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Honorários advocatícios.

Aplicação do princípio da sucumbência ao processo do trabalho após a Emenda Constitucional nº 45

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Agenda 26/02/2009 às 00:00

3 DA NÃO-RECEPÇÃO DA LEI 5.584/70 PELA CONSTITUÇÃO DE 1988

A Constituição de 1988 libertou os sindicatos das amarras estatais, vedando a interferência e a intervenção do Poder Público na organização sindical (art. 8º, I). O texto constitucional veio, com isso, corrigir a situação absurda anterior de interferência estatal na organização sindical.

Comentando o art. 8º, I, da Constituição, Sérgio Pinto Martins diz que a maior modificação introduzida pelo dispositivo

é que o sindicato não exerce mais função delegada de poder público, não estando ligado umbilicalmente ao Estado. Na verdade, hoje o sindicato é uma entidade de direito privado, exercendo com autonomia seu mister. Essa realmente é a grande inovação da Constituição de 1988, que não repetiu as anteriores no ponto em que dizia que o sindicato exercia função delegada de poder público (MARTINS, 2001, p. 627).

Por outro lado, o texto constitucional dispõe que a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos será prestada pelo Estado (art. 5º, LXXIV).

Ora, a Lei 5.584/70, na parte em que trata da assistência judiciária, obriga o sindicato a prestá-la até mesmo ao trabalhador não sindicalizado, sob pena de multa ao diretor que se recusar a fazê-lo sem justificativa. É evidente que esse procedimento é manifestamente incompatível com a atual ordem constitucional, que impõe ao Estado (não ao sindicato) o dever de prestar assistência judiciária e, por outro lado, veda a interferência estatal na organização do sindicato, não podendo mais o Poder Público obrigá-lo a prestar a assistência judiciária.

É certo que o sindicato, sendo livre para se organizar, pode decidir prestar assistência aos seus filiados, seja de ordem jurídica, médica, odontológica, psicológica ou qualquer outra. Trata-se de serviços que o sindicato, querendo, pode prestar. Mas não pode ser obrigado a prestar assistência jurídica, nem mesmo por lei, ainda que o imposto sindical tenha sido mantido pela Constituição.

Note-se que o art. 8º, III, da Constituição, ao estabelecer que "ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas", não está obrigando o sindicato a prestar serviço de assistência jurídica, o que seria incongruente com o disposto no inciso I do mesmo artigo. Está apenas dando ao sindicato a prerrogativa de atuar como substituto processual ou representante da categoria nas matérias de seu interesse. Apenas isso.

Neste sentido, Maurício Godinho Delgado, tratando das funções e prerrogativas dos sindicatos, ensina que a ordem jurídica reconhece a sua função assistencial, que consiste na prestação, aos associados, de serviços educacionais, médicos, jurídicos e diversos outros. Entretanto, o renomado autor ensina que estes serviços não podem ser impostos como dever pela legislação:

Alguns desses serviços são tidos pela CLT como deveres dos sindicatos. Por exemplo, manter serviços assistenciais de caráter jurídico, promover a fundação de cooperativas de consumo, fundar e manter escolas de alfabetização e pré-vocacionais (art. 514). Entretanto, nesta extensão (dever e não mera função potencial), o diploma celetista não foi recebido pela Carta de 1988; é que tais atividades não são, exatamente, deveres, mas somente funções e prerrogativas que podem ser, naturalmente, assumidas pelas entidades sindicais (DELGADO, 2006, p. 1339).

O artigo 16 da Lei 5.584/70, que trata dos honorários advocatícios na Justiça do Trabalho, está inserido exatamente no contexto das normas que cuidam da assistência judiciária, obrigando o sindicato a prestar serviços jurídicos, e que não foram recepcionadas pela Constituição de 1988. Não faz sentido defender que todo o resto não foi recepcionado e apenas este artigo foi. O artigo 16 está inserido num conjunto de dispositivos legais que constituem um sistema lógico. Há uma pertinência de suas disposições com todo o resto. A destinação dos honorários advocatícios ao sindicato assistente é uma conseqüência da obrigatoriedade da prestação da assistência judiciária aos integrantes da categoria, sindicalizados ou não. Trata-se de uma compensação pela obrigação de desempenhar uma tarefa imposta pelo Estado. Desaparecendo, todavia, esta obrigação a partir de 05.10.1988, perdeu eficácia a norma que estabelecia a compensação e destinava os honorários advocatícios ao sindicato. Com isso, caiu por terra o argumento de que não se podia aplicar o princípio da sucumbência ao processo do trabalho porque a matéria era regulada pela Lei 5.584/70.

Note-se que a Súmula 329 do TST manteve o entendimento da Súmula 219 analisando a questão apenas sob a ótica do art. 133 da Constituição, que dispõe ser o advogado indispensável à administração da justiça. Aqui a matéria está sendo analisada sob os aspectos da incompatibilidade da Lei 5.584/70 com as regras da liberdade sindical e da obrigatoriedade da assistência judiciária pelo Estado – o legislador ordinário não pode transferir para o sindicato uma obrigação que é do Estado, interferindo indevidamente em sua organização.

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No sentido da incompatibilidade da Lei 5.584/70 com o art. 5º, LXXIV, da Constituição, encontramos a seguinte decisão do TRT da 4ª Região:

(...) ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. HONORÁRIOS. São devidos os honorários assistenciais pela aplicação da Lei nº 1.060/50, porquanto a manutenção do monopólio sindical da assistência judiciária, nos termos da Lei nº 5.584/70, afronta a disposição do artigo 5º, inciso LXXIV, da CF. Declaração de insuficiência econômica juntada com a petição inicial. Recurso desprovido. (...) (Processo 00203-2006-761-04-00-5 (REO/RO), Rel. Maria Helena Mallmann, publicado em 21.05.2007)

Por isso, é equivocada a Súmula 329 do TST, pois o entendimento contido na Súmula 219 é incompatível com a atual ordem constitucional.

Para efeito de argumentação, passo a analisar a questão da incompatibilidade do art. 16 da Lei 5.584/70 e da Súmula 219 do TST com a legislação infraconstitucional posterior ao advento da atual Constituição.


4 DA REVOGAÇÃO DO ARTIGO 16 DA LEI 5.584/70 PELA LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA

Pode parecer contraditório e dispensável falar em revogação do art. 16 da Lei 5.584/70 pela legislação ordinária quando eu defendi, linhas atrás, que este artigo sequer foi recepcionado pela Constituição de 1988. Vamos admitir, porém, para efeito de argumentação, que o mencionado artigo tenha sido recepcionado pela Constituição. Como visto acima, o artigo dispõe que "os honorários do advogado pagos pelo vencido reverterão em favor do Sindicato assistente".

Ocorre que em 1994 entra em vigor a Lei 8.906, dispondo, em seu art. 23, que "os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor". Ora, uma lei de 1970 diz que os honorários reverterão em favor do sindicato e outra, de 1994, diz que os honorários pertencem ao advogado. São, portanto, incompatíveis. Qual delas prevalece? É óbvio que a de 1994, por força do disposto no art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil. Houve, claramente, revogação do art. 16 da Lei 5.584/70 pelo art. 23 da Lei 8.906/94.

Este é o entendimento do jurista Sérgio Pinto Martins:

De acordo com a Lei nº 8.906/94, haverá honorários de advogado em todo processo, sendo que o art. 16 da Lei nº 5.584/70 restou revogado, pois o art. 23 da primeira norma informa que os honorários são do advogado e não do sindicato. Assim, a regra de honorários de advogado no processo do trabalho passa a ser a do art. 20 do CPC (MARTINS, 2003, p. 228).

No mesmo sentido é a tese da advogada gaúcha Vívian Kanan Ruffini:

A percepção dos honorários de sucumbência é direito legalmente garantido pelo Código de Processo Civil e pelo Estatuto da Advocacia. Mesmo se a Lei 5.584/70 vedasse a obtenção dessa verba pela simples sucumbência - como quer fazer crer o Enunciado 219 do TST -, pelo disposto no artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, estaria esse dispositivo revogado em face da incompatibilidade com a Lei 8.906, de 1994, já que lei posterior.

Em que pese a Carta Magna de 1988, em seu art. 133, dispor que o advogado é indispensável à administração da justiça, o enunciado 329 do TST entendeu válido o entendimento consubstanciado na Súmula de nº 219. Porém, urge lembrar que a súmula 329 foi editada em 1993, portanto, antes do regramento específico da Lei 8.906/94.

Ditas súmulas não possuem força vinculante, tampouco de lei, no entanto, vêm sendo aplicadas pelos julgadores da justiça do trabalho e de seus Tribunais insistentemente, atrelados a um entendimento arcaico, sem o cuidado de debruçarem-se sobre um foco mais atento acerca das Leis, que certamente não amparam o disposto naqueles enunciados.

Assim, pela praticidade da acomodação e receio da inovação, tolhem diariamente o direito legalmente previsto a todos os advogados de perceberem os honorários sucumbenciais nos processos em que atuam na justiça do trabalho.

A situação é agravada se analisarmos a natureza dos honorários sucumbenciais, que mesmo ante a incerteza de sua percepção, por estarem atrelados ao sucesso da ação, não deixam de possui caráter alimentar." (RUFFINI, acesso em: 15 abr. 2008.)

Mas vamos mais além. Admitamos, apenas para efeito de argumentação, que a Lei 8.906/94 não revogou o art. 16 da Lei 5.584/70.

No ano de 2001, a Lei 10.288 introduziu um parágrafo no art. 789 da CLT, nos seguintes termos: "§ 10. O sindicato da categoria profissional prestará assistência judiciária gratuita ao trabalhador desempregado ou que perceber salário inferior a cinco salários mínimos ou que declare, sob responsabilidade, não possuir, em razão dos encargos próprios e familiares, condições econômicas de prover à demanda. (NR)" A mencionada lei tem a seguinte ementa: "Altera a Consolidação das Leis do Trabalho, dispondo sobre o jus postulandi, a assistência judiciária e a representação dos menores no foro trabalhista". A parte referente ao "jus postulandi" foi vetada pela Presidência da República.

Ora, a nova lei regulou integralmente a prestação de assistência judiciária gratuita ao trabalhador, substituindo, portanto, os arts. 14 e 16 da Lei 5.584/70, que foram tacitamente revogados (art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil).

Mas há quem ainda dirá que apenas o art. 14 foi revogado. O art. 16, que destinaria ao sindicato os honorários advocatícios nas lides em que ele assistiu o trabalhador, teria permanecido incólume.

Ocorre que o § 10 do art. 789 da CLT, que passou a estabelecer e regular a assistência judiciária ao trabalhador no âmbito do processo do trabalho, foi expressamente revogado pela Lei 10.537/2002, que deu nova redação ao art. 789 da CLT. A Lei 5.584/70, é óbvio, não teve sua eficácia restaurada, pois o efeito repristinatório não existe no ordenamento jurídico pátrio (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 2º, § 3º).

A nova redação dada ao artigo 789 da CLT não estabeleceu qualquer previsão de assistência judiciária pelo sindicato. Em setembro de 2002, portanto, com a entrada em vigor da Lei 10.537/2002, o ordenamento jurídico pátrio deixou de prever a assistência judiciária pelo sindicato. Ela será prestada pelo Estado, tal como previsto na Constituição.

Com isso, o art. 16 da Lei 5.584/70, se ainda estava em vigor, caiu no vazio jurídico. Com efeito, se não há mais assistência sindical prevista no ordenamento, não faz mais qualquer sentido falar em reverter para o sindicato assistente os honorários advocatícios.

Nesse sentido é a decisão a seguir:

HONORÁRIOS DE ADVOGADO NA JUSTIÇA DO TRABALHO - A verba de honorários de advogado é devida nos termos da Constituição Federal em vigor (art. 133) e legislação infraconstitucional, como art. 20 do CPC e Estatuto da OAB (art. 22). Não há se cogitar na incidência da orientação contida nos enunciados 219 e 329 do TST, que somente admitem honorários advocatícios na hipótese de assistência judiciária gratuita prevista na Lei nº 5.584/70, já que esta teve os dispositivos referentes à assistência judiciária gratuita revogados pela Lei nº 10.288/01. Nosso Ordenamento Jurídico não admite o fenômeno da repristinação (LICC) e a Lei nº 1.060/50, nem o §3º do art. 790 da CLT, que atualmente regem a matéria, não fazem nenhuma referência à assistência sindical, não havendo, portanto, sentido algum em vincular-se o pagamento de honorários advocatícios no processo do trabalho a esta hipótese. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TRT da 7ª Região, Acórdão n. 2034, decisão em 23.05.2006, RO n. 1619-2005-026-07-00-9, Turma 1, DOE/CE 04.07.2006, Rel. Manoel Arízio Eduardo de Castro)

Mas ainda haverá quem insista na tese de que a assistência judiciária monopolizada pelo sindicato persiste e os honorários advocatícios na Justiça do Trabalho só são devidos nesta hipótese.

Eis que em janeiro de 2003 entra em vigor o novo Código Civil, com inegável ênfase no princípio da restituição integral, comentado no início deste texto.

Com efeito, o art. 389 do novo Código Civil, tratando do inadimplemento das obrigações, dispõe que "não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado" (grifo nosso). Se compararmos este dispositivo ao seu equivalente no Código revogado, veremos que a alusão aos honorários de advogado constituiu uma inovação. De fato, o art. 1.056 do Código de 1916 dispunha: "Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos", sem fazer referência aos honorários de advogado.

O intuito do novo Código, inegavelmente, é propiciar a restituição integral, que ficaria comprometida se o devedor não tivesse que pagar os honorários advocatícios quando o credor fosse obrigado (na prática) a contratar advogado para obter a indenização devida. Neste sentido, o novo Código refere-se aos honorários advocatícios também nos artigos 395, 404, 418 e 450, III, sempre visando a concretização do ideal da restituição integral.

Ora, o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste (art. 8º, parágrafo único, da CLT). Seria o princípio da restituição integral incompatível com os princípios fundamentais do direito do trabalho? Claro que não. Logo, não há qualquer impedimento para se transportar do Código Civil para o direito do trabalho a necessidade de incluir os honorários advocatícios nas indenizações trabalhistas dos empregados forçados a acionar.

O novo Código Civil, destarte, sepulta qualquer possibilidade de se afirmar validamente que os honorários advocatícios só seriam devidos nos casos de assistência sindical, pois a necessidade de restituição integral faz com que os honorários advocatícios transponham a barreira do direito processual e passem a integrar o próprio direito material, como parcela acessória da indenização, havendo ou não a assistência do sindicato.

Na verdade, os honorários advocatícios previstos no Código Civil, segundo muitos doutrinadores, não estão fundamentados no princípio da sucumbência, mas no da restituição integral. Sequer dependem do ajuizamento de ação para se tornarem devidos, bastando que o credor tenha tido a necessidade de serviços jurídicos profissionais para a cobrança da dívida. Neste sentido pensa o juiz Francisco das C. Lima Filho:

Desse modo, e após uma atenta e refletida leitura dos arts. 389 e 404 do Código Civil, chega-se a conclusão de que os honorários neles previstos a bem da verdade independem mesmo do ajuizamento de qualquer tipo de ação sendo devidos do simples fato de que, para conseguir o cumprimento da obrigação por parte do devedor, o credor teve que se valer da contratação de advogado. (...) Pode-se, pois concluir, inclusive reformulando posicionamento anteriormente adotado, que os honorários advocatícios previstos nos arts. 389 e 404 do Código Civil decorrem do princípio da restitutio integrum. Por conseguinte, são devidos inclusive no campo do processo laboral (arts. 8º e 769 da CLT) pelo simples fato de que para poder receber o seu crédito a parte (na Justiça do Trabalho em regra o trabalhador é o autor da ação) exercendo o fundamental direito de ação tenha que se valer da assistência de profissional do direito da sua confiança obrigando o devedor ao cumprimento da obrigação, afinal reconhecida na sentença (Ob. cit.).

De uma maneira ou de outra, seja pela sucumbência, seja pelo direito à restituição integral, o trabalhador forçado a demandar terá direito a ver incluído em sua sentença o ressarcimento dos honorários advocatícios.

A despeito de tudo isso, certamente haverá quem mantenha a tese de que os honorários advocatícios no processo do trabalho só são devidos com assistência sindical.

Vamos além.

Sobre o autor
Alexandre Roque Pinto

Juiz do Trabalho na Paraíba (13ª Região); ex-Juiz do Trabalho em Pernambuco (6ª Região)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Alexandre Roque. Honorários advocatícios.: Aplicação do princípio da sucumbência ao processo do trabalho após a Emenda Constitucional nº 45. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2066, 26 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12383. Acesso em: 23 dez. 2024.

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