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Breve discussão sobre questões de direito intertemporal e a Emenda Constitucional 28

Agenda 01/12/2000 às 00:00

I - Introdução

Inegavelmente, verificamos que este ano 2000 foi de grandes inovações no Direito do Trabalho e na Legislação trabalhista processual.

No início do ano, certamente, todos se lembram do alvoroço criado no meio jurídico com as Comissões de Conciliação Prévia (Lei n. 9.958) e o Procedimento Sumaríssimo (Lei n. 9.957). Depois, tivemos a Emenda Constitucional n. 28, disciplinando a prescrição trabalhista, e a Lei complementar n. 103, a qual autoriza aos Estados e Distrito Federal instituírem o piso salarial. Recentemente, foi promulgada a Lei n. 10.035, estabelecendo procedimentos de execução das contribuições previdenciárias. Poderíamos procurar mencionar outras tantas inovações, porém, preferimos parar por aqui, pois não é esse o nosso objetivo.

Neste trabalho, nos limitaremos a fazer algumas considerações sobre as questões que envolvem a aplicação da nova sistemática prescricional constitucional aos contratos de trabalho rural extintos antes da sua vigência e aos que, iniciados ao tempo da norma anterior, se mantêm em vigor até os dias de hoje.


II - A prescrição

Para nosso trabalho, sem adentrarmos nas discussões que envolvem o tema e acolhendo as lições de Câmara Leal[1], a prescrição é "a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso."[2]

A norma prescricional é de ordem pública, atingindo as relações jurídicas em curso, porém, caso a prescrição já esteja consumada, ela não é atingida pela nova lei - princípio da irretroatividade da lei no tempo.[3]

Para a prescrição em curso, podemos encontrar duas situações, como aponta Roubier[4]: a) as anteriores à nova lei que não poderiam ser atingidas por ela sem retroatividade; b) as posteriores à nova lei para a qual ela não terá senão um efeito imediato.

A par do nosso trabalho, sem dúvidas, uma questão de difícil solução é a aplicação imediata do novo prazo prescricional, quando esse é inferior ao que vigia anteriormente.[5]


III - A prescrição do trabalhador rural

Anteriormente a Emenda Constitucional n. 28, de 25.5.2000, a prescrição do trabalhador rural somente se operava após dois anos da extinção do contrato de trabalho (art. 7º, XXIX, "b", CF, art. 10, Lei n. 5.889/73).

Contudo, facultava-se ao empregador rural comprovar, a cada cinco anos, perante a Justiça do Trabalho e o Representante Sindical da Categoria, o cumprimento das obrigações trabalhistas (art. 233, CF).[6]

Enquanto para os trabalhadores urbanos, o prazo prescricional era, e continua sendo, de cinco anos, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho (art. 7º, XXIX, "a").

As eventuais divergências e litígios existentes entre o trabalhador rural e o empregador são dirimidos pela Justiça do Trabalho.

Com a Emenda Constitucional n. 28, não há mais uma situação diferenciada entre os trabalhadores urbanos e rurais. O inciso XXIX, do art. 7º, passou a ter a seguinte redação: "ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho".

O artigo 233, da Carta, acabou por ser revogado expressamente (art. 2º, EC n. 28).


IV - Justificação da Emenda Constitucional n. 28

O deputado federal Dilceu Sperafico ao propor a reforma do texto Constitucional, posteriormente, aprovada como Emenda n. 28, apresentou a seguinte justificação: "Amplos setores do empresariado rural brasileiro vêm-se manifestando, cada vez com maior freqüência e intensidade, contra as normas diferenciadas de prescrição para ações trabalhistas urbanas e rurais. O dispositivo constitucional relativo à matéria - o inciso XXIX do art. 7º - estabelece, para as ações de trabalhadores urbanos (alínea a), o prazo prescricional de cinco anos, limitado a dois anos após a extinção do contrato de trabalho, enquanto que, para os trabalhadores rurais, apenas o limite de dois anos após a extinção do contrato (alínea b). Existem ainda, no caso da prescrição relativa ao trabalhador rural, disposições constantes do art. 233 da Carta e do § 3º do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, as quais permitem ao empregador rural uma comprovação qüinqüenal de estar em dia com suas obrigações relativas ao trabalhador. Tais regras são de difícil cumprimento, em particular por parte do pequeno e médio produtores, e o resultado é que, na prática, o trabalhador rural poder reclamar direitos relativos a todo o período do contrato."

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Justificando a necessidade e opinando pela admissibilidade da proposta de Emenda ao texto constitucional, a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados Federais destacou: "A proposta de Emenda em epígrafe, oriunda do Senado Federal, objetiva extinguir o tratamento diferenciado entre os trabalhadores urbanos e rurais, quanto ao prazo prescricional das ações trabalhistas, estabelecendo o prazo único de cinco anos, durante a vigência do contrato de trabalho e de dois anos após a extinção do mesmo, e com isso, a revogação do art. 233 da Carta Magna. Tais regras são de difícil cumprimento, em particular por parte do pequeno e médio produtor, e o resultado é que, na prática, o trabalhador rural pode reclamar na Justiça do Trabalho direitos relativos a todo período do contrato, remontando às vezes, a dezenas de anos. Esse aparente benefício tem dificuldade a geração de empregos na zona rural."


V - Princípio da irretroatividade da norma

Em regra, a norma só diz respeito a comportamentos futuros, embora possa referir-se a condutas passadas, tendo, então, força retroativa.[7]

No sistema legal vigente, a nova lei poderá ter efeitos retroativos, mas, para tanto, deverá fazer menção expressa da retroação, contudo, de qualquer forma, não atingirá o direito adquirido, ato jurídico prefeito e a coisa julgada (art. 5º, XXVI, CF, art. 6º, LICC).

Já o poder constituinte não tem limitada a sua ação pelo princípio da irretroatividade das leis, de maneira que poderá tocar no ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada, retroagindo no tempo os efeitos do dispositivo constitucional, desde que o faça de maneira expressa.[8]


VI - O Direito Intertemporal e a Emenda Constitucional n. 28

Entre os problemas que envolvem o Direito intertemporal e a Emenda Constitucional n. 28, destacamos a aplicação da nova sistemática prescricional aos contratos extintos em data anterior a sua vigência, bem como à aqueles que, iniciados na vigência da outra norma, se mantêm em vigor até os dias atuais.

Para melhor visualizarmos a primeira problemática posta, fazemos a seguinte indagação: qual é a prescrição do contrato de trabalho rural extinto em 01.5.2000 (como por exemplo)?

Diante da indagação apresentada, encontramos duas variantes: a propositura da ação trabalhista pode ocorrer antes ou depois do novo texto constitucional.

No primeiro caso, com a extinção do contrato de trabalho rural em 01.5.2000 e com a postulação judicial iniciada em data anterior a vigência da Emenda n. 28, o prazo prescricional a ser aplicado é o do texto constitucional original, ou seja, até dois anos após a extinção do contrato, observando o previsto no art. 233, do Carta, e art. 10, § 3º, ADCT.

Isso porque somente com previsão expressa, o texto constitucional pode atingir ato jurídico consumado.

E na segunda hipótese - o contrato de trabalho foi extinto anteriormente a existência da Emenda n. 28, mas a postulação judicial se deu na vigência do novo texto -, a prescrição a ser observada é a bienal após a extinção do contrato de trabalho, eis que não podemos falar em aplicação de nova norma prescricional dos contratos em curso para uma relação jurídica já extinta.

Admitir a aplicação da nova sistemática prescricional as relações jurídicas extintas antes da sua vigência, seria dar efeito retroativo a norma, sem que houvesse qualquer menção para isso no texto da reformado.

Por fim, tratando-se de norma de ordem pública, a disciplina prescricional é aplicável de imediato, atingindo os contratos de trabalho em curso, porém, sem efeitos retroativos, de maneira que a contagem da prescrição qüinqüenal somente pode se iniciar com a vigência da Emenda, já que inexistia um sistema de contagem anterior.


VII - Conclusão

Em nosso trabalho, procuramos abordar algumas questões de Direito intertemporal que envolvem a Emenda n. 28.

Da análise jurídica dos casos fáticos apresentados, consideramos que a sistemática prescricional do contrato em curso, agora, aplicável aos contrato de trabalho rural, não pode atingir os contratos extintos anteriormente a vigência da Emenda Constitucional (princípio da irretroatividade), independentemente, da data da postulação judicial, sujeitos apenas à prescrição bienal. Porém, por ser norma de ordem pública, a prescrição do contrato de trabalho em curso alcança as relações jurídicas pendentes, mas também pela impossibilidade de retroação da norma, a contagem do prazo qüinqüenal inicia-se somente com a Emenda estudada.


Notas

1. LEAL, Antônio Luiz Câmara. Da Prescrição e da Decadência. São Paulo: Forense, 1978, p. 12.

2. A prescrição é a extinção de uma ação em razão da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - vol. II. São Paulo: Saraiva, 10ª edição, 1996, p. 344).

3. Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho pacificou o seu entendimento. En. n. 308 - A norma constitucional que ampliou a prescrição da ação trabalhista para cinco anos é de aplicação imediata, não atingindo pretensões já alcançadas pela prescrição bienal, quando da promulgação da Constituição de 1988.

4. FISCHER, Brenno apud Isis de Almeida. Manual da Prescrição Trabalhista. São Paulo: LTr, 2ª edição, 1994, p. 111.

5. O Supremo Tribunal Federal entendeu que a Lei n. 2.437, de 7.3.1955, que reduz o prazo prescricional, é aplicável às prescrições em curso na data de sua vigência (1.1.1956), salvo quanto aos processos então pendentes (Súm. n. 445).

Em outra posição, Rubens Limongi França conclui: "Desse modo, a regra do efeito imediato deve buscar um corolário, segundo o qual não se desatendam os interesses de ambos os sujeitos, sob pena de retroação. Ora, tal corolário, a nosso ver, consistiria no estabelecimento de uma proporção entre o prazo anterior e o da lei nova, de tal forma que sempre fosse assegurado à parte contrária um lapso para exercer as suas defesas" (A Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido. São Paulo: Saraiva, 5ª edição, 1988, p. 246).

Outra posição, Câmara Leal enuncia: "1ª - Estabelecendo a nova lei um prazo mais curto de prescrição iniciada, está começará a correr da data da nova lei, salvo se a prescrição iniciada na vigência da lei antiga viesse a completar-se em menos tempo, segundo esta lei, que, nesse caso, continuará a regê-la, relativamente ao prazo. 2ª - Estabelecendo a nova lei um prazo mais longo de prescrição, esta obedecerá a esse novo prazo, contando-se, porém, para integrá-lo, o tempo já decorrido na vigência da lei antiga. 3ª - O início, suspensão ou interrupção da prescrição serão regidos pela lei ao tempo em que se verificaram" (Da Prescrição e da Decadência. São Paulo: Forense, 1978, p. 114).

6. Objetivando evitar que pontos de conflito fiquem latentes durante um largo período, para serem discutidos após o rompimento do contrato, e considerando a possível incapacidade financeira de pequenos empregadores rurais suportarem uma condenação trabalhista quando longevo o liame empregatício, o legislador constituinte, com rara habilidade, desenvolveu um procedimento (art. 233), ao mesmo tempo: a) de justificação, com vistas a aferir a satisfação dos direitos do rurícula; e b) de liberação, destinado a minimizar elevados passivos trabalhistas pela longa acumulação de créditos inadimplidos ao longo da vigência do contrato (SÜSSEKIND, Arnaldo et allii. Instituições de Direito do Trabalho - vol. II. São Paulo: LTr, 18ª edição, 1999, p. 1457).

7. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. São Paulo: Saraiva, 2ª edição, 1996, p. 176.

8. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito Intertemporal. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 438.


Bibliografia

ALMEIDA, Isis de. Manual da Prescrição Trabalhista. São Paulo: LTr, 2ª edição, 1994.

BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito Intertemporal. Rio de Janeiro: Forense, 1980.

BATALHA, Wilson de Souza Campos et allie. Prescrição e Decadência no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2ª edição, 1998.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - vol. II. São Paulo: Saraiva, 10ª edição, 1996.

_______________ . Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. São Paulo: Saraiva, 2ª edição, 1996.

FRANÇA, Rubens Limongi. A Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido. São Paulo: Saraiva, 5ª edição, 1988.

LEAL, Antônio Luiz Câmara. Da Prescrição e da Decadência. São Paulo: Forense, 1978.

OLIVEIRA, Francisco Antonio. Comentários aos Enunciados do TST. São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª edição, 1997.

SAAD, Eduardo Gabriel. Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2ª edição, 1998.

SÜSSEKIND, Arnaldo et allii. Instituições de Direito do Trabalho - vol. II. São Paulo: LTr, 18ª edição, 1999.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo: Renovar, 1999.

Sobre o autor
Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante

advogado, professor de Direito da Faculdade Mackenzie, ex-procurador chefe do Município de Mauá, mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestrando em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE, Jouberto Quadros Pessoa. Breve discussão sobre questões de direito intertemporal e a Emenda Constitucional 28. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 48, 1 dez. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1176. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Texto publicado no Jornal do 15º Congresso Brasileiro de Direito Coletivo e Individual do Trabalho, p. 57.

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