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O processo de privatização e desestatização do Estado brasileiro

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Agenda 20/01/2009 às 00:00

3. Limitações constitucionais e infraconstitucionais ao Programa Nacional de Desestatização:

Com o advento das Emendas Constitucionais nº 5 [42], 6 [43], 8 [44] e 9 [45], o quadro constitucional que ampara a desestatização pode ser assim sintetizado:

a)Objeto econômico monopolizado (ou seja, com exploração exclusiva por entidade da Administração Pública, direta ou indireta): exploração de atividades nucleares (art. 21, XXIII da CF/88) [46]

b)Objeto econômico monopolizado com iniciativa atribuível à iniciativa privada (art. 20, VIII e IX; art. 21, XI; art. 25, § 2º e 177, § 1º [47]):

-Potenciais de energia elétrica

(art. 20, VIII - os potenciais de energia hidráulica);

-Recursos minerais

(art. 20, IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;).

-Telecomunicações

(art. 21, XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais);

-Serviço local de gás canalizado e petróleo

– Art. 25, § 2º. Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.

Diante das disposições constitucionais, vê-se que apenas os serviços descritos na alínea "b" são suscetíveis de serem desestatizados, por meio de:

-Concessões ou permissões

-Alienação de controle acionário das empresas estatais federais exploradoras dos respectivos serviços (ou simples liquidação ou extinção das mesmas, liberando a atividade par o setor privado).

A Lei 9.491/97 também estabelece restrições, como, por exemplo, ficando excluídos da desestatização o Banco do Brasil S.A., a Caixa Econômica Federal, e a empresas públicas ou sociedades de economia mista que exerçam atividades de competência exclusiva da União, de que tratam os incisos XI e XXIII do artigo 21 e a alínea c do inciso I do artigo 159 e o artigo 177 da Constituição Federal (não se aplicando a vedação aqui prevista às participações acionárias detidas por essas entidades, desde que não incida restrição legal à alienação das referidas participações – vide Lei nº 10.568, de 19.11.2002, DOU 20.11.2002, que exclui da vedação prevista no artigo 3º, as ações detidas pela União no capital do Banco do Brasil S.A.).

3.1. Objetivos do Programa Nacional de Desestatização:

São definidos pelo artigo 1º da Lei 9.491/97, o qual preconiza que:

Art. 1º. O Programa Nacional de Desestatização - PND tem como objetivos fundamentais:

I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público;

II - contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida;

III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada;

IV - contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infra-estrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito;

V - permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais;

VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa.

3.2.. Objeto de desestatização:

Segundo o art. 2º da Lei 9.491/97 poderão ser desestatizados:

I - empresas, inclusive instituições financeiras, controladas direta ou indiretamente pela União, instituídas por lei ou ato do Poder Executivo;

II - empresas criadas pelo setor privado e que, por qualquer motivo, passaram ao controle direto ou indireto da União;

III - serviços públicos objeto de concessão, permissão ou autorização;

IV - instituições financeiras públicas estaduais que tenham tido as ações de seu capital social desapropriadas, na forma do Decreto-Lei nº 2.321, de 25 de fevereiro de 1987;

V – bens móveis e imóveis da União. (Inciso acrescentado pela Medida Provisória nº 2.161-35, de 23.08.2001, DOU 24.08.2001, em vigor conforme o art. 2º da EC nº 32/2001)

O parágrafo primeiro do referido artigo preconiza que:

§ 1º. Considera-se desestatização:

a) alienação, pela União, de direitos que lhes assegurem, diretamente ou através de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade;

b) a transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade.

c) a transferência ou outorga de direitos sobre bens móveis e imóveis da União, nos termos desta Lei. (Alínea acrescentada pela Medida Provisória nº 2.161-35, de 23.08.2001, DOU 24.08.2001, em vigor conforme o art. 2º da EC nº 32/2001)

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3.4. Modalidades operacionais:

As modalidades operacionais possíveis para o processo de desestatização são estabelecidas no artigo 4º da Lei 9.491/97 e são as seguintes:

Art. 4º. As desestatizações serão executadas mediante as seguintes modalidades operacionais:

I - alienação de participação societária, inclusive de controle acionário, preferencialmente mediante a pulverização de ações;

II - abertura de capital;

III - aumento de capital, com renúncia ou cessão, total ou parcial, de direitos de subscrição;

IV - alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações;

V - dissolução de sociedades ou desativação parcial de seus empreendimentos, com a conseqüente alienação de seus ativos;

VI - concessão, permissão ou autorização de serviços públicos.

VII - aforamento, remição de foro, permuta, cessão, concessão de direito real de uso resolúvel e alienação mediante venda de bens imóveis de domínio da União. (Inciso acrescentado pela Medida Provisória nº 2.161-35, de 23.08.2001, DOU 24.08.2001, em vigor conforme o art. 2º da EC nº 32/2001)

§ 1º. A transformação, a incorporação, a fusão ou a cisão de sociedades e a criação de subsidiárias integrais poderão ser utilizadas a fim de viabilizar a implementação da modalidade operacional escolhida.

§ 2º Na hipótese de dissolução, caberá ao Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão acompanhar e tomar as medidas cabíveis à efetivação da liquidação da empresa. (Redação dada ao parágrafo pela Medida Provisória nº 2.161-35, de 23.08.2001, DOU 24.08.2001, em vigor conforme o art. 2º da EC nº 32/2001)

3.5. Organização do PND:

O PND tem por órgão máximo o Conselho Nacional de Desestatização, composto, em caráter permanente, por quatro ministros de Estado (antes eram cinco) [48], sob a presidência do Ministro do Planejamento e Orçamento.

As suas reuniões, ordinariamente mensais (e extraordinariamente quando convocadas pelo Presidente), poderão ainda participar:

Com direito a voto: a) o titular do Ministério ao qual a empresa ou serviço se vincule. b) quando se tratar de desestatização de instituições financeiras, o Presidente do Banco Central do Brasil. Sem direito a voto, um representante do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES (que funciona como agente "gestor" operacional do PND, salvo a competência do BACEN. São admissíveis, a convite do Presidente do Conselho, a presença de outros Ministros de Estado, bem como representantes de entidades públicas ou privadas, para participar das reuniões, sem direito a voto, entretanto.

O Conselho deliberará mediante resoluções, cabendo ao Presidente, além do voto de qualidade, a prerrogativa de deliberar, nos casos de urgência e relevante interesse, ad referendum do colegiado (hipótese em que o Presidente submeterá a decisão ao colegiado, na primeira reunião que se seguir àquela deliberação).

Nas hipóteses de ausências ou impedimentos do Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, as reuniões do Conselho serão presididas pelo Chefe da Casa Civil da Presidência da República, sendo que os demais membros serão representados por substitutos por eles designados.

A competência do CND é definida pelo artigo 6º da Lei 9.491/97 [49].

3.6. Procedimento legal para a desestatização:

Analisando o procedimento legal da desestatização, depreende-se que o mesmo compreende duas operações distintas: os ajustes internos (rotinas administrativas e ajustes societários) e a realização (qualificação de interessados, quando necessária, e efetivação de desestatização).

Segundo Rodrigo Pereira de Mello:

"Os ajustes necessários à desestatização de uma empresa estatal federal de um serviço público da União, naquilo que pertinentes ao âmbito interno da própria Administração Pública (direta ou indireta), constituem-se no primeiro passo de qualquer ação relacionada aos objetivos da Lei 9.491/97 e podem ser agrupados sob a designação de ‘ajustes prévios’. Todos esses ajustes têm, por ato inicial e insuperável, uma decisão do CND no sentido da inclusão da empresa ou serviço no PND e a aprovação, pelo Presidente da República (mediante decreto específico), dessa deliberação (art. 6º, inc. I). Publicado o ato presidencial, iniciam-se os ‘ajustes prévios’ propriamente ditos, que se constituirão: a) ou em saneamento financeiro e ajustes societários (inclusive fusão, incorporação ou cisão de sociedades e criação de subsidiárias integrais, desde que necessárias à viabilidade da desestatização), estes últimos observada sempre a legislação comercial geral e particularmente a Lei das Sociedades Anônimas; b) ou na designação do órgão da Administração Pública federal direta ou indireta, responsável pela execução e acompanhamento da desestatização e na fixação de normas regulamentares do procedimento, observada a legislação específica aplicável: aqueles (a) são aplicáveis à desestatização de empresas estatais federais; estes (b) dizem respeito à desestatização de serviços públicos.

Dentre os ajustes societários requeridos pelas empresas em processo de desestatização, alguns exigem deliberação da assembléia geral de acionistas (cisão, fusão, incorporação, criação de subsidiárias, aumento de capital social, abertura de capita, alterações estatutárias, etc.) outros constituem-se por deliberação do conselho de administração, da diretoria ou mesmo por simples atos executórios dos órgãos empresariais.

Iniciados ou concluídos tais ajustes, conforme o ‘desenho’ de desestatização escolhido para cada caso, a CND delibera acerca da modalidade operacional e das condições a ela aplicáveis (art. 6º, inc. II, alíneas a e c). Essas condições podem incluir, dentre tantas outras, a criação na empresa de uma ‘ação de classe especial’ (golden share), a ser subscrita pela União – esta ação, diferenciada de todas as demais representativas do capital social, seria detentora de poderes societários especiais (art. 8º da Lei 9.491/97), tais como o poder de veto em determinadas matérias (mudança de objeto social, mudança de sede, cessação de determinado projeto ou investimento, alienação da composição do conselho de administração ou regime de direção).

Com os ‘ajustes’ e a definição da modalidade operacional e das condições aplicáveis, encerra-se a fase dos ajustes internos. Passa-se, na sequência, à fase da ‘realização’.

Aqui, estando a empresa ou o serviço público prontos para sua transferência à iniciativa privada, divulgam-se as regras aplicáveis ao processo (modalidade e condições) e qualificam-se os eventuais interessados. A necessidade dessa qualificação, entretanto, dependerá da modalidade aplicada pela CND à espécie: tratando-se de desestatização de empresa e procedendo-se por meio de: a) alienação de participação societária mediante pulverização de ações (art. 4º, inc. I); ou de b) aumento de capital social, com renúncia ou cessão, total ou parcial, de direitos de subscrição (art. 4º, inc. II), quando inexiste necessidade de qualificação prévia dos interessados em face das próprias características das operações (alienação pulverizada em bolsa a destinatários não previamente determináveis e retirada gradativa da União com assunção do negócio pelos demais acionistas, que, já sendo determinados, não precisam sê-lo novamente apenas para esse fim).

Na disponibilização das regras aplicáveis à desestatização, devem ser disponibilizados, além do comunicado formal do CND continente da modalidade operacional eleita e das condições a que se sujeita a operação, a justificativa da privatização, o histórico societário da empresa, sua situação econômico-financeira (especialmente lucratividade, pagamento de dividendos e endividamento registrado no últimos cinco exercícios) e o sumário dos estudos de avaliação (inclusive o critério de fixação do valor de alienação, a modelagem de venda e o valor mínimo da participação a ser alienada). Todos esses elementos, reunidos, constituem-se no ‘edital’ do processo de desestatização (art. 11 da Lei 9.491).

Por fim, na etapa final do processo, estabelecida a modalidade de desestatização, sua modelagem e as condições em que se realizará, o Presidente da República, por recomendação do CND e na qualidade de titular constitucional do Poder Executivo, aprovará os meios de pagamento aplicáveis em determinada operação, dentro dos admitidos na lei (art. 6º, inc. I c/c art. 14 da Lei 9.491/97), e fixará o percentual admitido à participação de pessoa físicas ou jurídicas estrangeiras naquela desestatização (art. 12 do mesmo diploma legal). Completam-se, assim, as ‘regras do jogo’ e pode-se qualificar os interessados (pois não há operação de mercado sem a presença desses ou fora dos interesses e possibilidades por eles manifestados).

Com o cumprimento de toda essa rotina legal, chega-se, e se for o caso, ao leilão a tanto especialmente convocado (art. 4º, § 3º da Lei 9.491) e, na sequência, à formalização de seu resultado mediante a liquidação financeira do valor ofertado (no todo ou em parte, conforme as regras do respectivo edital) e a assinatura, pela União e pelo vencedor do leilão, do contrato de compra e venda das ações transacionadas (se for empresa) ou do contrato atributivo da concessão ou permissão do serviço público atribuído. Encerra-se, então, a desestatização: a empresa federal ou o serviço público da União foram transferidos à iniciativa privada.

Há duas circunstâncias posteriores ao leilão que podem ter relevância jurídica: a) o atendimento, pelo vencedor do certame, de eventuais requisitos indispensáveis à assinatura do respectivo contrato (tais como provar a obtenção de financiamento ou a formalização de garantias concernentes ao pagamento de parcelas do valor de aquisição, provar o registro do instrumento civil constitutivo do consórcio entre os integrantes de grupo – ou ‘consórcio de fato’ – vencedor do leilão, etc.; b) a destinação dos recursos arrecadados no leilão ou em pagamentos subseqüentes de parcelas do valor ofertado. A primeira das circunstâncias, como condição editalícia prévia à subscrição contratual, pode afetar diretamente a desestatização, pois sua não-realização (ou sua realização em termos inadequados) impede a válida assinatura do contrato e, portanto, impede a regular conclusão do processo, importando sua alteração – para convocação de eventual segundo classificado hábil à firmatura do contrato – ou seu adiamento – se, não existindo outro possível "vencedor", for necessário o reinício de todo o processo. (...)" [50].

Importa mencionar, ainda, que a Lei 9.491/97 admite a participação de empregados (embora sujeito à rigoroso controle, há a vantagem de poder utilizar-se do FGTS) e empresas federais desestatizadas, no processo de oferta de ações.

Sobre a autora
Cláudia Maria Borges Costa Pinto

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Curitiba e MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas; Mestre em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Advogada

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Cláudia Maria Borges Costa. O processo de privatização e desestatização do Estado brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2029, 20 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12228. Acesso em: 22 dez. 2024.

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