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Inelegibilidade dos que respondem açao de improbidade.

Uma nova interpretação para o art. 1º, I, g, da LC nº 64/90

Agenda 04/10/2008 às 00:00

Uma questão polêmica se impôs nos últimos dias: o fato de estar o pretenso candidato a responder por ação de improbidade administrativa o torna inelegível? Sem embargo de qualquer consideração sobre a inelegibilidade por vida pregressa maculada, entendo que sim.

E o argumento que utilizo para defender essa tese, ao mesmo tempo em que atende à exigência do Eminente Ministro do TSE Eros Grau, manifestado no voto-vista proferido na Consulta/TSE nº 1.621/08, ou seja, à legalidade como pressuposto da ordem e da legitimidade jurídica, contraria a conclusão do seu voto.

Pois bem. Na referida consulta, o Ministro Carlos Aires Britto, que foi voto vencido, assim se manifestou acerca do método interpretativo a ser utilizado na definição de casos de inelegibilidade:

"Bem, tais perquirições ou questionamentos acerca de condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade estão a desafiar, penso, um ancoradouro normativo a que somente se pode chegar pela via do método de interpretação que toma o conhecido nome de "sistemático". Método "sistemático" ou "contextual", cuja função elementar é a busca do sentido peninsular dos dispositivos jurídicos; isto é, busca do significado e alcance desse ou daquele texto normativo, não enquanto ilha, porém enquanto península ou parte que se atrela ao corpo de dispositivos do diploma em que ele, texto normativo, se ache engastado. Equivale a dizer: por esse método sistêmico de compreensão das figuras de Direito, o que importa para o intérprete é ler nas linhas e entrelinhas, não só desse ou daquele dispositivo em separado, como também imerso no corpo de toda a lei ou de todo o código jurídico de que faça parte o preceito interpretado. Logo, o que verdadeiramente importa é fazer uma interpretação casada do texto-alvo ou do dispositivo-objeto, e não apenas uma exegese solteira. Sabido que, muitas vezes − pra não dizer quase sempre − a norma por inteiro somente se desprende de um conjunto de dispositivos. Donde afirmar o ministro Eros Grau, em prefácio do livro "A interpretação Sistemática do Direito" obra do publicista Juarez Freitas, 3ª edição revista e ampliada, Malheiros Editores, ano de 2002): "A interpretação do direito, assim, há de ser sistemática, na medida em que apenas e tão-somente ela nos permitirá a realização do sistema normativo do Estado Democrático".

Mais que isso, o método sistemático de interpretação jurídica é o que possibilita detectar sub-sistemas no interior de um dado sistema normativo. Sub-conjuntos, então, nos quadrantes de um só conjunto-continente de normas. Como entendo ser o caso dos presentes autos, versantes, basicamente, sobre os mencionados temas das "condições de elegibilidade" e das "hipóteses de inelegibilidade" político-eletivas."

De início, portanto, tenho que a Lei Complementar nº 64/1990 deve ser interpretada de forma sistemática, em atenção, mormente, ao princípio constitucional da igualdade de tratamentos. Com esse norte, ressalto o disposto na alínea i, do inciso I, art. 1º, da referida lei, verbis:

"Art. 1º São inelegíveis:

I – para qualquer cargo:

.........................

i) os que, em estabelecimentos de crédito, financiamento ou seguro, que tenham sido ou estejam sendo objeto de processo de liquidação judicial ou extrajudicial, hajam exercido, nos doze meses anteriores à respectiva decretação, cargo ou função de direção, administração ou representação, enquanto não forem exonerados de qualquer responsabilidade." (GN).

Veja-se que a lei cria, de forma objetiva, uma verdadeira "presunção de culpa" ao administrador que aparentemente deu causa à bancarrota da empresa, sem que isso venha a ser interpretado como ferimento ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade. Busca-se, de forma legítima, preservar o interesse público contra o aparente mau gestor, mesmo que para isso reste sacrificado o direito deste de exercer a cidadania passiva.

O Eminente Ministro EROS GRAU, assim como os demais que compuseram a maioria na referida Consulta 1.621/08, ressaltou que somente com o trânsito em julgado de sentença procedente em ação por improbidade administrativa é que se tornaria inelegível o candidato.

Todavia, data venia, essa premissa não encontra guarida na própria legalidade ali defendida, isso porque quando o legislador infraconstitucional quis exigir o trânsito em julgado assim o fez de forma clara e expressa (cf. alíneas "d", "e" e "h", do art. 1º, da LC 64/90), e não fez ele tal exigência para os processos por improbidade administrativa. Pensar de forma contrária seria, certamente, extrapolar a própria legalidade criando privilégios que não existem.

Na verdade o que a LC 64/1990 determina é exatamente o inverso.

Veja-se o que dispõe a esse respeito:

"Art. 1º São inelegíveis:

I – para qualquer cargo:

.....................

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos cinco anos seguintes, contados a partir da decisão;"

Fazendo-se uma minuciosa análise deste dispositivo chega-se à conclusão de que ele permite duas interpretações: a primeira não é novidade, e já restou consolidada na Súmula nº 1 do TSE: "Proposta a ação para desconstituir a decisão que rejeitou as contas, anteriormente à impugnação, fica suspensa a inelegibilidade". Por recente interpretação do TSE dada à súmula referida – diga-se de passagem uma verdadeira interpretação extensiva da própria letra da lei, que felizmente não se tachou de "desobediência à lex" – tendo o interessado obtido provimento judicial cautelar ou antecipatório que efetivamente suspendesse a inelegibilidade, tornar-se-ia elegível.

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Todavia, o direito posto na alínea "g", inciso I, art. 1º, da LC 64/90 permite interpretação diversa e, ainda assim, literal, em real consonância com o espírito já manifestado de forma clara na alínea "i" supra transcrita, ou seja, a prevenção contra possíveis maus gestores. Como visto, este dispositivo específico cria uma presunção de culpa para os administradores que atuaram no período anterior à liquidação da empresa, e essa presunção somente acaba quando tais pessoas "forem exonerados de qualquer responsabilidade".

Ora, se é assim, a alínea "g" pode e deve ser interpretada da seguinte forma: a inelegibilidade dos que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável – leia-se ato de improbidade administrativa – e por decisão irrecorrível do órgão competente não se limitará aos cinco anos seguintes, se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário mediante ação de improbidade administrativa. Vale dizer, adotando-se o texto final da alínea "i" como complemento sistemático, perdurará a inelegibilidade dos supostos maus gestores públicos "enquanto não forem exonerados de qualquer responsabilidade" na ação de improbidade administrativa em tramitação.

Essa interpretação, que muda o foco a ser dado ao dispositivo, atende a vários princípios, dentre os quais se pode destacar: o da legalidade, o da isonomia entre gestores privados e públicos, o da moralidade administrativa e o da supremacia do interesse público sobre o privado, afigurando-se como uma solução prática, viável e eficaz para a problemática.

Sobre o autor
José Flávio Bezerra Morais

Juiz de Direito do Estado do Ceará. Especialista em Direitos Humanos Fundamentais. Professor do Curso de Pós-graduação em Direito Empresarial da Universidade Regional do Cariri (URCA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, José Flávio Bezerra. Inelegibilidade dos que respondem açao de improbidade.: Uma nova interpretação para o art. 1º, I, g, da LC nº 64/90. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1921, 4 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11811. Acesso em: 19 dez. 2024.

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