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A efetivação de servidores precariamente empossados "sub judice" em cargos de provimento efetivo à luz da Constituição Federal

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Agenda 02/12/2008 às 00:00

5. O princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos de provimento efetivo pela via do certame concursal como preceito constitucional

Restam subjacentes, na espécie, os consectários do princípio do amplo acesso aos cargos públicos por parte de todo cidadão que anseie ingressar nos quadros do funcionalismo estatal, desde que preencha os requisitos legais para ocupação do posto administrativo e, especialmente, se sagre aprovado em certame concursal público de provas ou de provas e títulos (art. 37, I e II, Constituição Federal de 1988). Lembra, nessa toada, Hely Lopes Meirelles:

O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo.

[7]

Em virtude do princípio da isonomia, no sentido de que todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput, Constituição Federal de 1988), não pode a Administração Pública prover cargo público ou nele manter quem não tenha sido completa e regularmente aprovado em todas as etapas e provas de concurso público específico, sob pena de violação não só da própria Carta Magna como ainda dos ditames das Leis de Crimes de Responsabilidade (art. 4º, V, Lei federal n. 1.079/1950 [8]; art. 101, V, Lei Orgânica do Distrito Federal) e de Improbidade Administrativa (art. 11, V, Lei federal n. 8.429/1992: "frustrar a licitude de concurso público"). A esse respeito, pontificam Márcio Barbosa Maia e Ronaldo Pinheiro de Queiroz [9]:

O ato atentatório ao concurso público, em face de sua natureza de princípio constitucional especial, foi corretamente enquadrado como espécie da categoria "atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública". Com efeito, o art. 11, V, da Lei n. 8.429/92 estabelece como ato de improbidade administrativa conduta do agente público que "frustrar a licitude do concurso público". [...] Se o agente público frustrar a licitude de concurso público, ainda que tal conduta não cause lesão ao erário ou não importe enriquecimento ilícito, será enquadrado como ímprobo.

Não é desconhecido que muitos cidadãos anelam pelo sonho de lograr êxito em certame público concursal para fins de gozar dos benefícios da titularidade de cargo de provimento efetivo e da estabilidade no serviço público, ainda mais em se cuidando de postos bem remunerados, como são aqueles componentes de algumas carreiras de maior expressão no cenário da Administração Pública, com retribuição pecuniária superior, como nos casos de Polícia Civil, Militar, Defensoria e Advocacia Pública, Auditoria Tributária e outras de maior magnitude funcional.

Na verdade, milhares de jovens e adultos debruçam-se penosamente nos estudos, por conta própria, ou arcam com os vultosos custos de preparação de cursinhos para concursos, por causa do sonho de pertencer às carreiras efetivas do funcionalismo estatal e de desfrutar de boa remuneração e da proteção da estabilidade contra a perda do cargo público, inexistente no âmbito da atividade privada.

Sendo assim, seria violar o tratamento igualitário que a Administração Pública deve dispensar a todos os cidadãos, sem dúvida, permitir que pessoas não aprovadas em todas as provas e etapas de concurso público, porque o Poder Judiciário abonou sua reprovação administrativa no certame, pudessem ingressar ou permanecer no quadro do funcionalismo estatal, apenas pelo fato de que obtiveram provimento judicial provisório para lhes assegurar a posse no cargo administrativo, posteriormente cassado por decisão judiciária definitiva. Seria o mesmo que dispensar, em última instância, a exigência constitucional de aprovação em concurso público para certos cidadãos pelo mero fato de que tomaram a iniciativa de discutir judicialmente, ao final sem sucesso, sua reprovação no certame concursal. São pertinentes os escritos de Edmir Netto de Araújo a esse propósito:

O direito dos cidadãos de acesso aos cargos públicos (CF, art. 37, I) decorre do princípio fundamental dos regimes democráticos, que é o da igualdade (art. 5º) de todos perante a lei, nas mesmas condições. Se todos são iguais perante a lei, também o são perante a Administração, e por isso, nas mesmas condições, o que abrange o atendimento aos requisitos legais, todos os brasileiros possuem o direito de acesso aos cargos públicos.

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Se alguém que somente tomou posse em cargo público precariamente, lastreado em ordem judicial provisória que foi posteriormente cassada, pudesse, entretanto, permanecer no posto por força de inusitado e inconstitucional ato administrativo de "apostilamento", a despeito da insubsistência de qualquer provimento jurisdicional determinante da permanência dos interessados no posto administrativo, à míngua, em particular, da indispensável aprovação válida em todas as etapas e provas do concurso público, ter-se-ia a indireta abolição do pressuposto da sagração em certame concursal como requisito para ingresso em cargo efetivo no serviço público, o que é temerário e inconstitucional.

Mais ainda, inúmeros cidadãos que prestaram o mesmo concurso, mas foram reprovados na mesma etapa ou prova na qual também não teve sucesso o candidato que ingressou em juízo e obteve decisão judicial provisória (posteriormente cassada) para tomar posse no cargo (enquanto discutia sua reprovação na aludida etapa ou exame) serão tratados de forma desigualitária pela Administração Pública, sem o reconhecimento do direito de ocupar o posto administrativo, apesar de todos, inclusive o autor da ação judicial fracassada, não terem sido aprovados no certame concursal.

Se, no final das contas, nem uns nem outros se sagraram exitosos no procedimento de seleção pública, por que o demandante vencido do processo judiciário, que igualmente foi reprovado no procedimento, teria direito a gozar da investidura permanente em cargo administrativo, enquanto seu co-reprovado cidadão não lograria o igual benefício? Outros cidadãos que não prestaram o concurso, por receio de reprovação nas etapas e provas respectivas, também almejariam desfrutar da condição de servidor público, ocupante de posto de provimento efetivo e com estabilidade no serviço público, sem sujeição aos requisitos de aprovação válida em concurso. Por que favorecer uns e não outros e como assim proceder em face dos ditames dos princípios da impessoalidade e da isonomia?

Calham as lições de Márcio Barbosa Maia e Ronaldo Pinheiro de Queiroz:

O Estado, ao mesmo tempo em que impõe deveres, limitações administrativas, sacrifícios a direitos subjetivos e prescrição de sanções em desfavor dos membros do corpo social, também concede prerrogativas aos administrados, outorgando-lhes um benefício econômico, social ou profissional. Em face dos postulados fundamentais da indisponibilidade do interesse público, da impessoalidade, da moralidade, da eficiência e diante da circunstância de que o número de administrados interessados em obter determinadas prerrogativas públicas é invariavelmente maior do que a sua oferta social, o Estado deverá abrir mão de um procedimento concorrencial, em ordem a compatibilizar o princípio da isonomia com a necessidade de se estabelecer um padrão mínimo e razoável de exigências, a fim de se cumprir excelentemente o interesse público. [...] O concurso público constitui uma das forma de concreção do princípio da igualdade. [11]

Sob a ótica do administrador público, é de se enfatizar, a nomeação, como ato administrativo, pressupõe um motivo de fato e de direito existente: a aprovação ainda válida em concurso público. Incidiria, no caso, o prescrito na Lei de Ação Popular:

Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:

................................................................................................

c) ilegalidade do objeto;

d) inexistência dos motivos;

................................................................................................

Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:

................................................................................................

c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;

d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;

A matéria de fato (aprovação válida em concurso pública ainda com prazo de validade vigente) não existe na hipótese e impossibilita, em conseqüência, a nomeação de candidatos.

Sob outro prisma, ter-se-ia ilegalidade do objeto porque a investidura em cargo de provimento efetivo de pessoa que não dispõe de aprovação válida no certame concursal, porque já expirado seu prazo de validade, configuraria ofensa ao próprio texto constitucional e ao da Lei de Improbidade Administrativa (art. 11, V, Lei federal n. 8.429/1992).

Em se cuidando de conditio sine qua non para a investidura permanente no serviço público, a exigência de aprovação em todas as provas e etapas de concurso específico de provimento do cargo administrativo não pode ser relevada em hipótese alguma, por se cuidar de exigência constitucional, não socorrendo o argumento de que os candidatos sucumbentes na Justiça, precariamente empossados no posto público por força de decisão judicial provisória, posteriormente cassada por outro provimento jurisdicional em contrário, teriam mesmo concluído o curso de formação, pois se cuida de hipótese em que preponderam os princípios da igualdade, isonomia e da moralidade: os cidadãos ocupantes de cargo efetivo na Administração dos três Poderes estatais adquiriram o benefício de serem contratados como pessoal pelo Estado porque, diferindo das demais pessoas igualmente interessadas em serem empregadas pelo Poder Público, se sagraram aprovadas em certame concursal específico.

Certo número de advogados até poderia, quiçá, desempenhar as funções inerentes ao cargo de Procurador do Estado, auditor tributário, promotor de justiça, juiz de direito, se porventura a Administração os nomeasse, sem prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, para os postos públicos em comento - alguns até poderiam concluir com êxito o estágio probatório inicial para confirmação na carreira.

Não obstante, o administrador público não poderia (ainda que tivesse deixado de observar o mandamento constitucional de realizar certame concursal, para contratar profissionais do direito com maior celeridade, sem os entraves e morosidade decorrentes do procedimento administrativo público seletivo) investir nem menos ainda efetivar no cargo efetivo quem não foi laureado pela chancela concursal constitucional. Talvez até conviesse ao Estado – e muitas pessoas poderiam se revelar aptas ao exercício dos postos – contratar diretamente pessoal, todavia a Constituição Federal, em atenção às cláusulas da democracia, da República, da igualdade, da moralidade administrativa, ordenou que a única forma de provimento de cargos efetivos na Administração é a sagração em concurso público.

Não se questiona que muitos cidadãos, precariamente empossados em cargos públicos efetivos à conta de decisões judiciais provisórias, podem revelar aptidão para o exercício dos cargos (da mesma forma que outros que não prestaram as provas de seleção concursal ou foram em algumas delas reprovados o poderiam), mas a única forma de os autores de demandas judiciais, reprovados administrativamente em alguma etapa ou prova do concurso de ingresso na carreira, serem efetivados nos postos é a constituição de provimento jurisdicional definitivo que lhes seja favorável e que os declare aprovados e determine ou confirme o empossamento no cargo público.

Cuida-se, como demonstrado quantum satis, de inexorável exigência constitucional acerca da contratação de pessoal no serviço público para investidura em cargos de provimento efetivo: os candidatos deverão ter sido aprovados em concurso público, sob pena de inconstitucionalidade.


6. Conclusões

Do exposto, infere-se que:

a) a teoria do fato consumado não pode ser invocada para ensejar a permanência em cargo de provimento efetivo de candidatos reprovados em etapas e provas de concurso público que, empossados precariamente, com fundamento em decisão judicial provisória, têm sua sorte atrelada ao desfecho dos processos judiciários;

b) a investidura em cargos de provimento efetivo é ato administrativo vinculado, modo por que a Administração Pública não tem poder discricionário de, à guisa de alegado interesse administrativo ou pessoal dos candidatos reprovados no certame concursal, sucumbentes nos processos judiciais em que discutiam sua reprovação no procedimento seletivo, efetivar ou manter nos postos permanentes pessoas que não se sagraram aprovadas em concurso público de provas ou de provas e títulos;

c) o princípio da isonomia e da ampla acessibilidade aos cargos públicos de provimento efetivo impede que os cidadãos precariamente empossados nos postos administrativos sejam efetivados no serviço público, se reprovados no certame concursal específico.


REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. 13ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005.

MAIA, Márcio Barbosa; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. O regime jurídico do concurso público e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007.

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11. ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29. ed. atual., São Paulo: Malheiros, 2004.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22.ed. rev. e atual, São Paulo: Malheiros, 2003.


NOTAS

  1. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. EDcl no AgRg no Ag 740721 / MG ; EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2006/0016130-5, Relator(a) Ministro GILSON DIPP, Órgão Julgador: QUINTA TURMA, Data do Julgamento: 17/10/2006, Data da Publicação/Fonte: DJ 13.11.2006, p. 288. Acórdão. Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça. "A Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos."Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator.
  2. Brasil. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. 3ª Turma Cível, APC 2002 01 1 108356-3, Desembargadora Relator Dra. Níbia Corrêa Lima
  3. CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. 13ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p. 494-495.
  4. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22.ed. rev. e atual, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 659.
  5. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11. ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2007P. 263
  6. O Supremo Tribunal Federal já consignou que não ofende o decidido na ADC4 o mero restabelecimento de situação jurídica anterior, como no caso de servidor público reintegrado, o qual torna apenas a ocupar o posto e a perceber os vencimentos que já auferia, sem gerar novas despesas para o erário. O STF também admite a tutela antecipada contra a Fazenda Pública em caso de ordem judicial para nomeação e posse de candidatos aprovados dentro do limite de vagas abertas para concurso público de ingresso em determinada carreira (Rcl 6155 MC / CE – CEARÁ- MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Julgamento: 22/08/2008, Publicação DJe-166 DIVULG 03/09/2008 PUBLIC 04/09/2008.
  7. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29. ed. atual., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 413.
  8. Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:

    ....................V - A probidade na administração.

  9. MAIA, Márcio Barbosa; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. O regime jurídico do concurso público e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 34 ss.
  10. ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 266.
  11. MAIA, Márcio Barbosa; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. O regime jurídico do concurso público e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 22 ss.
Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. A efetivação de servidores precariamente empossados "sub judice" em cargos de provimento efetivo à luz da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1980, 2 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12017. Acesso em: 22 nov. 2024.

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