7.Condutas equiparadas
O parágrafo único do art.10 da LC 105\2001 equipara a omissão, o retardamento injustificado e a prestação falsa de informações requeridas nos termos da lei com o delito epigrafado no caput do aludido dispositivo. Vejamos: "Incorre nas mesmas penas quem omitir, retardar injustificadamente ou prestar falsamente as informações requeridas nos termos desta Lei Complementar."
Destarte, caso se pratique uma das modalidades indicadas no aludido parágrafo, aplicar-se-á a mesma conseqüência jurídica prevista no caput.
O dispositivo em comento se refere à omissão própria ou pura [39], ou seja, é a não realização de uma conduta esperada pela lei. É a violação de uma norma de determinação. O autor não observa o comando normativo antevisto na lei. Pratica esta modalidade o sujeito que se omite a prestar às informações requeridas nos termos da lei, isto é, há uma não atuação do sujeito na prestação das informações. Pondere-se, entretanto, que a omissão deve ser injustificada.
Retardar significa atrasar, demora na prestação das informações requeridas nos termos da lei. Trata-se de delito omissivo próprio [40], pois, consiste na não prestação das informações no prazo estipulado na lei. Também existe uma violação a uma norma mandamental, com a procrastinação e protelação no repasse das informações.
No que pertine as informações, tais se referem ao conhecimento, isto é, aquilo que se sabe ou que se tem notícia. Diz respeito aos dados, as informações, às pessoas envolvidas nas operações.
A expressão injustificadamente é um elemento normativo do tipo, dependente porquanto de juízo valorativo. Tal expressão faz referência a uma causa de justificação, que, se presente exclui a tipicidade, tornando a conduta permitida.
A modalidade prestar quer dizer dispensar, conceder informações falsas. É um delito comissivo [41], ou seja, há a realização de uma conduta por parte do agente, quando se deveria abster. O sujeito presta as informações em desacordo com a realidade, de forma fictícia.
O §único do art.10 da LC 105\2001 também se refere a uma norma penal em branco imprópria, eis que a expressão "informações requeridas nos termos desta Lei Complementar" sugere uma complementação que se encontra na própria lei para um escorreito entendimento.
O tipo subjetivo compreende o dolo, que assim pode ser definido: à vontade e a consciência de realizar o tipo objetivo, ou seja, consiste em omitir, retardar ou prestar informações falsas requeridas nos termos da lei.
Neste dispositivo, não se faz presente qualquer elemento subjetivo do injusto, ou seja, para a configuração do delito é despiciendo a existência de um fim especial na conduta do agente, por exemplo, em razão de motivos egoísticos ou patrimoniais.
Nas modalidades omissivas (omissão e retardamento) a consumação se dá com o simples não agir, ou seja, pela inação, constituindo-se em delito de mera atividade e de perigo abstrato. De sua vez, na modalidade comissiva (prestar informações falsas) o delito se consuma com o fornecimento de informações falsas, constituindo-se em delito de mera atividade e de perigo abstrato.
Não é possível a tentativa na forma omissiva [42], contudo, no que diz respeito à conduta comissiva- prestar informações falsas é admissível, eis que é passível de fracionamento.
Dentro desta linha de argumentação, merece realce o disposto no art.3º da LC nº105\2001 que assevera que o Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários e as instituições financeiras deverão prestar às informações solicitadas pelo Poder Judiciário.
No que diz respeito à Comissão de Inquérito Administrativo que apura responsabilidade de infração praticada por funcionário público no exercício de função ou cargo público, a prestação de documentos e informações estão condicionadas a autorização do Poder Judiciário. Saliente-se que a quebra de sigilo nesta hipótese, não depende de processo judicial em curso (art.3º, §1º e 2º da LC nº 105\2001).
Assevere-se que o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários deverão fornecer documentos e informações à defesa da Advocacia-Geral da União, quando ela for parte de alguma lide (§3º do art.3º). Evidencie-se que este dispositivo é de duvidosa constitucionalidade, pois, fere o princípio da legalidade, ao permitir que somente a União possa invadir a seara da intimidade e da privacidade daqueles com quem litiga para melhor se armar. [43]
No que pertine a Comissão Parlamentar de Inquérito, a solicitação dos dados e das informações dependerão de prévia aprovação da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, ou do plenário de suas respectivas Comissões de Inquérito e, poderá ser feita diretamente a instituições financeiras ou por intermédio ao Banco Central do Brasil ou Comissão de Valores Mobiliários (art.4º, §§ 1º e 2º, da LC nº105\2001), em homenagem a competência constitucional e legal de ampla investigação, conforme prevê §3º do art.58 da CF\88).
O art.6º da LC nº105\2001 refere-se à possibilidade de quebra do sigilo em caso de investigação fiscal, para tanto, o referido dispositivo impõe algumas condições que deverão ser criteriosamente observadas, senão vejamos: "as autoridades e agentes fiscais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente." (Grifei)
De sua vez, o art.5º da LC nº105\2001 aduz que "o Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços." Tal dispositivo, confere ao Poder Executivo o poder de disciplinar às informações que serão repassadas à administração tributária da União, fruto das operações realizadas pelos usuários junto a esta entidade. Convém observar, entretanto, que tal dispositivo não se coaduna com o princípio da razoabilidade, eis que, desprestigia de forma ingente as garantias fundamentais quando viabiliza os repasses diretos das informações pelas instituições financeiras à administração tributária da União, desdenhando do direito do direito a intimidade e da privacidade como se fosse algo não importante. Em remate, frise-se, uma vez mais, que o sigilo deve ser quebrado quando há indícios veementes da autoria e da materialidade de delito grave, in casu, o que viabilizaria a quebra do sigilo seria a prática de infração tributária. Saliente-se ainda, que este dispositivo é um exemplo claro de inversão lógica, já que a quebra de sigilo por este dispositivo não funciona como atividade complementar, mas primária, isto é, quebra-se o sigilo para se desvendar eventual prática de ilícito tributário, fato este que deve ser traduzido em verdadeiro abuso do poder de investigação, porquanto, é de duvidosa constitucionalidade tal dispositivo.
8.Responsabilidade pessoal e direta
Trata o art.11 da LC 105\2001 sobre a responsabilidade do servidor público que infringe o dever de sigilo, devendo por tal, responder pessoalmente e diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da entidade pública quando comprovado que o orientador agiu em conformidade com a orientação oficial. Em matéria penal, a responsabilidade somente pode ser atribuída ao gente – princípio da culpabilidade, melhor dizendo, a responsabilidade pelo ilícito praticado somente pode ser impingido ao seu autor. Excetua-se o concurso de pessoas (art.29), que, ainda assim, delimita a responsabilidade utilizando-se da expressão "na medida de sua culpabilidade". No que diz respeito à responsabilidade administrativa, tal deve ser atribuída ao funcionário que praticou uma falta funcional. De seu turno, no que toca a responsabilidade civil, tal é objetiva, ou seja, o ente público deverá responder pelos danos causados por seu funcionário ainda que não tenha querido ou participado da divulgação que trouxeram prejuízos ao usuário (§6º do art.37 da CF\88).
9.Prova ilícita
O inc. XII do art.5º da CF\88 consagra o direito de sigilo, pelo que, somente poderá ser quebrado mediante determinação expressa do Poder Judiciário. Ressalvada as hipóteses legais que não implicam em dever de sigilo, todas as informações íntimas e privadas que se encontram armazenadas junto às instituições financeiras somente serão repassadas após determinação judicial devidamente motivada que observará, sobretudo, o princípio da legalidade.
Assevere-se que todas às provas que foram confabuladas sem a observância ao devido processo legal, deverá ser tida como prova ilícita [44] e, sendo tal, não poderá ser utilizada para arrimar uma sentença condenatória, melhor dizendo, deverá ser extirpada do processo, como que nunca tivesse sido colhida.
10.Dos recursos
O deferimento da quebra de sigilo pela autoridade judiciária pode ser combatido com a impetração de mandado de segurança, que, certamente será ajuizada ao Tribunal de Justiça, uma vez que, a quebra será determinada sempre por Juiz. Advindo a decisão de Desembargador poderá ser impetrado o Recurso de Agravo Regimental para o próprio Tribunal, que, se mantiver a decisão, caberá recurso a Corte Especial, se houver previsão neste sentido no Regime Interno. Daí em diante, a discussão é direcionada ao STJ, que, mantendo viabilizará a discussão junto ao STF. Nada obstante, saliente-se que em matéria criminal, onde o que está em jogo são bens de altíssimo valor, têm-se admitido a impetração do habeas corpus para combater tal decisão. [45]
Como se trata de meio de prova, advirta-se que do indeferimento não cabe recurso, pois, tal fica alvedrio do Juiz a quem a prova é direcionada, para que forme à suas convicções.
11.Pena e ação penal
A pena no caso de violação do disposto no art.10 da LC nº105\2001 é de um a quatro anos de reclusão e multa. Como a pena mínima in abstrato é de um ano, em tese comportaria suspensão condicional do processo nos termos do art.89 da Lei nº 9.099\95, cabendo, eventualmente à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito na forma do art. 44 do Código Penal, desde que for recomendável.
A ação penal é pública incondicionada.
Conclusão
A par do que expusemos, chegamos à conclusão inarredável de que a intimidade e a privacidade são direitos fundamentais de valor imensurável, razão pela qual, tais direitos devem ser garantidos e conservados pelo Estado, inclusive com a remoção de eventuais obstáculos que impeçam a sua fruição.
Nada obstante, impõe expor que, não são direitos de ordem absoluta, pois, poderão ser relativizados por força de interesses coletivos. Saliente-se, porém, que a ruptura do sigilo financeiro deve ser sempre precedida de decisão judicial devidamente fundamentada.
A ingerência Estatal no âmbito privado deve ser feita nos termos antevistos na Constituição Federal, segundo a qual, tem incumbência para determinar a quebra do sigilo o Poder Judiciário (inc. XII do art.5º da CF\88) e a Comissão de Inquérito Parlamentar (§3º do art.58 da CF\88).
O dever do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários em repassar as informações e os documentos necessários a Advocacia-Geral da União (§3º do art.3º) para que os use quando ela for parte, é de questionável constitucionalidade, pois, inadmissível que se privilegie um órgão em detrimento das outras partes com o repasse de informações específicas colhidas no âmbito da intimidade e da privacidade, viabilizando a referida instituição uma melhor preparação em razão da antecipação das informações.
Por sua vez, o art.5º da Lei Complementar nº105\2001 é de duvidosa constitucionalidade, pois, ao conferir ao Poder Executivo o poder de disciplinar, atribuir valores e impor critérios às instituições financeiras no que concerne ao fornecimento de informações destas a administração tributária da União sobre os serviços e as operações realizadas, constitui-se em uma demonstração clara de abuso de investigação, pois, os repasses das informações e dados atinentes as operações são feitas sem antes de se aferir a existência de um delito tributário. Em verdade, o aludido dispositivo impõe uma inversão lógica, já que franqueia a quebra de sigilo para se apurar eventual delito.
Feita estas considerações, chega-se a conclusão de que a ingerência Estatal no âmbito da intimidade e da privacidade não é a regra, mas sim, a exceção. E, como tal, deve haver motivos sérios e necessários para que se determine a quebra de sigilo das operações realizadas no âmbito das instituições financeiras. Saliente-se, por fim, que a invasão na esfera íntima deve ser a ultima ratio e não prima facie, dada à sua peculiar natureza de direito fundamental. A admissão da relativização de tais garantias deve ser feita com cautela e prudência, máxime quando há outros recursos que podem ser utilizados para a apuração da prática da atividade ilícita.
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