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Justiça do Trabalho.

Breve reflexão sobre a sua crise e apontamentos sobre novos rumos para um sistema judiciário do trabalho

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Agenda 01/05/2000 às 00:00

2. NOVAS RELAÇÕES DE TRABALHO E JUSTIÇA DO TRABALHO

Estabelecidas estas premissas históricas, podemos facilmente perceber que a crise da Justiça do Trabalho vai muito além de necessidade de reformulação estrutural ou de aspectos do processo trabalhista, ainda que esta discussão não deixe de ser importante ou secundária. Possui, esta crise, elemento genético muito mais profundo, o que nos leva à necessidade de discutir a crise do judiciário apreciando os aspectos ontológicos sobre os quais se sustenta este ramo especializado do Poder Judiciário.

É de se perguntar se há sentido numa justiça especializada do trabalho, erigida para apreciar os feitos originários de relação jurídica específica, descrita no artigo 3º da CLT, quando já existe o trabalhador multifuncional convivendo com processo de terceirização, o teletrabalho e o trabalho em domicílio.

Destarte, o presente texto não questiona a perversidade ou bondade de um sistema que cada vez mais aumenta a exclusão, mas pensa como ampliar ou fazer ser socialmente útil uma Justiça do Trabalho dentro da atual sociedade que se delineia. Parece-nos inequívoco e necessário repensar um judiciário que se formou sobre bases materiais que já não existem, sob pena de se tornar sem função.

Assim, rediscutir o papel da Justiça do Trabalho é apontar rumos que afirmem a necessidade deste braço do Judiciário brasileiro ou engrossar o caldo dos que lhe apontam como instituição ultrapassada, de época histórica não mais compatível com a nossa "modernidade".

Acreditamos que afirmar simplesmente que ainda existem relações do tipo clássico de emprego que justificam a existência da Justiça do Trabalho, nos moldes que hoje se apresenta, é simplesmente adiar o momento de sua morte.

Se é possível dizer que ainda temos número limitado de relações de trabalho fora dos moldes do artigo 3º da CLT, principalmente em países periféricos como o Brasil e, particularmente, em regiões como a Amazônica (26), são corriqueiras, nos tribunais, as alegações de incompetência absoluta da Justiça do Trabalho. Tal se dá por ausência do modelo clássico de relação de trabalho definido na consolidação. Assim, com a redução expressiva dos sujeitos sob essa forma específica de relação entre capital e trabalho, o corolário será cada vez mais freqüente esse tema nas lides dos tribunais, o que não significa a diminuição dos conflitos, mas sua ampliação para novas fronteiras.

Destarte, pensamos que este tema, que hoje é a exceção, tornar-se-á com a difusão das novas relações de trabalho a regra, excluindo-se cada vez mais da apreciação do judiciário trabalhista especializado, nos moldes com que hoje se organiza, a maioria dos conflitos entre capital e trabalho, que ainda existirão e tendem a se difundir, apresentando-se sobre novas roupagens.

Deduz-se, portanto, que a Justiça do Trabalho já não pode apresentar-se como ramo especializado e responsável por dirimir determinada forma de configuração de relação jurídica de trabalho, sob pena de se tornar uma justiça para uma classe de poucos trabalhadores.

Deve a Justiça do Trabalho ampliar o seu campo de atuação para tornar-se, cada vez mais órgão responsável pela decisão final em temas de ocupação humana, como o instrumento estatal responsável pelas garantias mínimas para que a atividade física e intelectual do homem, expressa como trabalho, não seja aviltada nas mínimas garantias de dignidade da pessoa humana.

Demonstrado, à saciedade, que o trabalho fabril, antes o princípio organizador fundamental das relações sociais, em torno do qual erigiu-se toda uma concepção jurídica sobre o emprego, vai sendo superado de forma acelerada, necessária a superação do modelo de Justiça do Trabalho que se construiu dentro deste modelo.

Na esteira deste fato, da noção de emprego surgido da grande indústria fabril, onde havia perfeita delimitação da atividade a ser desenvolvida pelo trabalhador subordinado às ordens do patrão, formaram-se, também, os fundamentos do direito do trabalho clássico, essencialmente protetor do trabalhador, construído basicamente por regras de direito público que definem o contrato que rege a relação entre empregado e empregador.

Hoje, ao contrário, o que vemos, é a expansão da autonomia da vontade, que exige paralelamente o avanço da autonomia da vontade coletiva, e, neste sentido, uma retração do direito do trabalho "industrial", surgindo um direito do trabalho onde os sujeitos sociais é que se tornam responsáveis pelas regras que devem reger as novas e modernas relações entre o capital e trabalho.

Como demonstrado, a menor dependência do capital ao trabalho, tornou possível a retração de muitas conquistas da classe operária , antes, com maior poder de intervenção, que estão sendo podadas, trazendo novos contornos à relação entre capital e trabalho. Se antes existia campo mais amplo para intervenção do Estado como regulador da relação contratual entre capital e trabalho, hoje retrai-se este campo, porque o capital exige espaço mínimo à intervenção estatal. Mas, se a Justiça do Trabalho não pode desaparecer, precisa urgentemente remodelar o seu espaço de atuação.

          Novos rumos de atuação da Justiça do Trabalho - Variações sobre o tema. 

Por certo, como apontamos, há necessidade de remodelação da forma como o judiciário trabalhista deve atuar na resolução dos campos de conflito entre capital e trabalho, mas não podemos deixar de perceber que os rumos dessa nova forma de atuar pode assumir diferentes caminhos.

Assim, como não podemos abordar todos os possíveis caminhos, traçaremos um limite retor de nossas reflexões, para correr o menor risco de perda de objetividade.

Desta forma, pensamos em eleger um campo que consideramos privilegiado para o início de nossas reflexões sobre o tema, a fim de contribuir com a formação de novo paradigma de atuação judicial, que passamos a traçar a seguir.

          2.1. Sociedade pós-industrial - Inadequação do modelo clássico de emprego - Identificação da crise de paradigmas e necessidade de novos paradigmas para a atuação judicial trabalhista

          *Identificação da Crise

Uma vez que já não há espaço para diversas funções e atividades desenvolvidas dentro da grande unidade fabril, que hoje vão desaparecendo pela aplicação de novas tecnologias, até mesmo a noção de desemprego forjada sob a sociedade industrial torna-se inadequada para qualificar o estado em que se encontram as pessoas que vêem simplesmente sumir os seus postos de trabalho. Porque os postos de trabalho eliminados pelas novas tecnologias não mais ressurgirão, e, como os sujeitos dentro do modelo clássico de emprego definem-se pelo exercício especializado de uma atividade e as novas tecnologias eliminam os postos especializados, é cada vez mais difícil a esperança dessas pessoas em obter uma locação na mesma atividade antes exercida em outra indústria. Portanto, em vez de ser um sem emprego (des + emprego), passam estas pessoas a assumir, na realidade, a posição de um sem função (des + função).

Como o modelo clássico de emprego não é mais adequado em muitas situações para regular as relações entre capital e trabalho, percebemos que temos hoje um quadro típico de crise, como descrito por Thomas Kuhn, pois os profissionais do direito são capazes de perceber que existe inadequação latente dos princípios que regem o modelo clássico de emprego, forjado sob a sociedade industrial, mas não se apresenta, ainda, novo paradigma que com clareza possa substituir o anterior modelo, dentro da chamada sociedade pós-industrial.

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Hoje, ao contrário do modelo regulamentador do direito do trabalho clássico das relações entre capital e trabalho, temos um "movimento global de desregulamentação da sociedade, que parte das relações de mercado, chega aos diversos ramos do Direito e tem especial predileção pelo Direito do Trabalho. Tal movimento não é, como pensam alguns uma invenção da teoria neoliberal ou de políticos conservadores. Ele é, na verdade, a resposta espontânea e anárquica - colada diretamente ao movimento e às necessidades do capital - às exigências da terceira revolução científico-tecnológica" (27)

Sendo assim, é preciso repensar a noção da relação entre trabalho e capital, pois a noção de emprego clássica está se tornando inadequada para regular as novas relações sociais surgidas do desenvolvimento tecnológico, e essa velha noção era adequada para um Direito do Trabalho protecionista, que se desenvolveu para abrigar relações com certa estabilidade (princípio da continuidade) e subordinação fiscalizada (28).

Logo, uma vez detectada, do ponto de vista teórico, a crise de paradigmas que o processo produtivo está sofrendo e seus reflexos no mundo do trabalho, especialmente a necessidade de novos paradigmas para a atuação do poder judiciário trabalhista como corolário, temos de delimitar esta crise.

Podemos dizer, seguindo as lições de KUHN, que os cientistas sociais, aí inclusos os teóricos do Direito do Trabalho, desenvolveram uma "ciência normal" (29), onde os sujeitos se definindo pelo lugar que ocupam dentro da produção industrial, a classe operária era o centro de sua forma de análise, onde uma ordem jurídica seria tão mais adequada quanto melhor atribuísse direitos ao trabalhador e o Estado o protegesse dos arroubos do capitalismo.

O encadeamento entre aspectos sociais e grandes desenvolvimentos tecnológicos que permitiram a ascensão do chamado modelo "Japonês ", ou da especialização flexível, e outras mudanças que ainda estão por se operar , trouxeram a necessidade de mudanças na organização da produção e localização do trabalhador, que não mais era definido pela sua atividade na linha de produção, mas pelas funções que desenvolvia dentro da empresa.

Assim, o desenvolvimento tecnológico ocasionou a necessidade de uma revolução científica das ciências sociais, incluso o Direito do Trabalho, alterando os compromissos profissionais dos cientistas sociais, desintegrando a tradição na qual a classe trabalhadora operária era o centro das teorias sociais, tão caras à atividade da ciência normal. (30) Neste ponto é permitido concluir a presença de uma crise de paradigmas na formulação das ciências sociais que trabalham com a categoria do trabalho.

Uma necessidade de novos paradigmas faz-se premente, uma vez que não é mais possível explicar a nova sociedade emergente pelos paradigmas forjados sob a égide do antigo modelo, pois surgem problemas de natureza diferente. O Antigo paradigma já não é bem sucedido para que os membros da profissão resolvam os problemas que emergem dentro do novo modelo.

Surgem constantes anomalias, que são fenômenos para os quais o antigo paradigma não pode solucionar os problemas postos, os quais o cientista social não está preparado para solucionar com os métodos e categorias próprias do antigo paradigma (31) , que no caso da direito do trabalho e sua relação com a atuação judicial, pode ser representado especialmente pela ausência de um paradigma adequado para solucionar os problemas decorrentes dos conflitos metaindividuais entre trabalhadores e o capital, como demonstraremos.

Da conjugação entre o fato de serem constantes o surgimento de anomalias e a percepção pelo cientistas de que os paradigmas que são utilizados não são mais adequados para a resolução dos problemas da nova sociedade "pós - industrial" , podemos afirmar que temos uma crise de paradigmas.

          Crise de paradigmas e emergência de novas teorias

Em sua obra "A Estrutura das Revoluções Científicas", Thomas Kunh observa que "A emergência de novas teorias é geralmente precedida por um período de insegurança profissional pronunciada, pois exige a destruição em larga escala de paradigmas e grandes alterações nos problemas e técnicas da ciência normal. (...). O fracasso das regras existentes é o prelúdio para uma busca de novas regras". (32)

Assim, uma vez que, como demonstramos, há uma crise do modelo de Justiça do Trabalho construído sobre a égide da sociedade industrial, pois diminui significativamente aqueles trabalhadores que estão sob a égide do emprego formal, temos a necessidade do surgimento de novas teorias que possibilitem respostas às novas questões que são postas aos profissionais e teóricos do direito, a fim de serem estabelecidos novos paradigmas, pois outro não é o significado das crises que indicar a chegada da ocasião certa para a renovação dos instrumentos de solução dos problemas (33)

Se olhamos especialmente para o Direito do Trabalho, percebemos que temos hoje um quadro típico de crise, como descrito por Thomas Kuhn, pois os profissionais do direito são capazes de perceber que existe inadequação latente dos princípios que regem o Direito do Trabalho "clássico", mas não se apresenta, ainda, novo paradigma que, com clareza, possa substituir o anterior.

Resta claro, que a percepção da crise está ligada ao fato de ainda não ter emergido um novo paradigma, capaz de superar o antigo. A partir do momento em que este for presente, não haverá mais crise, mas, sim, a ciência normal voltará ao seu curso habitual.

Temos, portanto, que o momento é de busca de novo paradigma, a fim de ser superada a crise da Justiça do Trabalho que hoje se apresenta como corolário da crise da sociedade sob a qual ela se erigiu, sob pena de se tornar inútil, pois não terá respostas às anomalias que nascem e nascerão das novas relações entre o capital e o trabalho.

A emergência de novo paradigma é lento, porque este, antes, precisa superar o antigo, pois não pode existir ciência sem paradigma estabelecido, que deve ser comparativamente melhor que o anterior. Quando este novo paradigma emerge, a crise é estancada, e a ciência volta ao seu curso normal. E é para este objetivo que pretendemos contribuir com estas reflexões, ainda que isto soe por demais ambicioso.

          Sociedade pós-industrial e Justiça do Trabalho

Na nova sociedade que hoje começa a se delinear como fruto direto da revolução na base técnica da produção, decorrente da informatização, microprocessamento, biotecnologia e tecnologia informacional , e conjugada a nova expansão do capitalismo internacional, onde as fronteiras nacionais pouco significam dentro do mercado mundial cada vez mais dominado pelas regras do sistema financeiro internacional, temos que os conflitos se massificam, pois os sujeitos já não são identificados enquanto sujeitos individuais, mas como membros de uma coletividade.

Conseqüentemente, novos interesses surgem como característicos desta nova sociedade. Se antes, na produção da grande indústria fabril, residia o elemento aglutinador da classe operária no espaço da fábrica, hoje, nos novos modelos de organização da produção, vai-se destruindo até mesmo a noção de categoria, tão cara ao direito laboral brasileiro.

Começa a faltar sociabilidade maior dos indivíduos, pois as leis de produção sobrepõem-se às condições particulares dos indivíduos e os problemas passam a ser encarnados na presença de uma coletividade sem rostos determinados. São os chamados interesses coletivos dos trabalhadores (34).

Como dito mais ao norte, a nova sociedade que se apresenta, ao contrário do modelo regulamentador do direito do trabalho clássico das relações entre capital e trabalho, temos um "movimento global de desregulamentação da sociedade, que parte das relações de mercado, chega aos diversos ramos do Direito e tem especial predileção pelo Direito do Trabalho", como " resposta espontânea e anárquica - colada diretamente ao movimento e às necessidades do capital - às exigências da terceira revolução científico-tecnológica" (35)

Assim, acreditamos e vislumbramos que, no futuro próximo, não havendo mais espaço para o modelo regulamentador e de múltiplas garantias sociais (36), que cada vez mais ficará restrito a um grupo privilegiado de trabalhadores, teremos um crescente corpo de trabalhadores submetidos a um regime de poucas normas regulamentares da relação entre capital e trabalho e poucos direitos individuais ligados ao trabalho a serem tutelados, em que o sujeito deixa de ser o centro de imputação de direitos e o grupo social, a comunidade de trabalhadores, é que passa ser o sujeito a que se imputam direitos subjetivos, e estas novas regras, pela característica dos seus titulares, têm a ver ou terão a ver com o respeito ao mínimo de garantias da dignidade humana no fazer da atividade produtiva. Este, pensamos será o espaço que restará para o Estado regular, e, no caso, sendo a maioria, a Justiça do Trabalho precisa repensar radicalmente o seu meio de atuar nesta nova forma regulamentar, onde estará a maioria dos trabalhadores.

Embora sendo poucos os direitos do ponto de vista individual na nova sociedade, porque o sujeito somente passa a ser importante pelo grupo produtivo a que pertence, estas regras dirão respeito às garantias básicas da tessitura da comunidade produtiva, logo a sua tutela abrangerá toda a coletividade, pois a violação destes direitos faz ferir o mínimo ético da organização do trabalho.

Assim, em nossa compreensão, torna-se mais do que válido, ao rediscutir os rumos da Justiça do Trabalho, pensar necessariamente no desenvolvimento e aperfeiçoamento dos meios de tutela coletiva de interesses metaindividuais dos trabalhadores (difusos, coletivos e individuais homogêneos).

Temos de ter atenção que esta forma de análise ou caminho para a superação da crise de paradigmas não elimina o caminho de fortalecimento da autonomia privada coletiva a ser exercida pelos sindicatos e centrais sindicais, inclusive no sentido de atuação internacional, mas se apresenta em nossa visão como o meio mais adequado de tutela eficaz dos mínimos de garantia de dignidade humana em suas atividades laborais.

Adotamos este ponto de vista como forma de análise para a rediscussão do papel da Justiça do Trabalho porque o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos instrumentos de tutela dos interesses metaindividuais, necessariamente, requerem reeducação do homem juiz e da magistratura, pois como lembra o professor José Eduardo Faria "Tendo sido educada e organizada para atuar na perspectiva de uma justiça corretiva , a magistratura se revela temerosa quando estimulada a atuar na dimensão de uma justiça distributiva" (37).

Latente se faz a necessidade de nova racionalidade, e não há campo melhor para este novo embate porque somente se podem combater os difusos meios de organização da produção pós-industrial por instrumentos jurídicos que tenham também esta flexibilidade, embora certo que hoje respeitável doutrina ainda enquadre sob o raciocínio formalista estas espécies de interesses, a exemplo de definições de ação civil pública como instrumento que se assemelha ao dissídio coletivo de natureza jurídica (38), o que, a nosso ver, pode levar à limitação do atuar jurisdicional, por vício de formação na tutela destes novos interesses, o que deve ser evitado.

Deve ser reeducado o magistrado, a fim de ser evitada a pergunta na tutela dos interesses metaindividuais na hora de definir o conflito : qual a premissa maior violada ? Pois se esta não existir perfeitamente delimitada em todos os seus requisitos e características de forma e conteúdo, e isto não será difícil de ocorrer dada a própria mutabilidade destas espécies de interesses, e não havendo a "norma", tranqüilamente o magistrado baixará a sua caneta de "prestação" da jurisdição, extinguindo o processo sem julgamento do mérito por falta de interesse processual ou interesse de agir, sob o fundamento de não haver norma violada, ainda que no seu íntimo possa perceber que há um interesse comunitário laboral sendo violado.

Influência nefasta do chamado paradigma normativista, tão bem exposto pelo professor José Eduardo Faria, no qual o juiz que atua consoante este modelo, sem a abertura necessária, costuma ver e julgar conforme um direito positivo, para o qual "importa apenas o estabelecimento de sanções como conseqüência do descumprimento das prescrições normativas. O fato ilícito não é, em si, um fato necessariamente imoral ou eticamente condenável; é apenas e tão somente, uma conduta contrária àquela fixada pela norma" (...) "reduzindo as condutas sociais às estruturas normativas" (39).

Desta forma, mais do que reforma processual formal sobre recursos, supressão de instâncias etc, que trabalharia apenas como caminho para solucionar os mesmos e particulares conflitos decorrentes do emprego formal o que é pouco ante a crise de paradigmas retro apontada, é necessário pensar uma reforma do judiciário trabalhista que seja capaz de enfrentar os novos conflitos coletivos emergentes. Do contrário, teremos, como hoje ocorre no processo civil, que com o tempo os problemas estruturais voltarão à baila dos congressos de profissionais do direito e estudantes sobre as reformas pontuais do processo trabalhista, com preocupações apenas dogmáticas sobre a compreensão do institutos jurídicos, sem que a crise seja efetivamente resolvida.

Basta observar os chamados juizados especiais cíveis ou de pequenas causas, que hoje representam a cópia fiel dos tribunais, numa micro-reprodução do caos de todos nós conhecidos, com acúmulo de processos, pautas infindáveis e conflitantes. Formas de solução de conflito que tendem a repetir as mazelas porque fundadas sobre a mesma racionalidade. Fato que não é novo e, como destacado pelo Professor Renato Lima, é resultado da forma como se encara o problema da crise do judiciário. Assim leciona o professor (40) :

"..mesmo considerando as iniciativas tomadas no sentido de facilitar o acesso à Justiça e as dificuldades concretas enfrentadas pelo Poder Judiciário no cotidiano da vida judicial , o sistema judicial brasileiro está desfocado do seu principal objetivo, que é a mediação eficaz de conflitos através da aplicação da Justiça (de uma concepção de justiça que todos aceitem como a mais legítima). Assim sendo, mais do que acesso à Justiça, a compreensão que a população faz dela pode ser a chave para se pensar saídas possíveis de pacificação social. Em outras palavras , de nada adiantará criar mecanismos de desobstrução do judiciário , visando a facilitação do acesso `a Justiça, se não for questionado o modus operandi dos tribunais, pois, do contrário, em pouco tempo as soluções inovadoras repetirão os vícios e estrangulamentos do sistema." (grifo nosso) (Acesso à Justiça e Reinvenção do Espaço Público - Saídas possíveis de pacificação social . In São Paulo em Perspectiva. Vol 11.no. 3. Revista da Fundação SEAd.1997, página 89)

Destarte, como os litígios de interesses metaindividuais são mutáveis por natureza, e os seus titulares individuais na maioria das vezes são indefinidos, embora definiveis, temos a completa inadequação do atuar jurisdicional sob o antigo paradigma, exigindo novos paradigmas.

Sendo fruto do acirramento das contradições sociais, estes interesses todos não podem ser perfeitamente delimitados em leis e regras, e não podem ser tratados de modo eficaz pelas matizes normativas genéricas de estandardização da vida social, exigindo do Estado repostas diferenciadas e tomadas em ritmos cada vez mais rápidos (41).

Torna-se essencial focalizar uma reforma do judiciário trabalhista que consiga enfrentar à altura os novos processos produtivos e seus impactos nas formas de conflitos entre capital e trabalho, pois, do contrário, este se tornará campo vazio e sem apelo para a sociedade, pois "os conflitos da sociedade brasileira somente tomarão o rumo dos tribunais se estes forem plenamente entendidos como instrumentos mais legítimos e eficazes de resolução de conflitos e se eles não estiverem muito distantes do que a população acredita ser justiça" (42)

Sendo evidente a crise do Estado-Providência " Não basta apenas criar mecanismos de acesso à justiça, é necessário que os tribunais sejam compreendidos como os foros mais eficientes na resolução dos conflitos" (43), e, para isso, é essencial que as formas de tutela de direitos sejam modernizadas e fundem-se sob novos paradigmas, porque cada vez mais fica latente ante os novos instrumentos legais de tutela coletiva, como a ação civil pública. Mas, infelizmente, "A medida que surgem novos tipos de conflitos, a maioria das leis vai envelhecendo e, embora os legisladores venham respondendo ao desafio da modernização das instituições de direito com a criação de novas leis, a cultura técnico-profissional da magistratura parece defasada, incapaz de se repensar à luz da aplicação de leis mais modernas" (44)

Torna-se essencial pensar alternativas que aproximem o judiciário trabalhista da violenta realidade da sociedade, brasileira onde a maioria dos conflitos entre capital trabalho se espraia para a tutela das garantias básicas de dignidade da atividade humana laboral, pressionando-se o sistema judicial existente, tanto no sentido de forçá-lo a se posicionar a garantir direitos, e, como no de pensar quais mecanismos poderiam ser adotados como forma de conter e, efetivamente, resolver os conflitos (45).

Aperfeiçoamento que deve ocorrer seja pela contribuição esclarecedora sobre o papel do magistrado diante dos novos conflitos que se apresentam e que colocam na pauta do dia uma revisão da concepção normativa do direito positivo, e, também, pelo aperfeiçoamento e criação de processos administrativos extrajudiciais que resolvam ou procurem formas de pressão e resolução dos conflitos e, que, paralelamente, selecionem os conflitos que devem chegar aos tribunais. Por exemplo, modificando o Inquérito Civil Público, as regras de fiscalização da DRT e também os meios processuais judiciais próprios, como é o caso da ação civil pública (46). Propiciar o desenvolvimento de novos instrumentos de tutela coletiva como a reclamação trabalhista civil coletiva e outros meios processuais que podem ser engendrados por meio de novo pensar processual, que seja capaz de enfrentar os coletivos conflitos que, vislumbramos, predominam no novo modelo societário.

Sobre o autor
Ibraim José das Mercês Rocha

advogado, procurador do Estado do Pará, mestre em Direito pela UFPA, secretário do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública no Pará, ex-diretor do departamento jurídico do Instituto de Terras do Pará (ITERPA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Ibraim José Mercês. Justiça do Trabalho.: Breve reflexão sobre a sua crise e apontamentos sobre novos rumos para um sistema judiciário do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1244. Acesso em: 2 nov. 2024.

Mais informações

Texto originalmente elaborado como requisito parcial para a obtenção dos créditos da disciplina de Direito do Trabalho, no curso de Mestrado em Direito da UFPA, orientado pela Prof. Dra. Rosita de Nazaré Sidrim Nassar

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