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A interpretação da parte final do art. 129 da Lei nº. 8.112/1990.

Caráter discricionário da pena de suspensão

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Agenda 17/09/2008 às 00:00

A autoridade administrativa pode exercer juízo discricionário quanto a fatos em princípio passíveis de advertência, aplicando pena de suspensão, se considerá-la justificável?

Palavras-chave: Parte final do art. 129, da Lei federal n. 8.112/1990. Discricionariedade da autoridade administrativa de aplicar pena de suspensão em vez de advertência. Casos de violação de dever funcional ou de proibição dos incisos I a VIII do art. 117 da Lei n. 8.112/1990. Tipicidade e vinculação quanto às hipóteses de demissão.

Resumo: O artigo procura apresentar a exegese da parte final do art. 129, da Lei federal n. 8.112/1990, quando permite, conferindo-lhe apreciação discricionária, que a autoridade administrativa, se entender justificável pena mais grave do que a advertência, aplique pena de suspensão em caso de violação de dever funcional ou de desacato às proibições dos incisos I a VIII do art. 117 do Estatuto dos Servidores Públicos da União.


1. Introdução

Questão ainda pouco explorada pela doutrina e que desafia estudo da casuística administrativa é sobre a interpretação da parte final do disposto no art. 129, da Lei n. 8.112/1990. A autoridade administrativa pode, em virtude do texto legal, exercer juízo discricionário quanto a fatos em princípio passíveis de advertência (violação de dever funcional ou não-observância de proibição elencada nos incisos I a VIII do art. 117, da Lei n. 8.112/1990), aplicando pena de suspensão, se considerar justificável na hipótese?

Isto é, pode a autoridade administrativa, em vez de advertência, discricionariamente, de forma motivada, impor pena de suspensão, se entender justificável, em vista das circunstâncias do caso concreto?


2. Disciplina das penas de advertência, suspensão e demissão na Lei federal n. 8.112/1990

Sobre as penas de advertência, suspensão e demissão nela previstas, cumpre transcrever o disposto na Lei federal n. 8.112/1990, aplicável ao Distrito Federal por força da Lei distrital n. 197/1991:

Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave.

Art. 130. A suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com advertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão, não podendo exceder de 90 (noventa) dias.


3. Princípio da tipicidade no caso da pena de demissão

É necessária atenta leitura do pontuado no Estatuto dos Servidores Públicos do Distrito Federal para compreender o sistema de punições por ele adotado. Primeira conclusão necessária, que alumia o juízo (que se apresentará mais adiante) acerca da relativa discricionariedade da pena de suspensão em caso de violação de dever funcional, é que a Lei federal n. 8.112/1990 elegeu o princípio da tipicidade nas infrações passíveis de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade.

A evidência é clara quando se constata que o seu art. 130, caput, fine, adota a expressão "que não tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão". A seu turno, o art. 132, do diploma legal em comento, enumera, taxativamente, os casos passíveis de imposição da penalidade demissória:

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:

I - crime contra a administração pública;

II - abandono de cargo;

III - inassiduidade habitual;

IV - improbidade administrativa;

V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;

VI - insubordinação grave em serviço;

VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;

VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;

IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;

X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;

XI - corrupção;

XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;

XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

Nesse sentido, pontuamos em nosso Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da Administração Pública, recentemente lançado pela editora Fórtium (disponível em www.fortium.com.br – editora, 1.072 páginas) [01]:

É por esse motivo que tem preponderado, nos estatutos disciplinares, a tipicidade na descrição exaustiva das causas de demissão, além da preponderância de tipos funcionais fechados, com discricionaridade sobremodo reduzida, como as faltas funcionais de abandono de cargo, inassiduidade habitual, a prática de crimes contra a Administração Pública, a acumulação ilícita de cargos públicos, a corrupção.

Somente os comportamentos, especificados de forma expressa em lei como motivos fáticos da penalidade demissória, podem respaldar a punição expulsória do serviço público, como se verifica no art. 132, da Lei n. 8.112/1990, o qual capitula, de forma exaustiva, as condutas apenadas com a pena máxima.

Se o fato praticado pelo servidor público não se enquadrar numa das hipóteses arroladas no art. 132, da Lei n. 8.112/1990, não será possível demitir o funcionário. Sublinhe-se. A idéia de atipicidade vigora, de forma mais ampla, no que concerne às faltas menos graves e nas quais a lei confira discricionariedade administrativa para a Administração enquadrar as ações ilícitas praticadas como falta disciplinar, como é o caso de o servidor ser acusado de deixar de exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo ou descumprir dever previsto em norma administrativa.

Reside aí ampla margem discricionária para ajustar o desregramento de conduta do servidor na previsão genérica estatutária. Assim não sucede nos casos de demissão, cujos motivos são ou vinculados, não discricionários, ou, excepcionalmente, com restrita esfera de discricionariedade nos tipos relativamente abertos do art. 132, da Lei n. 8.112/1990, em face da gravidade da sanção.

[...]

No que concerne às penas mais severas, a tendência do direito administrativo disciplinar, em virtude dos avanços democráticos, é de regular o mais precisamente possível as faltas, em tipos disciplinares, deixando margem maior para discricionariedade administrativa somente para as condutas sujeitas a penas mais leves.

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Veja-se que, embora seja possível que a lei crie infrações disciplinares com tipo aberto e com margem discricionária para enquadramento pela autoridade administrativa (por exemplo: "o servidor será demitido se cometer grave violação de seus deveres" ou "se incorrer em procedimento irregular gravíssimo"), não é essa a tendência dos estatutos pátrios, particularmente no modelo da Lei federal 8.112/90, que tipifica as condutas passíveis de penalidade demissória em modelos hipotéticos, cujos elementos do tipo disciplinar respectivo são precisos ou rendem pequena margem para discricionariedade.

Aliás, o Estatuto dos Funcionários Públicos federais de 1939 (Decreto-lei 1713/1939) capitulava que seria aplicada a pena de demissão em caso de "procedimento irregular do funcionário, devidamente comprovado" (art. 238, III), de natureza discricionária ampla, mas que nem sequer foi reproduzido na Lei federal 1.711/1952 (Estatuto dos Funcionários Públicos federais), menos ainda na posterior Lei federal 8.112/90.

[...]

Constata-se que a idéia antiga, do direito francês, de que as infrações disciplinares não careceriam de previsão legal (nem se lhes aplicaria a exigência de tipicidade como no direito penal), podendo ser punidas todas as condutas dos servidores que infrinjam deveres funcionais em sentido amplo (sem sequer a enunciação das infrações passíveis de penas mais graves, mas somente com a descrição do rol de penalidades cabíveis), tem cedido terreno para a obrigatoriedade de previsão legal, taxativa, das faltas sujeitas a penalidades de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, em nome do princípio da legalidade.

José Bernejo Vera defende a tipicidade das faltas disciplinares:

La reserva de Ley cubre principalmente la tipificación de las infacciones (penales y administrativas) y la determinación de los castigos correspondientes (penas o sanciones administrativas) [...] tiene que ver siempre una norma com rango de Ley la que contenga una verdadera tipificación de lãs infracciones y la que señale com tanta precisión como le sea possible las sanciones pertinentes y las reglas sobre responsabilidad [...] Establecer como elementos esenciales de la infracción administrativa los mismos de la infracción del Derecho Administrativo sancionador al Derecho Penal a que hemos aludido antes. Lo cierto es que el TS lo há proclamado reiteradamente. Por ej., su sentencia de 17 de abril de 1990, entre otras similares, define la infracción administrativa como ‘conducta antijurídica, típica y culpable’. Y la STS de 23 de febrero de 2000 (Ar. 7047) afirma: ‘Para que una determinada acción u omisión pueda ser objeto de sanción es necessario que sea típica, antijurídica y culpable; pressupuestos que quedan eliminados por la concurrencia de causas de justificación o excluyentes de la culpabilidad o antijuridicidad. [...] Para que um conducta sea infracción administrativa es necessário que, además de ser antijurídica, este concretamente prevista por uma norma como tal infracción y tenga atribuída una sanción administrativa. Las normas sancionadoras, como las penales, acotan una parte de las conductas antijurídicas para convertirlas em infracciones administrativas. Las normas establecen los ‘tipos’. Em este sentido se habla del requisito de la tipicidad de la conducta: sólo son infracciones las acciones u omisiones tipificadas como tales o, lo que expresa la misma Idea, las conductas ‘típicas’. La acción u omisión antijurídica pero no típica no constiuye infracción ni puede ser castigada, sin perjuicio de que si lê correspondan otras consecuencias. [02]

[...]

Sim, a propalada atipicidade das faltas disciplinares, se comparadas à previsão dos crimes no direito penal, deve ser compreendida como a possibilidade de existirem tipos disciplinares, relativamente abertos (caso dos preceptivos dos artigos 117, XV, 132, V e VI, todos da Lei federal 8.112/90), cujos elementos podem ser interpretados com relativa margem discricionária pelo administrador público, o qual poderá considerar que certa conduta constitui, ou não, por exemplo, ato de insubordinação grave.

Daí a tendência do direito administrativo disciplinar atual de tipicidade das faltas disciplinares cominadas com penas mais graves, admitindo-se pequena parcela de discricionariedade no enquadramento de algumas condutas (como a demissão por "ato de insubordinação grave"), enquanto absoluta tipicidade quanto a outras, cujos elementos típicos são rigorosa e precisamente enunciados (como, por exemplo, abandono de cargo, inassiduidade habitual, prática de crime contra a Administração Pública, etc.).

A tendência da tipificação das faltas administrativas é apontada por Justino Vasconcelos:

Não se deve exagerar crendo que o poder disciplinar seja, ou possa ser, livre de vínculos. Antes de tudo, é exigência de uma boa ordem jurídica se prevejam com amplitude as possíveis infrações disciplinares e se fixem, com precisão, as sanções correspondentes. Subsiste, assim, a tendência de estabelecer, com normas jurídicas, a noção de falta disciplinar e a natureza e entidade da pena, segundo o preceito nullum crimen sine lege, de graduar a pena, de agravá-la pela reincidência, de presumir a inocência do acusado, e de instituir procedimentos contenciosos para a aplicação das penas disciplinares. Tendência idêntica se verifica relativamente à individualização e previsão da falta disciplinar no texto legal, acomodando-a ao princípio que condiciona a configuração e a punibilidade do delito. [03]

Regis Fernandes de Oliveira aponta:

No campo do Direito Administrativo prevalece o que se rotula de tipicidade, isto é, a infração administrativa há que se estar devidamente delimitada pela regra normativa. As exigências são as mesmas que aquelas para identificação dos crimes. A garantia da Administração para obstar qualquer ação infracional ou arbitrária do agente público está em que deve ela pautar sua conduta pelos ditames legais. [04]

Pedro Guillermo Altamira anota que a incidência do princípio da tipicidade do direito penal deve incidir, no possível, na punição das faltas disciplinares, para prevenir arbitrariedade: "Em derecho penal rige el principio nulla poena sine lege que em lo posible debe hacerse extensivo a la ‘potestad’ disciplinaria, dejando escaso margen a la discrecionalidad para evitar la arbitrariedad. [05]

[...]

Carlos S. de Barros Júnior cita Tito Prates da Fonseca para afiançar que as penas expulsivas não se podem aplicar sem determinação legal e que é taxativa a enumeração dos tipos das faltas passíveis de demissão no estatuto disciplinar, ao mesmo tempo em que lembra o escólio de Marcelo Caetano no sentido de que existe

a tendência de fixar na lei os casos em que taxativamente é lícito aplicá-la [...] em face do nosso direito positivo, só as faltas enunciadas, como suscetíveis de demissão, podem acarretar essa penalidade. [06]

Themistocles Brandão Cavalcanti aduz: "A aplicação da pena disciplinar pressupõe uma infração prevista e punida pela lei e uma pena também consignada por uma disposição legal." [07] (destaque não original)

Com efeito, sublinhe-se, a Lei n. 8.112/1990 previu, exaustivamente, no seu art. 132, as condutas sujeitas à pena de demissão. Faltas disciplinares ou comportamentos ali não previstos expressamente não podem ensejar a pena demissória.

A lição é encampada por Sebastião José Lessa, o qual cita Marcelo Caetano, Victor Nunes Leal e Hely Lopes Meirelles no sentido de que os motivos para a aplicação de pena demissória são vinculados, de maneira que os casos de demissão devem obedecer à regra da tipicidade, com a "prévia definição do comportamento e absoluta correspondência entre o tipo e a conduta." [08]

Consigne-se que o Superior Tribunal de Justiça referendou a incidência do princípio da tipicidade no processo administrativo disciplinar:

A utilização de analogias ou de interpretações ampliativas, em matéria de punição disciplinar, longe de conferir ao administrado uma acusação transparente, pública, e legalmente justa, afronta o princípio da tipicidade, corolário do princípio da legalidade, segundo as máximas: nullum crimen nulla poena sine lege stricta e nullum crimen nulla poena sine lege certa, postura incompatível com o Estado Democrático de Direito. 5 Recurso conhecido e parcialmente provido para anular a pena demissória aplicada ao Recorrente. [09]

Reafirme-se. Os estudiosos do direito administrativo disciplinar [10] já encimam que a discricionariedade fica sobremodo restrita no caso de faltas passíveis de penas mais graves, que constituem atos vinculados, os quais somente podem ser aplicados se houver a presença, inequivocamente demonstrada nos autos do processo administrativo, dos motivos de fato previstos em lei para a imposição da demissão. Vigora a tipicidade das infrações mais graves. É tendência dos estatutos disciplinares do funcionalismo público relacionar, de forma exaustiva, os casos de condutas para as quais serão aplicadas a pena de demissão, como se vê no art. 132 e nos incisos IX a XVI do art. 117, todos da Lei n. 8.112/1990.

Estabelecida a conclusão de que as hipóteses de demissão são tipificadas na Lei n. 8.112/1990, tanto que o art. 130, do diploma normativo, refere-se a condutas que "tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão", segue a assertiva de que a autoridade administrativa não dispõe de discricionariedade de aplicar a pena demissória para fatos em princípio passíveis de penas mais brandas (suspensão ou advertência), devendo o administrador público adstringir-se às hipóteses capituladas no art. 132, do estatuto, para impor a sanção máxima.

Vale dizer, ainda que considere, em tese, justificável agravar a suspensão, em face da gravidade do fato, a autoridade administrativa, entretanto, não poderá infligir pena de demissão, salvo nas estritas hipóteses elencadas no art. 132, da Lei n. 8.112/1990. Mesmo que julgue que a reincidência em falta punida com advertência (art. 130, caput, L. 8.112/1990), por exemplo, ou que o desrespeito pelo servidor a alguma das proibições disciplinadas nos incisos I a VIII do art. 117 da Lei n. 8.112/1990 justificaria a expulsão do serviço público, não obstante, o administrador não dispõe de possibilidade de exercitar consideração discricionária no escolher a sanção demissória, a qual somente pode ser imposta, grife-se, nas situações explicitamente previstas pelo legislador em numerus clausus.

Perceba-se, para robustecer essa ilação, que, enquanto o art. 129, parte final, da Lei n. 8.112/1990, enunciou a expressão verbal "que não justifique imposição de penalidade mais grave", referindo-se à discricionariedade do administrador público ao decidir entre a pena de advertência ou de suspensão, o dispositivo do art. 130, da Lei n. 8.112/1990, a seu turno, todavia, empregou a locução "que não tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão".


4. A exegese da parte final do art. 129, da Lei n. 8.112/1990

A pretensão deste artigo é exatamente precisar a interpretação mais acertada do art. 129, fine, da Lei n. 8.112/1990, o qual capitula:

Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave.

O exegeta não pode deixar de assinalar a distinção entre a interpretação gramatical dos artigos 129 e 130, da Lei n. 8.112/1990, porquanto, ao passo que o primeiro maneja o termo "justifique penalidade mais grave", o segundo alude às condutas que "tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão". Ora, segundo os elementares postulados da hermenêutica do direito, a lei não contém palavras inúteis, nem distinções ineficazes. Nesse sentido, calha a lição do clássico Carlos Maximiliano [11]:

Verba cum eefectu, sunt accipienda. ´Não se presumem, na lei, palavras inúteis´. Literalmente: ´devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia´. As expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis. [...] Dá-se valor a todos os vocábulos e, principalmente, a todas as frases, para achar o verdadeiro sentido de um texto; porque este deve ser entendido de modo que tenham efeito todas as suas previsões, nenhuma parte resulte inoperativa ou supérflua, nula ou sem significação alguma.

Por que o legislador, ao mencionar a pena demissória, utilizou o termo tipificar, enquanto, no art. 129, que cuidava, em princípio, de penalidade de advertência, usou a expressão justificar pena mais grave?

Resta evidente que nenhum fato poderá render ensejo à aplicabilidade da demissão, salvo as hipóteses taxativas enumeradas no art. 132, da Lei n. 8.112/1990. A autoridade administrativa, em outras linhas, não poderá entender que uma ação ilícita, apesar de passível de advertência ou suspensão, justifique pena de demissão, exceto, marque-se, se tipificado no sobredito art. 132 da norma legal em apreço.

Sendo assim, conclui-se que a parte final do dispositivo do art. 129, do Estatuto dos Servidores Públicos da União, ao prever que a violação de dever funcional seria apenada com advertência, em princípio, desde que "não justifique pena mais grave", não poderia se referir à pena de demissão, pois o art. 130, do diploma legal, enuncia que os fatos passíveis de pena demissória são apenas os tipificados, leia-se, os exaustivamente descritos no art. 132, da Lei n. 8.112/1990.

Como, então, se deveria interpretar o capitulado no art. 129, fine, do Estatuto dos Servidores Públicos da União? Ora, se o preceptivo legal prevê que a advertência será aplicada, nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII [12], e de inobservância de dever [13] funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave, pode-se deduzir que a violação de dever funcional ou de proibições não tipificadas como passíveis de demissão (art. 132, XIII, L. 8.112/1990) pode render ensejo a pena mais grave do que a advertência? Sim.

Mas não se poderia, como acentuado, entender que a autoridade administrativa teria a oportunidade de julgar, discricionariamente, que um fato justificaria uma demissão, apesar de não tipificado no art. 132, da Lei n. 8.112/1990. A demissão é ato vinculado, manejável nas hipóteses expressamente tipificadas.

Logo, qual seria o alcance da parte final do art. 129, da Lei n. 8.112/1990, ao sentenciar que a advertência seria infligida nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII, e de inobservância de dever funcional, se não justificarem imposição de penalidade mais grave? Parece não se antever exegese diversa de que o preceptivo legal permitiu a paralela aplicabilidade da suspensão, além das hipóteses enunciadas no art. 130, do estatuto, nos casos do art. 129, quando as circunstâncias o autorizarem (gravidade do fato, repercussão negativa, maior reprovabilidade da conduta do que representaria a sanção branda de advertência).

Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. A interpretação da parte final do art. 129 da Lei nº. 8.112/1990.: Caráter discricionário da pena de suspensão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1904, 17 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11733. Acesso em: 17 nov. 2024.

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