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Execução coletiva em relação aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Algumas considerações reflexivas

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Agenda 08/11/2008 às 00:00

6. A aplicabilidade limitada e condicionada do CPC no plano dos processos coletivos

A aplicação subsidiária do CPC nos processos coletivos, conforme prevista no art. 90 do CDC e no art. 19 da LACP, somente é possível se não ferir as disposições desses diplomas (compatibilidade formal) e nem impedir ou colocar em risco a devida efetividade da tutela jurisdicional coletiva (compatibilidade substancial).

Ocorre que o Código Civil de 1916, elaborado no final do século XIX e início do século XX, foi inspirado em uma filosofia liberal individualista, vindo a disciplinar, tão-somente, conflitos interindividuais. Até mesmo o Código Civil de 2002 não rompe totalmente esse paradigma, tanto que não reservou um capítulo sequer para tratar dos direitos massificados. O CPC/73 foi constituído para ser instrumento de resolução das lides surgidas das relações jurídicas materiais disciplinadas pelo CC/1916, tratando-se de Diploma processual pautado por uma concepção liberal individualista.

Portanto, a filosofia que constituiu o CPC/73 não é compatível com o fenômeno denominado de coletivização do processo. Em razão disso, foram criadas formas próprias e específicas de tutela jurisdicional coletiva, visando justamente resolver os conflitos coletivos em relação aos quais o CPC não se constituía adequado. Contudo, tanto a LACP (art. 19) quanto o CDC (art. 90) prevêem a aplicabilidade subsidiária do CPC. Para que isso ocorra, deve existir compatibilidade necessária com a principiologia do direito processual coletivo. Se essa aplicabilidade subsidiária contrariar as regras previstas no microssistema de tutela jurisdicional coletiva (Livro III do CDC e LACP) ou colocar em risco a efetividade do respectivo direito coletivo tutelado, a aplicabilidade deverá ser rechaçada pelo operador do direito.

Com efeito, observa-se que a aplicabilidade subsidiária do CPC no direito processual coletivo é limitada e condicionada. A interpretação restritiva do pedido (art. 293 do CPC), a estabilização da demanda a partir da decisão saneadora (art. 264, parágrafo único, do CPC), a responsabilidade processual objetiva (arts. 574 e 811 do CPC), entre inúmeras outras disposições do CPC, são diretrizes processuais que, em razão de inibirem e colocarem em risco a proteção dos direitos massificados, não são compatíveis, substancialmente, com a principiologia que rege o direito processual coletivo [55].


7. Execução coletiva:

Delimitar conceitualmente execução coletiva não é tarefa fácil. Até a emergência e a consagração legislativa da tutela jurisdicional dos direitos ou interesses transindividuais, o sentido que se empregava a expressão execução coletiva restringia-se, basicamente, ao plano do concurso universal de credores na falência ou na insolvência civil [56]. A partir da consagração da tutela jurisdicional dos direitos e interesses massificados, o emprego da denominação execução coletiva assume novas dimensões para abranger formas de tutelas jurídicas de concretização dos denominados direitos ou interesses difusos, coletivos em sentido restrito e individuais homogêneos, adequadamente conceituados pelo parágrafo único do art. 81 do CDC.

Apesar de o processo de insolvência civil e o de falência apresentarem algumas características que são próprias dos processos coletivos, como o próprio interesse social a eles inerentes, não trataremos no presente artigo dessas formas de execução tidas como coletivas. Até porque elas foram constituídas com base no direito processual civil clássico e se divorciam, em vários aspectos, da principiologia e diretrizes do direito processual coletivo [57]. Nesse sentido, manifestou Sérgio Shimura:

"(...) na insolvência existe arrecadação de todo o patrimônio, enquanto na execução coletiva ora em foco obedece ao rito dos arts. 646 e ss. CPC. Segundo, porque na insolvência as obrigações derivam de várias fontes (obrigações trabalhistas, tributárias, comerciais, civis etc.); já na execução coletiva em tela a obrigação promana de uma só fonte, isto é, envolve direitos individuais homogêneos. Por fim, na insolvência a execução é necessariamente uma; e na execução coletiva na defesa de interesses individuais homogêneos pode haver a concorrência de execuções individuais das vítimas" [58].

A eliminação, com exceção de algumas hipóteses, do sistema dualístico, que impunha a utilização de duas ações (a de conhecimento e a de execução) para a efetivação de um mesmo direito, também faz gerar dificuldades para a delimitação conceitual da expressão execução coletiva, pois, de acordo com o sistema processual reformado atual, há um verdadeiro sincretismo entre cognição e execução judiciais [59].

Com efeito, a execução coletiva pode ser entendida como a realização material e fática, de forma voluntária ou forçada, de obrigações certas, líquidas e exigíveis, de fazer ou não fazer, de dar coisa certa ou incerta ou de dar quantia, contidas em determinado título executivo judicial ou extrajudicial que reconheça a existência de direitos ou interesses difusos, de direitos ou interesses coletivos em sentido estrito e de direitos ou interesses individuais homogêneos. Contudo, o presente artigo somente abordará a execução executiva forçada, tecendo considerações pontuais e reflexivas. Nesta ótica, a execução coletiva poderá realizar-se como atividade complementar do processo de conhecimento, nos casos em que a obrigação respectiva for fixada judicialmente ou em ação e processo de execução autônomos, o que se dá, geralmente, nos casos dos títulos executivos extrajudiciais.

Contudo, a execução coletiva não se limitar à satisfatividade meramente econômica. As prestações específicas, especialmente as preventivas, ou as ressarcitórias na forma específica, são fundamentais para a tutela adequada e efetiva dos direitos massificados. Considerando a indisponibilidade que se encontra presente nos direitos massificados, especialmente os difusos, a conversão de obrigações específicas em genéricas somente é adequada, no plano da tutela coletiva, quando se tornar impossível a realização da tutela na sua forma específica. Nesse contexto, os meios de coerção assumem papel muito importante, o que se justifica, afirma Elton Venturi, em razão do caráter extrapatrimonial dos direitos ou interesses metaindividuais [60].

7.2 A falta de corpo legislativo próprio e a insuficiência do CPC para reger a execução coletiva

Não há no sistema jurídico brasileiro um corpo legislativo próprio para reger a execução coletiva. O CDC até chega a conferir, de modo muito tímido e insuficiente, tratamento direcionado à execução coletiva no que tange aos direitos ou interesses individuais homogêneos (arts. 95/100 da Lei nº 8.078/90). Em relação aos direitos ou interesses difusos e coletivos em sentido estrito, a situação é a de um completo vazio legislativo. Na Lei nº 7.347/85 (LACP), são, basicamente, dois os dispositivos pertinentes, que teriam aplicabilidade no plano da tutela desses direitos de natureza essencialmente coletiva (arts. 13 e 15). A Lei nº 4.717/65, que regulamenta o exercício da ação popular, somente dedica dois artigos ao tema da execução da sentença proferida no processo instaurado pela ação popular (arts. 14 e 16). A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) dispõe sobre a matéria em um só de seus artigos (art. 18).

Diante disso, o campo de aplicabilidade do CPC na execução coletiva é muito amplo. Isso faz gerar, naturalmente, dificuldades, riscos e prejuízos à efetividade dos direitos ou interesses massificados, pois, como afirmado no tópico 6 deste artigo, o CPC foi elaborado e estruturado para tutelar direitos individuais. Daí a razão da incidência da regra interpretativa no sentido de que a aplicabilidade do CPC nos processos coletivos deva ser subsidiária condicionada/limitada [61]. Nesse sentido, conclui Elton Venturi:

"Na aplicação subsidiária do CPC ao processo coletivo, devemos investigar acerca da idoneidade da transposição pura e simples de dispositivos idealizados originariamente para instrumentalizar pretensões individuais, a fim de não se afrontar princípios informativos ou fundamentais do processo coletivo" [62].

Da mesma forma, os princípios e das diretrizes interpretativas do direito processual coletivo assumem papel nuclear. É por intermédio deles que é possível o controle adequado da aplicabilidade subsidiária do CPC nos processos coletivos.

A escolha, com base no diálogo das fontes, dos mecanismos processuais eficientes para que a execução coletiva cumpra os seus objetivos, conferindo efetividade real principalmente aos direitos ou interesses coletivos já reconhecidos, é uma diretriz interpretativa imprescindível na seara da execução coletiva [63].

Com razão defende Elton Venturi a necessidade de implementação de uma tutela executiva diferenciada para os direitos metaindividuais:

"Parece lícito, reclamar-se pela implementação de uma tutela executiva diferenciada dos direitos metaindividuais que permita, em cada situação concreta, o exato e imediato cumprimento do provimento judicial, uma vez que, consoante Federico Carpi, há ‘estrema difficoltà di utilizzare forme esecutive uniche per tutti i tipi di situazioni Che debbano essere realizzate in via diretta’. Nada mais certo, pois, que se propugnar, ‘de lege ferenda’, pela criação de um procedimento específico, adequado às aspirações de funcionalidade dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos" [64].

Ressalta-se que existe atualmente uma comissão criada no Ministério da Justiça, da qual fazemos parte, que está elaborando um anteprojeto de reforma da tutela coletiva no Brasil. Essa comissão está procurando regulamentar adequadamente a execução coletiva no País.

7.3 A execução coletiva no Código-Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América

Juristas brasileiros deram início a um movimento que ensejou a criação de um Anteprojeto de Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América [65]. Depois de ser debatido em eventos internacionais [66], o Anteprojeto foi convertido em Projeto que, após ser aprovado pela Assembléia-Geral do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, realizada em outubro de 2004, em Caracas, na Venezuela, durante as XIX Jornadas Ibero-Americanas de Direito Processual, foi transformado em Código-Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América [67].

É muito elogiável a iniciativa dos juristas brasileiros e o valor simbólico presente na criação de um Código-Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América é muito grande. Apesar de ser um avanço em relação aos paradigmas legislativos da maioria dos países de família jurídica comum, o referido Código-Modelo não representa inovação se comparado com as conquistas do sistema jurídico brasileiro [68].

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Especificamente no que tange à execução coletiva, é muito tímida a disciplina do Código-Modelo. Ele não confere tratamento amplo à execução. Não disciplina a execução de títulos executivos extrajudiciais [69]; em síntese, observa-se que ele não dedica um capítulo sequer à execução coletiva.

Os artigos 6º e 7º do Código-Modelo disciplinam a tutela específica, reproduzindo, basicamente, o teor do que já é estatuído no CPC brasileiro (art. 461 e 461-A). O art. 8º, disciplinando a ação indenizatória, prevê que, na ação condenatória à reparação dos danos provocados ao bem indivisivelmente considerado, a indenização reverterá ao Fundo dos Direitos Difusos e Individualmente Homogêneos. A novidade concentra-se na previsão de um fundo dos direitos indivisivelmente homogêneos e no tratamento mais amplo do fundo do que a regulamentação do art. 13 da LACP.

O art. 19 do Código-Modelo prevê que a execução será definitiva ou provisória. Contudo, o referido dispositivo estabelece, em seu § 1º, que a execução provisória corre por conta e risco do exeqüente, que responde pelos prejuízos causados ao executado, em caso de reforma da sentença recorrida. Esse dispositivo, também presente no CPC brasileiro (art. 475-O, I), é incompatível com a principiologia que rege o direito processual coletivo, tendo em vista que ele inibe o comparecimento em juízo do representante adequado. No plano da ação coletiva para a defesa dos direitos individuais homogêneos, o Código-Modelo repete, basicamente, o que já é disciplinado no CDC (arts. 96/100).

Portanto, o Código-Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América, na sua condição de trabalho doutrinário, tendo se inspirado e reproduzido parte considerável do que já está consagrado na legislação pátria, não serve de modelo ideal para o aperfeiçoamento do nosso sistema processual de tutela coletiva.

7.4 A execução coletiva no Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos (Anteprojeto USP), em discussão, atualmente, no Ministério da Justiça

O Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos (Anteprojeto USP), atualmente em discussão no Ministério da Justiça, reproduz, com algumas alterações, o que está previsto na orientação do Código-Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América. É muito elogiável a iniciativa dos juristas que têm se dedicado a essa proposta de codificação, com especial destaque para o trabalho desempenhado pela professora Ada Pellegrini Grinover. Entretanto, entendemos que a proposta apresentada contém problemas estruturais e pontuais e precisa ser aperfeiçoada. No caso da execução coletiva, o tratamento conferido pelo mencionado Anteprojeto é muito tímido e insuficiente para libertar o direito processual coletivo, na sua condição de um novo ramo do direito processual, das amarras liberais individualistas do CPC [70].

Em relação ao Anteprojeto em análise, convém destacar que a execução coletiva recebe tratamento nos arts. 2º, 15 e 16, 21, § 3º, 26, 27, 35, 36 e 37 [71]. O art. 2º arrola, em sua alínea r, a obrigatoriedade do cumprimento e da execução da sentença como um dos princípios da tutela jurisdicional coletiva. O art. 15 reproduz a orientação estabelecida no art. 15 da LACP, com alteração do prazo de 60 para 120 dias para a promoção obrigatória da liquidação ou da execução pelo Ministério Público [72]. O art. 16 estabelece que a execução coletiva poderá ser provisória ou definitiva; porém ele prevê, em seu § 1º, que ela corre por conta e risco do exeqüente [73]. Essa orientação, como afirmado acima, contraria a principiologia que rege o direito processual coletivo ao inibir o comparecimento em juízo do representante adequado. O art. 21, § 3º, estabelece que o termo de ajustamento de conduta é título executivo extrajudicial, salvo quando homologado judicialmente, quando passará a ter a natureza de título executivo judicial [74]. O art. 26 do Anteprojeto USP possui redação elogiável pela sua boa técnica jurídica [75]. Esse dispositivo disciplina a ação reparatória e consagra, em seu § 1º, o princípio da não-taxatividade das medidas executivas [76], ao mesmo tempo em que prevê a admissibilidade da conversão da obrigação específica em perdas e danos se for impossível a condenação no cumprimento de obrigações específicas (§ 2º). O art. 27 confere tratamento ao Fundo dos Direitos Difusos e Coletivos com disciplina, no caso, bem mais ampla e mais aperfeiçoada que a do art. 13 da LACP [77]. Os arts. 35, 36 e 37 do Anteprojeto USP disciplina a execução coletiva no plano da tutela jurisdicional coletiva dos direitos e interesses individuais homogêneos. Em geral, salvo algumas inovações, o tratamento reproduz a orientação já presente no CDC (arts. 96/100) [78].

7.5 Princípios e diretrizes interpretativas da execução coletiva

Em tempos atuais, o papel dos princípios constitucionais adquire função nuclear na condição de mandamentos de otimização do sistema, com forma normativa irradiante sobre toda a ordem jurídica. Essa concepção é delineada filosoficamente por diversas concepções que compõem o chamado pós-positivismo jurídico [79]. Esse pós-positivismo, considerado por muitos como uma terceira via para além do jusnaturalismo e do positivismo legalista, coloca o constitucionalismo em substituição ao positivismo legalista, com profundas mudanças em alguns parâmetros, entre elas convém destacar: valores constitucionais no lugar da concepção meramente formal em torno da norma jurídica; ponderação no lugar de mera subsunção; fortalecimento do Judiciário e dos Tribunais Constitucionais, quanto à interpretação e aplicação da Constituição, em substituição à autonomia inquebrantável do legislador ordinário [80]. Nesse novo constitucionalismo (constitucionalismo avançado ou neoconstitucionalismo [81]), a Constituição deixa de ser uma mera Carta Política e passa a ser uma Carta de Direitos Fundamentais com força normativa irradiante e vinculante.

Diante da carência legislativa em determinadas matérias ou da inflação legislativa em relação a outras, os princípios constitucionais expressos ou implícitos, constituem-se, na visão do novo constitucionalismo, parâmetros sob os quais deve ser orientado o estudo, a reforma e a aplicação do direito no plano de uma ordem jurídica democrática.

Tecidas essas considerações, convém apontar alguns princípios e diretrizes que servem como parâmetros de condução da execução coletiva.

O primeiro é o princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva previsto no art. 83 do CPC [82]. Com base no princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum são admitidos todos os tipos de ações, procedimentos, provimentos e medidas necessárias e eficazes para a tutela dos direitos coletivos. Tem esse princípio previsão expressa em lei: art. 83 do CDC, em sua combinação com o art. 21 da LACP, que lhe confere hiper-eficácia na sua condição de norma de superdireito processual coletivo comum. Essa mesma orientação está presente nos arts. 212 do ECA (Lei 8.069/90) e 82 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) [83]. Assim, todos os tipos de ações executivas são cabíveis, bem como todos os tipos de provimentos e medidas executivas necessárias para a efetivação da tutela jurisdicional coletiva. É cabível inclusive a antecipação da tutela coletiva, com determinação judicial de adoção imediata das providências previstas no título executivo. Por força do art. 83 do CDC em sua combinação com o art. 21 da LACP, aplica-se a todas espécies de execução coletiva, por ação autônoma ou por atividade complementar do processo de conhecimento, o disposto no art. 66 da Lei 8.884/94, onde está estabelecido: "Em razão da gravidade da infração da ordem econômica, e havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ainda que tenha havido o depósito das multas e prestação de caução, poderá o Juiz determinar a adoção imediata, no todo ou em parte, das providências contidas no título executivo".

O segundo é o princípio da obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério Público. Em razão da imposição decorrente desse princípio, em caso de desídia dos outros legitimados ativos, o Ministério Público deverá promover a execução coletiva (art. 15 da LACP). Trata-se de princípio que também tem previsão na Lei da Ação Popular, que confere legitimidade ativa provocativa subsidiária ao Ministério Público para a execução coletiva. O órgão de execução do Ministério Público deverá promover a execução coletiva nos casos de desídia do cidadão autor ou de outro legitimado ativo (art. 16 da Lei n. 4.717/65).

Elton Venturi, em excelente obra sobre o tema, apresenta-nos outros princípios pertinentes à execução coletiva, sendo eles: princípio da efetiva prevenção e reparação dos danos causados aos direitos metaindividuais [84]; princípio da maior coincidência possível entre o direito e sua realização [85].

Por fim, a conjugação e a flexibilização de técnicas executivas [86], a exigibilidade de compatibilidade necessária para a aplicação subsidiária do CPC na execução coletiva, a aplicabilidade dos princípios de interpretação e de aplicação do direito constitucional, principalmente o da aplicabilidade imediata (art. 5º, § 2º, da CF/88) e da tempestividade da prestação jurisdicional (art. 5º, LXXVIII, da CF/88), são também diretrizes interpretativas que devem amparar a execução coletiva no Brasil.

José Miguel Garcia Medida fala em princípio da atipicidade das medidas executivas ao comentar o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos (Anteprojeto USP), princípio esse que teria sido adotado pelo art. 26, § 1º, do referido Anteprojeto, transcrito acima, tanto que conclui o autor:

"Observe-se que, considerando-se que no caso da tutela coletiva dos direitos impõe-se uma visão mais substancial do fenômeno, o juiz terá diante de si o fim a ser alcançado, nada impedindo que, frustrada uma ou alguma das medidas executivas empregadas, o juiz estabeleça outra medida executiva que seja mais adequada" [87].

7.6 Execução coletiva em relação aos direitos difusos

Dispõe o art. 81, parágrafo único, inciso I, do CDC, que são: interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. O vocábulo difuso significa derramado, estendido; disseminado; divulgado; generalizado, fluido. No plano do direito, observa-se que a expressão difuso, no sentido de direito ou interesse, significa espécie de direito de dimensão coletiva pertencente a uma comunidade de pessoas indeterminadas e indetermináveis, mas que é de um e de todos ao mesmo tempo. É famosa a indagação de Mauro Cappelletti: a quem pertence a titularidade do ar que eu respiro? [88] É óbvio, pertence a mim e a todos ao mesmo tempo, daí a circunstância fática, absoluta, da sua indivisibilidade.

Utilizando os critérios seguidos pelo CDC, verifica-se que, sob o aspecto subjetivo, os direitos ou interesses difusos têm como titulares pessoas indeterminadas e indetermináveis. Pelo aspecto objetivo, que diz respeito ao objeto desta categoria de direitos ou interesses coletivos, observa-se que eles são indivisíveis. Por fim, pelo aspecto origem, os direitos ou interesses difusos têm origem comum, geralmente sem vínculo jurídico prévio entre seus titulares. Justamente nesse aspecto é que reside a diferença básica entre os direitos ou interesses difusos e os direitos ou interesses coletivos em sentido restrito.

Nos direitos ou interesses difusos não existe prévia relação jurídica base, pois as pessoas estão ligadas por meras circunstâncias fáticas, ao passo que nos coletivos em sentido estrito torna-se importante a existência de prévia relação jurídica base entre os membros da categoria, classe ou grupo de pessoas ou entre essas pessoas e a parte contrária. Portanto, são direitos difusos, v. g., o direito de respirar ar puro; o direito do consumidor de ser alvo de publicidade não-enganosa e não-abusiva; o direito da comunidade sobre a integralidade do patrimônio cultural, moral, ecológico etc.

Observa-se que o art. 5º, § 2º da CF, quando dispõe que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime democrático e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, deixa claro que a relação dos direitos difusos apresentados expressamente na Constituição é meramente exemplificativa. Podem ser extraídos outros direitos difusos do próprio espírito do Texto Maior e de outras normas jurídicas compatíveis com o Estado Democrático de Direito e em vigência no Brasil. Incide aqui o princípio da não-taxatividade do Direito Coletivo.

Em razão da amplitude, da relevância e da complexidade dos direitos ou interesses difusos, seria necessária a criação de um corpo legislativo próprio e adequado para a sua execução coletiva. Todavia, a nossa legislação é carente nesse sentido, o que tem dificultado a efetivação desses direitos com base nos procedimentos executivos do CPC. Na LACP (Lei nº 7.347/85) somente três dispositivos versam sobre a matéria. O art. 5º, § 6º, que prevê a tomada, pelos órgãos públicos legitimados, do compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, conferindo-lhe força de título executivo extrajudicial. O art. 13, que trata dos Fundos estaduais e federais dos Direitos Difusos ou Coletivos. E o art. 15, que dispõe sobre a obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério Público.

Apesar do vazio legislativo, convém tecer algumas considerações pontuais e reflexivas sobre a execução no plano dos direitos ou interesses difusos. Essa execução poderá ser provisória ou definitiva. O art. 14 da LACP, que estabelece que os recursos das decisões proferidas na ACP serão recebidos, em regra, somente no efeito devolutivo, confirma a possibilidade de execução provisória da sentença nos processos coletivos em geral. A legitimidade ativa para a execução é ampla, aplicando-se a orientação prevista nos arts. 5º da LACP e 82 do CDC, salvo quando se tratar de ação civil pública de improbidade administrativa (art. 17 da Lei 8.429/92) ou de ação popular (art. 16 da Lei nº 4.717/65).

Nos casos de sentença que fixe obrigações específicas de fazer ou não fazer ou de dar coisa certa ou incerta, entendemos que a execução (ou cumprimento) poderá ser determinada de ofício pelo juiz. Nesses casos, a ação coletiva é de força dúplice e, não fosse isso, o bem jurídico é de interesse social e substancialmente indisponível. O juiz poderá utilizar-se de todas as medidas executivas pertinentes, inclusive as medidas de apoio do art. 84 do CDC e do art. 461, § 5º, do CPC.

Apesar da redação do art. 84, § 1º, do CDC e do § 1º do art. 461 do CPC, a conversão da obrigação específica em perdas e danos em relação aos direitos difusos somente poderá ocorrer se for impossível o cumprimento da obrigação específica. Os direitos difusos são direitos substancialmente indisponíveis e, por isso, não cabe ao autor a faculdade de optar, a seu bel prazer, pela conversão da obrigação específica em perdas e danos. A reparação do dano deve guiar-se pelo princípio da maior coincidência possível entre o direito e sua realização [89]. O juiz deve tomar todas as medidas executivas possíveis e adequadas, coercitivas ou instrutivas, mesmo que não previstas expressamente em lei, para alcançar o cumprimento da obrigação específica ou alcançar o resultado equivalente. Especialmente no que se refere às reparações dos danos ambientais fixadas judicialmente, ele poderá determinar o acompanhamento do cumprimento das obrigações específicas pelos órgãos ambientais, com a apresentação de relatórios técnicos periódicos, entre outras medidas.

Nos casos de conversão da obrigação específica, fixada, judicialmente, em perdas e danos, ou de condenação judicial em obrigações de dar quantia ou, ainda, nas hipóteses das multas fixadas judicialmente, a execução coletiva observará, em regra, do procedimento previsto nos art. 475-I/475-R do CPC, no que for compatível. O valor resultante da execução será revertido para o fundo dos direitos difusos e coletivos, federal ou estadual, criado pelo art. 13 da LACP. Esse fundo está disciplinado, no plano federal, pela Lei 9008/1995. Contudo, quando se tratar de reparação de dano ao erário, aplica-se o disposto no art. 18 da Lei 8.429/92, revertendo-se o valor da condenação para a pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.

O art. 99 do CDC, que disciplina o concurso de créditos decorrentes de condenação prevista na LACP e as indenizações pelos prejuízos resultantes do mesmo evento, é de duvidosa constitucionalidade. Consta do dispositivo em questão: "Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação prevista na Lei nº 7.347/85, de 24 de julho de 1985, e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento" [90]. A regra de preferência em questão contraria a orientação constitucional que insere os direitos coletivos no mesmo patamar dos direitos individuais, ou seja, no plano da teoria dos direitos fundamentais. Em caso de ponto de tensão concreta, aí sim, seria cabível decisão com base no princípio da proporcionalidade. Regra de preferência em abstrato esbarra nas diretrizes constitucionais (Título II, Capítulo I, da CF/88).

A execução de títulos executivos extrajudiciais, que reconheçam direitos ou interesses difusos, segue, diante da falta de procedimentos específicos e diferenciados, o Livro II do CPC. Essa execução coletiva por ação, em processo autônomo, seguirá o procedimento previsto para a respectiva obrigação a ser executada. Não cabe cumulação de obrigações de naturezas diversas em um mesmo processo, não obstante constem de um mesmo título executivo, como um termo de ajustamento de conduta. Tem incidência, nesses casos, o princípio da especialidade dos procedimentos executivos (art. 573 do CPC). Para a execução autônoma das obrigações de fazer ou não fazer, o procedimento é o do art. 632 e seguintes do CPC. Nas obrigações de dar quantia certa, o procedimento será o do art. 646 e seguintes do CPC, sendo que nas obrigações de dar coisa certa ou incerta, o procedimento é o do art. 621 e seguintes.

O juiz poderá e deverá tomar todas as medidas executivas, coercitivas ou preventivas, visando a efetivação concreta do direito difuso reconhecido no título executivo, estando autorizado a determinar o cumprimento imediato das obrigações do respectivo título, conforme estabelece o art. 66 da Lei 8.884/94, aplicável às execuções coletivas em geral por força dos arts. 83 do CDC e 21 da LACP.

Quando se tratar de execução de multa fixada liminarmente, é mais razoável, pelo diálogo das fontes, aplicar o disposto no art. 461 do CPC, pois as suas disposições têm melhor eficácia social do que o art. 12, § 2º, da LACP, já que este exige o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor para que se possa promover a execução da multa respectiva.

7.7 Execução coletiva em relação aos direitos coletivos em sentido estrito

São considerados direitos ou interesses coletivos pelo CDC, art. 81, parágrafo único, inciso II: os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. No sentido dos critérios do CDC, os direitos coletivos são, sob o aspecto subjetivo, pertencentes a um grupo, categoria ou classe de pessoas indeterminadas, mas determináveis. Sob o aspecto objetivo, por serem transindividuais e metaindividuais, são indivisíveis e indistinguíveis na forma dos difusos. E sob o aspecto origem, seus titulares — grupo, categoria, ou classe de pessoas — estão ligados entre si por uma prévia relação jurídica base, que é mantida entre si ou com a parte contrária.

Esclarecem Nelson Nery e Rosa Maria Andrade Nery que, nos direitos ou interesses coletivos em sentido restrito, os titulares são indeterminados, mas determináveis e estão ligados entre si ou com a parte contrária por relação jurídica base. Da mesma forma que os direitos ou interesses difusos, o objeto desses direitos é indivisível. Seria direito coletivo em sentido restrito como exemplificam os juristas, o direito dos alunos de determinada escola de ter assegurada a mesma qualidade de ensino em determinado curso [91].

Kazuo Watanabe afirma que essa categoria de direitos ou interesses coletivos decorre de uma relação jurídica base já preexistente à lesão ou ameaça de lesão do interesse ou direito pertencente ao grupo, classe ou categoria de pessoas. Portanto, os direitos ou interesses coletivos em sentido restrito não decorrem da relação jurídica surgida com a própria lesão ou ameaça de lesão. O autor cita como exemplo os interesses dos contribuintes do imposto de renda, em que já existe uma relação jurídica base entre os contribuintes e o fisco. Em caso de adoção de uma medida ilegal ou abusiva pelo fisco será possível determinar as pessoas que serão atingidas pela medida [92].

O núcleo conceitual de identificação entre interesses ou direitos difusos e os coletivos em sentido restrito é, destarte, justamente a indivisibilidade, o que os caracteriza como direitos ou interesses superindividuais, diferentemente dos direitos ou interesses individuais homogêneos, que são divisíveis. São considerados direitos ou interesses superindividuais somente no plano processual, tendo em vista o tratamento coletivo que recebem [93].

A execução coletiva no plano dos direitos ou interesses coletivos em sentido restrito seguirá, basicamente, as mesmas orientações previstas para a execução coletiva dos direitos ou interesses difusos, o que dispensa a reprodução, nesta oportunidade, do que já foi considerado no tópico anterior. Todavia, considerando os limites subjetivos da coisa julgada coletiva, os beneficiados somente serão o grupo, a categoria ou classe de pessoas que mantenham relação jurídica base entre si ou com a parte contrária. Nada impede, conduto, a transferência in utilibus da coisa julgada coletiva para o plano individual, nos termos do art. 103, § 3º, do CDC. Quando houver condenação em perdas e danos a direito coletivo em sentido estrito, ou a fixação de multa judicial pelo descumprimento da respectiva decisão, o resultado da condenação ou multa será destinado, em regra, ao fundo criado pelo art. 13 da LACP, estadual ou federal, conforme o caso. Nesses casos, há dificuldade quanto à reparação do dano à respectiva classe coletivamente considerada.

Explica Sérgio Shimura que, diferentemente dos EUA, onde os recursos dirigidos ao fundo são destinados à classe envolvida no litígio, de forma a receberem destinação específica, no Brasil a destinação dos recursos é livre e "(...) diversificada para qualquer outro interesse difuso ou coletivo (art. 1º, § 1º, da Lei 9.009/1995), ou vinculada a fundo específico" [94]. Entretanto, entendemos que nada impede que o juiz fixe, expressamente, na sentença condenatória, orientação no sentido de que os recursos decorrentes da condenação à reparação a direitos coletivos em sentido estrito, carregados ao fundo, sejam empregados em benefício da própria classe atingida, sem prejuízo das indenizações pelos danos individualmente sofridos.

7.8 Execução coletiva em relação aos direitos individuais homogêneos

Direitos ou interesses individuais homogêneos são, pela definição do CDC (art. 81, parágrafo único, inciso III): os decorrentes de origem comum [95]. Usando dos critérios do CDC, extrai-se que, pelo aspecto subjetivo, os direitos ou interesses individuais homogêneos têm como titulares pessoas perfeitamente individualizadas, que podem ser indeterminadas, mas facilmente determináveis.

Pelo aspecto objetivo e pelo caráter predominantemente individualizado são eles divisíveis e distinguíveis entre seus titulares. Pelo aspecto origem são eles de origem comum. Em relação à origem comum é que há ponto de semelhança entre os direitos ou interesses individuais homogêneos e os direitos ou interesses difusos, pois ambas as categorias, diferentemente dos direitos coletivos em sentido estrito, em que se exige prévia relação jurídica base, geralmente nascem ligadas pelas mesmas circunstâncias, não obstante sejam, quanto à titularidade e objeto, totalmente distinguíveis.

Os direitos individuais homogêneos seriam uma categoria de direitos que representa, no plano processual, uma criação técnico-jurídica do direito positivo brasileiro para possibilitar a proteção coletiva dos direitos individuais subjetivos clássicos. A falta de previsão legal certamente dificultaria a tutela processual coletiva desses direitos [96]. Essa homogeneidade deve ser colhida sob o prisma da real possibilidade de identidade ou pelo menos semelhança entre as causas de pedir de cada direito individual, não vinculadas estritamente à existência das mesmas questões de fato. A mesma questão de direito igualmente pode fazer decorrer a origem comum, de fato ou de direito [97]. Seriam, portanto, direitos ou interesses individuais homogêneos, por exemplo, os decorrentes da aquisição (por inúmeras pessoas perfeitamente determináveis) de veículos de uma determinada marca, ano e série, com defeitos de fabricação. Essa situação caracteriza hipótese que enseja a tutela jurisdicional coletiva, tendo em vista que os direitos ou interesses individuais estão ligados pela homogeneidade existente entre eles quanto aos fundamentos de fato e de direito.

A jurisprudência pátria, em muitos julgados, não tem compreendido a distinção correta entre as categorias de direitos coletivos adotadas pelo CDC (art. 81, parágrafo único, I, II, e III). Em muitos acórdãos percebe-se que o direito coletivo em sentido estrito é tratado como sendo direitos individuais homogêneos [98]. Em alguns casos são os direitos coletivos em sentido estrito confundidos com os direitos difusos [99].

A execução no que tange aos direitos individuais homogêneos poderá ser individual ou coletiva, conforme disciplina prevista nos arts. 95/100 do CDC. Prevê o art. 97 do CDC: "A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82".

A execução individual pressupõe, geralmente, a liquidação de sentença, tendo em vista que, em regra, a sentença é condenatória genérica (art. 95 do CDC). Essa liquidação de sentença pela habilitação dos interessados é diferenciada, pois abrange o dano, a relação de causalidade e o quantum do dano. Trata-se de liquidação por ação e processo de conhecimento que deverá seguir o rito ordinário ou sumário, conforme o caso. Fixado o valor da condenação na liquidação de sentença individual, o rito a ser seguido na execução da sentença será o do art. 475-I/475-J do CPC. A execução será atividade complementar do processo anterior de liquidação de sentença. A liquidação individual poderá ser proposta no juízo da condenação ou no próprio domicílio do autor (art. 98, § 2º, I, c/c o art. 101 do CDC) e a execução individual poderá ser promovida no juízo da liquidação ou no da condenação (art. 98, § 2º, I, do CDC).

Já em relação à execução coletiva no plano dos direitos ou interesses individuais homogêneos, prevê o art. 98 do CDC: "A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções". A legitimidade, neste caso, é ampla e abrange, em regra, todos legitimados coletivos do art. 82 ou do art. 5º da LACP, pois também existe a tutela reparatória a danos a outros direitos ou interesses individuais homogêneos que não os decorrentes das relações de consumo. A competência é do juízo da condenação (art. 98, § 2º, II, do CDC) e a execução deverá estar acompanhada de certidão de liquidação (art. 98, § 1, do CDC). O procedimento da execução, nesses casos, em que já houve sentença condenatória e sua respectiva liquidação, é o do art. 475-I/475-J, todos do CPC, no que for compatível. Trata-se de execução coletiva como atividade complementar do processo de conhecimento e o produto resultante da execução será destinado às respectivas vítimas ou seus sucessores, já que a execução coletiva, em tais hipóteses, pressupõe a existência de liquidação de sentença promovida pelos interessados individuais.

Outra hipótese de execução coletiva é a que se destina à reparação fluida (fluid recovery), disciplinada no art. 100 do CDC: "Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida. Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o Fundo criado pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985". Ao comentar o dispositivo, concluiu Elton Venturi:

"Percebe-se aqui, nitidamente, que buscou o legislador inserir, dentro do instrumental coletivo disponibilizado às vítimas de eventos danosos produzidos a seus direitos individuais homogeneizados, uma maneira de, mesmo diante de sua omissão em buscar as reparações individuadas a que fariam jus, não deixar impune o responsável pela prática lesiva" [100].

Discute-se em doutrina se, nas hipóteses do art. 100 do CDC, os interessados poderiam se habilitar perante o fundo para buscar suas indenizações individuais. Sérgio Shimura sustenta que se o demandado já pagou pela indenização devida, não há razão para exigi-la contra o devedor, sob pena violar a proibição do bis in idem [101]. Em sentido contrário é o entendimento de Elton Venturi, o qual sustenta que a única hipótese que o sistema admite a habilitação de credor individual perante o fundo e, mesmo assim, amparado em decisão confirmada pelo tribunal, está regulamentada no art. 99 do CDC [102].

Quando se tratar de tutela ressarcitória na forma específica a direitos individuais homogêneos, a execução seguirá o art. 461 ou 461-A, quando a obrigação estiver amparada em sentença judicial, ou 621 e seguintes ou, ainda, 632 e seguintes, todos do CPC, quando a obrigação específica respectiva estiver reconhecida em título executivo extrajudicial. A execução, nesses casos, poderá ser coletiva ou individual, nos termos dos arts. 97 e 98 do CDC.

Sobre o autor
Gregório Assagra de Almeida

Promotor de Justiça e Professor Universitário. Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP. Professor do Mestrado da Universidade de Itaúna. Diretor do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Jurista consultor do Ministério da Justiça na reforma do sistema de tutela coletiva.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Gregório Assagra. Execução coletiva em relação aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.: Algumas considerações reflexivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1956, 8 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11951. Acesso em: 19 dez. 2024.

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