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Controle difuso da constitucionalidade como garantia constitucional fundamental (art. 5º, XXXV, da CF/88)

Agenda 13/11/2008 às 00:00

O Brasil adotou o sistema jurisdicional misto de controle da constitucionalidade. De um lado, temos o controle abstrato e concentrado, que é exercido em processos de tutela de direito objetivo perante as Cortes Constitucionais pátrias (STF, na sua condição de Corte Constitucional Nacional, e Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal, que também atuam como Cortes Constitucionais Regionais). De outro, temos o controle difuso ou incidental, que é exercido nos processos de tutela de direitos subjetivos.

Qualquer juiz ou tribunal possui competência para exercer o controle difuso ou incidental da constitucionalidade ao apreciar, incidentalmente, de ofício ou mediante provocação da parte ou do interessado, questão relacionada com a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.

Portanto, no Direito brasileiro qualquer juiz ou tribunal pode recusar a aplicação de uma lei, diante de um caso concreto, por considerá-la inconstitucional.

Não é possível, no controle difuso ou incidente da constitucionalidade que se formule pedido ‘principaliter’ de declaração de inconstitucionalidade, o que é próprio do controle concentrado ou abstrato da constitucionalidade.

Se o demandante é quem pretende o exercício do controle difuso ou incidente da constitucionalidade, ele poderá requerê-lo: na inicial, em qualquer manifestação no curso do processo ou até mesmo pela via recursal.

Quando o controle versar sobre norma de conteúdo processual que diga respeito à categoria da admissibilidade processual (pressupostos processuais ou condições da ação), o demandante deverá provocar a discussão da matéria em sede de preliminar da sua inicial.

Todavia, se a norma por ele apontada como inconstitucional diz respeito ao mérito, a discussão da questão deverá constar da causa de pedir, mais precisamente na fundamentação jurídica do pedido.

Já nas hipóteses em que se pretenda o controle difuso ou incidental sobre lei ou norma limitadora ou proibitiva se liminar (cautelar ou antecipação dos efeitos da tutela final pretendida), o demandante deverá suscitar o controle no tópico da inicial referente ao requerimento de concessão da liminar.

O demandado poderá suscitar o controle difuso ou incidental no corpo da contestação por petição incidental nos autos ou pela via recursal.

O terceiro juridicamente prejudicado também poderá suscitar o controle difuso ou incidental por petição nos autos, pela via recursal ou até mesmo pela via do mandado de segurança.

O certo é que não há forma rígida ou prazo para se suscitar o controle difuso ou incidental da constitucionalidade no curso do processo, até porque esse controle é matéria de ordem pública e, por isso, não gera, pelo menos em tese, preclusão.

Por outro lado, a decisão que concluir pela inconstitucionalidade em sede de controle difuso atingirá exclusivamente as partes entre as quais for proferida. Os efeitos são, assim, inter partes e, em regra, ex tunc.

Basicamente são dois os dispositivos constitucionais que fundamentam o controle difuso ou incidental da constitucionalidade no sistema jurídico brasileiro: a) art. 5º, XXXV, da CF, que consagra o denominado princípio da inafastabilidade das decisões judiciais; b) e o art. 97 da CF, que consagra e exige a observância pelos tribunais, para o controle difuso, da cláusula constitucional de reserva de plenário.

Assim, pelo que se observa, o controle difuso ou incidental da constitucionalidade é garantia constitucional fundamental. É o que se extrai do art. 5º, XXXV, da CF, quando diz que "a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Com efeito, tem aplicabilidade imediata (§ 1º, do art. 5º, da CF), não lhe é compatível interpretação restritiva e possui natureza de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, da CF). Não fosse isso, é questão de ordem pública e, a depender da situação, poderá ser também de interesse social, o que impõe, havendo demanda em curso, que o Judiciário se pronuncie inclusive ex officio: nenhum juiz está obrigado a observar uma lei ou ato normativo que entenda que seja inconstitucional.

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Entendemos que é possível que o juiz ou tribunal venham a exercer, excepcionalmente, o controle difuso até mesmo dos efeitos vinculantes de decisão do STF proferida, em controle abstrato na ação com pedido declaratório de constitucionalidade. É certo que esse controle é excepcional, mas poderá ser exercido concretamente, com base no art. 5º, XXXV, da CF, que é garantia constitucional fundamental, para evitar a ocorrência de dano grave, irreparável ou de difícil ou incerta reparação.

A essa conclusão se chega porque o controle difuso da constitucionalidade é garantia constitucional fundamental e o acesso à justiça, como acesso a uma ordem jurídica justa, é um dos mais fundamentais direitos de um sistema democrático; até porque é por seu intermédio que geralmente são viabilizados os demais direitos constitucionais fundamentais.

Também entendemos que é possível o exercício do controle incidental ou difuso da constitucionalidade das súmulas vinculantes, as quais poderão ser editadas pelo STF por força da Emenda Constitucional 45/2004, que se refere à Reforma do Poder Judiciário. Essa Emenda Constitucional fez inserir, dentre outros dispositivos, o art. 103-A na CF, que permite ao Pretório Excelso a edição de súmulas em caráter vinculante. Todavia, poderá ocorrer que a súmula editada pelo STF em caráter vinculante possa, diante de uma determinada situação concreta, gerar lesão ou ameaça a direito e, assim, nada impede o seu afastamento, diante de determinada situação concreta, pelo juízo competente com base no art. 5º, XXXV, da CF, que é, repita-se, garantia constitucional fundamental de aplicabilidade imediata, além de estar inserido dentro da categoria das cláusulas pétreas [01].

Por fim, convém destacar que o STF já firmou entendimento no sentido de que a denegação de medida cautelar, em sede de controle abstrato da constitucionalidade, não impede que se proceda ao julgamento concreto, pelo método difuso, de idêntico litígio constitucional. Aduziu o Pretório Excelso que a existência de decisão plenária proferida em sede de controle abstrato da constitucionalidade, de que tenha resultado o indeferimento do pedido de medida cautelar, não impede que se proceda, desde logo, por meio do controle difuso, ao julgamento de causas em que se deva resolver, incidenter tantum, litígio instaurado em torno de idêntica controvérsia constitucional (RTJ 183/1173-1174, Rel. Min. Celso de Mello; também, cf. RLC 2.530/BA, rel Min. Sepúlveda Pertence).

Por fim, convém destacar que existe uma tentativa no Brasil, atualmente, no sentido da ‘abstrativização’ do controle difuso e incidental da constitucionalidade, principalmente no plano do que é denominado de ‘objetivização do recurso extraordinário’ [02]. Entendemos que essa tese, além de ferir o art. 5º, XXXV, da CF e gerar um verdadeiro sincretismo entre os sistemas do controle difuso e concentrado, também viola frontalmente o art. 52, X, da CF, produzindo situação de flagrante desrespeito ao devido processo legal. A suspensão da vigência da lei declarada inconstitucional, em controle difuso e incidental, pelo plenário do STF, é da competência privativa do Senado Federal. A função do Senado não é somente conferir publicidade à declaração de inconstitucionalidade em tais hipóteses; repita-se, compete, privativamente, à referida Instituição legislativa analisar se existe realmente justificativa para a suspensão da execução, no todo ou em parte, da lei declarada, concreta e incidentalmente, inconstitucional pelo Pretório Excelso [03]. Ademais, uma lei poderá não ser, em abstrato, inconstitucional, mas gerar, em situações concretas, situações de inconstitucionalidade. No controle difuso ou incidental da constitucionalidade, a alegação de desrespeito à Constituição tem de ser analisada concretamente, diante das alegações de fato e de direito que são objeto da causa judicial. Não é adequado afirmar que o controle difuso ou incidental da constitucionalidade constitui-se em espécie de controle puramente objetivo, até porque ele é exercido em processo do tipo subjetivo, onde há litígio e tutela de direito subjetivo, individuais ou coletivos, de sorte que os efeitos da decisão devem ser inter partes [04].

A respeito já se manifestou o Ministro do STF, Gilmar Ferreira Mendes, que defende tese no sentido da ‘objetivização do recurso extraordinário’ e da ‘abstrativização do controle difuso e incidental da constitucionalidade para as hipóteses de decisão Plenária do STF: "(...) parece legítimo entender que, hodiernamente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Desta forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, esta decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que este publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa ‘força normativa’. Parece evidente ser essa a orientação implícita nas diversas decisões judiciais e legislativas acima referidas. Assim, o Senado não terá a faculdade de publicar ou não a decisão, ‘uma vez que se não cuida de uma decisão substantiva, mas de simples dever de publicação’, tal como reconhecido a outros órgãos políticos em alguns sistemas constitucionais (Constituição austríaca, art. 140,5 – ‘ publicação a cargo do Chanceler Federal’ – e Lei Orgânica da Corte Constitucional Alemã, art. 31, (2), ‘publicação a cargo do Ministro da Justiça’). A não-aplicação não terá o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia" [05].

Portanto, há uma nítida tentativa no Brasil, atualmente, no sentido da ‘abstrativização’ do controle difuso e incidental da constitucionalidade, principalmente no âmbito do que é denominado de ‘objetivização do recurso extraordinário’ [06]. Ressalta-se que no julgamento do HC 82.959/2003, o STF demonstrou certa tendência em conferir efeitos ultra partes à decisão em controle difuso da constitucionalidade levado a efeito pelo seu Plenário [07]. Contudo, esse assunto ainda não é pacífico no STF, havendo divergências entre os seus Ministros quanto à admissibilidade da tese referente à ‘abstrativização’ do controle difuso da constitucionalidade. Caso venha essa tese a prevalecer, entendemos que haverá grave afrontamento ao sistema do controle difuso da constitucionalidade, na sua condição de direito fundamental.


Notas

  1. Sobre o tema, NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de: "Súmula simples. Controle da constitucionalidade. Se o juiz pode controlar, ‘in concreto’, a constitucionalidade da lei ou ato normativo que esteja em desacordo com a CF ou a CE, é possível ao juiz, a fortiori, fazer o controle concreto da constitucionalidade de verbete da súmula simples de qualquer tribunal, decidindo a matéria incidente tantum. Assim, por exemplo, pode o juiz não aplicar a súmula sob fundamento de que é contrária ao espírito ou ao texto da CF". Código de processo civil comentado e legislação extravagante.10ª ed., rev., atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 863.
  2. Na defesa dessa tese, além de outros juristas, é o posicionamento do Ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes. Direitos fundamentais e controle da constitucionalidade. 3ª ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 280.
  3. É claro o texto constitucional: "Compete privativamente ao Senado Federal: X – suspender a execução, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal".
  4. ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das ações constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 690-1
  5. Direitos fundamentais e controle da constitucionalidade. 3ª ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 280.
  6. A expressão ‘objetivização do recurso extraordinário’ é bem abrangente, incluindo não só parte dessa tentativa de ‘abstrativização’ do controle difuso de constitucionalidade nos casos das decisões plenárias em recurso extraordinário pelo STF como também outras hipóteses, conforme se extrai da Emenda 12 do Regimento Interno do referido Tribunal e dos arts. 543-A e 543-B do CPC, inseridos pela Lei 11.418/2006, os quais assim dispõem: "Art. 543-A.  O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. § 1º  Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. § 2º  O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral. § 3º  Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. § 4º  Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário. § 5º  Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 6º  O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 7º  A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão." "Art. 543-B.  Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. § 1º  Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. § 2º  Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. § 3º  Julgado o mérito  do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. § 4º  Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada. § 5º  O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral".
  7. Consta de trecho dessa decisão do STF que analisou a inconstitucionalidade incidental do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90: "(...) a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão".
Sobre o autor
Gregório Assagra de Almeida

Promotor de Justiça e Professor Universitário. Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP. Professor do Mestrado da Universidade de Itaúna. Diretor do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Jurista consultor do Ministério da Justiça na reforma do sistema de tutela coletiva.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Gregório Assagra. Controle difuso da constitucionalidade como garantia constitucional fundamental (art. 5º, XXXV, da CF/88). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1961, 13 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11949. Acesso em: 22 dez. 2024.

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