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A Aids e seus impactos nas relações de trabalho

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Agenda 01/10/2000 às 00:00

4. CONCLUSÃO

Não se pode mais encarar a AIDS como um flagelo, um castigo divino pela iniqüidade humana. Como o câncer deixou, há algum tempo, de ser um pecado, algo terrível a ser escondido, o mesmo deve acontecer com a SIDA no futuro. Ela ainda é sinônimo de morte, mas o período de vida da pessoa contaminada aumenta e não existe possibilidade de se negar que a doença terá, em breve, as características de uma patologia crônica.

Não há mais divisões: os aidéticos culpados (homossexuais, prostitutas e drogaditos) e os aidéticos inocentes (mulheres contaminadas pelos maridos, crianças e hemofílicos). Todos estes, mesmo estas vítimas inocentes, sofrem com o preconceito e o descaso geral de uma sociedade na qual o individualismo, a competição, a produtividade parecem ser a solução para os problemas; afinal, no imaginário popular, não estão os aidéticos aptos a alcançar bons resultados.

Inobstante muitas pessoas perceberem-se imunes frente ao poder do Estado e considerarem a tomada de medidas autoritárias por parte daquele como algo não apenas eficaz para conter a violência, mas também como benéfico para a sociedade, há muito e, cada vez mais, posições como essas vêm perdendo espaço para disposições como as contidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, que pregam o respeito pelo homem.

Mas a discriminação continua. Assim, o simples fato de o empregado ser portador do vírus da AIDS em nada prejudica sua capacidade de trabalho. Ele continua apto a desenvolver atividade produtiva, de maneiras a contribuir a sociedade. Não pode e nem deve haver discriminação. O convívio social e profissional com este empregado não representa qualquer situação de risco e a prevenção da infecção no local de trabalho se dá pela correta informação e pelos procedimentos preventivos pertinentes e não com o afastamento do trabalhador portador do vírus. A solidariedade e o combate à discriminação são a fórmula básica para minimizar as dificuldades dos trabalhadores portadores de HIV ou AIDS e é imperativo que o empregador, em casos de presença de AIDS no local de trabalho, aja segundo os preceitos da ética e do sigilo, proporcionando ao trabalhador infectado ou doente o atendimento próprio e adequado, com vistas à manutenção da qualidade de vida deste empregado.

A empresa deve estar preparada para informar e esclarecer aos seus empregados a respeito das questões pertinentes à saúde. Com vistas a essas situações, ficou estabelecida a responsabilidade do empregador por meio da Portaria Interministerial nº 3.195/88, de promover programas de prevenção e esclarecimento sobre HIV/AIDS. Deve ser ressaltado que a doença não se transmite pelo contato social e que o empregado pode continuar ativo no trabalho, aí podendo permanecer sem sofrer quaisquer tipos de discriminação. A convivência com ele não oferece qualquer risco à saúde dos demais trabalhadores.

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Em geral, a presença de HIV na vida do trabalhador não reduz sua capacidade de trabalhar. Contudo, se isso está ocorrendo, pode-se transferi-lo para outra função, compatível com o seu estado de saúde, ou, então, quando qualquer atividade for impossível, encaminhá-lo ao serviço médico da empresa, com vistas à avaliação e ao encaminhamento para o Auxílio-doença (por incapacidade temporária) ou aposentadoria por invalidez (por incapacidade permanente).

Lembre-se que o papel do serviço de reabilitação funcional do INSS está definido na Lei nº 8.213/91: "Art. 89. A habilitação e a reabilitação profissional e social deverão proporcionar ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e de (re)adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive."

Os Tribunais têm-se manifestado no sentido da manutenção do emprego, quando comprovada a existência de moléstia do empregado no exame demissional. Nesse sentido, tem-se conseguido, por meio de mediações, a anulação do ato da despedida. Ademais, quando o empregado já não é simplesmente um portador e, sim, um doente de AIDS, a dispensa sem justo motivo é proibida, pois se caracteriza como impeditiva aos recebimentos dos direitos previdenciários contidos na Lei nº 7.670/88, quais sejam: a aposentadoria por invalidez e o Auxílio-doença.

Visto isto, conclui-se que:

Ademais, é bom ressaltar que um dia virá em que a AIDS será considerada mal menor, e onde não mais haverá vítimas. Mas, primeiramente, urge eliminar seu pior sintoma: o preconceito.

Por derradeiro, e nesse sentido, a opinião de Dom Eugênio Sales, a respeito da AIDS:

          E cai, como raio, na humanidade, o perigo da AIDS [...] Surge como imposição que atinge, em cheio, a inversão sexual, a troca de parceiros, uma interminável lista de assuntos condenados pela legislação divina. Esse clima revela a decadência dos costumes com as conseqüências de um comportamento humano quando contraria o destino para o qual fomos criados [...]

Os flagelos sociais servem de instrumento para despertar a consciência, explorar a imoralidade reinante, fazer o homem retornar aos caminhos de Deus. (29)


5. NOTAS

  1. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op.cit. p. 154.
  2. SÜSSEKIND, Arnaldo – "Convenções da OIT" – 2. Ed – LTR Editora – Agosto de 1998 – p. 19.
  3. SÜSSEKIND, Arnaldo. Op Cit. p. 258.
  4. Ao longo do trabalho, e por sua extrema importância, tratar-se-á de forma mais detalhada a referida Convenção e seus preceitos.
  5. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Malheiros, 3. ed, 4. tir, p. 29.
  6. SILVA, José Afonso de, - Curso de Direito Constitucional Positivo. – 10. ed. rev. - São Paulo: Malheiros, 1995, p. 105.
  7. DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos – 2. Ed– p.102-103 – Saraiva- São Paulo – 1992.
  8. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. p. 158.-Freitas Bastos-.Rio 1969-
  9. CARRION, Valentin.Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 24. Ed, p. 65 - Saraiva – São Paulo – 1999.
  10. Sem grifos no original.
  11. BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado" – p. 66.- Ed LTR – São Paulo – 1997
  12. "CANDIDATO APROVADO EM CONCURSO E IMPEDIDO DE INGRESSAR POR EXAMES DE SANGUE INCONCLUSIVOS QUANTO A DETECÇÃO O HIV -Ilegalidade do ato administrativo - Segurança mantida.(TJSP -1ª m.; Ap. Cível nº 185.672-1/0-São Paulo; rel. Des. Guimarães e Souza; 23.03.1993; v.u.).BAASP, 1826/538, de 22.12.1993.
    ACÓRDÃO
    Vistos, relatados e discutidos estes autos...ACORDAM, em Primeira Câmara Civil do Tribunal de Justiça, por votação unânime, negar provimento aos recursos.
    I - Trata-se de segurança concedida pela r. sentença de fls. 43/45, cujo relatório é dotado, para que o impetrante continue matriculado no Curso.... .Ao Recurso Oficial somou-se o voluntário onde a Fazenda do Estado busca a reforma de decisão recorrida, para ser denegada a segurança, uma vez que não houve violação a direito líquido e certo. A Administração Pública não pode admitir candidato sem prova conclusiva de sua higidez física e o apelado foi considerado inapto, porque nos exames de sangue o teste para detecção ou não do vírus HIV teve resultado conclusivo.
    Apelo regularmente processado, com resposta.
    Ministério Público, em Primeiro Grau, manifestou-se pelo desprovimento do apelo, enquanto que a D. Procuradoria de Justiça opinou pela reforma da sentença, com cassação do "writ".
    II - O impetrante foi aprovado na primeira fase do concurso para ingresso na A., mas "foi considerado inapto no exame de saúde porque nos exames de sangue realizados no Homocentro e Instituto Adolfo Lutz, para detecção ou não do vírus HIV, o resultado permaneceu inconclusivo"( sic, fls. 29).
    Alega a P. que, "em casos como esse, impõe-se a repetição do exame de três em três meses até que se tenha o resultado positivo. Ora, não pode a Administração Pública admitir o candidato sem a prova conclusiva de sua higidez, pois esse ato seria contrário à lei e dele poderia resultar graves danos e levar à apuração de responsabilidades. Desse modo, o julgamento da aptidão do impetrante não só foi conforme a lei e o interesse público, como também atendeu ao princípio da moralidade, além de ser medida de prudência. Sem o esclarecimento definitivo, o que exige um prazo de 03 (três) meses a 01 (um) ano, não seria possível para a Administração aguardar a solução, uma vez que o resultado geral do concurso de ingresso também deve cumprir o prazo legal. Assim, desde que não comprovada a higidez do impetrado na ocasião do concurso, outra alternativa não havia senão declarar-se a sua inaptidão".A pretensão do impetrante, no sentido de continuar matriculado no Curso..., foi acolhida pela r. sentença recorrida, que merece ser mantida, a despeito da irresignação da Fazenda do Estado. Conforme ficou esclarecido no ofício de fls. 31/32, assinado por O.M.P., "um candidato só pode ser admitido quando se apresenta totalmente apto, dentro dos critérios de admissão, por ocasião do concurso, ou seja, todos os exames solicitados estarem normais (exame clínico geral, oftalmológico, otorrinolaringológico, odontológico, abreugrafia, exames de sangue), o que não ocorreu com o candidato M.M.F. no exame de sangue (teste HIV inconclusivo)". Os exames de sangue realizados no Instituto Adolfo Lutz (testes imunoenzimáticos-Elisa e Western Blot para anticorpos Anti-HIV) apresentaram resultado inconclusivo, para o primeiro teste e indeterminado, para o segundo. Ora, exames cujos resultados foram "inconclusivo" e "indeterminado", a toda evidência, não comprova que o candidato ora impetrante apresentava anormalidade, por ocasião do concurso, como afirmou o ilustre signatário da informação de fls. 31/32. Se não há exame concluindo que o impetrante é portador do vírus HIV, descabe declará-lo inapto para freqüenta o Curso... "Data maxima venia", não se trata de questionar a inaptidão física através de contraprova de aptidão, como entende a d. Procuradoria de Justiça. O que o impetrante não se conforma - e com razão - é com sua exclusão do concurso de admissão, apoiada em exame que não foi conclusivo. impetrante teve, assim, ferido seu direito líquido e certo de continuar freqüentando o curso para o qual foi aprovado na primeira fase, já que não comprovada a sua inaptidão no exame de saúde. Cabe ressaltar possibilidade de dano irreparável caso não fosse concedida a segurança, ainda mais quando novos exames realizados antes de 01 (um) mês dos anteriores e pelos mesmos métodos, em conceituado laboratório, apontam resultados negativos para anticorpos HIV. Vale lembrar que os novos exames são conclusivos, ao contrário daqueles realizados pelo Instituto Adolfo Lutz e que deram causa ao desligamento do impetrante do curso de ingresso na A.  Ante o exposto, nega-se provimento aos recursos. julgamento teve a participação dos Desembargadores Luís de Macedo (Presidente e Alexandre Germano (Revisor), com votos vencedores. São Paulo, 23 de março de 1993. Guimarães e Souza – Relator."
  13. Vide Portaria nº12 – DGS, de 25/01/89 (Instruções reguladoras das atividades de perícias médicas relacionadas com a Síndrome da imunodeficiência adquirida, no âmbito do Ministério do Exército). A Portaria nº 12 conflita diretamente com a orientação ético-legal do Programa Nacional de DST e AIDS, bem como, com as Resoluções do Conselho Federal de Medicina e com a própria Lei nº 6.259/75 que dispõe sobre as ações de vigilância epidemiológica. Inicialmente, em seu artigo 3º, reforça a idéia equivocada de grupos de risco, e em seu artigo 10, utiliza como critério para a exclusão do militar sem estabilidade e infectado pelo vírus HIV, sua orientação sexual (artigo 19 c/c artigos 10 e 9). Tais procedimentos têm levado cabos e soldados que não possuem estabilidade, que são excluídos do serviço militar, sem direito a reforma ou qualquer tipo de assistência, ao Poder Judiciário, atingindo a reintegração ou a reforma do serviço ativo.
  14. SÜSSEKIND,Arnaldo. Op. Cit. P. 514.
  15. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. Atlas – São Paulo – 1999. p. 407.
  16. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. Cit. P. 38.
  17. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho – 8. Ed– São Paulo. 1999. – p. 340
  18. CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho/2. Ed.. Síntese. Porto Alegre. 1999. p. 295.
  19. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op.cit. p. 295.
  20. MARTINS, Sérgio Pinto. Op Cit. P. 296.
  21. MARTINS, Sérgio Pinto. Op. Cit. P. 336;
  22. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. Atlas – São Paulo – 1999. p. 417.
  23. Revista Consulex – nº 5 – 1997 – p. 37.
  24. In Apelação Cível nº 38.677, 2ª Câmara Cível, Porto Alegre, j. 29.10.81, Desembargador Milton dos Santos Martins.
  25. MACIEL, José Alberto Couto. "O trabalhador e o dano moral", Síntese Trabalhista, maio/95, p. 8.
  26. ROCHA, Euclides Alcides, O dano moral no direito do trabalho, Repertório IOB de jurisprudência, nº 13/96, p. 228/222.
  27. FLORINDO, Valdir. Dano moral e o mundo do trabalho – juízo competente, ST 112 – OUT 1998, p. 128.
  28. COSTA, Orlando Teixeira de. Da ação trabalhista sobre dano moral, Revista do Direito do Trabalho, nº 40, p. 485/488.
  29. A Revista Veja, em fevereiro de 1994, anunciava que, entre 1987 e 1993, no Brasil, 35 padres morreram de SIDA.
Sobre o autor
Rafael Francisco França

Delegado de Polícia Federal - Departamento de Polícia Federal, lotado na Delegacia Regional Executiva da Superintendência em Porto Alegre/RS. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Processual Penal, e em Segurança Pública. Mestrando em Ciências Criminais pela PUC/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANÇA, Rafael Francisco. A Aids e seus impactos nas relações de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1201. Acesso em: 23 nov. 2024.

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