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O jus postulandi como meio de assegurar a garantia fundamental de acesso à justiça

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Agenda 18/12/2008 às 00:00

9 GARANTIA FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA

Com a promulgação da Constituição de 1988, ganha destaque no país a figura do Estado Democrático de Direito. Uma de suas principais ferramentas são os Direitos e Garantias Fundamentais, dispostos no título II da Carta Magna.

Oportuna a lição do nobre constitucionalista Paulo Bonavides: "Com efeito, não é possível compreender o constitucionalismo do estado social brasileiro contido na Carta de 1988 se fecharmos os olhos à teoria dos direitos sociais fundamentais, ao princípio da igualdade, aos institutos processuais que garantem aqueles direitos e aquela liberdade[...]". [6]

Longe de querer esgotar o tema, mesmo porque não se pretende proceder um exame mais profundo, porém ao se analisar os direitos e garantias fundamentais trazidos pelo legislador constituinte, conclui-se que o acesso à justiça é norma constitucional de eficácia plena e aplicação imediata, que representa uma das garantias básicas e mais importantes do moderno sistema jurídico instaurado a partir de 1988, sempre com a finalidade de proporcionar um Estado mais justo.

Observa-se, ainda, que a assistência judiciária gratuita (art. 5º, LXXIV), bem como o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV) são mecanismos harmônicos e apontam na mesma direção: a busca da garantia de acesso à uma justiça efetiva.

Esta também é a conclusão a que chega Georges Louis Hage Humbert, em estudo de caso, em que abordou o assunto:

É acertado, desta forma, falar-se em uma garantia fundamental ao acesso à justiça, que engloba a assistência jurídica gratuita e, entre outros direitos e garantias, o direito de petição, o direito de obtenção de certidões e informações, e o próprio princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário. O traço comum existente entre as referidas normas é que todas visam permitir a promoção da justiça e igualdade, imprescindível a qualquer Estado de Direito e para consecução dos direitos fundamentais. [7]

9.1 ASSISTÊNCIA JURÍDICA EM SENTIDO AMPLO

Para Greco Filho(1994,p.45): "[...]A distribuição da justiça é uma das atividades essenciais do Estado e, como tal, da mesma forma que a segurança e a paz pública, não deveria trazer ônus econômico àqueles que dela necessitam". [8]

Ressalta-se que a assistência jurídica integral e gratuita, prevista no diploma constitucional, deve ser interpretada de forma ampla, na medida em que abrange a consultoria, o auxílio extrajudicial e a própria assistência judiciária, serviços estes que são, ou deveriam ser prestados a todos os necessitados, principalmente pela Defensoria Pública (art. 5º, LXXIV, c/c 134 da CF).

De seu lado, a assistência judiciária gratuita propriamente dita corresponde somente às despesas relativas à tramitação do processo perante o órgão do Judiciário, nos termos da Lei nº 1060/50, que assim dispõe:

Art. 1º - Os poderes públicos federal e estadual concederão assistência judiciária aos necessitados nos termos da presente Lei.

Art. 2º - Gozarão dos benefícios desta lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho. Parágrafo único - Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Art. 3º - A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:

I - das taxas judiciárias e dos selos;

II - dos emolumentos e custas devidos aos juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da Justiça;

III - das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais;

Omissis[...]".

Destarte, depara-se com duas vertentes da assistência judiciária, que acabam por se complementar, ambas visando a funcionar como instrumentos garantidores de eficácia do exercício da função jurisdicional, voltadas ao cidadão carecedor de recursos financeiros:

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9.2 PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO

Tendo em vista a proibição pelo Estado da autotutela [12] (justiça com as próprias mãos), há necessidade de se ofertar ao cidadão uma ferramenta responsável por dirimir os conflitos que permeia a sua convivência. Daí surge o direito de ação, de qualquer pessoa pleitear a prestação jurisdicional junto ao Estado-Juiz [13].

Nesse contexto, um dos pilares mais robustos da ordem jurídica nacional, consagrado pela Carta Constitucional de 1988, é, sem dúvida, o princípio da inafastabilidade do poder judiciário, também denominado pela doutrina como princípio da inafastabilidade da jurisdição ou Direito de ação. Absorve-se de seu exame que jamais uma questão poderá ser suprimida da apreciação do órgão jurisdicional, sempre que alguém deseje sua intervenção.

O art. 5º, XXXV, norma constitucional de eficácia plena, confere garantia de apreciação pelo judiciário no caso de lesão ou ameaça a direito ou até mesmo a expectativa de direito.

Segundo o processualista Nery Júnior(1996,pp.93-98):

Em que pese o destinatário principal desta norma seja o legislador, o comando constitucional atinge a todos indistintamente, vale dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão.

[...]

O direito de ação é um direito público subjetivo exercitável até mesmo contra o Estado, que não pode recusar-se a prestar a tutela jurisdicional[...]. [9]

Em suma, ao Judiciário, único detentor da função jurisdicional, cabe a missão de fazer valer o ordenamento jurídico de forma impositiva, toda vez que seu cumprimento não ocorra de maneira espontânea. O lesado tem de comparecer e provocar o competente órgão de jurisdição, o qual, tomando conhecimento do conflito, substitui a própria vontade das partes, dirimindo o impasse. E ao cidadão com condição econômica menos favorecida a assistência judiciária integral e gratuita faz-se necessária para se atingir o acesso à justiça de maneira irrestrita.


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Entende-se que as inúmeras barreiras que enfrenta o trabalhador hipossuficiente não devem ser motivo para privá-lo do acesso ao Judiciário, sob pena de afronta à garantia fundamental consagrada pela Constituição Federal.

a)Inexistência de Defensoria Pública na Justiça do Trabalho;

b)Necessidade de que o trabalhador disponha de fração dos seus créditos para que possa ser assistido por profissional;

c)Ausência de legislação que ampare, como regra, a condenação do sucumbente em honorários advocatícios no Judiciário Trabalhista, facilitando, assim, a assistência por advogado;

d)Dificuldades na contratação de profissional da advocacia quando o crédito é de pequeno valor;

Aí é que reside a relevância do Jus Postulandi como meio de possibilitar o exercício do mandamento constitucional exteriorizado pelos incisos XXXV e LXXIV, do art. 5º da Carta Magna.

Com efeito, enquanto a União não proporcionar efetivamente a assistência judiciária integral e gratuita para atuação na Justiça Laboral, de modo a beneficiar aqueles que necessitam, ou ainda, enquanto não couber, via de regra, a condenação em verba honorária advocatícia à parte sucumbente, buscando favorecer o patrocínio de causas de pequeno valor pelos advogados, acredita-se que a faculdade oferecida pelo Jus Postulandi ao jurisdicionado hipossuficiente resulta num veículo hábil a ser usado como forma de garantir o direito de ação.

10.1 APLICAÇÃO DO JUS POSTULANDI NO PROCESSO DO TRABALHO

Por intermédio do Jus Postulandi, a parte pode apresentar sua reclamação trabalhista por escrito, ou de forma verbal, nos termos do art. 840 da CLT, in verbis:

Art. 840 - A reclamação poderá ser escrita ou verbal.

§ 1º - Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do Presidente da Junta, ou do juiz de direito a quem for dirigida, a qualificação do reclamante e do reclamado, uma breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante.

2º - Se verbal, a reclamação será reduzida a termo, em 2 (duas) vias datadas e assinadas pelo escrivão ou secretário, observado, no que couber, o disposto no parágrafo anterior.

Com a finalidade de melhor operacionalizar o Jus Postulandi para as reclamações verbais, alguns Tribunais Regionais do Trabalho instituíram setores nos foros, denominados "atermação", onde o reclamante expõe os motivos do seu pleito, que é transformado em termo circunstanciado, o qual servirá como petição inicial da reclamatória.

No âmbito do TRT da 24ª Região/MS, mormente na capital sul-mato-grossense, o mencionado setor de atermação funciona no Fórum Trabalhista Ramez Tebet e conta com servidores da carreira de analista judiciário, graduados em Direito, com qualificação técnica apta a prestar orientação jurídica e elaborar petição inicial de reclamação trabalhista, se este for o caso.

Quando o jurisdicionado busca os serviços prestados pelo setor de atermação, é orientado, de pronto, sobre as vantagens de contar com o patrocínio de um profissional da advocacia para sua causa. Após análise dos fatos realizada pelos servidores, caso o objeto da reclamação consista em uma demanda de natureza simples, quase sempre de rito sumaríssimo, como, por exemplo, pleito de apenas verbas rescisórias, se a parte optar por ter sua reclamação reduzida a termo, este é lavrado.

Já as causas em que se vislumbra maior complexidade no que tange à matéria da reclamatória, como, por exemplo, quando há necessidade de produção de prova pericial ou defesa de teses mais elaboradas, recomenda-se o ajuizamento por intermédio de advogado. Como sugestão, o jurisdicionado é informado da existência de um plantão de profissionais da advocacia, coordenado pela Associação dos Advogados Trabalhistas de Mato Grosso do Sul, com funcionamento na sala destinada à OAB, no prédio do foro.

Vale dizer que, além de reduzir a termo as reclamações dos jurisdicionados optantes pelo Jus Postulandi, o setor de atermação do foro trabalhista de Campo Grande presta serviço de orientação jurídica, no tocante à legislação trabalhista, atividade de cunho social bastante significativa, visto que predomina a falta de informação e o desconhecimento do tema pela grande massa da população.

Os números demonstram a relevância do serviço: De acordo com relatório estatístico de pessoas atendidas e reclamações atermadas em 2007, levando-se em conta que houve 230 dias de expediente no ano, o setor de atermação do fórum da capital prestou 5.777 atendimentos, com média mensal de 770. No mesmo período, foram atermadas 288 reclamações trabalhistas, com média de 38,4 reclamatórias ajuizadas por mês [14].


11 Advogados X Jus Postulandi

Dentre as vozes contrárias à continuidade do Jus Postulandi no ordenamento jurídico pátrio estão os advogados. De início, tentaram defender a extinção do instituto em face da concepção do art. 133 do texto constitucional. Mais tarde, nova tentativa, desta feita sob o fundamento de ter havido revogação tácita pela posterior edição do seu estatuto de classe, ambas rechaçadas pelo STF.

Após serem derrotados pela via judicial, agora a investida é pela interferência política, na medida em que fazem lobby sobre as administrações dos Tribunais do Trabalho pelo término dos serviços de atermação. No Congresso Nacional, tentam convencer os parlamentares a elaborarem legislação que fulmine o instituto.

Um exemplo é o Projeto de Lei 1676/07, de autoria do deputado Dr. Nechar (PV-SP), que pretende tornar obrigatória a presença de advogado para representar as partes envolvidas em processos trabalhistas. Segundo o texto, que tramita atualmente na Câmara dos Deputados, o advogado poderia ser dispensado apenas em duas situações:

- quando a parte possuir habilitação legal para postular em causa própria; e - se não houver advogado no lugar em que a ação foi ajuizada ou ocorrer recusa justificada ou impedimento dos que houver.

Conforme noticiou a Agência Câmara, para o deputado, o Jus Postulandi provoca uma distorção entre as partes envolvidas no processo com o "esquecimento do mais fraco, desassistido, diante do adversário mais forte, com valiosa assessoria técnica".

Um dos argumentos utilizados pelos causídicos para atingir sua pretensão faz coro com o discurso do parlamentar. Eles alegam que a parte demandante sem advogado é punida, já que lhe está sendo vedada a possibilidade de usufruir, na integralidade, dos princípios constitucionais do contraditório e, especialmente, o da ampla defesa (art. 5º, LV da CF).

Embora tenha sido ecoado com menor ênfase pela classe, surgiu outro argumento, desta vez de cunho "econômico-financeiro": que os setores de atermação acabam por "competir" com os advogados, retirando-lhes clientes.

É certo que sem assistência de advogado a parte fica mais vulnerável diante do oponente acompanhado de um profissional. Todavia, não é com a extinção do Jus Postulandi que isso será solucionado. Pelo contrário, estar-se-ia sacrificando mais um mandamento constitucional, qual seja, a garantia incondicionada de acesso à justiça.

Ora, como já exposto, verdade é que há ocasiões em que mesmo o jurisdicionado optando por ingressar com sua reclamação por meio de advogado, oportunidade em que, no entender da classe, se estaria observando de forma integral o contraditório e a ampla defesa, não encontra profissional interessado em assumir o patrocínio da causa, dado o valor baixo do seu crédito.

Considera-se tal conduta reprovável, ainda mais ao se levar em conta o que dispõe o preâmbulo do Código de Ética e Disciplina dos Advogados, in verbis:

O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, ao instituir o Código de Ética e Disciplina, norteou-se por princípios que formam a consciência profissional do advogado e representam imperativos de sua conduta, tais como:

[...] comportar-se, nesse mister, com independência e altivez, defendendo com o mesmo denodo humildes e poderosos;

exercer a advocacia com o indispensável senso profissional, mas também com desprendimento, jamais permitindo que o anseio de ganho material sobreleve a finalidade social do seu trabalho;

Inspirado nesses postulados é que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelos artigos 33 e 54, V, da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, aprova e edita este Código, exortando os advogados brasileiros à sua fiel observância (DIÁRIO DA JUSTIÇA, Seção I, do dia 01.03.95, pp. 4.000/4004, grifo nosso).

É razoável e plenamente compreensível que o advogado, profissional liberal que é, tenha total livre arbítrio sobre o seu ofício, escolhendo o patrocínio da causa que melhor lhe convier. Entretanto, o que se repreende é o teor demagógico do discurso da classe, objetivando fazer crer que a principal preocupação, ao defender o término do Jus Postulandi na Justiça Laboral, é conservar a observância integral da ampla defesa e do contraditório ao jurisdicionado, que teria, sem a faculdade do instituto, obrigatoriamente, que demandar por intermédio de advogado.

Entende-se que a respeitável classe dos advogados, sem dúvida, indispensável para a administração da justiça, em vez de concentrar seus esforços direcionando críticas e buscando o extermínio dos setores de atermação, mormente na Justiça do Trabalho, fundada em supostos benefícios aos necessitados, deveria exercitar sua força política para lutar perante o Governo Federal pela implementação da Defensoria Pública no Judiciário Trabalhista, como determina a Carta Magna. Esta sim seria uma iniciativa louvável que refletiria em algo concreto e demonstraria a real preocupação da classe pela manutenção da garantia dos direitos constitucionais do cidadão.

Outrossin, a estatística aqui trazida sobre as atividades desenvolvidas pelo setor de atermação do foro de Campo Grande-MS põe por terra a alegação de que este serviço retira eventuais clientes dos advogados. Claro está que as reclamações que são reduzidas a termo pelos servidores representam exceção no grande universo de reclamatórias ajuizadas [15].

A orientação jurídica sobre a legislação do trabalho acaba por ser a função desempenhada em maior volume pelo setor de atermação, atividade esta que, diga-se de passagem, poderia também ser prestada pela classe dos advogados à população carente. E por que não aproveitar as próprias salas destinadas à OAB nos diversos foros para fornecer ao cidadão esse serviço?

Sobre o autor
Silvio Henrique Lemos

Analista Judiciário - servidor público do TRT da 24ª Região (MS). Pós-graduado em direito do Trabalho pela Escola da Magistratura do Trabalho da 24ª Região (EMATRA-MS) / Centro Universitário de Campo Grande (UNAES)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, Silvio Henrique. O jus postulandi como meio de assegurar a garantia fundamental de acesso à justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1996, 18 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12096. Acesso em: 22 nov. 2024.

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