Tendo em vista a alta incidência de funcionários embriagados em serviço em obras de construção civil, segue um estudo sobre a possibilidade de utilização do bafômetro para a constatação de eventual embriaguez dos empregados e a conseqüente dispensa por justa causa.
A nossa legislação atual não regulamenta o uso de bafômetros em empresas ou mesmo por particulares, tendo em vista ser um tema relativamente recente. Apesar disso, existem alguns julgados sobre o assunto, os quais são divergentes, o que causa dúvidas acerca da possibilidade ou não da realização de tal teste para a constatação de embriaguez durante a jornada de trabalho.
Dessa forma, no presente estudo, serão apresentados os fatores essenciais para que a dispensa por justa causa na hipótese de embriaguez não seja revertida nos tribunais e como a utilização do bafômetro pode auxiliar nesse sentido.
Inicialmente há que se considerar que o artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho ("CLT") enumera, taxativamente as hipóteses em que o empregador pode demitir um funcionário por justa causa, desobrigando-se assim do pagamento da multa de 40% (quarenta por cento) referente aos depósitos fundiários e outras verbas pertinentes à rescisão contratual. Abaixo, segue a transcrição do referido artigo:
"Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
Parágrafo único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional. (Incluído pelo Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966)"
Como se pode perceber, a alínea f do artigo 482 da CLT trata a embriaguez de duas formas distintas. A primeira refere-se à embriaguez habitual, ou seja, aquela que ocorre na vida particular do empregado, fora do ambiente de trabalho, mas que interfere em no labor em decorrência de seus efeitos, prejudicando assim a execução dos serviços por parte do trabalhador. Já a embriaguez em serviço, a qual será tratada daqui em diante, requer que o empregado apresente-se embriagado no serviço ou que, na decorrência deste, acabe por se embriagar.
Se o empregado comparecer embriagado ao serviço cometerá falta grave, permitindo ao empregador dispensá-lo por justa causa, conforme demonstra jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região a seguir transcrita.
: Falta Grave - Embriaguez no Serviço - Motorista - Comete falta excessivamente grave o motorista que se embriaga em serviço, tendo em vista que a sua função requer atenção e sobriedade, pois além de colocar em risco a integridade física de terceiros, coloca em risco o patrimônio do empregador, ensejando a quebra do contrato de trabalho com justa causa." (TRT15ª R. - Proc. 15.666/95 - Ac. 3ª T. 23.793/97 - Rel. Juiz Luiz Carlos de Araújo - DOESP 01.09.1997)."EMENTA
Entretanto, para que a rescisão do contrato de trabalho por justa causa não seja anulada em juízo, a empresa deve apurar o fato grave rigorosamente, colhendo o maior número de provas possíveis, tais como depoimentos, exames clínicos e até mesmo realizando o teste do bafômetro, a fim de que reste comprovada a embriaguez do funcionário.
É também aconselhável que, ao se verificar o estado de embriaguez do funcionário, seja por meio do bafômetro ou por simples observação, este seja impedido de entrar no ambiente de trabalho, devendo ser imediatamente levado ao departamento médico da empresa, a fim de que possam ser realizados exames clínicos.
Para que se configure a justa causa, devem ser considerados elementos objetivos e subjetivos, sendo estes a adoção de determinado ato eivado de culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou dolo por parte do empregado. Já os elementos objetivos são:
1.Tipificação legal: o ato do funcionário deve estar previsto na legislação trabalhista, em especial no artigo 482 da CLT;
2.Gravidade: o ato praticado pelo funcionário deve ser grave de tal forma a abalar a confiança do empregador no empregado;
3.Imediação: a dispensa por justa causa deve ser aplicada imediatamente após a constatação da prática de conduta ou ato que enseje a demissão, levando-se em consideração, ainda, no caso da embriaguez, o estado do empregado [01], sob pena de incorrer o empregador em perdão tácito;
4.Proporcionalidade: a pena deve ser proporcional à conduta do empregado, dessa forma, faltas leves devem ser punidas com advertências verbais ou por escrito e, somente as faltas mais graves, que afetem a confiança do empregador no empregado, é que devem ensejar a justa causa; e
5.Forma: a legislação trabalhista não prevê nenhuma formalidade para a comunicação da dispensa por justa causa, vedando apenas a anotação do motivo da rescisão do contrato de trabalho na carteira do funcionário.
A prova da ocorrência do ato que deu origem a justa causa é do empregador, cabendo ao empregado apenas provar a sua negativa. Dessa forma, aconselha-se que as empresas cubram-se do maior número de provas possível, a fim de tornar inquestionável o fato de o trabalhador estar bêbado em serviço.
Considerando-se que a embriaguez constitui-se de uma falta grave cometida pelo empregado, a maior parte da jurisprudência entende que, desde que devidamente comprovada pelo empregador, ela enseja diretamente a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, sem prescindir de advertências ou suspensões, não havendo assim a necessidade de reincidência.
Outrossim, há uma recente corrente doutrinária que considera a embriaguez como uma doença e, como tal, o empregador deve, antes de dispensar o funcionário por justa causa, encaminhá-lo para tratamento, devendo buscar ainda soluções alternativas, como campanhas preventivas.
Dessa forma, temos que a dispensa por justa causa decorrente de embriaguez é uma questão controversa tanto na doutrina como na jurisprudência, sendo certo apenas que há a necessidade de uma prova cabal para a sua comprovação.
Nesse diapasão, diversas empresas vêm utilizando-se do bafômetro como método para a comprovação da efetiva embriaguez do funcionário. Como já foi dito, nossa legislação é omissa quanto ao assunto e, até o presente, não existem muitos julgados a respeito.
O grande problema na utilização do bafômetro refere-se à constante alegação de que tal teste conflitaria com os princípios constitucionais da inviolabilidade da vida privada e da intimidade, levando-se em consideração ainda, que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Entretanto, não se deve perder de vista o poder diretivo e disciplinar do empregador, previsto no artigo 2° da CLT, pelo qual os empregados, por estarem subordinados ao empregador, estão sujeitos ao seu poder de direção. O referido poder diretivo e disciplinar é um direito potestativo que permite ao empregador conduzir as atividades desenvolvidas pelo empregado sempre em benefício de uma melhor produtividade e com o menor custo possível. Tais poderes são inerentes ao contrato de trabalho.
Nesse sentido é direito do empregador zelar pelo ambiente de trabalho, por seus equipamentos e, ainda, pelos empregados durante o período de labor, assim, a existência de um trabalhador embriagado na empresa pode causar sérios danos. Logo, é perfeitamente possível que a empresa formule um regulamento interno instituindo a utilização do bafômetro como um método de prevenir eventuais acidentes.
Tal regulamento deve ainda estabelecer as condições de uso do aparelho e as possíveis sanções a serem aplicadas caso seja constatado um alto teor alcoólico durante o labor, dentre elas, a demissão por justa causa. É importante ainda que tal medida seja amplamente divulgada na empresa, a fim de que todos os funcionários fiquem cientes de sua existência.
Ressalte-se que o empregado não é obrigado a realizar o teste do bafômetro e empregador não pode obrigá-lo a tanto, uma vez que tal atitude pode configurar um constrangimento ilegal, pelo qual o empregado pode reclamar uma indenização por danos morais.
Na hipótese do funcionário furtar-se à realização do referido teste e caso existam indícios de embriaguez, o empregador deve tomar outras medidas para comprová-la, tais como registro de atos praticados, inclusive com provas testemunhais, e exames clínicos.
Dessa forma, caso entenda-se pela adoção do teste do bafômetro nas obras, aconselha-se a elaboração prévia de um regulamento detalhado que estabeleça as condições de seu uso, bem como as sanções a serem aplicadas na hipótese de ser constatada a embriaguez, dentre as quais pode-se incluir a demissão por justa causa, tendo em vista o artigo 482, "f" da CLT, sem prejuízo da realização de outros testes que auxiliem na comprovação de que o funcionário estava efetivamente embriagado. Ainda, tal medida deve ser acompanhada de campanhas preventivas e, sempre que possível, deve-se orientar os empregados a procurarem auxílio médico.
Notas
- "EMENTA: JUSTA CAUSA - EMBRIAGUEZ EM SERVIÇO - Demonstrado pela prova dos autos que o reclamante estava em dia de serviço e somente foi dispensado de trabalhar depois de verificado o seu estado de embriaguez, caracterizada a justa causa, sendo que o fato de não ter sido o mesmo despedido imediatamente, dado o seu estado de alteração no momento, mas apenas no dia seguinte, não retira a imediatidade da punição." (TRT15ª R. - Proc. 27390/99 - Ac. 12029/01 - SE - Rel. Juiz Carlos Alberto Moreira Xavier - DOESP 02.04.2001).