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Da inconstitucionalidade da Portaria nº 540 do Ministério do Trabalho e Emprego

Agenda 10/12/2008 às 00:00

1. INTRODUÇÃO

Poucas condutas são tão aviltantes à dignidade da pessoa humana quanto à sua redução à condição análoga à de escravo. Proibir alguém de deixar o trabalho no momento que achar oportuno, explorar aviltantemente as energias vitais de outrem em benefício próprio, submeter subordinado à maus tratos e à absoluta falta de higiene, constranger física ou moralmente trabalhadores ou sujeitar-lhes à condições indignas são condutas que não apenas retiram da vítima os predicados mínimos para o exercício da cidadania, como violentam toda a coletividade. É absolutamente inadmissível que em pleno século XX ainda sejam noticiadas práticas deste gênero.

Para combater esta chaga, cuja existência foi reconhecida oficialmente pelo governo brasileiro no início dos anos 90, foram adotadas medidas como a elaboração do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, a criação do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertrafe) e do Grupo Móvel de Fiscalização, coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Nenhuma destas medidas, contudo, gerou tanta celeuma quanto a edição da Portaria n. 540/2004.

A idéia de se criar um cadastro relacionando os infratores de determinadas normas não é equivocada. Muito pelo contrário, ela está em consonância com a prática adotada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) de tornar público o nome dos países que violam as suas convenções. Trata-se, em verdade de uma política extremamente eficaz por impor sanções morais para quem descumpre as normas postas.

A Portaria n. 540, contudo, foi implantada em desacordo com as garantias da presunção de inocência e do devido processo legal e da legalidade, violando ainda os direitos à propriedade e à livre-concorrência, o que motivou o ajuizamento da Ação Direita. de Inconstitucionalidade (ADI) n. 1155-3 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).


2. Violação da garantia constitucional de presunção de inocência e do devido processo legal.

A Portaria n. 540 estabelece, no seu art. 2º que "A inclusão do nome do infrator no Cadastro ocorrerá após decisão administrativa final relativa ao auto de infração lavrado em decorrência de ação fiscal em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo".

Ocorre que nem o Decreto 4.552, nem as Portarias n. 540 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), nem os dispositivos da legislação trabalhista atualmente vigente definem o que seja trabalho escravo. Percebe-se, com isso, que a figura buscada para inscrição na relação criada pelo Ministro do Trabalho e Emprego, corresponde ao tipo descrito no art. 149, do Código Penal, cuja rubrica é "redução à condição análoga à de escravo" [01].

Esta conclusão reforça-se ante a constatação de que os laudos, elaborados a partir das fiscalizações empreendidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, são em seguida remetidos para o Ministério Público Federal (MPF) e para a Polícia Federal (PF), para a instauração de procedimentos penais. As diligências demonstram que as autoridades do MTE apenas vislumbram a ocorrência, em tese, de delitos. Não podem afirmar que de fato ocorreram, o que cabe, privativamente, à Justiça Criminal, depois do trânsito em julgado de eventual ação penal na qual tenha sido assegurada e exercida a ampla defesa. No entanto, o Cadastro criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego tem o seguinte teor: "Art. 1º Criar, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, o Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo".

Como, porém, afirmar que alguém manteve outrem "em condições análogas à de escravo" antes da conclusão do processo penal correspondente? Impossível. Não é admissível que se crie um cadastro, com a relação de empregadores apenas suspeitos de terem cometido determinado delito, exatamente porque ainda não condenados por tal prática. Menos admissível ainda é criar-se o dito cadastro e nele lançar nomes de quem não foi nem mesmo processado pela prática. Não se imagina mais nítida, manifesta e gritante violação da garantia constitucional de presunção de inocência, estabelecida pelo art. 5º, LVII da Constituição Federal (CF).

A inclusão de nomes no cadastro criado pela Portaria n. 540, ao fim e ao cabo, atribui a quem é meramente investigado ou a quem ainda não foi processado ou, até, não foi condenado por decisão transitada em julgado, pecha altamente infamante, que claramente influi, de modo muito negativo, no âmbito social [02]. O prejuízo à imagem do empregador é, quase sempre, irreparável, e se torna de ilegalidade ainda mais manifesta quando sobrevém absolvição na esfera penal ou, eventualmente, nem mesmo há persecução penal.

Quisesse o MTE instituir alguma lista, somente poderia fazê-lo a partir das condenações penais transitadas em julgado. Nunca diante de meros autos de infração, que servem, apenas e tão somente, no âmbito administrativo. O problema é que, segundo parece, a Administração Pública pretende apresentar resultados que demonstrem o cumprimento de certas metas, as quais, todavia, não podem se sobrepor às garantias constitucionais, não podem prejudicar as mais basilares garantias fundamentais.

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Se o combate ao trabalho escravo é algo que precisa e deve ser feito com vigor, isso não implica considerar legítima a execração pública de quem é apenas acusado de tal prática. O desejo de punir criminosos, mais do que justificável, não pode levar a punir também inocentes. Ora, antes da condenação, o réu é inocente e como tal tem de ser tratado. E antes de haver processo penal, o investigado nem réu é.

A importância e a abrangência da garantia constitucional de presunção de inocência foi recentemente posta em relevo, quando o STF julgou a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPC) n. 144 e decidiu que a pretensão de impedir a candidatura daqueles que ainda respondem a processo – sem trânsito em julgado – agride as mais comezinhas garantias constitucionais. Ofende os princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal. E, na linha da diretriz firmada, o Tribunal Superior Eleitoral (TRF) tem reformado decisões de Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) que impediam candidaturas em razão de condenações em que não houvesse transitado em julgado [03].

Tal como não se pode impedir quem quer que seja de se candidatar a cargo público, por responder a ação penal ainda não transitada em julgado, não se pode incluir em uma lista pública, cujo resultado buscado é a proibição de concessão de crédito e de formalização de contratos, pessoa não condenada e nem mesmo denunciada pela prática do delito de redução à condição análoga a de escravo.

A reforçar a conclusão a respeito da ilegalidade do cadastro criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, por violação do princípio da presunção de inocência, há o fato de o art. 393, I, do CPP, que determina o lançamento do nome do réu no rol de culpados, após sentença condenatória ainda recorrível, considerar-se não recepcionado pelo artigo 5º, LVII, da Constituição, conforme doutrina pacífica e jurisprudência sedimentada [04].

Ora, se não se pode lançar no rol de culpados o réu já condenado, quando a decisão judicial pende de recurso, com muito mais razão não se pode considerar culpado o empregador – lançando-o no rol dos que, conforme art. 1º, da Portaria 540, mantiveram "trabalhadores em condições análogas à de escravo" –, com base, exclusiva e meramente, em auto de infração. O que nem a partir de decisão judicial se pode fazer não faz sentido admitir que se realize por conta de simples ato administrativo.


3. Violação da garantia constitucional da legalidade:

O princípio da legalidade, consagrado no art. 37, caput da Constituição, significa, segundo magistério de Hely Lopes Meirelles, "que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar" (MEIRELLES: 1999, p. 82). Segundo o mesmo autor, "enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza" (MEIRELLES: 1999, p. 82).

Rebuscando-se todo o ordenamento jurídico brasileiro, percebe-se não existir norma legal que tenha criado um cadastro com o nome de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo ou, tampouco, norma legal que tenha autorizado a Administração a criá-lo. Muito menos aceitável é que Administração Pública, além de instituir a referida relação, implemente ações para que disso decorram gravíssimas limitações às empresas lá listadas, tais como a) vedação de acesso a créditos de instituições financeiras públicas e, possivelmente, também de instituições privadas, b) vencimento antecipado dos contratos de financiamento já assinados; c) desgaste da imagem das empresas junto à sociedade civil, como evidencia o 2º Plano para Erradicação do Trabalho Escravo, e d) interferência diretamente em suas transações comerciais com empresas que subscreveram e que vierem a subscrever o pacto nacional para erradicação do trabalho escravo.

Analisando o texto constitucional anterior, mas com argumentos que permanecem absolutamente atuais, Celso Antônio Bandeira de Mello assim pontuou:

"... Tudo isto certamente explicita o caráter cortante dos arts. 5º, II e 84, III, da Constituição brasileira, por força do quais é iniludivelmente claro que só por lei se regula liberdade e propriedade, só por lei se impõe obrigações de fazer ou não fazer, e só para cumprir dispositivos legais é que o Executivo pode expedir decretos e regulamentos. Também por tudo isto se explica o redobrado cuidado do constituinte ao reiterar, no âmbito das liberdades econômicas, a absoluta inteireza e valia destas colunas mestras em nosso sistema, conforme resulta do art. 170 – encarecedor da liberdade de iniciativa – de seu inciso III – e do § 1º deste preceptivo, que, uma vez mais, renova a submissão total dos atos administrativos à lei e a diretriz básica de que só por lei é possível restringir a liberdade econômica. O aludido versículo, repita-se, dispõe ser livre o exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização dos órgãos públicos, salvo os casos previstos em lei" (MELLO: 1970, p. 316)

Não se quer dizer, com o exposto até aqui, que a liberdade invocada seja absoluta, não suscetível de restrição. Longe disso. A própria consagração da função social da propriedade está aí para desmentir qualquer conclusão neste sentido. O que se quer afirmar é que eventual restrição só poderia vir a ser feita através de Lei, nunca por simples Portaria de Ministro de Estado.

O que se percebe, sem nenhum esforço, é mesmo que, ao editar a Portaria 540, o Ministro de Estado de Trabalho e Emprego violou o art. 5º, II da Constituição, bem como o art. 170, parágrafo único, da mesma Constituição, que assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica. O que aqui se afirma já serviu de fundamento para deferir-se liminar em ação tendente a obter exclusão de empresa da lista ora impugnada, como se infere do seguinte acórdão [05]:


4. inconstitucionalidade já reconhecida do CADIN; situação análoga.

A reforçar a conclusão apresentada no item acima, há a decisão tomada no julgamento da liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.155-3, que versou sobre a constitucionalidade do Cadastro de Inadimplentes(CADIN) [06]. Os fundamentos firmados pelo Supremo Tribunal Federal justifica a conclusão acerca da inconstitucionalidade da chamada "lista suja" do Ministério do Trabalho e Emprego, a qual, assim como o CADIN, implica graves restrições financeiras e cria seriíssimos obstáculos contratuais para as empresas que nela incluídas, impossibilitando, inclusive, que continuem a negociar com outras corporações. Aliás, existe mesmo um sério agravante: o prejuízo causado para a imagem de uma pessoa física ou jurídica incluída no cadastro do Ministério do Trabalho e Emprego é consideravelmente maior do que o acarretado para uma que seja incluída no CADIN. Com efeito, imputar a prática de exploração de trabalho escravo é muito pior do que imputar a quem quer que seja a condição de devedor da Fazenda Pública.

Certo é, portanto, que, se o cadastro criado pelo Decreto 1.006/93 já foi reputado inconstitucional, ainda que em decisão por enquanto sumária, com muito mais razão deverá sê-lo também o cadastro instituído pela Portaria 540, do MTE. Na verdade, a similitude de situações é impressionante. Diversas passagens dos votos vencedores reforçam a identidade do contexto jurídico. Bastante elucidativo, no particular, o voto do relator, Min. Marco Aurélio, segundo quem: "Exsurge extravagante a disciplina de providências que, em última análise, cerceiam a atuação dos interessados no campo econômico, sem que, para isto, houvesse a edição de ato normativo sob o ângulo formal e material"

No mesmo sentido foi o voto do Min. Neri da Silveira, segundo quem "por via de um Decreto, não cabe estabelecer essa forma de interdição ao acesso a estabelecimento oficial de crédito para empresas."

Ora, se o Supremo Tribunal Federal não admite que se restrinja a atuação, no campo econômico, pela via de Decreto, instrumentos de competência exclusiva do Chefe do Executivo, com muito mais razão não se pode admitir que isso seja feito pela via de Portaria, ato que cabe a autoridades de qualquer escalão de comando, desde que inferiores ao Chefe do Executivo(GASPARIN: 2006, p. 90). Reafirma-se, pois, a conclusão de que só por lei é possível restringir a liberdade econômica.

Em seu voto, o Min. Moreira Alves justificou a concessão da liminar alegando ser o CADIN "uma forma indireta de compelir o indivíduo a pagar ainda que não seja devido o pagamento". Até nisto o cadastro em questão se assemelha ao que fora posteriormente criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Com efeito, o último condiciona a exclusão do nome do infrator ao pagamento das multas resultantes da ação fiscal, bem como, da comprovação da quitação de eventuais débitos trabalhistas e previdenciários" (art. 4º, § 1º, da Portaria 540/2004).

Fica claro que, para ser excluído do cadastro, o empregador não pode discutir valores. Tem de quitá-los e comprovar o pagamento, além de cumprir as demais exigências detalhadas na portaria.

Do exposto tira-se que, a prevalecer o entendimento consagrado pelo Excelso Pretório em situação cuja similitude é flagrante, a única conclusão possível é mesmo a da evidente inconstitucionalidade da Portaria 540.


5. Violação dos direito à propriedade, à livre concorrência e à ampla defesa.

A Constituição incluiu, entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, os valores sociais da livre iniciativa (art. 1º, IV) e, entre os princípios gerais da atividade econômica, a propriedade privada e a livre concorrência (art. 170, II e IV). Com base neles, os empreendedores têm o direito de exercer a sua atividade econômica, sem indevidas e ilegais ingerências externas que possam limitar o seu direito de dispor da propriedade ou dificultar a sua concorrência com outras empresas, quer no cenário nacional, quer mesmo no internacional. Eventuais limitações a estes direitos teriam que ser instituídas e regulamentadas por lei. Eventuais punições, aplicadas em procedimentos judiciais em que assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa, como nos casos de desapropriação.

Criar restrições a estes direitos, sem que haja previsão legal expressa, e sem que a irregularidade apontada tenha sido provada em procedimento judicial, instaurado sob a égide do contraditório e da ampla defesa, consiste em flagrante inconstitucionalidade.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que fora exposto, há que se lamentar que a política de criar uma cadastro relacionando os empregadores que fizerem uso de trabalho escravo, que em muito poderia contribuir para o combate a esta chaga, tenha restado prejudicada pela inércia do legislador, precipitação de alguns órgãos da administração e, quiçá, falta de diálogo entre eles.

Isto porque, por mais nobres que sejam os fins buscados, não há como se admitir normas e atos administrativos que ignorem as garantias da legalidade, da presunção de inocência, do devido processo legal e violem os direitos à propriedade, à livre-iniciativa e à ampla defesa. Admitir o contrário seria retroceder no tempo e consagrar a ultrapassada tese maquiavélica que apregoa que os fins justificam os meios.

Nada impede, é bem verdade, que os vícios apontados sejam corrigidos. Basta, para tanto, que seja aprovada uma lei criando o cadastro de infratores em questão e que seja alterada a redação da portaria para que a inclusão de nomes nela só tenha lugar após o trânsito em julgado de condenação penal.


BIBLIOGRAFIA

FAVA, Marcos Neves. Combate ao trabalho escravo: "lista suja"de empregadores e atuação da justiça do trabalho. In: Revista LTr, volume 69, número 11, novembro de 2005, pp. 1326/1332.

GASPARIN, Diógenes. Direito administrativo, São Paulo, Saraiva, 2006, 11ª edição, p. 90.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo, Malheiros, 1999, 24ª edição.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Comentários à Constituição de 1967, com a emenda 1/69, t. III. São Paulo, RT, 1970, 2ª ed, p. 316


Notas

  1. Corroborando esta conclusão há o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal (STF): TRABALHO ESCRAVO – DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DE PROTEÇÃO AO PRESTADOR DE SERVIÇOS. O simples descumprimento de normas de proteção ao trabalho não é conducente a se concluir pela configuração do trabalho escravo, pressupondo este o cerceio da liberdade de ir e vir (STF 1ª Turma. RE 466.508-5. Relator Min Marco Aurélio. Publicado no DJE em 01/02/08 e no Ementário n. 2305-5).
  2. Assim se pronunciou Marcos Neves Fava: "Como a notícia da prática provoca conseqüências graves aos empregadores ali identificados, tais como a dificuldade de acesso a financiamento de bancos públicos, a participação em licitações, ao lado de inequívoco prejuízo à imagem comercial do empreendedor, é presumível que haja busca de tutela jurisdicional para impedimento da inscrição, ou seu cancelamento". (FAVA: 2005, p. 1330). E destacou ainda: "Ampla divulgação da lista suja afastará, ainda, os consumidores dos produtos ou serviços da empresa, inibindo, pelo prejuízo comercial, a manutenção da prática escravagista" (Ibid, p. 1332).
  3. "ELEIÇÕES 2008. REGISTRO DE CANDIDATO. PREFEITO. VIDA PREGRESSA. CONDENAÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. AUSÊNCIA. ART 14, §9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO AUTO-APLICABILIDADE. RECURSO PROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Sem o trânsito em julgado de ação penal, de improbidade administrativa ou de ação civil pública, nenhum pré-candidato pode ter seu registro de candidatura recusado pela Justiça Eleitoral (Cta. N.1.621/PB). 2. Decidiu o Supremo Tribunal Federal que a pretensão de impedir a candidatura daqueles que ainda respondem a processo – sem trânsito em julgado – viola os princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal (ADPF n. 144/DF). 3. Não é auto-aplicável o disposto no artigo 14, § 9º da CF. 4. Agravo regimental desprovido" (RESPE – 29028, Processo n. 29028, Publicado em Sessão no dia 26/08/2008).
  4. Neste sentido posicionou-se o Superior Tribunal de Justiça: "...o princípio constitucional da presunção de inocência...assegura...que os nomes dos réus não sejam lançados no rol dos culpados antes do trânsito em julgado da decisão condenatória" (STJ – 5ª T., HC 31.405/RO, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julg. em 11.05.2004 in DJU de 01.07.2004, p. 229). Posição similar à adotada pelo Supremo Tribunal Federal: "PRINCÍPIO DA NÃO-CULPABILIDADE DO RÉU. - O postulado constitucional da não-culpabilidade do réu impede que se lance o nome do acusado no rol dos culpados, enquanto não houver transitado em julgado a condenação penal contra ele proferida"(STF – 1ª T., HC n. 72610/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julg. em 05.12.1995 in DJU de 06.09.1996, p. 31.850).
  5. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCLUSÃO DO EMPREGADOR EM CADASTRO DE EMPREGADORES QUE TENHAM MANTIDO TRABALHADORES EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO. PREVISÃO CONTIDA EM PORTARIA. APARENTE OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. EXISTÊNCIA DE "PERICULUM IN MORA". 1. Relevância da fundamentação de que a criação de cadastro de empregadores que empregam mão-de-obra escrava, e com a conseqüente perda de acesso ao crédito oficial, deve ser feita por meio de lei (Carta Magna, art. 5º, II), e não de portaria. 2. Ocorrência de "periculum in mora", porquanto o registro no cadastro em causa impede o nele inscrito de ter acesso a crédito oficial. 3. Agravo de instrumento provido (TRF – 1ª Região, 6ª Turma, Ag 2005.01.00.011127-9/MT, Rel. Des. Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, Publicado no DJ, p. 93 em 14/08/06).
  6. Assim ficou a ementa do julgado: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LIMINAR. Concorrendo a relevância jurídica do pedido formulado e o risco de manter-se com plena eficácia dos preceitos do ato normativo relativamente aos artigos 3º ao 11 do Decreto 1.006, de 09 de dezembro de 1993, no que vedam, com as conseqüências neles previstas, a realização de operações de crédito, inclusive a concessão de garantias, de incentivos fiscais e financeiros, a celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos financeiros outros procedimentos a serem definidos pelo Ministério da Fazenda relativamente às pessoas jurídicas ou naturais responsáveis por obrigações pecuniárias vencidas e não extintas, por pagamento ou qualquer outra forma legal para com órgão ou entidade federal, inclusive instituições oficiais federais do Sistema Financeiro Nacional, isto a pretexto de regulamentar o artigo 6º da Lei n. 8.627, de 19 de fevereiro de 1993, no que versa sobre o pagamento da remuneração, proventos vencimentos dos servidores públicos federais, civis e militares. (STF, Pleno, ADIN n. 1.155-3, Rel. Min. Marco Aurélio in DJU de 14.05.2001)
Sobre o autor
Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho

Mestre e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutor em Direito pela Université de Nantes (França). Professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas. Professor, Coordenador de cursos de pós-graduação e membro do Conselho Curador da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti. Da inconstitucionalidade da Portaria nº 540 do Ministério do Trabalho e Emprego. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1988, 10 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12063. Acesso em: 16 nov. 2024.

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