7. Fundo para reparação dos danos às vítimas de crimes
Com as novas redações dos arts.201,§5º, e 387, IV, do CPP, acima citados, entendemos mais do que necessário a instituição de um Fundo de Amparo às Vítimas de Crimes para se evitar a alegação de impossibilidade financeira de se reparar o dano e deixar a vítima com os prejuízos, material e moral, causados pelo crime, tornando as disposições legais inaplicáveis.
Note-se que o condenado, durante a execução da pena pode trabalhar e para isso é remunerado (art.29 da Lei nº 7.210/84), sendo aberto uma caderneta de poupança ao condenado que, na época da libertação, receberá o dinheiro (art.29,§2º, da Lei nº 7.210/84) oriundo do seu trabalho na prisão.
Também a família do condenado não fica desamparada, já que existe o benefício de prestação continuada chamado de "auxílio-reclusão", cuja existência é justificada como forma de não deixar desamparado aqueles que dependiam economicamente do condenado [03].
Entretanto, as vítimas de crimes e seus familiares não possuem benefício semelhante ao auxílio-reclusão.
Com raras exceções (art.16 do CP, p.ex.) a vítima acaba no prejuízo, quando por exemplo, tem seu relógio furtado e não recuperado pela polícia.
O Fundo de Amparo às Vítimas de Crimes poderia ser constituído das receitas obtidas com as multas penais, com os valores obtidos pela fiança criminal, confisco de bens e valores comprovadamente obtidos por meio ilícitos (art.91,II, ''b", do CP) e com verbas estatais [04]. Também o dinheiro obtido pelo condenado em seu trabalho durante a execução da pena, poderia ser revertido para o Fundo, dando-se total aplicação ao art.29 §1º, alínea "a", da Lei nº 7.210/1984, hoje praticamente esquecido.
O referido Fundo serviria para que, sobretudo através do trabalho do condenado, do pagamento efetuado por ele da multa penal e da fiança criminal houvesse uma reparação do dano à vítima, ainda que não fosse uma reparação integral, e para o pagamento do atendimento multidisciplinar mencionado no art.201,§5º, do CPP, quando necessário.
Nos crimes como homicídio consumado, os familiares da vítima seriam indenizados, na forma de pensão, com o dinheiro do Fundo, cujo valor seria arbitrado pelo juiz, assim como o tempo de duração, levando-se em conta as condições da vítima, a sua idade e expectativa de vida etc.
Em casos com os crimes de lesão corporal grave ou gravíssima, o condenado pagaria uma pensão a vítima cujo valor equivaleria ao salário que a vítima estava recebendo por seu trabalho na época do crime ou que poderia vir a receber quando fosse trabalhar, levando-se em conta, novamente, o idade, as condições pessoais da vítima etc, aplicando-se o raciocínio estabelecido quando da aplicação pelos juízes em casos de pensão de alimentos e de responsabilidade civil do Estado.
Inclusive os danos morais seriam arbitrados pelo juiz criminal, como, por exemplo, nos casos de estupro, atentado violento ao pudor etc.
Se a vítima ou seus familiares, por questões de ordem moral, religiosa, social etc., não quisesse receber a indenização arbitrada pelo magistrado criminal, o valor deveria ser revertido ao próprio Fundo ou para instituições assistenciais, inclusive porque o condenado sempre estaria apenado também na forma pecuniária.
Com essa nova postura não apenas as vítimas de crimes pequenos e médios seriam ressarcidos (como já o são devido principalmente após ao surgimento da Lei nº 9.099/95), mas também aqueles que foram vítimas de graves delitos [05].
A reparação do delito através do Fundo seria uma forma de "humanização das vítimas dos delitos" [06], visando minimizar os prejuízos sofridos pela vítima e seus familiares.
8. Conclusão
Com as mudanças no Código de Processo Penal fica a convicção de que a tendência atual do direito penal (material e processual) é a valorização da vítima e que há mecanismos legais que podem ser utilizados para minorar a sobrevitimização acarretada pelo crime e levada a cabo pelo processo penal nacional.
A instituição do Fundo de Amparo às Vítimas, a adoção de leis como a do Município de São Paulo e a realização de audiências no estilo "depoimento sem dano" são formas de tornar escassa a sobrevitimização do processo penal. A aplicabilidade dos novos artigos 201 e 387 do CPP é um enorme avanço nesse sentido que deve ser de logo analisado e posto em prática pelo poder público federal.
Juízes, promotores de Justiça, defensores públicos, advogados, delegados de polícia e demais servidores da Justiça devem ter noções de psicologia para melhor tratar as vítimas, bem como, tendo o auxílio dos profissionais da área do Serviço Social e da Psicologia, fato que não diminui a competência dos membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e nem da Advocacia, ainda mais se estes profissionais fossem do quadro de servidores ligados aos Órgãos mencionados. Ao contrário, apenas engrandece as carreiras. O mesmo se diga aos psicólogos e assistentes sociais. Não há qualquer rebaixamento ao ajudar a se alcançar uma Justiça plena e com danos minimizados àqueles que a procuram.
Nas palavras de TRINDADE (2007, p.160):
"O fenômeno da vitimização secundária parece estar se tornando comum no mundo moderno e servindo para o agravamento da situação das vítimas. Por isso, há necessidade de um olhar atento tanto da psicologia quanto do direito, tanto dos psicólogos, quanto dos operadores judiciais. Reconhecer essa situação revitimizatória é sempre questionar os fundamentos em que se baseia a própria sociedade, por isso uma missão de difícil execução".
Não se pode esquecer que um dos fundamentos da República é a dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF) e esta deve ser respeitada e aplicada a todos, pouco importando se são réus ou vítimas.
As vítimas, como já acontece com os acusados, devem ser tratadas como sujeitos de direitos e respeitadas pelos por todos a sua volta e, principalmente, pelos membros do sistema de Justiça.
REFERÊNCIAS:
BARROS, Flaviane de Magalhães. A Participação da Vítima no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
CALHAU, Lélio Braga. Vítima, Direito Penal e Cidadania. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/1124>.Acesso em 20/05/2008.
FERNANDES, Antônio Scarance. O Papel da Vítima no Processo Criminal. São Paulo: Malheiros, 1995.
GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antônio García-Pablos de. Criminologia. 3ª ed. Trad. Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
MANZANERA, Luís Rodrigues. Victimologia – Estúdios de La Víctima. México: Porrúa, 1999.
MIRA Y LOPEZ, Emílio. Manual de Psicologia Jurídica.2ª ed. São Paulo: Impactus, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt. A Vítima e o Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
OLIVEIRA, Frederico Abrahão de. Vítimas e Criminosos, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1993.
PEREIRA, Tânia da Silva. Abuso Sexual de Menores. Revista Visão Jurídica, nº 25, São Paulo: Escala, 2008.
REIS, Nazareno César Moreira. Primeiras Impressões sobre a Lei nº 11.690/2008. A Prova no Processo Penal. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11414>.Acesso em 25/06/2008.
TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
Notas
- Existe a Lei nº 9.807/1999 que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas e que instituiu o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, mas tal legislação não atende por completo aos interesses das vítimas, pois trata apenas daqueles que são ameaçadas, nada tratando sobre aquelas vítimas que sofrem danos materiais e psicológicos decorrentes do próprio crime, sem serem posteriormente ameaçadas.
- Em reportagem veiculada no Jornal "O Globo", de 27/05/2008, foi noticiado que uma jovem, após ser ameaçada com uma faca, teve sua bicicleta roubada enquanto trafegada às 22:00 horas pelo calçadão de uma das praias do Rio de Janeiro. A vítima foi a delegacia registrar ocorrência e ouviu do policial que a culpa do crime era da própria vítima, pois não deveria andar de bicicleta aquela hora da noite e que nada poderia fazer em relação ao caso. A jovem foi embora, sem registrar a ocorrência.
- O auxílio-reclusão está previsto nos seguintes dispositivos: art.201,IV, da CF, art.13 da EC nº 20/98; art.80 do Plano de Benefícios da Previdência Social, art.2º da Lei nº 10.666/2003 e arts.116 a 119 do Regulamento da Previdência Social.
- Apenas de forma complementar.
- Está em tramitação no Congresso Nacional o PL nº 3.503/2004 que cria o Fundo Nacional de Assistência às Vítimas de Crimes Violentos (FUNAV), cuja proposta é parecida a exposta no presente artigo.
- Forma de equilibrar o discurso – correto, diga-se –, de "humanização da pena" (do criminoso).