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A cláusula de não concorrência e seus reflexos sobre a liberdade de trabalho

Agenda 16/02/2009 às 00:00

A revista Você S/A, na coluna "Você sabia que...", noticiou o seguinte acontecimento no mês de Fevereiro deste ano: "Jim Donald, ex-CEO da rede Starbucks, vai receber 1,25 milhão de dólares pra ficar em casa. Foi um acordo feito com a cafeteria para afastá-lo dos concorrentes pelos próximos 18 meses." (Você S/A, seção Notas – geral, Ed. Abril, mês Fevereiro/2008, pág. 14).

A notícia acima revela uma prática comum no ramo empresarial. Tal prática visa resguardar segredos ou informações vitais ao negócio. Os empregados, sejam eles altos diretores ou que exerçam funções técnico-administrativas e que mantenham contato direto e constante com áreas de alta tecnologia ou clientes estratégicos trabalham com informações privilegiadas de vários setores empresariais e detém conhecimento técnico (geralmente adquirido às expensas da própria empresa onde trabalham) sobre determinados produtos, projetos ou serviços e, por isso, são alvo constante de propostas de trabalho de empresas concorrentes. Para evitar o vazamento destas informações estratégicas, as empresas se protegem através de cláusulas contratuais de não-concorrência que têm como termo inicial o término do contrato de trabalho e vão até um período de tempo razoável, necessário ao "envelhecimento" destas informações, visando evitar os prejuízos que possam surgir da concorrência desleal.

A cláusula de não-concorrência pode ser expressa no contrato de trabalho no ato da admissão ou pactuada posteriormente. É um pacto acessório com estipulação de cláusula penal que poderá ser paga pelo empregado, caso este descumpra o pacto firmado. Ela o proíbe de trabalhar em empresas concorrentes de seu ex-empregador durante um determinado período após a sua demissão. Tem como objetivo, ressaltamos, a proteção do segredo de empresa e como fundamentos os princípios da lealdade e boa-fé contratuais. Para alguns, essa cláusula de proteção ao patrimônio do empregador viola os princípios da livre iniciativa (CF, art. 170, caput) e da liberdade de trabalho (CF, art. 5º, XIII). A cláusula de não-concorrência após o término do contrato de trabalho será o principal objeto de nosso estudo.

Mas, antes de falarmos sobre a cláusula de não-concorrência que tem como termo inicial de vigência a data de saída do trabalhador de determinada empresa, não podemos nos olvidar de abordar a não-concorrência durante o contrato de trabalho. A CLT trata expressamente sobre o assunto no seu artigo 482, alínea "c", classificando tal prática como passível de demissão por justa causa do empregado. Reza o texto consolidado:

CLT, art. 482: "Constituem justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço".

O artigo acima citado, segundo Maurício Godinho Delgado, se divide em dois tipos jurídicos diferenciados, embora guardem proximidade entre si(1). Seguindo esta visão, temos no primeiro caso a concorrência desleal do empregado contra seu patrão: "negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para qual trabalha o empregado". Neste caso, para que haja deslealdade na concorrência é necessário que ela afronte expressamente o contrato ou agrida o pacto inequivocamente implícito entre as partes, ou que derive da dinâmica própria do empreendimento e do trabalho(2).

Analisando esta colocação, desdobramos nosso estudo em duas vertentes: a afronta expressa de disposição contratual e a agressão ao pacto contratual implícito ou a derivação dinâmica do empreendimento e do trabalho. No primeiro caso, falamos de cláusula expressa de exclusividade ou não concorrência que deve ser cumprida pelo empregado. Temos como exemplo o contrato de dedicação exclusiva em que o empregado se abstém de qualquer atividade extracontratual, mesmo que esta não prejudique o negócio de seu empregador(3). No segundo caso, apesar de não haver cláusula expressa, há a deslealdade devido à afronta ao princípio contratual da boa-fé objetiva.

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O segundo tipo, de acordo com o autor acima citado, é bastante distinto do primeiro, pois trata da "negociação habitual por conta própria ou alheia, sem permissão do empregador, quando for prejudicial ao serviço". Neste caso, cuidamos dos inconvenientes causados pelo empregado-negociante quando este resolve promover suas atividades mercantis dentro do ambiente de trabalho. Devido à sua menor gravidade, geralmente, o empregado é punido pedagogicamente de forma gradativa até a demissão por justa causa devido à reincidência da prática(4).

Outro ponto relativo à não-concorrência do empregado em relação à empresa durante a vigência de seu contrato de trabalho que a Consolidação das Leis do Trabalho torna passível de demissão por justa causa está expresso na alínea "g" do mesmo artigo 482: "violação de segredo de empresa".

Amauri Mascaro Nascimento define como violação de segredo de empresa como "a divulgação não autorizada das patentes de invenção, métodos de execução, fórmulas, escrita comercial, enfim, de todo fato, ato ou coisa que, de uso ou conhecimento exclusivo da empresa, não possa ou não deva ser tornado público, sob pena de causar prejuízo remoto, provável ou imediato à empresa"(5). Desta forma, se durante o contrato de trabalho o empregado obtiver tais informações e usá-las como instrumento de negociação, sem a autorização do empregador, será demitido por justa causa.

Com a rescisão do contrato de trabalho, o trabalhador está livre para exercer qualquer atividade lícita, desde que atendidas as qualificações profissionais do ofício pretendido (CF, art. 5º XIII) e possui a possibilidade de buscar a sua realização profissional, seja como empregado de outra empresa ou como empresário ou profissional liberal. É a consagração do princípio constitucional da livre iniciativa (CF, art. 170, caput).

Todavia, estes direitos não são absolutos e há um entrelaçamento de relações sociais e valores que devem ser resguardados pelo ordenamento jurídico. Neste contexto, há profissionais que, no exercício de sua função obtém conhecimentos e adquirem contatos que são estratégicos para seu empregador e, ao se desligarem da companhia, ficam, de certa forma, ainda vinculados à ela devido à vigência da cláusula de não-concorrência, que os impede de exercer suas funções em outras empresas do mesmo segmento por um determinado período de tempo.

Havia no passado algumas controvérsias sobre a validade desta cláusula no ordenamento jurídico. Hoje, tal assunto já se encontra pacificado na doutrina e na jurisprudência, apesar de a legislação trabalhista não se debruçar especificamente sobre este assunto.

A validade da referida cláusula de não-concorrência repousa na interpretação dos dispositivos do Código Civil (art. 122, primeira parte) em conjunto com a CLT (art. 444). Diz o diploma civilista que: "são lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes (...)". Já o art. 444 da CLT reza que: "as relações contratuais podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhe sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes"(6). No seu artigo intitulado "Os aspectos legais e a validade da cláusula de não concorrência no Brasil", a Dra. Adriana Carreira Calvo, analisando os mesmos dispositivos, chegou à conclusão de que "A cláusula de não-concorrência não versa exatamente sobre proteção ao trabalho, geralmente as normas coletivas não tratam do assunto e nem se trata de decisão de autoridade competente. Logo, poderia ser pactuada"(7).

Nas palavras dos Doutores Francisco Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante em seu artigo "Cláusula de não-concorrência no contrato de trabalho", "o trabalhador tem o direito constitucional quanto a sua liberdade de dispor da sua força de trabalho. Por sua vez, o empregador tem o direito de resguardar sua propriedade, os seus inventos os seus segredos comerciais, industriais, etc,"(8)

Ainda na defesa da cláusula de não-concorrência, estes mesmos autores citam Ari Possidonio Beltran que entende que "a cláusula da não-concorrência, após a extinção do contrato de trabalho, não viola o artigo 5º, XIII, da Constituição Federal porque, em primeiro lugar, tal dispositivo, como qualquer outro, deve ser entendido em harmonia com os demais preceitos, e não isoladamente. Ademais, a abstenção deverá ser temporária, estabelecida por consenso e mediante justa contraprestação de caráter indenizatório, devidamente acertada entre as partes. Deverá ser limitada no tempo e abrangerá apenas a atividade fixada, especificamente, como capaz de, em tese, colocar em desvantagem o antigo empregador frente a concorrentes. Estará o empregado livre para o exercício de quaisquer atividades não constantes da limitação, ou seja, a vedação atinge – e não gratuitamente – apenas o ´não concorrer´, durante certo tempo. Em suma, pactua-se uma espera remunerada."(9)

Desta forma, vemos que a cláusula de não-concorrência é perfeitamente lícita, porém, para que não haja abuso por parte do empregador e, em conseqüência, prejuízos ao empregado que teria seu direito ao trabalho tolhido, estipulou-se uma compensação financeira a este. Nas palavras de Sérgio Pinto Marins, "o empregado pode ser processado por responsabilidade civil de divulgação de segredo do empregador, mas não pode ser impedido de trabalhar. Exceção ocorreria se o empregador pagasse, como compensação financeira, um valor ao empregado pelo não exercício de atividade concorrente".(10)

Segundo a Dra. Adriana Carreira Calvo, para que não haja abuso na cláusula de não-concorrência estipulada pelo empregador esta deve conter os seguintes requisitos(11):

1.a cláusula deve conter limitações temporais, espaciais e no tocante à atividade;

2.deve corresponder a um interesse legítimo das partes;

3.o empregado deve ter uma compensação financeira diante da limitação contratual (geralmente o valor do último salário multiplicado pelo prazo de não-concorrência, pode ser pago ao término do contrato de trabalho ou mensalmente durante referido prazo) e;

4.deve haver a previsão de uma multa contratual em caso de descumprimento (o valor da multa não pode exceder o da obrigação principal, aplicando-se o Direito Civil, pois a CLT é omissa quanto à isso).

No caso das limitações temporais da cláusula de não-concorrência, alguns doutrinadores defendem o limite de 5 anos, de acordo com o CC, art. 1147. Outros defendem o limite de 2 anos, conforme o artigo 445 da CLT. A jurisprudência recente adota como um período razoável de vigência desta cláusula o correspondente a um 1 ano.

Já nas limitações espaciais, a cláusula deve ter vigência somente no raio de cobertura da atividade da empresa e, no tocante à atividade, a limitação deve alcançar apenas às atividades que o ex-empregado desenvolvia para o ex-empregador. Desta forma, se for contratado para exercer funções diversas das que tinha na empresa anterior, exclui-se a obrigação de pagar a multa contratual por descumprimento. Ressaltemos que, no tocante à limitação ao exercício de atividade, se a cláusula de não-concorrência for genérica, configura-se abuso por parte do empregador e passível de invalidação.

Após este o estudo vimos que, nos dias de hoje, os avanços tecnológicos e a concorrência cada vez mais acirrada entre as companhias empresariais fez surgir a figura do empregado especializado que detém, em virtude de seu trabalho, uma gama de informações importantes aos negócios de seus empregadores. Como conseqüência, estes empregados, devido aos conhecimentos que possuem, são cada vez mais disputados pelos concorrentes. Desta forma, as empresas, na busca de mecanismos para proteção de suas informações e segredos, estipularam cláusulas de não-concorrência que passaram a integrar os contratos de trabalho destes funcionários.

Vimos também que, do ponto de vista do Direito do Trabalho, há uma estipulação de não-concorrência apenas durante o contrato de trabalho (CLT, art. 482, alíneas c e g). Não há nada no diploma laboral sobre esta estipulação após o término do contrato de trabalho. Há apenas a possibilidade de sua estipulação, uma vez que a Consolidação não veda tal prática, uma vez que não existe qualquer prejuízo à proteção do trabalho.

Discorremos sobre o problema da infração do princípio constitucional da liberdade de trabalho (CF, art. 5º XIII) pela cláusula de não-concorrência e concluímos, baseados nos ensinamentos dos doutrinadores supracitados, que a mesma não infringe tal princípio, pois, ao ser estipulada, ela deve obedecer a certos requisitos (limitações temporais, espaciais e no tocante à atividade; princípio da boa-fé objetiva; indenização correspondente ao tempo de vigência da cláusula; previsão de multa contratual para os casos de descumprimento por parte do empregado). Também não fere o princípio da livre iniciativa, pois, o ex-empregado pode ser empreendedor desde que seu negócio não conflite e concorra com o ramo de atividade de seu ex-empregador durante a vigência da cláusula de não-concorrência.

Desta forma, se seguidos os requisitos acima, a cláusula é perfeitamente legal e não lesa qualquer direito do empregado porque, durante a vigência da obrigação de não fazer imposta pela cláusula de não-concorrência, este será indenizado pelo período em que não exercer a sua atividade laboral, podendo manter seu padrão de vida e tendo a possibilidade de, durante este período, exercer qualquer tipo de ofício que não concorra com seu ex-empregador, respeitando o princípio da boa-fé contratual.


Referências bibliográficas.

1 – DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 7ª ed., São Paulo: LTr, 2008, pág. 1.195.

2 – Idem.

3 – Idem, ibidem.

4 - DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 7ª ed, pág. São Paulo: LTr, 2008, pág. 1.196.

5 - DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 7ª ed., São Paulo: LTr, 2008,, pág. 1.198, op.cit. NASCIMENTO, A. M. Iniciação ao Direito do Trabalho, 17ª ed. São Paulo: LTr, 1991, pág. 198.

6 – CALVO, Adriana Carreira in Os aspectos legais e a validade da cláusula de não-concorrência no Brasil, www.universojuridico.com.br/doutrina, acesso em 23/05/2008.

7 – Idem.

8 – NETO, Francisco Ferreira Jorge e CAVALCANTE, Joubert de Quadros Pessoa in O contrato da não-concorrência no contrato de trabalho, www.universojuridico.com.br/doutrina, acesso em 23/05/2008.

9 – BELTRAN, Ari Possidonio, Ob. cit. p. 67 in NETO, Francisco Ferreira Jorge e CAVALCANTE, Joubert de Quadros Pessoa in O contrato da não-concorrência no contrato de trabalho, www.universojuridico.com.br/doutrina, acesso em 23/05/2008.

10 – MARTINS, Sérgio Pinto, Ob. cit. p. 127 in NETO, Francisco Ferreira Jorge e CAVALCANTE, Joubert de Quadros Pessoa in O contrato da não-concorrência no contrato de trabalho, www.universojuridico.com.br/doutrina, acesso em 23/05/2008.

11 – CALVO, Adriana Carreira in Os aspectos legais e a validade da cláusula de não-concorrência no Brasil, www.universojuridico.com.br/doutrina, acesso em 23/05/2008.

Sobre o autor
Washington Luiz Pereira dos Santos

Advogado e estudante do 2º ano de especialização em Direito e Processo do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Washington Luiz Pereira. A cláusula de não concorrência e seus reflexos sobre a liberdade de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2056, 16 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12326. Acesso em: 23 nov. 2024.

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