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Lei de improbidade administrativa.

Aspectos processuais relevantes e os reflexos do julgamento final da Reclamação nº 2138 do Supremo Tribunal Federal

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Agenda 28/11/2008 às 00:00

O Supremo perdeu grande oportunidade para guindar o Estado Social e Democrático de Direito nacional à condição de Estado de Justiça, em que a imoralidade administrativa não é admitida.

INTRODUÇÃO

A análise da corrupção desvinculada da política, da história e da estrutura social socioeconômica fica abstrata. Ver apenas pela questão ética é não descobrir o problema,... . É preciso também punições rigorosas, uma sociedade civil organizada e com um olhar atento e crítico sobre o Estado. (APPEL, Emmanuel. Combate à corrupção deve iniciar na escola, Gazeta do Povo. Curitiba, 28 set. 2008. Vida e Cidadania, p. 15). (g. n.).

Preambularmente, é mister que se faça uma breve digressão histórica acerca da etimologia assente do termo improbidade e de sua singular conotação desabonadora em qualquer aspecto e área da convivência humana, maiormente como elemento jurígeno, através dos tempos.

A tanto, eis a inteligência jurídica corrente do vocábulo, haurida de De Plácido e SILVA:

IMPROBIDADE

.
Derivado do latim improbitas (má qualidade, imoralidade, malícia), juridicamente, liga-se ao sentido de desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má índole, mau caráter. Desse modo, improbidade revela a qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que age indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral. Improbidade é a qualidade do ímprobo. E ímprobo é o mau moralmente, é o incorreto, o transgressor das regras da lei e da moral. Para os romanos, a improbidade impunha a ausência de existimatio, que atribui aos homens o bom conceito. E sem a existimatio, os homens se convertem em homines intestabiles, tornando-se inábeis, portanto, sem capacidade ou idoneidade para a prática de certos atos. Improbidade. Na terminologia das leis trabalhistas, a improbidade é a desonestidade, a falta de retidão, o procedimento malicioso, a atuação perniciosa. E o empregado que se enquadra na improbidade dá razões para que seja justamente despedido. A improbidade demonstrada é, pois, justa causa para a dispensa do empregado, sem direito, portanto, a qualquer indenização. [01] (g. n.).

O mesmo autor complementa e conclui essa exegese conceituando o atributo de ímprobo:

ÍMPROBO

.
Do latim in e probus, entende-se mau, perverso, corrupto, devasso, desonesto, falso, enganador. É atributivo da qualidade de todo homem ou de toda pessoa que procede atentando contra os princípios ou as regras da lei, da moral e dos bons costumes, com propósitos maldosos ou desonestos. O ímprobo é privado de idoneidade e de boa fama. ... . [02] (g. n.).

Dessa maneira, tem-se que a improbidade é um mal de repercussões jurígenas graves e incontestes, eis que assentados tais marcos definidores e delimitadores do tema em voga, vislumbra-se que de sua raiz decorrem efeitos deletérios para toda estrutura social e, mormente, para o seio da Administração Pública, por conseqüência.

Nessa quadra, pois, a expressão tem sentido qualitativo-negativo relacionado à conduta do administrador público (agente público, de modo geral) ímprobo, vale dizer, aquele que lesa o patrimônio público e a moralidade administrativa, acarretando, logo, dano a todos os cidadãos administrados.

Aliás, há que se mencionar, portanto, que o legislador ordinário que criou a Lei Federal nº 8.429, de 2 de junho de 1992, [03] preocupou-se em nela adotar uma acepção dilatada de agente público para, dessarte, outorgar uma tutela mais efetiva à Administração e ao erário públicos, consoante preceitua o seu art. 2º, ipsis litteris:

Art. 2º

Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior. [04] (g. n.).

Corroborando a ratio legis invocada na norma supra, é o seguinte aresto do C. Superior Tribunal de Justiça, que demonstra o entendimento assente nesta Corte, porquanto remete a outros de mesmo teor:

Ementa

ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE. CONCEITO E ABRANGÊNCIA DA EXPRESSÃO "AGENTES PÚBLICOS". HOSPITAL PARTICULAR CONVENIADO AO SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). FUNÇÃO DELEGADA. 1. São sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa, não só os servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente público, insculpido no art. 2º, da Lei n.º 8.429/92: "a Lei Federal n. 8.429/92 dedicou científica atenção na atribuição da sujeição do dever de probidade administrativa ao agente público, que se reflete internamente na relação estabelecida entre ele e a Administração Pública, superando a noção de servidor público, com uma visão mais dilatada do que o conceito do funcionário público contido no Código Penal (art. 327)". 2. Hospitais e médicos conveniados ao SUS que além de exercerem função pública delegada, administram verbas públicas, são sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa. (...). Processo REsp 416329 / RS RECURSO ESPECIAL 2002/0021459-3 Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 13/08/2002 Data da Publicação/Fonte DJ 23/09/2002 p. 254 Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento aos recursos, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. (...). Veja STJ - RMS 8845-RJ (RT 751/209), RMS 7492-RJ, RHC 7760-RS, RHC 7966-RS (RSTJ 120/416) Sucessivos REsp 506718 RS 2003/0029288-0 Decisão:20/11/2003 DJ DATA:19/12/2003 PG:00340. [05] (sic). (g. n.).

Sendo assim, com esteio no precedente colacionado, a mens legislatoris em tela fez enquadrarem-se no rol de servidor público todas as pessoas que desenvolvam – ainda que temporariamente ou sem remuneração – mandato, cargo, emprego ou função no âmbito das esferas administrativas direta, indireta e fundacional do Estado, bem como das instituições a este relacionadas, as quais se encontram nomeadas no art. 1º do diploma vertente.

Donde, de relevo, pois, se trazer à baila a dicção desse dispositivo que, inclusive, diga-se de passagem, baliza o vasto espectro de incidência da lei em objeto, in verbis:

Art. 1º

Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos. [06] (g. n.).

Ademais, ressalte-se ainda que o art. 3º da indigitada disciplina legal alarga ainda mais o alcance de suas sanções ao sujeito ativo de improbidade, eis que penaliza até aquele que não se inserindo no contexto de agente público, induz ou contribui para a prática de ato ímprobo ou dele se beneficia sob qualquer meio direto ou indireto.

A propósito, no vetor do que se argumenta, é o que dispõe o art. 3º da normatividade em exame:

Art. 3º As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. [07]

(g. n.).

Daí porque, ex vi do ora expendido, a lex em apreço afigurar-se como um prodigioso e fundamental instrumento colocado à disposição do Ministério Público, dos entes (pessoas jurídicas) prejudicados e de toda a sociedade (desta, mediatamente), para, na defesa da probidade administrativa, [08] combater a corrupção administrativa.

Após essa introdução, haja vista a presença de uma enorme variedade de facetas processuais civis importantes acerca do argüido regramento – e a natural impossibilidade de se abordar a todas nesta sede –, ora haver-se-á de examinar, pois, apenas algumas das mais prementes delas, da seguinte maneira: no próximo capítulo, se procederá à abertura do tema com as considerações iniciais quanto ao mesmo; no seguinte, será abordada a natureza jurídica e a classificação da demanda de improbidade administrativa; no posterior, se tratará da adoção do procedimento comum ordinário, como regra, para a formulação do pleito respectivo, na demanda de improbidade administrativa; na seqüência, falar-se-á sobre a legitimidade ativa para a propositura dessa medida; então, no último, no campo da legitimidade passiva referente à via judicial em objeto, cuidar-se-á de observar a questão mais sensível e atual acerca do assunto vertente, qual seja, a alusiva aos deletérios reflexos advindos do resultado final da votação de todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal na Reclamação nº 2138; e, finalmente, poder-se-á chegar a uma conclusão (por óbvio, não exauriente) a respeito da problemática evocada.

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Nessa medida, o presente trabalho, em linhas gerais, pretende proceder a uma breve abordagem dos referidos tópicos cruciais atinentes ao tema delineado dentro do vasto campo da demanda de improbidade administrativa (aduzida na lex em objeto), consoante se verá na seqüência.


1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A LEI FEDERAL Nº 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992

A defesa da probidade administrativa tem por escopo o alcance de uma Administração Pública (da res publicae) [09] correta, sensata e leal – exercida exclusivamente em função dos administrados –; donde, pois, combater, a toda a evidência, quaisquer condutas desonestas e corruptas, vale dizer, ofensivas à ordem jurídica vigente (ao patrimônio público e moralidade administrativa, em particular), dentre as quais se destacam: favorecimento de minorias (em desprestígio à maioria), tráfico de influências, enriquecimento ilícito, exercício nocivo da função pública, etc..

Daí o motivo pelo qual o instituto (diga-se, em outras palavras, da integridade administrativa) estar adquirindo cada vez maior realce e espaço na doutrina pátria hodiernamente, [10] eis que em tempos pretéritos – ou seja, antes do advento da Lei Federal nº 8.429, aos 2 de junho de 1992 – não havia nenhum instrumento normativo específico, dentro do ordenamento jurídico nacional, como a lex vertente, hábil a tutelar o patrimônio público contra a superveniência de eventuais danos decorrentes de atos administrativos praticados com improbidade.

Assim, antes da entrada em vigor do mencionado diploma legal, a improbidade administrativa era passível de impugnação unicamente através das importantes medidas judiciais da ação civil pública e da ação popular. Com efeito, tais mecanismos não dispunham (e não dispõem), por evidente (eis que resguardam bens jurídicos diversos), [11] de sanções bastantes e peculiares às condutas ímprobas, nem mesmo de uma tipificação ampla e objetiva destas, apta a exteriorizar uma presunção absoluta da prática de algum ato de improbidade.

Desse modo, somente com a gênese do mencionado regulamento, a repressão à improbidade nessa seara obteve, enfim, um tratamento exclusivo, mediante a previsão (explícita) nele inserida de diferentes condutas ímprobas e penalidades respectivas, assim como da via judicial (cível) adequada (a ser utilizada para se pleitear a proteção jurisdicional do Estado) em tais situações. [12]

Tanto isso é verdade que a legislação em referência traz um rol significativo de atos ímprobos (descritos no bojo de seu Capítulo II, em três correspondentes seções) – os quais, consoante aduz, podem: caracterizar enriquecimento ilícito (Seção I, art. 9º), causar prejuízo ao erário (Seção II, art. 10) e/ou atentar contra os princípios da administração pública (Seção III, art. 11) – cominando-lhes (sob a égide de seu Capítulo III) variadas sanções (art. 12).

De mais a mais, nesse diapasão, Flávio Chein JORGE e Marcelo Abelha RODRIGUES asseveram que a norma em pauta possui assento constitucional em comando de eficácia limitada (vale dizer, no § 4º do art. 37 da Carta Magna):

Com raiz no art. 37, §4° da Constituição Federal de 1988, a Lei de Improbidade Administrativa veio ocupar o espaço legislativo da norma de eficácia limitada prevista no referido dispositivo constitucional. Partindo dessa nascente, vê-se que o objeto de tutela da lei é justamente a "probidade administrativa" – qual seja, o atendimento aos princípios insculpidos no caput do art. 37, ao qual o § 4° deve obediência.

[13](g. n.).

Esse raciocínio é verdadeiro e de elevada relevância, eis que oriundo de uma interpretação literal e sistemática do dispositivo em exame, posto que correlaciona o contido no parágrafo em debate com o preceituado em seu caput.

Sendo assim, por decorrência disso, os atos de desonestidade perpetrados em sede administrativa haverão de ser punidos com a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e a indenização ao erário, na forma e gradação preconizadas em lei – a saber, a Lei Federal nº 8.429 em objeto, que só veio a lume aos 2 de junho de 1992 –, sem embargo da ação penal cabível (§ 4º), porquanto implicaram em desobediência aos ditames de qualquer dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (plasmados no caput). [14]

Portanto, a indigitada lei comina sanções diversas aos agentes públicos (conforme prenuncia o seu art. 1º), servidores ou não, que cometam atos que impliquem em afronta à administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes dos entes federados, e, bem assim, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário tenha participado ou participe com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual (caput).

Outrossim, encontram-se submetidos às penas emanadas dessa lex (ex vi da mesma regra citada) as condutas ímprobas que atentem contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, de natureza tributária ou creditícia, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário tenha concorrido ou concorra com menos de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, em tais casos, a sanção patrimonial ao impacto do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos (parágrafo único). [15]

Sobremais, como tivera a oportunidade de salientar Marcelo FIGUEIREDO, a propósito da extensão da cobertura sancionatória do diploma legal vertente, haja vista o fato de, como aventado, este ter dividido os atos de improbidade em três categorias (na forma de seus artigos 9°, 10 e 11, em ordem respectiva), vale dizer, entre aqueles que: (a) geram enriquecimento ilícito, (b) acarretam prejuízo ao erário e (c) ofendem princípios da Administração Pública, tem-se que o mesmo pretende reter em suas malhas os atos de improbidade em seus diversos graus, atribuindo-lhes distintas conseqüências jurídicas.

Mesmo porque, como ressalta, na modalidade de atos que causam prejuízo aos cofres públicos, por exemplo, punem-se condutas dolosas ou culposas, enquanto que naquela pertinente aos que proporcionam enriquecimento sem causa ou transgridem princípios da Administração Pública, reprimem-se apenas condutas dolosas. [16]

De tal sorte, resta inegável a extrema importância de que se revestira a chegada da normatividade em tela para outorgar a essa questão (de tamanha gravidade) uma disciplina específica.

Assentadas, pois, as aludidas premissas vestibulares, ora se procederá aos exames da natureza jurídica e classificação da demanda prevista na legislação em pesquisa.


2 NATUREZA JURÍDICA E CLASSIFICAÇÃO DA DEMANDA PREVISTA NA LEI Nº 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992

Segundo Arthur Mendes LOBO, o entendimento majoritário no âmbito doutrinário e jurisprudencial (no Supremo Tribunal Federal) quanto à natureza jurídica da demanda de improbidade prevista na lei em debate é no sentido de qualificá-la como medida civil de reparação de danos causados por improbidade, contendo como objeto de direito material um misto de responsabilidade civil e administrativa. [17]

A par disso, para Alexandre de MORAES, a índole cível dos atos de improbidade administrativa deriva da própria letra da Constituição, que é ululante ao contemplar a independência da responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa e a possível responsabilidade penal, oriundas da mesma conduta, ao aludir à fórmula "... sem prejuízo da ação penal cabível." [18]

Nessa medida, Wallace Paiva MARTINS JÚNIOR e Mário Antonio de Campos TEBET, recomendando, inclusive, o sancionamento dos atos de improbidade administrativa, tiveram a ocasião de assentar que:

A adequada penalização dos atos de improbidade administrativa, QUE TÊM O CARÁTER DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, está a merecer especial atenção do legislador pátrio no direito penal e processual penal e reclama a inserção de instrumentos eficazes e proporcionais NO COMBATE A ESSA MODALIDADE DE CRIME ORGANIZADO, exigindo um preparo mais efetivo, e igualmente organizado, do Ministério Público e do Poder Judiciário no exercício de suas funções constitucionais

. [19]
(g. n.).

Logo, o agente público que, servindo-se de seu cargo, apropria-se de modo ilícito de dinheiro público haverá de responder, consoante o art. 9º da lex vertente, por ato de improbidade, sem embargo da sanção penal respectiva por crime contra a administração, consignada no Código Penal ou na legislação penal especial. [20]

Nesse tocante, corroborando esse posicionamento, DI PIETRO sublinha que:

A primeira observação a se fazer é no sentido de que UM ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PODE CORRESPONDER A UM ILÍCITO PENAL, SE PUDER SER ENQUADRADO EM CRIME DEFINIDO NO CÓDIGO PENAL OU EM SUA LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR.

É o que decorre da própria redação do dispositivo constitucional, quando, depois de indicar as medidas sancionatórias cabíveis, acrescenta que a lei estabelecerá sua forma e gradação ‘sem prejuízo da ação penal cabível’. Por outras palavras, pode ocorrer que algum dos ilícitos definidos em lei como ato de improbidade corresponda a um crime definido em lei, por exemplo, a um dos crimes contra a Administração Pública previstos no capítulo pertinente do Código Penal ou a um dos crimes de responsabilidade definidos na legislação específica sobre a matéria, (...). Isso permite concluir que: (a) O ATO DE IMPROBIDADE, EM SI, NÃO CONSTITUI CRIME, MAS PODE CORRESPONDER TAMBÉM A UM CRIME DEFINIDO EM LEI: (b) as sanções indicadas no artigo 37, § 4º, da Constituição não têm a natureza de sanções penais, porque, se tivessem, não se justificaria a ressalva contida na parte final do dispositivo, QUANDO ADMITE A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS SANCIONATÓRIAS NELE INDICADAS ‘SEM PREJUÍZO DA AÇÃO PENAL CABÍVEL’; (c) SE O ATO DE IMPROBIDADE CORRESPONDER TAMBÉM A UM CRIME, A APURAÇÃO DA IMPROBIDADE PELA AÇÃO CABÍVEL SERÁ CONCOMITANTE COM O PROCESSO CRIMINAL. [21] (sic). (g. n.).

Dessarte, a responsabilidade criminal atinente às condutas ímprobas fica reservada à ação penal cabível, ex vi mesmo da leitura da parte final do conclamado § 4º do art. 37 da Constituição da República, o qual, como aduzido, distingue a demanda de improbidade administrativa (de cunho cível) da ação penal pertinente (em caso de o ato de improbidade administrativa representar concomitante infração a um tipo penal consagrado no Código Penal ou em sua respectiva legislação extravagante).

A lattere disso, DI PIETRO enfatiza que o ato administrativo ímprobo, quando executado por servidor público, caracteriza também uma conduta administrativa ilícita já inserta na legislação estatutária de cada ente federado, nos seguintes termos:

Além disso, O ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, QUANDO PRATICADO POR SERVIDOR PÚBLICO, CORRESPONDE TAMBÉM A UM ILÍCITO ADMINISTRATIVO JÁ PREVISTO NA LEGISLAÇÃO ESTATUTÁRIA DE CADA ENTE DA FEDERAÇÃO, o que obriga a autoridade administrativa competente a instaurar o procedimento adequado para apuração de responsabilidade

.
NO ENTANTO, AS PENALIDADES CABÍVEIS NA ESFERA ADMINISTRATIVA SÃO APENAS AS PREVISTAS NOS ESTATUTOS DOS SERVIDORES. Não pode especificamente ser aplicada a pena de suspensão dos direitos políticos, por atingir direito fundamental, de natureza política, que escapa à competência puramente administrativa. NÃO SE PODE ENQUADRAR A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COMO ILÍCITO PURAMENTE ADMINISTRATIVO, AINDA QUE POSSA TER TAMBÉM ESSA NATUREZA, QUANDO PRATICADO POR SERVIDOR PÚBLICO. A NATUREZA DAS MEDIDAS PREVISTAS NO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL – o suscitado § 4º do art. 37 em voga – ESTÁ A INDICAR QUE A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, EMBORA POSSA TER CONSEQÜÊNCIAS NA ESFERA CRIMINAL, COM A CONCOMITANTE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO CRIMINAL (se for o caso) E NA ESFERA ADMINISTRATIVA (com a perda da função pública e a instauração de processo administrativo concomitante) CARACTERIZA UM ILÍCITO DE NATUREZA CIVIL E POLÍTICA, PORQUE PODE IMPLICAR A SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS, A INDISPONIBILIDADE DOS BENS E O RESSARCIMENTO DOS DANOS CAUSADOS AO ERÁRIO. [22]

Desse modo, de clareza solar a natureza jurídica cível do ato de improbidade, bem como da demanda que lhe é afeta, não obstante possa ter repercussões nas searas criminal (com a simultânea instauração de processo criminal, em sendo o caso) e na administrativa (mediante a perda da função pública e a instauração de processo administrativo concomitante), conforme salientado.

Todavia, de acordo com Hugo Nigro MAZZILLI, grassa enorme divergência na doutrina quanto à classificação da medida judicial indicada na lei em estudo, pelo que há quem: (a) defenda ser esta uma modalidade de ação civil pública; (b) sustente se tratar de ação popular; e (c) declare ter natureza e classificação particulares.

Com efeito, é evidente que a providência estampada nessa normatização objetiva salvaguardar o interesse público primário dos cidadãos (qual seja, o bem-comum da coletividade), por intermédio da preservação do patrimônio público e do respeito ao princípio constitucional da moralidade administrativa. [23]

Segundo Arnoldo WALD e Rodrigo Garcia da FONSECA, o foco dessa demanda específica, disciplinada na lei em causa, é assaz mais amplo do que aquele preconizado na geral ação civil pública ou na ação popular, uma vez que visa à cominação de diversas penas que descreve, tais como: declaração de nulidade do ato de improbidade, reparação do dano, decretação da perda dos bens havidos ilicitamente, dentre outras.

Vale lembrar, a esse propósito, que, segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal, a ação civil pública apenas se presta à reparação dos danos causados ao erário, não contemplando a perda da função, suspensão dos direitos políticos, multa civil e demais sanções características da normatividade em exame.

No sentido do que se argumenta, é o comentário desses autores:

A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA TEM NATUREZA, CONTORNOS E REGRAMENTOS PRÓPRIOS, NÃO SE CONFUNDINDO COM AQUELES ESPECÍFICOS DAS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS EM GERAL

. O fato de ser civil (em oposição a uma ação penal), ou ser pública, num linguajar Ieigo (no sentido de proteger o patrimônio público, ou da legitimidade do Ministério público para propô-Ia), não faz da ação de improbidade administrativa uma ação civil pública no sentido jurídico do termo. A IMPORTÂNCIA DO ASSUNTO FEZ O LEGISLADOR EDITAR NORMAS ESPECÍFICAS, E É DENTRO DESTE REGRAMENTO ESPECIAL QUE O TEMA DEVE SER TRATADO, DE FORMA A SEREM DEVIDAMENTE GARANTIDOS E PRESERVADOS OS INTERESSES MAIORES DE UMA SOCIEDADE JUSTA, DEMOCRÁTICA E MORALMENTE SADIA.
[24]

Portanto, ao teor do expendido supra, inconteste a natureza cível e ímpar do diploma legal em análise, eis que possuidor de caráter, contornos e delineamentos exclusivos (diversos dos relativos às ações civis públicas em geral), mediante os quais busca precisamente assegurar e resguardar os interesses mais elevados de uma sociedade justa, democrática e moralmente hígida, dando prevalência, assim, à supremacia real do interesse público primário na vida prática dos cidadãos (isto é, à realização in concreto do bem-comum).

Após o acima alinhavado, no próximo capítulo far-se-á alusão ao procedimento (comum ordinário) hábil para a veiculação da demanda sob comento.

Sobre o autor
Dirceu Gênis Pinheiro

Advogado; Pós-Graduado em Direito Processual Grandes Transformações;Pós-Graduando em Direito Civil, Inovações e Conciliador dos Juizados Especiais Cíveis (em Curitiba/PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO, Dirceu Gênis. Lei de improbidade administrativa.: Aspectos processuais relevantes e os reflexos do julgamento final da Reclamação nº 2138 do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1976, 28 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12019. Acesso em: 22 nov. 2024.

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