Mais uma vez marchamos para as eleições, que expressam o verdadeiro poder do povo, já que lhe é garantido o sagrado direito de escolher seus governantes, de decidir quem cuidará de seus interesses e orientará os rumos da nação.
Acontece que desde o início da república até os tempos atuais as eleições brasileiras, conforme registros históricos, sempre foram marcadas, aqui ou acolá, por fraudes, corrupção eleitoral, troca de favores, uso ilegal da máquina estatal e pelo abuso do poder econômico. Nesses períodos é comum haver uma escandalosa exploração das carências e da miséria do povo. Conseqüência disso é que o eleitor é iludido, sua vontade é viciada, permitindo que muitos maus políticos, que deveriam ser extirpados da vida pública, acabem se mantendo no poder valendo-se das necessidades de pessoas sem condição de bem discernir sobre a importância do voto.
No Brasil, lamentavelmente, ainda se troca o voto por cestas-básicas, passagens rodoviárias, materiais de construção, medicamentos, dentaduras, vale combustível, prestação de serviços médicos e odontológicos, promessa de cargos, enfim, muitos eleitores se corrompem por conta do oferecimento de qualquer vantagem ou entrega de qualquer coisa de valor.
Constatando esse grave quadro e diante da necessidade de se suprir uma lacuna na legislação eleitoral no que tange a instrumentos de combate efetivo a tais males, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) iniciou uma campanha nacional contra a corrupção eleitoral. O lema era: "Vamos acabar com a corrupção eleitoral – voto não tem preço, tem conseqüências".
Houve uma mobilização da sociedade civil. Com o apoio de várias entidades (AMB, OAB, ABI, CPT, CIMI, CONIC e CUT etc), foi criado um projeto de iniciativa popular, com mais de 1 milhão de assinaturas, o qual foi apresentado na Câmara dos Deputados e, depois de regular tramitação no Congresso Nacional, redundou na aprovação da Lei Federal nº 9.840, no dia 28/09/1999. Tal lei, é preciso realçar, é a primeira lei de iniciativa popular aprovada neste país, tendo criado relevantíssimos instrumentos de combate da corrupção eleitoral de maneira a garantir lisura dos pleitos e o direito de livre escolha do eleitor.
Pois bem. A Lei nº 9.840/99 trouxe duas importantes inovações para a legislação eleitoral brasileira. Ela acrescentou o artigo 41-A à Lei nº 9.504/97 e promoveu mudanças no art. 73 dessa mesma lei, que rege as eleições em nosso país. A primeira inovação é no sentido de punir, com a cassação do registro ou do diploma e multa, o candidato que praticar a captação ilícita de sufrágio em qualquer forma ou modalidade. A outra inovação, que é punida com o mesmo rigor, é a que inibe o uso da máquina administrativa em favor da própria candidatura daqueles que estão concorrendo à reeleição, isso porque participam do pleito eleitoral sem ter que deixar o cargo.
O presente texto cuidará brevemente apenas da captação ilícita de sufrágio, cabendo, assim, lembrar o que dispõe o art. 41-A da Lei n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997: "Art. 41-A Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta lei o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil UFIR, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n.º 64, de 18 de maio de 1990."
Como se vê, a infração civil da captação ilícita de sufrágio corresponde ao crime de corrupção eleitoral, previsto no art. 299 do Código Eleitoral. As práticas referidas no dispositivo acima transcrito (doar, oferecer e prometer), além de já serem criminosas, agora passaram a também configurar infração eleitoral cível, punidas severamente com multa e cassação de registro ou do diploma.
De acordo com a regra legal, o sujeito ativo da nova infração é o candidato. Isso não quer dizer que só haverá punição ao candidato se ele agir pessoalmente. Predomina o entendimento de que poderá haver responsabilização do candidato sempre que concorrer direta ou indiretamente para a prática ilícita. Não fosse assim, o dispositivo legal seria letra morta, pois costumeiramente se delegam as atividades ilegais de compra de votos a cabos eleitorais e correligionários. Tratando dessa questão, o Tribunal Superior Eleitoral assentou que resta caracterizada a captação de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 quando o candidato praticar, participar ou mesmo anuir explicitamente às condutas abusivas e ilícitas capituladas naquele artigo.
O sujeito passivo é o eleitor. Cabe assinalar que, conforme entendimento jurisprudencial majoritário, estando comprovada a prática de captação ilegal de sufrágio, não é imprescindível que sejam identificados os eleitores que receberam benesses em troca de voto.
O Professor Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira também destaca que [01], "para haver multa e a cassação do registro ou diploma, são necessários os seguintes elementos: a) elemento subjetivo, qual seja, a intenção de captar votos; b) elemento objetivo consistente em dar, oferecer, prometer ou entregar bem ou qualquer vantagem de cunho pessoal, inclusive emprego ou função pública (...)."
No que pertine ao elemento temporal da infração de captação de sufrágio, o termo inicial é o do pedido do registro de candidatura, enquanto o dia ad quem é o dia da eleição. Quer-se dizer que fatos anteriores ou posteriores a essas datas não podem ser objeto da representação prevista no art. 41-A, devendo ser combatidos por outros instrumentos processuais. Impende salientar, nesse ponto, que o Tribunal Superior Eleitoral definiu, quando do julgamento do Recurso Especial Eleitoral 25.227, de 21.06.2005, que o prazo de 5 dias (contados do conhecimento provado ou presumido do ato repudiado) deve ser observado apenas para o ajuizamento de representações que reprimam as condutas vedadas aos agentes públicos (art. 73), não se aplicando à infração definida no 41-A da Lei nº 9.504/97.
Por outro lado, deve ser registrado, por relevante, que a novel jurisprudência do TSE não está mais exigindo a chamada potencialidade lesiva em casos dessa natureza, isso porque o bem protegido pelo artigo 41-A é a vontade do eleitor e não é o resultado da eleição. A Ministra ELLEN GRACIE NORTHFLEET, ao julgar recurso especial eleitoral no feito nº 21169, em 23/10/2003, abordou com maestria a questão, ponderando que "a captação ilícita de sufrágio, tipificada no artigo 41-A da Lei n. 9.504/97, configura-se com a ação delitiva do agente tendente a influenciar a vontade de um único eleitor, diferentemente do abuso de poder econômico, que exige potencialidade tendente a afetar o resultado de todo o pleito". Nessa mesma linha decidiu a Corte Eleitoral em diversos outros feitos, entre eles, o Processo nº 1083 MC - MEDIDA CAUTELAR, em que restou confirmado que "a captação de sufrágio reprimível pelo art. 41-A da Lei nº 9.504/97 prescinde do nexo de causalidade entre a prática ilícita e o comprometimento da legitimidade das eleições ou mesmo da potencialidade para influenciar no resultado do pleito, a exemplo do que se passa com o abuso do poder econômico".
No que tange ao rito a ser observado, a representação por infração ao artigo 41-A deve ser processada, conforme previsto expressamente na lei, na forma do art. 22 da Lei Complementar 64/90. Veja-se que não se aplica o procedimento previsto no seu art. 96, mas aquele previsto na Lei de Inelegibilidades. O legislador fez essa opção porque, além de também ser célere, o rito do artigo 22 da LC 64/90 é mais amplo e permite uma maior dilação probatória.
Outro ponto bastante inovador e que suscitou polêmica é o que diz respeito aos efeitos das decisões proferidas nas ações por captação ilícita de votos.
Todos sabem que a exigência do trânsito em julgado nas decisões da Justiça Eleitoral sempre ensejou a interposição sucessiva e protelatória de recursos, permitindo que os mandatos se cumprissem em sua inteireza antes da superveniência do esgotamento das vias impugnativas.
O Tribunal Superior Eleitoral firmou jurisprudência no sentido de que a decisão que cassa o registro ou o diploma de candidato, em investigação judicial eleitoral julgada procedente, por violação ao preceito do art. 41-A da Lei 9.504/97, tem aplicação imediata.
O fundamento desse entendimento pode ser sintetizado a partir de trecho do voto do Ministro BARROS MONTEIRO, proferido no julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 19.644/SE, de 3 de dezembro de 2002, publicado no DJ de 14.2.2003: "Na hipótese prevista no indigitado art. 41-A da Lei nº 9.504/97, o escopo do legislador é o de afastar imediatamente da disputa aquele que no curso da campanha eleitoral incidiu no tipo "captação ilegal de sufrágio". Nesse sentido o voto proferido pelo Sr. Ministro Fernando Neves na MC nº 944/MT: "Como observei no precedente já citado (MC nº 970), as alterações da Lei nº 9.504, de 1997, entre as quais consta a introdução do art. 41-A, vieram ao encontro da vontade da sociedade de ver rapidamente apurados e punidos os ilícitos eleitorais. Neste caso, o interesse a prevalecer é o de afastar imediatamente da disputa aquele que, no curso da campanha eleitoral, tenha incidido no tipo captação de sufrágio, vedada por lei. Por isso, o legislador, diferentemente de quando tratou das declarações de inelegibilidade, não condicionou ao trânsito em julgado os efeitos da decisão que cassa diploma por transgressão ao referido art. 41-A".
Veio a nova lei, como já bem salientou o renomado Ministro Fernando Neves, atender ao desejo da sociedade de ver rapidamente punidos os ilícitos eleitorais, não somente os praticados por candidatos, mas também aqueles realizados por agentes públicos em seu benefício. Para tanto, quando alterou o § 5º do art. 73, a Lei 9.840, tanto quanto na criação do tipo de captação de sufrágio vedada, não exigiu o trânsito em julgado da decisão que julgar procedente a representação judicial, para a produção de seus efeitos.
Não se poderia encerrar esses breves apontamentos sem mencionar a discussão ocorrida quanto à constitucionalidade do art. 41-A da Lei nº 9.504/97. Muitos tacharam o dispositivo de inconstitucional sob o argumento de que a inelegibilidade se trata de matéria constitucional e que, portanto, só poderia ser disciplinada por lei complementar. Essa sustentação, todavia, era equivocada. Não se pode perder de vista que o dispositivo legal não prevê a declaração de inelegibilidade, daí porque não há qualquer afronta ao artigo 14, § 9º, da Constituição Federal. Nessa linha se consolidou o entendimento jurisprudencial, inclusive no STF: "Informativo 446- ADI e Cassação do Registro ou do Diploma. O Tribunal julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido Socialista Brasileiro - PSB contra a expressão "cassação do registro ou do diploma", constante do art. 41-A, da Lei 9.504/97, pena cominada ao crime de captação de sufrágio nele definido. Na linha do que decidido no julgamento da ADI 3305/DF (j. em 13.9.2006), entendeu-se que a cominação da referida sanção não implica nova hipótese de inelegibilidade, não havendo, portanto, ofensa ao § 9º do art. 14 da CF. De igual modo, afastou-se a alegação de afronta ao disposto nos §§ 10 e 11 do citado art. 14 da CF. Ressaltou-se, no ponto, que o procedimento da representação para a apuração da conduta descrita no art. 41-A da Lei 9.504/97 é o previsto nos incisos I a XIII do art. 22 da Lei Complementar 64/90, já que ela não implica declaração de inelegibilidade, mas apenas cassação do registro ou do diploma, diferentemente do que ocorre na ação de investigação judicial eleitoral, em relação à qual aplicam-se os incisos I e XV do art. 22 da aludida LC. Por isso, a decisão fundada no art. 41-A da Lei 9.504/97 tem eficácia imediata, não incidindo o que previsto no art. 15 da LC 64/90, que exige o trânsito em julgado da decisão para a declaração de inelegibilidade do candidato. Afirmou-se, por fim, que o art. 41-A foi introduzido na Lei 9.504/97, pela Lei 9.840/99, com o objetivo de combater as condutas ofensivas ao direito fundamental ao voto, isto é, proteger a vontade do eleitor (ADI 3592/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 26.10.2006).
Portanto, mesmo que o moralizador artigo 41-A decorra de uma espécie normativa ordinária (Lei nº 9.840/99), não padece ele de nenhuma inconstitucionalidade, isso porque, como visto, não declara qualquer inelegibilidade, mas atinge somente o registro ou o diploma do candidato envolvido com corrupção eleitoral.
A nova lei, em termos de captação ilegal de sufrágio e uso indevido da máquina, sancionou todas condutas ilícitas com as mesmas penalidades: multa e cassação do registro ou do diploma. Nenhuma daquelas condutas foi sancionada com inelegibilidade. E não se cominou a inelegibilidade exatamente porque, tratando-se de uma pena que ataca um direito fundamental, personalíssimo, não poderia ser executada rapidamente, antes do trânsito em julgado, servindo, portanto, apenas como empecilho à aplicação imediata das outras relevantes sanções esperadas pela sociedade ante os costumeiros e impunes atos de ofensa e violência à democracia, tão arduamente conquistada pela nação brasileira.
A Lei nº 9.840/99, que trouxe inovações à Lei nº 9.504/97, é portadora de muitas esperanças, isso porque inibe com rigor a captação ilícita de sufrágio (corrupção eleitoral) e também o uso indevido da máquina administrativa. Não se pode mais permitir que maus políticos, sabedores da impossibilidade de burlar o resultado matemático da votação, impunemente voltem suas energias à prática da mercancia eleitoral e à concessão de benesses sufragistas, fazendo de tudo para alcançar ou se manter no poder político.
Jamais se pode esquecer da necessidade de proteção da lisura do pleito eleitoral, isso porque vivemos num Estado que se proclama democrático e de direito, o que significa, dentre tantas outras coisas, que os candidatos devem agir conforme as leis na busca dos mandatos almejados.
Urge, portanto, que as autoridades constituídas façam valer tão importante lei, aplicando-a de modo a combater, com firmeza e equilíbrio, os costumeiros atos de ofensa e violência à democracia, tão duramente conquistada pelo povo brasileiro. Se se quiser mudar o curso da história neste país miserável e cheio de injustiças, será necessário tomar medidas verdadeiramente severas em relação àqueles candidatos que conquistam mandatos desonestamente, sendo que, não fosse o amor ao ilícito, nunca seriam eleitos para ocupar cargo algum.
Não se pode permitir o exercício do mandato por quem não o logrou alcançar legitimamente. Em verdade, para que se tenha um país verdadeiramente democrático, voltado para a realização da justiça e para igualdade concreta de todos os brasileiros, é absolutamente necessário extirpar do meio político os que galgam tais mandatos valendo-se da carência dos milhares de eleitores sem condição de bem discernir sobre a importância do direito/dever de votar.
Notas
01in Direito Eleitoral Brasileiro. Doutrina. Jurisprudência e Legislação. 2ª edição revista, atualizada e ampliada. Editora Del Rey. Pág. 1013.