Em recente decisão, o TSE aprovou a Resolução nº. 22.824/2008, possibilitando que os pré-candidatos a cargos eletivos possam participar de entrevistas, debates e encontros. Diz seu art. 16-A: "Os pré-candidatos e candidatos poderão participar de entrevistas, debates e encontros antes de 6 de julho de 2008, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado, pelas emissoras de rádio e de televisão, o dever de conferir tratamento isonômico aos que se encontrarem em situação semelhante (Res./TSE nº 21.072/2002)."
A referida Resolução da Corte Eleitoral também traz em seu texto a revogação do art. 24 da Resolução nº. 22.718/2008, o qual permitia que os pré-candidatos participassem de entrevistas, debates e encontros antes de 6 de julho de 2008, com a proibição de que não expusessem suas propostas de campanha.
Com fundamento de que os candidatos estavam expondo suas plataformas políticas, o Ministério Público passou a interpor várias representações visando a punição dos infratores, e a aplicação de pesadas multas, na forma do art. 3º, § 4º, da Resolução nº 22.718, ou seja, de R$ 21.282,00 (vinte e um mil duzentos e oitenta e dois reais) a R$ 53.205,00 (cinqüenta e três mil duzentos e cinco reais) ou equivalente ao custo da propaganda.
Inúmeras foram as multas impostas pelo Poder Judiciário Eleitoral aos pré-candidatos em todo o país.
Com a superveniência danova resolução publicada no dia 3 de julho próximo passado, abre-se a discussão sobre a natureza jurídica da norma editada pelo TSE. Sendo norma de punição "administrativa", poderia ocorrer o "abolitio criminis", ou seria o caso de lei temporária ou excepcional?
Entende-se por norma temporária aquela que regula situação transitória, mas delimitada no tempo, ou seja, fixa o prazo de sua vigência. E as normas excepcionais vigem enquanto perdurarem situações especiais, como guerras, calamidades públicas; voltando a situação ao normal, estará a lei automaticamente revogada. Já no caso da "abolitio criminis", a lei deixa de considerar crime conduta que antes era incriminada, na forma determinada pelo art. 2º, "caput", do Código Penal, o qual diz que "ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória."
Em face do princípio da retroatividade da lei mais benéfica, a "abolitio criminis" alcança o fato em qualquer fase em que ele se encontre. Se não há processo, o mesmo não pode ser iniciado; se há ação penal, a mesma deve ser trancada; se há condenação, a pena não pode ser executada; se o condenado está cumprindo pena, deve o mesmo ser solto imediatamente e extinguem-se os efeitos penais da sentença condenatória.
Importante voltarmos no tempo e contextualizarmos a edição da Lei nº 9.504/97, cujo art. 107 revogou o art. 50 da Lei nº 9.100/95. Instado a decidir sobre o assunto, o TSE se pronunciou no sentindo da extinção das multas aplicadas, afirmando que "a revogação da referida norma, que apesar de não ser de natureza penal ostenta índole sancionatória, tem, pelas mesmas razões que justificam a retroatividade em se tratando de leis permanentes, incidência sobre controvérsias pendentes de solução sobre fatos ocorridos anteriormente." (Ag no. 1.903, PE – Rel. Min. Eduardo Alckmin, pub. 04.08.2000, pág. 129)
Naquela ocasião, foram inúmeras as decisões que julgaram extintas as multas aplicadas, dentre as quais podemos citar: REsp Eleitoral 15.243, SP, rel. Ministro Eduardo Ribeiro, pub. 11.08.2000, REsp Eleitoral 15.244, SP, rel. Ministro Maurício Correia, pub. 22.09.2000, Ag no. 1.903, PE – Rel. Min. Eduardo Alckmin, pub. 04.08.200, pág. 129, REsp Eleitoral 15.266, SP, rel. Ministro Maurício Correia, pub. 01.09.2000.
A meu sentir, os casos são idênticos, pois a Resolução nº 22.874, de 01 de julho de 2008, revogou expressamente o art. 24 da Resolução nº 22.718, dispositivo que trazia em seu bojo a proibição de divulgação de propostas de campanha em debates e entrevistas, sendo claramente o caso de "abolitio criminis", já que a permissão agora inserida no texto do art. 16-A traz a permissão expressa de expor as plataformas e projetos políticos.
Tanto é verdade que em casos de abusos a esta permissão, a novel Resolução traz o procedimento, legitimidade e a forma de punição, nos seguintes termos: "eventuais abusos e excessos, assim como as demais formas de uso indevido do meio de comunicação, serão apurados e punidos nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90, sem prejuízo da representação a que alude o art. 96 da Lei nº 9.504/97." (parágrafo único do art. 16-A).
Importante lembrar que, nesses casos, ocorrendo abusos, poderá ser declarada a inelegibilidade do pré-candidato, o que, no texto anterior da Resolução 22.718, não seria possível.
Saliente-se, por oportuno, que no caso de "abolitio criminis" não existe necessidade de qualquer requerimento da parte que foi sancionada com a multa, bastando para tanto o reconhecimento por parte dos Magistrados Eleitorais da extinção da punibilidade, na forma do art. 107, inciso II, do Código Penal Brasileiro.
No julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 15.243, cujo Relator foi o Ministro Eduardo Ribeiro, citado anteriormente, este transcreveu a decisão do TRE de São Paulo, na qual aquele órgão colegiado extinguiu a multa de ofício, acolhendo a tese aqui exposta.
Ficamos, portanto, com a tese da "abolitio criminis", por entender se tratar de caso de extinção da punibilidade, já que o artigo foi revogado expressamente pela novel Resolução 22.874/2008.
Bibliografia
Site www.tse.gov.br, acesso 03.07.2008.
Resolução 22.824, do TSE.
Resolução 22.718, do TSE.
Código Penal Brasileiro, site www.planalto.gov.br acesso 03.07.2008.