotoria criminal, assistente da acusação, querelante, defensor).

Por fim, não se revelaria absolutamente incompatível ao processo penal a adoção pontual da inquirição direta do ofendido, peritos, assistentes técnicos e acusado, desde que posteriormente à perquirição judicial e com a prévia solicitação e/ou anuência das partes (CPP, artigos 3º, 212, 563 e 565)". (grifei)

Também o eminente magistrado e coordenador de prática processual penal da Escola da Magistratura do Paraná, núcleo de Cascavel/PR, professor Juliano Nanuncio, ratifica, integralmente, o entendimento de que o art. 212 do CPP não alterou a ordem das perguntas a serem formuladas às testemunhas bem como que o fato de o Juiz iniciar a inquirição das testemunhas não fere o sistema acusatório. Vejamos fragmentos de suas lições [08]:

"Não me parece, contudo, que o novo artigo 212 do Código de Processo Penal tenha por escopo que as partes inicialmente devam formular as perguntas, mudando-se a sistemática sempre adotada em audiência, tampouco que a circunstância de o juiz continuar a formular perguntas de início constitua atentado ao sistema acusatório, prejuízo à imparcialidade do julgador e, por conseguinte, inobservância a princípios esculpidos na Constituição da República.

Tenho para mim que, se assim fosse, com o advento da Constituição da República, automaticamente o antigo artigo 212 do Código de Processo Penal já deveria ter sido interpretado de forma distinta, porquanto basta a leitura daquele para verificar não se estabelecer que o juiz formule primeiro as indagações para depois as partes requererem as perguntas, de modo que, a meu ver, nada se alterou nesse aspecto.

Por outro lado, a circunstância de o magistrado continuar a indagar primeiramente não constitui afronta ao sistema acusatório, porquanto, do contrário, parece-me que se está a dizer que o julgador, na busca da prova, necessariamente, substitua-se ao acusador ou investigador, implicando-se autoritarismo e parcialidade em seu agir.

(...)

Igualmente, calcar-se o entendimento de uma "nova atuação do juiz" com fundamento no parágrafo único do artigo 212 do Código de Processo Penal não me parece a exegese mais consentânea com o espírito do legislador.

Reputo, ao contrário, que o referido parágrafo, ao dispor que o juiz poderá complementar a inquirição sobre pontos não esclarecidos, apenas realça a importância do julgador na condução do ato, prevendo expressamente aquilo que já costumeiramente se fazia nas audiências, vale dizer, surgindo fatos novos com as respostas feitas pelas indagações das partes, o magistrado poderá intervir, fazendo novas perguntas a respeito, em busca da tão propalada verdade real, não como um inimigo do acusado, com a exclusiva preocupação de angariar componentes para uma condenação, ao contrário dos modelos de índole inquisitória, porém como um julgador que poderá, ao final, decidir com segurança e imparcialidade, diante de elementos probatórios devidamente esmiuçados e submetidos aos crivos do contraditório e da ampla defesa, lembrando-se também da importância que isso representa ao princípio da identidade física do juiz, finalmente e felizmente adotado pelo Código de Processo Penal (artigo 397, § 2º, do Código de Processo Penal), o que reforça a tese de que uma interpretação sistemática não autoriza a conclusão inicialmente mencionada acerca da alteração da ordem na formulação das perguntas, deixando-se, por assim dizer, com tal entendimento, o juiz em último plano.

(...)

Sabido é que a lei não contempla palavras inúteis. Por conseguinte, se o legislador realmente objetivasse a alteração propalada por alguns na condução da audiência das testemunhas, tenho que o mencionado parágrafo deveria contemplar que o juiz somente poderá complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos. Isso, claro está, não é o caso, de sorte que nem mesmo uma interpretação teleológica permitiria conclusão diversa."

Dessa forma, considerando que a nova redação do art. 212 do CPP não promoveu nenhuma alteração sistêmica do direito processual penal brasileiro, em especial diante do fato de que todos os demais artigos do código de processo penal continuam determinando – expressamente na maioria dos casos – que o Juiz seja o primeiro a interrogar o denunciado, bem como o primeiro a tomar o depoimento dos ofendidos, acareados, peritos, assistentes técnicos e testemunhas, correta a decisão do magistrado que inicia a coleta das provas testemunhais na audiência de instrução e julgamento.

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Sobre o autor
Pedro de Araújo Yung-Tay Neto

Juiz de Direito titular da 2ª Vara Criminal de Ceilândia (DF). Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

YUNG-TAY NETO, Pedro Araújo. A reforma processual penal de 2008 e a ordem de inquirição das testemunhas após a novel redação do art. 212 do CPP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1902, 15 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11732. Acesso em: 22 nov. 2024.

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