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O menor elegível, mas inimputável

Agenda 02/03/2009 às 00:00

1 - Breve análise do § 2º, art. 11 da Lei 9.504/97 )

Conforme estatuído na citada Lei das Eleições, a exigência da idade mínima, como condição de elegibilidade, deve ser verificada na data de posse dos eleitos. Senão, vejamos:

Art. 11...........................................

......................................................

§ 2º A idade mínima constitucionalmente estabelecida como condição de elegibilidade é verificada tendo por referência a data da posse.

Ficou reconhecida, assim, a possibilidade do menor obter seu registro, candidatar-se a vereador e ser legalmente eleito; conquanto que, só por ocasião da posse, é que comprove haver atingido a maioridade, por total inexistência, quando do registro da candidatura, de referência a requisitos de maioridade, conforme rol taxativo a seguir:

Art. 11............................................

§ 1º O pedido de registro deve ser instruído com os seguintes documentos:

I – cópia da ata a que se refere o art. 8º;

II – autorização do candidato, por escrito;

III – prova de filiação partidária;

IV – declaração de bens, assinada pelo candidato;

V – cópia do título eleitoral ou certidão, fornecida pelo cartório eleitoral, de que o candidato é eleitor na circunscrição ou requereu sua inscrição ou transferência de domicílio no prazo previsto no art. 9º; ( grifo nosso )

VI – certidão de quitação eleitoral;

VII – certidões criminais fornecida pelos órgãos de distribuição da Justiça Eleitoral, Federal e Estadual;

VIII – fotografia do candidato, nas dimensões estabelecidas em instrução da Justiça Eleitoral, para efeito do disposto no § 1º do artigo 59. ( Art. 11, Lei 9.504/97 )

Assim, o menor, tido pela Constituição Federal como alistável, poderá ser candidato a vereador, desde que obedeça também o disposto no supracitado art. 9º da mencionada Lei, in verbis:

Art. 9º - Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito e estar com a filiação deferida pelo partido no mesmo prazo. ( grifo nosso )


2 – Da aquisição dos direitos políticos pelo menor

Informa o lúcido constitucionalista José Afonso da Silva que "o núcleo fundamental dos direitos políticos consubstancia-se no direito de votar e ser votado," o que possibilita falar-se em direitos políticos ativos e passivos, que não constitua divisão deles, e são modalidades de seu exercício ligadas à capacidade eleitoral ativa e passiva, assentada na elegibilidade, que é o atributo de quem preenche as condições do direito de ser votado.

Saliente-se que os direitos de cidadania se adquirem mediante alistamento eleitoral na forma de lei constitucional, sendo a qualidade de eleitor decorrente do alistamento, pode-se afirmar que a cidadania é adquirida com a obtenção da qualidade de eleitor, que se manifesta documentalmente pela posse do título de eleitor válido.

Sabe-se, à mínima aquiescência doutrinária, que o direito de sufrágio é a essência do direito político, manifestando-se pela capacidade de eleger e de ser eleito, apresentando seus dois núcleos fundamentais: capacidade eleitoral ativa e capacidade eleitoral passiva, consubstanciando-se respectivamente como direito de votar – alistabilidade-, e direito de ser votado – elegibilidade.

Dito isto, o legislador constituinte, ao estender ao menor a possibilidade de, ao sair da órbita facultativa que lhe confere a condição de alistabilidade, desde que maior de 16 ( dezeseis )e menor que 18 ( dezoito ) anos, ser detentor de direitos políticos, assegurou-lhe também o direito subjetivo de participação no processo político, como legítimo titular do direito de sufrágio, do qual emana a natureza de direito público subjetivo democrático.

Assim sendo, preenchidas as condições constitucionais de elegibilidade por faixa etária, e amparando-se no que prevê a Lei Eleitoral em comento, terá o menor direito de postular a designação pelos eleitores a um mandado eletivo de vereador, pois ao se prever um alistamento eleitoral aos dezeseis anos completos e, incontinenti filiação partidária, assegura-se-lhe o requisito do prazo fatal como concorrente à eleição subseqüente.


3 – Da elegibilidade do menor

A causa primeira de inelegibilidade repousa na negação absoluta de impedimento eleitoral para qualquer cargo eletivo aos inalistáveis e aos analfabetos, contemplados os primeiros no § 2º do art. 14 da Carta Federal como sendo os estrangeiros e os conscritos, estes durante o período do serviço militar obrigatório.

Por outro lado, as condições de inelegibilidade relativa se estendem dos demais §§ 3º a 11 do aludido artigo 14 da Constituição, e "constituem restrições à elegibilidade para determinados mandatos em razão de situações especiais em que, no momento da eleição se encontre o cidadão, podendo ser por motivos funcionais, de parentesco ou de domicílio."

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Prossegue Afonso da Silva que "[...] as normas contidas nos §§ 4º a 11, do art. 14, são de eficácia plena e aplicabilidade imediata; para incidirem, independem da lei complementar referida no § 9º do mesmo artigo", donde se retira o pleno vigor do § 2º da Lei 9.504/97.

Ademais, a LC 64/90, derivada do § 9º acima mencionado, limitou-se a estabelecer casos, prazos de cessação, e determinou outras providências de inelegibilidades, mas em seu art. 1º, inciso VII, quando cuidou de situações de inelegibilidades para a Câmara Municipal, nenhuma referência faz ao menor detentor de direitos políticos ativos, conduzindo-o plenamente revestido de tal prerrogativa ao art. 16 da Lei 9.096/95, que dispõe sobre os partidos políticos, para ali encontrar o amparo que lhe dará envergadura política passiva, pois "Só pode filiar-se a partido político o eleitor que estiver no pleno gozo de seus direitos políticos." (grifo nosso).

A esse respeito, Kildare Gonçalves Carvalho leciona que, segundo o § 3º, do artigo 14 da Constituição Federal, uma das condições de elegibilidade é justamente "o pleno exercício dos direitos políticos". Assim sendo, depreende-se que se o menor comprovar tal plenitude de direito, qual seja, o alistamento eleitoral e a filiação partidária no lapso temporal previsto em lei, nenhum óbice se interporá em seu desfavor.

Há que se dizer que este não é o entendimento do autor acima referido, pois para ele o menor "[...] pode votar mas não pode ser votado, o que acarretará, com certeza, algumas questões delicadas, em virtude de ser penalmente imputável, no caso de crime eleitoral". ( grifo nosso )

No entanto, a matéria tratada já foi objeto da Consulta nº 554-Classe 5ª, junto ao Tribunal Superior Eleitoral, por intermédio do Deputado Federal Jair Bolsonaro, de cujo teor se extrai:

"Se um cidadão que não tenha completado 18 anos até o dia do registro eleitoral e também não o tenha completado até o dia das eleições municipais do ano de 2000, mas o complete antes da data da posse, poderá concorrer normalmente ao pleito do ano 2000 para uma cadeira de vereador ?"

Em resposta afirmativa, aquela Corte dos Sufrágios, tendo como relator o Ministro Edson Vidigal, emitiu a seguinte Resolução nº 20.527 ( 9.12.99):

"Vistos, etc.,

Resolvem os Ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade de votos, responder afirmativamente à consulta, nos termos do voto do relator, que fica fazendo parte integrante desta decisão.

Sala das Sessões do tribunal Superior Eleitoral.

Brasília, 9 de dezembro de 1999."

Não obstante a clareza e a extensão da resposta á consulta, noutro entendimento daquela Corte, pugnando pela inconstitucionalidade do § 2º da Lei das Eleições, o Ministro Bueno de Sousa assim relatou:

"A Constituição estabelece, claramente, o requisito da idade mínima como condição para que o candidato possa ser escolhido pelo eleitorado – fato esse que ocorre na data do pleito eleitoral-, e não como condição de posse."

Ora, foi mais do que evidente a intenção do legislador constituinte ao elencar o rol a ser atendido como requisito de idade mínima, posto que, como também assim comunga Alexandre de Morais, a idade mínima deve ser aferida "na data do certame eleitoral, e não do alistamento ou mesmo na do registro", e nunca estender-se à data da posse.

Por fim, em pronunciamento mais recente, nossa Corte de Sufrágios pôs fim ao entendimento do prazo fatal, afirmando a constitucionalidade do § 2º do artigo 11 da lei de Eleições, quando do julgamento do AgRegAI nº 4.598/PI – Rel. Ministro Fernando Neves, Diário de Justiça, Seção I, 13 ago. 2004, pág. 401.

Assim, alheio aos debates jurídicos, doutrinários e jurisprudenciais em torno da matéria, situações concretas vão sendo verificadas na órbita eleitoral:

"Menor de 18 anos elege-se vereador na Paraíba

BRASÍLIA: Emas, na Paraíba, é o município que elegeu o candidato mais jovem do país. Orlando Dantas de Souza, de 17 anos, foi eleito vereador pelo PSDB, com 167 votos, ou 7,16% dos válidos. Ele pôde concorrer porque, segundo a lei eleitoral, a idade mínima de 18 anos deve se verificar na data da posse, em 1º de janeiro, e Orlando completará a maioridade em 23 de dezembro. "


4 – Conseqüências penais

Assinale-se que, a despeito do preenchimento das condições exigidas, pelas vias constitucionais e infraconstitucionais, e ser o menor detentor da garantia constitucional e fundamental de elegibilidade ativa e passiva, questão a ser discutida ressurge quanto à seara da imputabilidade penal frente às práticas de infrações eleitorais.

Dispõe o art. 287 da Lei 4.737/65 – Código Eleitoral, que aos fatos considerados crimes eleitorais sejam aplicados as regras gerais do Código Penal, bem assim, que o processo de apuração das referidas infrações, art. 355 a 364 do mesmo Diploma Eleitoral, terá a natureza de ação penal pública incondicionada, sujeita a oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público.

O menor, tido pela Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, como penalmente inimputável, não estará sujeito a cometer nenhum crime, pois ao infringir dispositivo eleitoral, sua conduta será considerada ato infracional, e se eleito, não responderá pelo cometimento do delito na menoridade, uma vez que para se aferir a imputabilidade leva-se em conta a data do fato.

Situação atípica se confrontará quando da delimitação da competência para processar e julgar os crimes eleitorais praticados por menor elegível: firma-se pela Justiça Especializada Menorista ( Juizado da Infância e da Juventude), ou pela própria Justiça Eleitoral.

Pois, conforme se encontra assentado na doutrina e jurisprudência pátrias, "a criança e o adolescente podem vir a cometer crime, mas não preenche o requisito da culpabilidade, pressuposto de aplicação da pena". A imputabilidade inicia-se aos 18 ( dezoito ) anos, e fica o adolescente que cometeu ato infracional sujeito à aplicação de medida sócio-educativa por meio de sindicância.

Para se definir o alcance da lei penal no tempo, como bem acentua Guilherme de Sousa Nucci, a regra geral é a aplicação da lei vigente à época dos fatos ( tempus regit actum ). Assim sendo, como responderá tal menor frente aos crimes eleitorais que porventura venha a praticar em campanha, posto ser o mesmo, para efeitos penais, ao tempo considerado inimputável?


5 - Conclusão

É certo que interpretar as normas constitucionais significa compreender e investigar o conteúdo semântico dos enunciados lingüísticos que formam o texto constitucional, e conforme nos ensina o constitucionalista Canotilho, "toda a norma é significativa, mas o significado não constitui um dado prévio; é, sim, o resultado da tarefa interpretativa".

Por outro lado, segundo o princípio da unidade da constituição, o texto Constitucional deve ser interpretado de forma a evitar antinomias entre suas normas e, sobretudo, entre os princípios constitucionalmente estabelecidos. Concatenado ao princípio da unidade da constituição encontra-se o da força normativa, no qual "não se deve interpretar a Constituição no sentido de negar eficácia ao seu texto, mas sim tendo por escopo valorizar o seu texto, conferindo-lhe a máxima aplicabilidade", todos corolários do princípio da supremacia constitucional.

Em resposta à pergunta formulada, e por todo o exposto, conclui-se que a legislação eleitoral incorre em erro grosseiro ao permitir que menor, excluído de culpabilidade penal, detenha condição de elegibilidade e, concorrendo na mesma eleição com outros candidatos penalmente imputáveis, leis distintas sejam aplicadas a agentes e fatos semelhantes, contrapondo-se aos mais consagrados princípios constitucionais norteadores do devido processo legal e da isonomia.

Tangentemente à inaplicação do Direito Penal aos crimes eleitorais cometidos por menor elegível, elucida-se que, ante a fulminante inaplicabilidade, também, de qualquer medida menorista, pois estará fadada à remissão, alternativa não resta senão a imediata alteração do § 2º do art. 11 da Lei 9.504/97.


BIBLIOGRAFIA

MORAIS, Alexandre de, DIREITO CONSTITUCIONAL, 23ª ed. Atlas. São Paulo. 2008

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 13ª ed. Del Rey. São Paulo. 2007

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina. 1995

ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência. 6ªed. Editora Atlas. São Paulo. 2005

NUCCI, Guilherme de Sousa. Manual de Direito Penal. 2ª ed. RT. São Paulo. 2006.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2004.

VADE MECUM Acadêmico de Direito. 4ª ed. Editora Riedeel. São Paulo. 2007

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Consulta nº 554 – CLASSE 5ª – DISTRITO FEDERAL ( Brasília)

Sobre o autor
Francisco Antonio Vieira de Menezes

Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça do Ceará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Francisco Antonio Vieira. O menor elegível, mas inimputável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2070, 2 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12388. Acesso em: 18 nov. 2024.

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