RESUMO: O Inquérito Policial, desde a sua inserção no ordenamento jurídico, em 1871, sofreu poucas alterações quanto à sua formalidade e à sua regulamentação legal. Todavia, com o advento da nova ordem constitucional, passou por profundas mudanças no que tange à sua finalidade, exigindo, na sua instrução, a observância dos princípios constitucionais e de boa parte dos princípios infraconstitucionais aplicáveis ao processo penal. Assim, deixou de ser "mera peça informativa do órgão acusador estatal", para se tornar verdadeiro instrumento de busca da verdade real e de defesa da cidadania e da dignidade da pessoa humana, na medida em que é procedimento "transparente" e isento capaz de atender aos anseios sociais de uma efetiva repressão penal, sem abrir mão da manutenção dos direitos e garantias individuais dos investigados assegurados pela Constituição.
PALAVRAS-CHAVE: Penal. Processual penal. Polícia Judiciária. Inquérito Policial. Investigação. Princípios aplicáveis.
. ABSTRACT: The Police Report, since it was inserted in the juridical ordenament, in 1871, suffered few alterations in both its formality and legal regulation. It went through deep changes though, with the coming of the new constitutional order, regarding its purpose; thus, demanding in its instruction the observance of the constitutional and criminal process principles. Therefore, it is no longer a "public attorney’s mere informative piece", but in fact, true instrument for searching the real truth and defend the citizenship as well as the human person''s dignity, taking the fact that it is a transparent and exempt procedure capable of assisting the social demands of an effective criminal repression, without giving up the rights and individual guarantees granted by the Constitution.
Key words: Criminal. Criminal Process. Police Report. Applicable principles. Investigation by the Judiciary Police
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Histórico da organização criminal no Brasil e o surgimento do Inquérito Policial – 3. Natureza e características do Inquérito Policial – 4. Princípios que regem o Inquérito Policial – 4.1 Princípios constitucionais – 4.1.1 Princípio da legalidade – 4.l.2 Princípio da impessoalidade – 4.1.3 Princípio da moralidade – 4.1.4 Princípio da publicidade – 4.1.5 Princípio da eficiência – 4.1.6 Princípio da celeridade – 4.1.7 Princípio do controle – 4.2 Princípios infraconstitucionais – 4.2.1 Princípio da economia processual – 4.2.2 Princípio da oficialidade – 4.2.3 Princípio do impulso oficial – 4.2.4 Princípio da indisponibilidade – 4.2.5 Princípio da verdade real – 4.2.6 Princípio da não-contraditoriedade – 4.2.7 Princípio da imparcialidade – 5. Função social do Inquérito Policial – 6. Conclusões – 7. Abstract – 8. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O inquérito policial é, por excelência, o procedimento investigatório destinado à apuração da materialidade e da autoria das infrações penais, sendo o primeiro instituto regulado no Código de Processo Penal (artigos 4º a 23).
Sua criação, no ordenamento jurídico pátrio, remonta ao final do Século XIX e, conquanto tenha sofrido poucas alterações de ordem formal, desde aquela época, tem passado, desde então, por profundas transformações quanto aos métodos de investigação nele empregados.
Isso culminou, após a promulgação da atual Constituição, numa fase eminentemente técnica, ou o mais técnica possível da investigação, que fez com que as polícias judiciárias da União e dos Estados-membros, cada vez mais, passassem a contar com policiais especialmente treinados para promover investigações, coordenados por autoridades policiais bacharéis em Direito que, sempre que possível, valem-se do auxílio técnico-científico de peritos criminais. Todos realizam, contudo, a atividade de investigação sob a égide de princípios constitucionais que resguardam e garantem ao(s) investigado(s) o respeito aos seus direitos expressamente estabelecidos na Constituição e nas leis que compõem o ordenamento jurídico pátrio.
Não obstante, o inquérito policial ainda continua a ser regulado por legislação processual datada de 1941, que pouco ou nada se modificou na parte em que trata deste instituto, o que contribuiu para a rasa abordagem do tema inquérito policial por parte dos professores dos cursos de graduação em Direito, bem como pelos doutrinadores, seja em manuais de processo penal seja em artigos jurídicos, de forma que os profissionais de Direito, que não tiveram contato prático com o inquérito policial, saem da faculdade com parcos conhecimentos sobre o seu trâmite, bem como sem saber da sua importância enquanto meio de formalização de uma investigação criminal, o que os faz engrossar o coro dos que criticam a eficiência e a própria existência do instituto, ou, quando muito, contribui para que tenham a falsa impressão de que o inquérito policial é uma "mera peça informativa" do órgão estatal de acusação.
Olvidam-se eles, contudo, que a grande maioria das ações penais em curso foi precedida de inquérito policial, baseia-se nas provas produzidas naquele procedimento e, na maior parte das vezes, acaba por converter em provas, mediante a aplicação do contraditório e da ampla defesa, os indícios obtidos e as provas produzidas na investigação policial, formalizada no inquérito policial que serviu de base às mesmas.
Pretende-se, com o presente trabalho, sem entrar no mérito da discussão sobre a exclusividade da investigação criminal por parte das polícias judiciárias, revelar que o inquérito policial moderno, além das características comumente explicitadas de ser procedimento inquisitivo, escrito, sigiloso, obrigatório e indisponível, também é regido, tal qual o processo criminal, por determinados princípios, como o da oficialidade, do impulso oficial, do inquisitório, da economia processual, celeridade e brevidade, do controle, da imparcialidade do Delegado de Polícia e dos demais servidores públicos envolvidos na investigação (Agentes de Polícia, Escrivães de Polícia, Papiloscopistas e Peritos Criminais) e, principalmente, pelo princípio da verdade real, fim a ser buscado em toda investigação policial.
Da mesma forma, objetiva-se demonstrar a existência, no ordenamento jurídico vigente, de um direito/dever à investigação de fato supostamente criminoso por parte da Polícia Judiciária, previamente à ação penal (persecução penal extra judicio), a ser exercido em sede de inquérito policial, justamente devido à aplicação daqueles princípios, que o tornam um procedimento hábil a reunir, de forma imparcial, elementos de prova que permitam o ajuizamento da ação penal e o desenvolvimento válido do processo penal a ser instaurado, uma vez conhecido o fato em grau suficiente para apurar a existência do crime e da sua autoria, reconhecendo-se, por fim, que o inquérito policial é verdadeiro instrumento de defesa da cidadania e da dignidade da pessoa humana.
Justifica-se o presente trabalho pela necessidade atual de se demonstrar, pelos motivos expostos no parágrafo precedente, que o inquérito policial não mais pode ser considerado, pejorativamente, como "mera peça informativa" do órgão acusador estatal, destacando-se a sua importância na apuração da verdade real, de vez que é voltado para a apuração imparcial de práticas criminosas, consistindo a sua instauração e instrução em um direito/dever de investigação por parte da autoridade policial, características que o tornam utilizável, inclusive, para a defesa do(s) investigado(s), principalmente quando a Polícia Judiciária reúne provas ou indícios veementes da sua não-participação, ou da inexistência de crime.
2. HISTÓRICO DA ORGANIZAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL E O SURGIMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL
No Brasil, as primeiras medidas tendentes a promover a organização criminal remontam a 1531, quando foram conferidos pelo então Rei de Portugal, D. João III, ao Governador-geral nomeado, Martim Afonso de Souza, amplos poderes não só para organizar a administração, como também para promover a justiça e estabelecer o serviço de ordem pública do modo que julgasse mais conveniente.
Daquela data até 1556, aproximadamente, as jurisdições cível e criminal, englobada nesta última a atividade hoje vista como policial, atribuídas pelo Monarca ao Governador-geral, de forma ampla, foram, por este último, delegadas, sucessivamente, de acordo com as alterações administrativas promovidas ao longo do tempo, a outras pessoas (juízes ordinários das vilas, donatários das Capitanias hereditárias, ouvidores-gerais dos distritos, Governador-geral do Norte e Governador-geral do Sul, etc), estabelecendo-se, dessa forma, as bases da justiça brasileira.
De 1556 até 1640, com o domínio espanhol sobre Portugal, o Brasil passou a ser regido pelas Ordenações Filipinas, cujo livro V dispunha sobre o processo criminal.
Em 1640, com a restauração da monarquia portuguesa, a administração do Brasil voltou a reger-se pelas Ordenações Manuelinas.
Somente em 1712, com D. João VI, foi estabelecida a independência do Poder Judiciário em relação aos Governadores-gerais, sendo que, em 29 de novembro de 1832, foi promulgado o Código de Processo Criminal, que não tratava, contudo, do inquérito policial, nem estabelecia qualquer outro procedimento semelhante, de natureza investigatória. [01]
Até então, as atribuições policiais e processuais penais ficavam a cargo do Judiciário, que as exercia, inicialmente, através dos Juízes de Paz, auxiliados pelos Inspetores de Quarteirão e, posteriormente, com a edição da Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1841, pelo Chefe de Polícia, escolhido dentre os Juízes de Direito das Comarcas e que era auxiliado por Delegados e Subdelegados, nomeados pelo Imperador. [02]
A distinção entre Polícia Administrativa e Polícia Judiciária apenas foi feita em 31 de janeiro de 1842, com a edição do Regulamento nº 120, que regulamentou a Lei nº 261, de 03 de dezembro de 1841.
No entanto, somente em 1871, com a edição da Lei nº 2.033, de 20 de setembro, regulamentada pelo Decreto-lei nº 4.824, de novembro do mesmo ano, foi criado o instituto do inquérito policial, definido como sendo o conjunto de "diligências necessárias para o descobrimento dos factos criminosos, de suas circumstancias e dos seus autores e complices" (art. 42, caput, do Decreto-lei nº 4.824, de 1871) e que ficava a cargo dos Delegados, subordinados aos Chefes de Polícia, que, por sua vez, integravam o Poder Judiciário. [03]
Com a Constituição de 24 de fevereiro de 1891, facultou-se aos Estados-membros a possibilidade de legislarem sobre direito processual penal, tendo alguns deles editado seus Códigos de Processo Penal.
Posteriormente, com a Constituição de 1934, estabeleceu-se que competia privativamente à União legislar sobre direito processual, disposição mantida na Constituição de 1937.
Como conseqüência, foi editado, em 3 de outubro de 1941, o Decreto-lei nº 3.689, contendo o Código de Processo Penal, em vigor até a presente data.
O Código de Processo Penal dispõe nos artigos 4º a 23 sobre o inquérito policial, feito, em regra, pela Polícia Judiciária (Polícia Civis dos Estados e Polícia Federal), vinculada ao Poder Executivo, sob a presidência da autoridade policial, o Delegado de Polícia.
De se destacar que as disposições constantes dos citados artigos do Código de Processo Penal relativamente ao inquérito policial, ainda vigentes, em especial as do art. 6º, assemelham-se bastante àquelas estabelecidas em 1871 no Decreto-lei nº 4.824.
Vejam-se, a propósito, as disposições constantes do art. 42 do Decreto-lei nº 4.824, de 1871, e, logo em seguida, o texto dos artigos 4º a 7º do Código de Processo Penal:
"Art. 42. O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos factos criminosos, de suas circumstancias e dos seus autores e complices; e deve ser reduzido a instrumento escripto, observando-se nelle o seguinte:
1º. Far-se-há corpo de delicto, uma vez que o crime seja de natureza dos que deixam vestígios.
2º Dirigir-se-há a autoridade policial com toda a prontidão ao lugar do delicto; e ahi, além do exame do facto criminoso e de todas as suas cincumstancias e descripção da localidade em que se deu, tratará com cuidado de investigar e colligir os indícios existentes e apprehender os instrumentos do crime e quaesquer objectos encontrados, lavrando-se de tudo auto assignado pela autoridade, peritos e duas testemunhas.
3º Interrogará o delinqüente, que for preso em flagrante, e tomará logo as declarações juradas das pessoas ou escolta que o conduzirem e das que presenciarem o facto ou delle tiverem conhecimento.
4º Feito o corpo de delicto ou sem elle, quando não possa ter lugar, indagará quaes as testemunhas do crime e as fará vir à sua presença, inquirindo-as sob juramento a respeito do facto e suas circumstancias e de seus autores ou complices. Estes depoimentos na mesma occasião serão escriptos resumidamente em um só termo, assignado pela autoridade, testemunhas e delinqüente, quando preso em flagrante.
5º Poderá dar busca com as formalidades legaes para apprehensão das armas e instrumentos do crime e de quaisquer objectos à elle referentes; e desta diligencia se lavrará o competente auto.
6º Terminadas as diligencias e autuadas todas as peças, serão conclusas à autoridade que proferirá o seu despacho, no qual, recapitulando o que for averiguado, ordenará que o inquérito seja remetido, por intermédio do Juiz Municipal, ao Promotor Publico ou a quem suas vezes fizer; e na mesma ocasião indicará as testemunhas mais idôneas, que por ventura ainda não tenham sido inqueridas.
[...]"
Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
Art. 5º. Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:
I - de ofício;
II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
§ 1º. O requerimento a que se refere o nº II conterá sempre que possível:
a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;
b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer;
c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência.
§ 2º. Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.
§ 3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.
§ 4º. O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado.
§ 5º. Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.
Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;
III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
IV - ouvir o ofendido;
V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por 2 (duas) testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura;
VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;
VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;
VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;
IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.
Art. 7º. Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública."
Em se comparando os dispositivos acima com o art. 42 do Decreto-lei nº 4.824, de 1871, constata-se que o inquérito policial pouca ou nenhuma alteração sofreu na essência da sua regulamentação legal e, até mesmo, na sua essência formal, desde a sua criação no ordenamento jurídico pátrio.
3. NATUREZA E CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL
Como forma de manter a harmonia na sociedade e o direito de liberdade dos cidadãos, o Estado estabeleceu determinadas regras de conduta por meio da edição de leis gerais e abstratas.
Prevendo-se a possibilidade do surgimento de conflitos de interesses entre os cidadãos e a necessidade da solução pacífica dos mesmos, como forma de se manter a paz social, foi abolida a possibilidade de resolução desses conflitos pela força, estabelecendo-se que a composição de litígios somente poderá ser feita pelo próprio Estado, no exercício da função jurisdicional.
Contudo, aos bens mais importantes da sociedade, resolveu-se atribuir maior grau de proteção, editando-se as normas penais, com a cominação de penas restritivas de direitos, privativas da liberdade ou, até mesmo, de morte, ficando o Estado com a titularidade do direito de punir (jus puniendi).
Por conseqüência, uma vez descumprida alguma das normas penais, o direito de punir até então previsto em abstrato passa a existir de forma concreta para o Estado, revelando-se na pretensão punitiva do infrator, ou seja, de fazer subordinar-se o interesse do autor da infração penal ao interesse do Estado de punir aquela violação da norma penal.
Esse conflito de interesses é resolvido por meio da função jurisdicional do Estado, num processo penal, resguardadas as garantias constitucionalmente estabelecidas para o acusado.
Promove o Estado, então, pela ação penal, a persecução penal (persecutio criminis), com vistas a tornar efetivo o jus puniendi decorrente da prática do crime, impondo-se ao seu autor a sanção penal cabível. [04]
Todavia, para que se proponha a ação penal, o Estado deve dispor de elementos probatórios que comprovem a materialidade do crime e a sua autoria, de modo a se evitar que um cidadão seja alçado à condição de acusado sem o mínimo de subsídio que justifique o exercício da ação penal.
Estes elementos de convicção, no direito brasileiro, em regra, são colhidos no inquérito policial, realizado pela Polícia Judiciária, sob a presidência do Delegado de Polícia.
Segundo a Exposição de Motivos do Código de Processo Penal,
o inquérito policial, como instrução provisória, antecedendo à propositura da ação penal [...] constitui uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto de fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas.
Pode-se afirmar, então, que o inquérito policial é um procedimento administrativo, de vez que promovido por órgão do Poder Executivo, que objetiva possibilitar o exercício da ação penal com a satisfação dos requisitos do art. 43 do Código de Processo Penal, apresentando as seguintes características: a) inquisitorial (não contraditório); b) de instauração obrigatória; c) indisponível; d) escrito; e) não sujeito a rito pré-definido; f) sigiloso; e g) sujeito a prazo certo.
Como aqui já se afirmou, o inquérito policial tem por finalidade imediata colher o mínimo necessário de elementos de convicção sobre determinado crime e seu(s) autor(es) para que a persecução penal seja levada a juízo por meio da ação penal. De forma mediata, visa possibilitar a realização em concreto do direito de punir do Estado, com a responsabilização criminal do(s) autor(es) das infrações penais nele apuradas, de forma a reprimir a conduta criminosa e a prevenir a prática de outros crimes.
Constata-se, portanto, que o inquérito policial é eminentemente investigatório, não voltado à resolução de uma lide ou à imposição de uma sanção penal ao responsável pela prática da infração penal no bojo do próprio inquérito policial [05], não sendo, por tudo isso, um processo, mas procedimento administrativo informativo, tanto assim que o Código de Processo Penal o distingue da instrução criminal, regulando os institutos em artigos e capítulos diversos (artigos 4º/23 e 394/405, respectivamente) [06] .
E, justamente por não se tratar de processo, com acusado formalmente indicado, mas de procedimento administrativo, sem a possibilidade de imposição de sanção ao suposto autor da infração penal, não se lhe aplica o contraditório, disto decorrendo a sua natureza inquisitorial, voltada primordialmente ao recolhimento de indícios suficientes sobre a autoria e a materialidade do crime que justifiquem a instauração de uma ação penal.
O inquérito policial é de instauração obrigatória (art. 5º, I, do Código de Processo Penal) pela autoridade policial, tão logo ela tome conhecimento da prática de infração sujeita a ação penal pública e, uma vez instaurado, é indisponível, devendo o resultado das investigações ser encaminhado ao Ministério Público por intermédio do Poder Judiciário, não podendo a autoridade policial arquivar autos de inquérito policial (art. 17 do Código de Processo Penal).
Por expressa determinação do art. 9º do Código de Processo Penal, o inquérito policial é procedimento escrito, não sujeito a rito pré-definido, salvo no que tange às imposições legais quanto à sua forma de instauração, que somente se dá por meio de portaria ou de auto de prisão em flagrante delito, ou, ainda, quanto a determinadas diligências legalmente exigidas, como, por exemplo, o exame de corpo de delito (art. 158 do Código de Processo Penal).
É revestido do sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade (art. 20, caput, do Código de Processo Penal), resguardando-se, todavia, o acesso do Judiciário, do Ministério Público e do investigado ou procurador por ele constituído aos autos.
Caracteriza-se o inquérito policial, ainda, como procedimento administrativo sujeito a prazo certo, estabelecido em lei e, em algumas situações, prorrogável pelo Judiciário, em atendimento a pedido fundamentado da autoridade policial (art. 10 do Código de Processo Penal e disposições constantes de leis especiais).