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Reino Unido: nova forma de Estado?

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Agenda 30/11/2008 às 00:00

5. FORMA DE ESTADO DIREFERENTE PARA O REINO UNIDO

A dogmática da Teoria Geral do Estado procura sistematizar a vida real, isto é, produzir um saber orientado à descrição dos Estados como eles são.

Da análise de todas essas características e dos três modelos tradicionais de Estado, quais sejam, Unitário, Federado e Regional, e em vista da insuficiência da dogmática tradicional de um saber paradigmático como a Teoria Geral do Estado, problematizar este mesmo saber levou à idéia de propor um esforço teórico no sentido de oferecer à velha dogmática um contributo humilde que lhe confira uma feição mais atual. Para tanto, é preciso analisar as principais características do Estado Britânico.

O caractere mais importante do Reino Unido, no que tange à organização do poder, é a descentralização de sua autonomia, que se dá de forma indireta, relativa, e desigual

É indireta a descentralização porque as regiões não são autônomas per si, mas têm sua autonomia "delegada" por ato do Parlamento do Reino Unido, possuidor direto da autonomia.Tanto é que pode tomá-la a qualquer tempo, como veremos a seguir.

É relativa a descentralização porque a autonomia em verdade está sujeita a um controle político realizado pelo Governo Central, que tem a prerrogativa para passar por cima das decisões tomadas a nível regional, por ser o detentor da soberania e por ser o possuidor direto da autonomia.

Perceba que o controle é político, lida com critérios como conveniência, oportunidade. Diferente do que acontece, por exemplo, na Federação. No caso brasileiro, por exemplo: se a Bahia, autônoma, editar lei inconstitucional frente à Constituição Federal, e for proposta ADIn contra tal corpo normativo: neste caso, há descentralização absoluta,ainda que o ato venha a ser anulado pelo Supremo Tribuna Federal – a idéia é que o caractere da relatividade se refira à legitimidade do discurso jurídico de fundamentação de um ato. No caso da lei inconstitucional, não é que haja interferência da Federação na autonomia Baiana para editar leis, pois não há juízo político, apenas um juízo jurídico, visando resguardar a Constituição Federal.

Por derradeiro, é desigual, porque nem todo o território nacional está submetido a uma descentralização, ao passo em que parte dele está submetido necessariamente ao Governo Central, que é formado por membros de todo o país, inclusive por membros das regiões com parlamentos próprios, uma vez que o Governo Central cuida dos interesses de todo o Estado.

Este modelo diverge completamente do modelo federativo, que possui descentralização, segundo essa mesma heurística classificatória, direta, absoluta e igual. Ou do Estado Regional, que possuiria descentralização indireta, absoluta e igual.

A citação de tais parâmetros permite vislumbrar o grau de polarização da autonomia no Reino Unido. A analogia, aqui, é simples: tal qual um imã, que antes de se polarizar distribui seus elétrons por todo o seu corpo, o Governo Central irradiava sua autonomia por todo o Estado. A partir do momento em que a pedra é imantada,seus elétrons se deslocam pelo objeto, polarizando-o. Da mesma forma, a partir do momento da descentralização política, com a criação dos governos regionais, está a autonomia polarizada. E aqui mais uma analogia: se a situação política "esquentar", a imantação declina, isto é, termina a polarização (como aconteceu em Belfast de 2002 a 2007, em virtude da instabilidade política) – tal qual o imã estudado pela Física, que perde suas propriedades magnéticas quando se eleva a sua temperatura.

Assim sendo, e levando em consideração que os desígnios "Estado Unitário", "Estado Federal" e "Estado Regional" se referem ao modus operandi da divisão da autonomia do Estado, sugere-se, aqui, que se cunhe a expressão "Estado Polarizado" para se referir ao modelo genérico de Estado em que o Reino Unido se encontraria incluído, e que por ventura da História algum outro país possa vir a com ele se identificar – marcado que é pelas características acima descritas.

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6. CONCLUSÃO

Com o intuito de arrematar este estudo, cita-se fato de conhecimento geral, mas nem por isso desinteressante: o Reino Unido não participa da modalidade Futebol nas Olimpíadas, nem na Copa do Mundo. Ao invés, no campeonato organizado pela FIFA, Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte atuam separadamente.

Por que essa informação é importante? Na verdade, ela o é a título ilustrativo.

Ora, por que isto ocorre, se as regiões autônomas não são donas de suas soberanias?

Em verdade, Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte são nações separadas na FIFA e disputam Copas do Mundo com seleções distintas, e ranqueadas separadamente – prerrogativa conquistada há décadas e que já se tornou tradição nas Copas do Mundo de Futebol. Por isso, o Reino Unido não poderia disputar a taça, senão o povo escocês, por exemplo, estaria duplamente representado, o que é proibido.

Como o Reino Unido é quem detém a filiação ao Comitê Olímpico Internacional, nem ele (pois a Grã Bretanha não tem filiação junto à FIFA) nem as suas regiões (pois não tem filiação junto ao COI) participam do Futebol nas Olimpíadas. Nos outros esportes, no entanto, o Reino Unido compete de forma integrada.

Isso pode mudar em breve, tendo já sido escolhida Londres para a sede das Olimpíadas de 2012. Já existem pressões para que um time de Futebol represente todo o País.

Esse exemplo ilustra bem como a população britânica convive com situações em que o sentimento de localidade por vezes não coincide com o sentimento pelo que é internacionalmente lhes reconhecido como sua "nação".

Antes das reformas políticas que criaram parlamentos nas divisões históricas do Reino Unido, um sentimento de insatisfação crescente com a autonomia, a participação política e a correlação com uma identidade nacional eram problemas crescentes que o Estado Britânico tinha consciência plena de sua existência.

Dificilmente um país com divisões sub-nacionais com poderes diferentes suportaria as pressões políticas que surgiriam em busca de equiparação, ou mesmo secessão das regiões envolvidas, ou ao menos que quisessem voltar ao status quo anter.

No Reino Unido, no entanto, por conta de toda uma trajetória política e histórica de sucesso e equilíbrio, o Estado continua coeso.

A West Lothian Question pode permanece um impasse, mas não gerou uma crise nacional – na certa, o fato de a Inglaterra possuir um maior domínio no âmbito do Parlamento Britânico contrabalança a ausência de seu parlamento próprio.

Esse modelo bastante interessante de Estado tem muito a ensinar aos outros países no que tange o respeito ao sentimento de localidade e no aperfeiçoamento da democracia participativa. Reformou toda uma estrutura tradicional para atender aos reclames da população por participação política. Outros Estados, quando demandados similarmente, preferem reprimir a sua população, e isso significa maturidade e compromisso por parte do Reino Unido.

Enaltecer esse fato e mostrar como um Estado organizado e desenvolvido pode, simultaneamente, crescer economicamente e atender aos anseios populares é, em parte, para que se prestou esse estudo.


6. BIBLIOGRAFIA

AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Globo, 2002.

BASTOS, Celso Ribeiro de. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Celso Bastos, 2002             

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PARLAMENTO BRITÂNICO, site na Internet do Parlamento Britânico (em inglês): <http://www.parliament.uk/about/how/role/devolved.cfm> , acessado em 22 de Novembro de 2008.

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SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008

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Notas

  1. União Pessoal é o vínculo entre dois Estados que estão ligados apenas pelo fato de serem governados pelo mesmo soberano. Distingue-se, portanto, da União Real, em que dois Estados governados por um mesmo soberano (em União Pessoal) decidem juntar seus aparatos governamentais e abdicar de suas independências em favor da criação de um novo Estado, formado por ambos.
  2. DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 331.
  3. As origens do direito escocês são diferentes das do direito inglês. Algumas matérias do direito escocês procedem, em última instância, de princípios do direito romano, como os sistemas continentais europeus. O direito inglês, por outro lado, foi elaborado historicamente pelos Tribunais de Westminster (Common Law, originada da unificação das jurisdições existentes na Inglaterra à época da invasão dos normandos, e obediência ao precedente obrigatório) e pelo Tribunal da Chancelaria (Equity, que desenvolveu a equidade no caso particular, remediando as situações do caso concreto em nome do Rei, criando "doutrinas equitativas" sistematizadas, onde não havia doutrina jurídica ou codificação).
  4. SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008, p. 349.
  5. Informação obtida no site na Internet do Parlamento Britânico (em inglês): <http://www.parliament.uk/about/how/elections/constituencies.cfm> , acessado em 22 de Novembro de 2008.
  6. SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008, p. 346.
  7. Informação obtida no site na Internet da rede britânica de notícias "BBC Brasil": <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2001/010503_ukelectionsglossario.shtml>, acessado em 22 de Novembro de 2008.
  8. Informação obtida no site na Internet do Parlamento Britânico (em inglês): <http://www.parliament.uk/about/how/members/lords_types.cfm>, acessado em 22 de Novembro de 2008.
  9. DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 335
  10. Informação obtida no jornal "Folha de São Paulo", datado de 26/11/2003.
  11. Informação obtida no site na Internet do Governo Escocês (em inglês): <http://www.scotland.gov.uk/About/18060/11552>, acessado em 22 de Novembro de 2008.
  12. Informação obtida no site na Internet do Governo Escocês (em inglês): <http://www.scotland.gov.uk/About/18060/11555>, acessado em 22 de Novembro de 2008.
  13. SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008, p. 347.
  14. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 255.
  15. BASTOS, Celso Ribeiro de. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Celso Bastos, 2002, p. 235
  16. AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Globo, 2002, p. 365.
  17. CUNHA JR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 795.
  18. Informação obtida no site na Internet da rede britânica de notícias "BBC" (em inglês): <http://news.bbc.co.uk/1/hi/uk_politics/talking_politics/82358.stm>, acessado em 22 de Novembro de 2008.
  19. Informação obtida no site na Internet do Parlamento Britânico (em inglês): <http://www.parliament.uk/about/how/role/devolved.cfm> , acessado em 22 de Novembro de 2008.
  20. Informação obtida no site na Internet da rede brasileira de notícias "UOL": <http://noticias.uol.com.br/bbc/2007/05/08/ult36u45902.jhtm>, acessado em 22 de Novembro de 2008.
  21. Informação obtida no site na Internet da rede britânica de notícias "BBC Brasil": <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2001/010503_ukelectionsglossario.shtml>, acessado em 22 de Novembro de 2008.
  22. SOUSA, Marcelo Rebelo de. apud CARVALHO, Kildade Gonçalves. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 83.
  23. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 255.
Sobre o autor
Marcus Seixas Souza

Graduando em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Doutor em Direito pela UFBA, professor de Direito e Tecnologia na Faculdade Baiana de Direito e sócio do 4S Advogados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Marcus Seixas. Reino Unido: nova forma de Estado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1978, 30 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12033. Acesso em: 23 dez. 2024.

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