INTRODUÇÃO
O objetivo do presente texto é estabelecer, em primeiro plano, compreensão e relação entre a crise do modelo clássico de emprego como corolário das mudanças econômicas e tecnológicas que trouxeram novas formas de organização da produção e da divisão internacional do trabalho, e a crise do Poder Judiciário Trabalhista brasileiro; num segundo plano, mas não de forma secundária, apontar os delineamentos que nos permitam, a partir da percepção desta crise, vislumbrar novos horizontes de atuação do judiciário trabalhista.
Temos como premissa básica que, apesar da característica universal do modo de produção capitalista, em que os trabalhadores são possuidores da mão de obra e os capitalistas dos meios de produção, e embora, no mundo existam diferenciais de desenvolvimento econômico, na atualidade, todos os países encontram-se intimamente interligados por meio das teias internacionais do capitalismo, representado exemplarmente pela figura de espectro do FMI, que assombra os Estados Nacionais.
Esta configuração do capitalismo internacional, onde os investimentos financeiros parecem adquirir vida própria independente da produção de bens de consumo, aliada a uma superação do modelo de produção centrado na grande indústria fabril e onde o trabalho com grande capital morto (robótica, microinformática,) torna-se o meio mais adequado às modernas exigências de lucro do capitalismo, traz um impacto profundo sobre a forma e organização do modelo clássico de emprego e que vai ter especial impacto sobre um modelo judiciário que justamente foi forjado sobre estes elementos que hoje encontram-se em crise.
1. PREMISSAS HISTÓRICAS DA CRISE DA JUSTIÇA DO TRABALHO
1.1.Trabalho e emprego - Elementos de transformação
Cumpre observar, antes de qualquer coisa, que o papel dos sujeitos a que se dirige a tutela do judiciário trabalhista não é o mesmo de quando do seu surgimento, o que pode ser observado de forma clara pela performance que, no decorrer da história, vem sendo mostrada pela classe operária, como autêntico fruto do capitalismo e da revolução industrial.
Dada característica universal do meio de produção capitalista, ou, na palavra da moda, o caráter global do capitalismo, podemos ver no mundo o fenômeno de que cada vez mais o trabalho manufatureiro, centrado na grande indústria fabril, perde espaço de relevância, onde, cada vez mais, o trabalho, com grande capital morto, torna-se o meio mais adequado às modernas exigências de lucro do capitalismo moderno, o que leva a profundo impacto sobre a forma e organização do papel da classe operária no mundo moderno.
Noção de trabalho e crise
Em nossa percepção atual, parece ilusório pensar que, mesmo daqui a mil anos, possa existir uma sociedade onde o trabalho humano seja desnecessário, onde somente as máquinas trabalhem, e o homem seja todo gozo. Aliás, há filosofias que sustentam a possibilidade de uma composição orgânica e techno na formação do homem do futuro (1), que lhe faça transcender todas as suas limitações de existência.
Embora tecnicamente possível em menos de um milênio, entendemos que sempre existirá uma ética do trabalho intrinsicamente ligada às formas de organização da sociedade humana, mas que varia sua apresentação de acordo com o desenvolvimento dos meios de produção.
Basta, para tanto, lembrar que a concepção de trabalho sempre esteve presente onde exista o homem em relação com a natureza, que, mesmo na Bíblia, onde existia apenas Adão e Eva, ainda que permeado da idéia de um mal, o trabalho surge como o meio de viabilização da manutenção do homem com a sua própria atividade de relação com a natureza, com o seu próprio suor, pois Deus deixa de tudo lhe aprouver ao provar do fruto proibido.
Assim, vemos que a relação do homem com a natureza, a partir da noção de trabalho, é uma relação que rompe com o divino, sendo o trabalho a ponte de relação entre o homem e a natureza, onde Deus vai sendo cada vez mais afastado, à medida que o controle do homem sobre a natureza vai se afirmando (2). Assim, se pensarmos que a natureza sempre vai existir, temos que o trabalho humano também, ainda que aquela corra risco de ser destruída por esta atividade do homem.
Logo, o trabalho é criação especificamente humana, pois o divino não trabalha, não transforma a natureza, mas sim a cria ou a elimina, a exemplo de Lúcifer. Somente ao homem é possível a noção de transformação para criar, ainda que isto leve à destruição parcial, a fim de atender as suas necessidades, afinal Deus não tem necessidades.
Embora a noção de trabalho esteja até mesmo lingüisticamente ligada à noção de pena, sofrimento, a grande característica que possui na modernidade é a sua concepção como meio de formação da natureza humana.
Devemos registrar, entretanto, que nem sempre foi assim. Como podemos verificar, na antigüidade grega o trabalho era considerado atividade inferior, a que somente os espíritos inferiores deveriam se dedicar, inclusive daí a noção de que a filosofia é fruto do ócio, o que na verdade prende-se à idéia de trabalho como atividade manual, e, justamente na atualidade, temos a crise do trabalho, como atividade manual.
Cabe-nos, assim, primeiramente, delimitar como se manifesta essa crise, os seus limites e elementos caracterizadores, pois surge nova concepção de trabalho. Estamos num momento de encruzilhada histórica de redefinição do valor trabalho. Assim, temos uma época de incertezas.
Como os campesinos no fim do feudalismo, e os trabalhadores artesãos na época de nascimento da revolução industrial sentiam-se deslocados e sem lugar na sociedade do trabalho, também hoje, vemos a grande massa trabalhadora operária formada sob o sinal da grande indústria, centrada na unidade fabril, perdida sob que rumo tomar dentro da nova conjuntura que se apresenta.
Com o surgimento do capitalismo e a mudança radical que traz ao mundo do trabalho, rompendo os laços de servidão, trazendo à tona o homem plenamente "livre" para contratar com quem desejasse, retirando dos trabalhadores o controle sobre todos os meios de produção, torna-se, assim, possível a fase de explosão do novo sistema, existindo as bases jurídicas para acomodar a chamada Revolução Industrial.
O desenvolvimento do capitalismo tem o seu ápice como modo específico de produção, com a explosão da Revolução Industrial, século XVIII, onde o homem conseguiu estabelecer um controle sobre a natureza nunca antes imaginado.
O rompimento da distinção antes clássica entre trabalho e conhecimento, que ainda se faz presente em alguns setores de nossa sociedade, cada vez mais perde espaço. Estamos hoje numa encruzilhada, ainda por superar este postulado da assim chamada indústria moderna, que forma a nossa sociedade industrial, mas que vem sendo modificado há algumas décadas, e, por isso, temos modificação substancial do papel da principal classe que a compõe, que é a classe operária.
Características da sociedade industrial .
A sociedade industrial, que hoje está em crise, teve o seu boom nas décadas de 30 a 60, chamada época de ouro, e começou a ter o seu declínio a partir da década de 70, declínio esse que se acelera a cada ano.
A sociedade industrial (3) a que nos referimos, tem as seguintes características fundamentais, possuindo como espaço por excelência do trabalho:
1- A Empresa Industrial Capitalista - cujo paradigma é a fábrica -, que se caracteriza por ser instituição separada da unidade produtiva familiar.
2- Trabalhador (manual) assalariado - que detém somente a sua força de trabalho, e pode vende-la livremente como mercadoria no mercado.
3- Mercado de Trabalho- local onde capitalista e trabalhador se encontram para, respectivamente, comprar e vender a mercadoria força de trabalho.
4- Ética do Trabalho - serve de base justificadora de uma moral, não apenas da necessidade e do dever de trabalhar, mas toda uma teia de relações que mobiliza as instituições da sociedade.
Esta sociedade industrial, que podemos chamar de sociedade do trabalho industrial, surgiu com a revolução industrial, teve seu universalismo fixado a partir principalmente do pós-guerra da 2ª grande guerra. Sociedade para a qual a fábrica se constitui na unidade básica mais importante de produção e, assim, o trabalhador manual é o principal agente no processo de transformação da natureza e o principal sujeito desta sociedade.
Percebe-se que a sociedade industrial caracteriza-se por possuir lugar por excelência da sua manifestação, que é a Fábrica, um microcosmo, onde se realiza a divisão técnica do trabalho. Dentro desse microcosmo, encontram-se os sujeitos principais desta sociedade, os trabalhadores operários, que possuem local de trabalho que não se confunde com o seu ambiente familiar.
Assim, como bem frisou Daniel Bell, a sociedade industrial traz a noção de forma de organização social onde o trabalho ocupa lugar central na vida dos indivíduos, e, por isso, pode ser chamada de sociedade de trabalho (4).
Até pouco tempo, e desde o início do desenvolvimento da Revolução Industrial, a empresa industrial capitalista - para a qual a fábrica é a figura paradigmática - tornou-se o modelo a ser generalizado para o conjunto das relações sociais.
Uma vez que o trabalho fabril se tornou o princípio organizador fundamental das relações sociais, sendo o meio pelo qual os indivíduos adquirem existência e identidade social pelo exercício de uma profissão (5), permitiu a percepção de que havia um conjunto de sujeitos que eram o sustentáculo desta sociedade: a classe operária.
Na esteira deste fato, da importância da classe operária, aquela que desenvolve atividades manufatureiras dentro do núcleo fabril, vislumbrou-se o surgimento de teorias que explicavam esta sociedade, a partir do papel exercido por esta classe, dentro do sistema produtivo, a exemplo a Marx, Weber ou Durkheim (6).
A sociedade industrial baseada em tecnologia mecânica, em que o capital e o trabalho são as principais características estruturais, foi resultado do grande crescimento mundial da economia, como resultado do desenvolvimento do modelo de produção em massa de Henry Ford e de Taylor, que se espalhou para as indústrias do mundo, e de nova expansão do capitalismo internacional. Destaca-se que, na época do pleno emprego, do boom do capitalismo industrial, nos países centrais as taxas de desemprego eram muito baixas, pois alcançavam pouco mais de 1,5% na Europa da década de 60, e 1,3% no Japão. (7)
No entanto, este modelo começou a entrar em declínio, sendo que há algumas décadas passou a se acelerar este processo, pois o aumento das forças produtivas, levou ao desenvolvimento de uma tecnologia, que, superando os processos de trabalho tayloriano e fordiano, cujo ritmo de trabalho dos operários determina o ritmo da produção e o rendimento efetivo obtido (8), pôde produzir em velocidade nunca antes imaginada, como conseqüência da tecnologia da informática, robótica etc.
A nova sociedade pós-industrial
A nova sociedade, que hoje começa a se delinear, é fruto direto da revolução na base técnica da produção, decorrente da informatização, microprocessamento, biotecnologia e tecnologia informacional, porque a nova capacidade tecnológica libertada é conjugada à nova expansão do capitalismo internacional, onde as fronteiras nacionais pouco significam dentro do mercado mundial, cada vez mais dominado pelas regras do sistema financeiro internacional.
Esta nova sociedade, que vem substituir a sociedade industrial, funda-se sobre a existência de uma economia global que se organiza com altos padrões de produtividade, com crescente agregado de composição orgânica do capital (capital "morto") que torna caríssima a criação de novos postos de trabalho pela mais radical revolução tecnológica já produzida pelo homem (9).
Como o desenvolvimento tecnológico está sendo mais rápido do que a modificação das condições de formação da classe operária, surge o chamado desemprego tecnológico, como conseqüência da necessidade de meios para economizar o uso de mão de obra, superando o ritmo com o qual esta poderia ser ocupada na sociedade industrial (10).
Este é o chamado desemprego estrutural da sociedade pós-industrial, que assim toma as características de verdadeira necessidade e não um acaso ou desvio conjuntural do "capitalismo microeletrônico" da "sociedade informática". (11)
Assim, caracteriza-se esta nova sociedade por ter base de produção de altíssima tecnologia, onde a manufatura, característica da sociedade industrial, já não é relevante, pois o trabalho é desenvolvido em unidades de produção com alta tecnologia, com o uso de pouca mão de obra operária, em que o processo produtivo é todo realizado por robôs e computadores, e o controle da produção é feito por poucos trabalhadores altamente especializados.
Está integração, cada vez mais radical, da ciência com a produção, reforça social e politicamente os proprietários do conhecimento, com a emergência de contigente humano cada vez mais integrado com a inteligência artificial, que gera forte classe trabalhadora especialista (12). Desta forma, a sociedade pós-industrial passa a ser baseada em tecnologia intelectual, informação e conhecimento, com a expansão do setor de serviços, sobretudo pelo incremento de serviços humanos (saúde, educação, serviços sociais) profissionais e técnicos (pesquisa, consultoria, computadores e análise de sistemas), logo, uma espetacular mudança na natureza do trabalho (13) .
Impacto da sociedade pós-industrial sobre a classe operária
A partir do momento em que se vem afirmando a sociedade pós-industrial, com o conhecimento passando a ser a principal base do desenvolvimento produtivo, e o emprego maciço da informática e microprocessamento no processo produtivo, foi havendo diminuição substancial da f´ábrica, como local aglutinador da classe operária.
Aliás, a classe trabalhadora industrial vem se reduzindo rapidamente há mais de 20 anos, como destaca Tarso Genro. Representa, hoje, menos de 17% da força de trabalho nos EUA, 20% na Grã-Bretanha (contra 30% há dez anos), entre um quarto e um terço nos outros principais países da Europa Ocidental (14)
De fato, a revolução industrial baseada no carvão e na energia elétrica - a produção manufatureira e a maquinofatura -, havia introduzido uma forma de sociabilidade operária que está em declínio no capitalismo avançado. Esta decorria da forma com que a riqueza material era produzida, em que os atos de trabalho são justapostos de forma solidária e aticulada na organicidade da fábrica (15).
O proletariado clássico, cujo exemplo mais forte é o das fábricas de automóveis de Detroit, presentes nas décadas de 50 e 60, como modelo de referência mais completo, reduziu sua importância como ser social para a economia da atualidade, logo, o seu papel também.
Basta lembrar, no caso brasileiro, o exemplo emblemático das greves do ABC paulista que, em plena época de ditadura militar, desencadearam um processo nacional de protestos, mas que hoje em dia, quando se realiza, por assim dizer, o maior declínio nos chamados direitos sociais conquistados, a palavra greve soa como o mais remoto artificio, e a conciliada redução salarial parece ser a saída mais sensata e mesmo heróica. Ainda assim, a greve não ultrapassa nos seus efeitos os portões internos da montadora onde se realiza.
A tradicional classe operária, concentrada em núcleos industriais com centenas de trabalhadores, vai-se tornando rapidamente arcaica perante um futuro em que se consagram a indústria eletrônica e aeroespacial, os serviços de tecnologia sofisticada, a pesquisa científica, a biogenética e a informática como elementos estratégicos da sociedade mundial, integrada cultural e economicamente pelas multi ou transnacionais, e pelo sistema financeiro mundial (16).
A relação solidária para produzir, caracterizada sobretudo pelo espaço da fábrica, criou estilo de vida que começa a desaparecer claramente nos países altamente desenvolvidos, desintegrando materialmente a velha e combativa classe operária (17).
A tendência clara à "terceirização", ao retorno do trabalho domiciliar "tecnologizado" (telecomuter) à separação cada vez mais radical entre a concepção e realização (H. Bravermann), à robotização e à automação, com a conseqüente fragmentação das bases concretas da vida coletiva com suas interferências no afeto, nos valores e nas relações humanas em geral, fazem implodir aceleradamente os fundamentos materiais de todas as teorias sobre o papel da classe operária no capitalismo atual (18).
O aceleramento da produção mundial de bens supérfluos da era eletrônica (ou seja , não imediatamente necessários à simples reprodução da vida), torna mais difícil a vida da classe operária tradicional, como pretendente e capaz de exercer influência estratégica sobre as sociedades desenvolvidas ou em desenvolvimento. O conceito do trabalhador em geral, para a própria política alterou-se radicalmente num mundo submergido em um sistema de valores completamente diferentes daqueles da primeira metade do século (19).
Por outro lado, a nova classe de trabalhadores da sociedade pós-industrial, os trabalhadores de conhecimento, por serem sujeitos que, no dizer de Drucker, possuem seu próprio conhecimento, podendo levá-lo consigo a qualquer parte (20), e, por conta disso, mais capazes objetivamente, são subjetivamente menos interessados em modificar os rumos do "progresso" , tal qual se coloca neste fim de século (21).
A classe operária tradicional perde assim, a condição de ser o fiel da balança na sociedade contemporânea, por já não se situar onde se realiza o progresso e a contínua modernização da sociedade, não ocupando lugar especial que ocupava na produção social, que lhe permitia ser o único desestabilizador radical da ordem capitalista. Não existe a dependência de outrora à sua força de trabalho (22)
Novas classes ou desclassificados da sociedade pós-industrial - A regra da exclusão .
Destaca Peter Drucker que, embora nos Estados Unidos os empregos em manufatura possam ainda ser vistos como um ativo, no Japão eles são vistos cada vez mais como um passivo (23), assim como algo negativo dentro da estrutura das empresas.
De fato, este dado apontado em que o emprego, leia-se "o trabalhador", é um fardo pesado a afetar a eficiência das empresas capitalistas, acentua-se de forma acelerada justamente porque os modernos meios de produção assim o permitem, sendo mesmo opinião comum.
Assim, cria-se situação de desagregação evidente da classe operária. Já não temos uma classe de "vanguarda", mas sim uma série de sujeitos "desclassificados" ou excluídos, que somente servem como elementos pontuais da produção, uma vez que o mercado é voltado aos incluídos que podem pagar, ficando a maioria no limite da exclusão, como alerta o Professor Gilberto Dupas :
"As sociedades deste final de século , embora fascinadas por vários benefícios e promessas oferecidas pela globalização, já elegeram seu grande inimigo : o medo da exclusão social, que atinge todos os níveis. Os inequívocamente incluídos - que sentem as vantagens da tecnologia e da liberdade de mercado, acumulam informações, riqueza e circulam pela aldeia global - têm medo do potencial de violência do excluído, além de um razoável sentimento de culpa cujo tamanho depende do seu grau de solidariedade social. Aqueles ainda incluídos , assustado com a diminuição dos empregos formais e a redução Estado-protetor, temem escorregar para a exclusão. E por último , aqueles que são ou sentem-se excluídos, no seu dia-a-dia de sobreviventes, tem razões de sobra para sentirem medo." (O Novo Paradigma do Emprego.In São Paulo em Perspectiva.Vol 12/ no. 3 . Revista Fundação SEAD.1998. página 69.) (grifo nosso)
A regra da exclusão apresenta-se de modo inequívoco no que diz respeito a locação de trabalho dentro de emprego formal, identificado pelos cidadãos deste século como sua condição de inserção na sociedade (24). De fato, cada vez mais o Emprego Formal, com todas as suas garantias, e nos moldes do artigo 3º da CLT, torna-se cada vez mais sonho quimérico se tomarmos em conta que "cerca de 60% do trabalho gerado no Brasil de hoje (exceto governo) não inclui carteira assinada. A nova maioria são os trabalhadores informais e os autônomos que, submetidos a um novo desafio, dependem quase exclusivamente de si mesmos para gerar renda em trabalhos mais precários, sem as habituais proteções que o emprego formal garantia" (25) .
Podemos claramente estabelecer relação direta entre a regra do sentimento de exclusão da nova sociedade e a perda da centralidade do emprego e da classe operária, que descrevemos nos itens anteriores, justamente porque, havendo uma mudança radical nos meios de produção onde a dependência do capital à força de trabalho era muito maior, perde o sentido para o capital expandir aqueles direitos antes conquistados pelos trabalhadores empregados formalmente.
De fato, a relação jurídica entre capital e trabalho representado pela figura do empregado definida no artigo 3º da CLT, vai-se tornando cada vez mais inadequada para os novos padrões tecnológicos, até mesmo porque, esta forma de relação jurídica é mais onerosa para o capital do que as relações de trabalho em que os custos de manutenção do local de trabalho podem ser assumidos pelos próprios trabalhadores. Acrescenta-se que os custos de previdência e outras possíveis formas de garantia social são, cada vez mais retiradas do âmbito público e transferidos ao setor privado.
Destarte, o emprego formal que há pouco tempo era a regra e o sonho dourado do trabalhador, formando até mesmo a sua identidade social, hoje cada vez mais vai perdendo espaço, tonando-se a exceção. E as garantias de socialização que esta forma de relação estabelecia entre capital e trabalho, com o importante papel do Estado Providência de mediador entre as classes, vai-se tornando algo do passado.
Fazendo, uma síntese do pensamento até aqui exposto, da relação entre o desenvolvimento tecnológico e a fragilidade da relação de emprego da sociedade industrial e a sua relação com o Estado, cite-se o professor Gilberto Dupas :
"..questão que agrava a sensação de exclusão é a deterioração progressiva do Estado no seu tradicional papel de supridor de serviços essenciais" (...)"Parte da sociedade está começando a acreditar que a globalização traz a exclusão. Esse mal-estar é devido a inúmeros fatores , mas sem dúvida o mais importante entre eles é a mudança no paradigma do emprego" (...)" fica claro que hoje há uma crescente e progressiva informalização das relações de trabalho, decorrente tanto da automação e modalidades de trabalho à distância, como pelas tendências de terceirização , porque se respaldam em sólida lógica de mercado: menores preços e maior qualidade do produto final " (O Novo Paradigma do Emprego. In São Paulo em Perspectiva. Vol.12 no.3. Revista Fundação SEAD. 1998. páginas 70 e 75.)