3. Justiça do Trabalho - Justiça dos conflitos de interesse coletivo -
Retomada
do caminho próprio - Construção de um sistema judiciário do trabalho
adequado para demandas coletivas - Necessidade de uma nova racionalidade.
Podemos perceber, portanto, que, em nossa visão sobre a rediscussão do papel da Justiça do Trabalho, temos como essencial que esta se colocará como a guardiã dos interesses básicos da coletividade trabalhadora, no que diz respeito à dignidade do trabalhador, como princípio da organização do trabalho.
Assim, o Poder Judiciário Laboral será o ponto culminante desta nova forma de conceber tutela eficaz e de resolução dos novos conflitos do trabalho da sociedade pós-industrial, mas não será e não deve ser o mais importante, como hoje é. Devemos partir para um aperfeiçoamento dos instrumentos extra-judiciais de tutela do Trabalho, vislumbrando a edificação de um Sistema Judiciário do Trabalho, onde os órgãos administrativos como a DRT, o Ministério Público e Entidades Sindicais tomem e assumam papéis mais relevantes na tutela dos interesses dos trabalhadores previstas nas regras mínimas, que sempre existirão, de tutela da dignidade do trabalho.
Por se tratar de regras mínimas, sempre será fácil violá-las no individual. Premido pelas circunstâncias, o sujeito isolado não terá força para reclamá-las porque muitas vezes não se dirigirá a efeitos patrimoniais imediatos, dirão respeito a regras de meio ambiente, saúde do trabalhador, crimes contra a organização do trabalho , definição de conflitos pelo espaço de exercício da atividade produtiva, no caso de conflitos de camelôs, poder público e empresários do comércio, proteção dos mecanismos de previdência e assistência social mínimos, como elementos de aglutinamento do tecido social.
Os conflitos de massa, donde emergem os interesses metaindividuais, típicos da nova sociedade, tornam-se cada vez mais públicos, porque é exigida a presença do Estado, que servirá de mediador do conflito, e passam a ser incluídos no direito positivo.
Estes interesses coletivos que antes somente possuíam como meio de processamento as reivindicações por meio de atos políticos e usando do código do sistema político, agora poderão e podem ser submetidos ao crivo do judiciário. Mas novo judiciário que extrapole os limites de um pensamento normativo e avance no sentido de uma justiça distributiva.
Interesses metaindividuais - características - inclusão
Para melhor compreensão dos objetivos que pretendemos alcançar no auxílio de construir esta nova racionalidade a fim de que o Judiciário seja adequado para as novas demandas de uma sociedade pós-industrial, que seja o guardião célere e competente na tutela dos interesses dos trabalhadores no mínimo de dignidade humana, utilizaremos alguns dos conceitos da Teoria da Sociedade de Nikhlas Luhmann, que nos ajudarão na reflexão sobre como melhor atuar na tutela dos interesses metaindividuais dos trabalhadores.
Destaca-se que, sob este prisma, os referidos interesses não são apenas fenômeno jurídico, mas fenômeno que hoje é processado pelo direito, que mediante o seu código próprio e específico torna possível a maior estabilidade na solução dos conflitos que envolvem estes interesses.
Registre-se que a "solução" aqui é posta como a possibilidade de ser submetido o conflito a uma decisão dos tribunais, sem indagar se esta é "justa" num sentido axiológico, mas que os referidos conflitos são passíveis de uma decisão justa, ou seja, de acordo com os ditames do direito positivo (47).
A teoria da Sociedade de Luhman ensina que o sistema jurídico é "autopoético" no sentido de que produz e reproduz as suas características a partir de um código próprio e específico (Direito / Não Direito; Legal /Ilegal; Recht/ Unrecht). Possuindo, desta forma, autonomia em relação ao entorno (ambiente), mas isto não exclui a interdependência deste sistema com outros sistemas, especialmente com o Sistema Político, que opera sob um código próprio e específico (Maioria/Minoria; Governo/Oposição) .
Destaca-se que a autonomia de cada sistema em relação a outro ao mesmo tempo que cresce a sua diferenciação leva a maior interdependência. Por isso, procuramos abordar como se manifestou a inclusão dos interesses metaindividuais no direito positivo a partir das irritações provenientes do sistema político, que ainda permanecem, sem que se rompa a autonomia de ambos os sistemas.
Como demonstrado nos itens antecedentes, não haverá mais espaço para muitos direitos individuais trabalhistas, onde o empregado formal é o centro do direito laboral. Assim, é o momento ideal para a positivação dos interesses metaindividuais, mas positivação que infelizmente não tem sido bem compreendida, pois, como vimos, a positivação dos interesses metaindividuais dos trabalhadores se dá sobre outros paradigmas de raciocínio que já não podem centrar-se na clássica noção do direito subjetivo individual e, por isso, muitas vezes não são compreendidos ou são mal compreendidos pelos atores jurídicos no aplicar de suas normas.
Há grande confusão entre positivação dos interesses metaindividuais, o que ocorreu no direito brasileiro especialmente por meio das Leis 7.347/85 e 8.078/90, e a filosofia do positivismo, muito arraigada em nossa cultura, pois estes interesses, estando no limite da conflitualidade social, são mal compreendidos por atores jurídicos formados para lidar com conflitos especialmente delimitados, onde sujeito, objeto e forma de tutela perfeitamente delineados, ao se deparar com novos conflitos onde os sujeitos são em geral indeterminados, ainda que determináveis, e o seu objeto e a forma de tutela, para que sejam eficazes , possuem uma mutabilidade no tempo e espaço como característica marcante.
Ora, não se pode esquecer que o trabalho é elemento essencial dentro do modo de produção capitalista, mas que dentro da estrutura hoje multifuncional e variante das relações que se estabelecem entre capital e trabalho, necessário se faz que o atuar na solução dos novos conflitos emergentes entre capital e trabalho também assim o seja variante e multifuncional.
É esta realidade cambiante e variável, de mercados interligados, com presença marcante dos meios de comunicação e informática, que leva necessariamente a diversas manifestações de desconformidade e impossibilidade, muitas vezes, da tutela dos interesses de uma coletividade em juízo, o que força o Direito a buscar, cada vez mais, novos paradigmas que reúnam condições para a compreensão da multifacetada realidade de uma sociedade em desenvolvimento, absorvendo e adaptando os seus mecanismos de controle, mediante a flexibilização dos modelos normativos mais bem conectados aos diversos padrões de organização social, e que melhor possam controlar, prever e "desarmar" os conflitos intersubjetivos e intergrupais (48).
Quanto à Teoria da Sociedade, temos a necessidade de inclusão destes novos interesses no sistema jurídico laboral, pois o direito é uma rede de inclusão, ou seja o meio pelo qual se podem solucionar determinados conflitos existentes na sociedade. Assim, embora as leis venham incluindo os conflitos coletivos dentro do direito, existe despreparo dos magistrados na inclusão destes conflitos como passíveis de solução efetiva, indeferindo no nascedouro muitas das ações que, justamente, têm o objetivo de incluir no sistema essas novas modalidades de conflitos da sociedade pós-industrial, dando-lhe uma solução efetiva e não apenas formal.
Deste ponto de vista, temos que a crise da Justiça do Trabalho se dá porque ela não consegue incluir em sua estrutura e, portanto, processar, os novos conflitos coletivos que se apresentam, e, sendo assim, ela se torna obsoleta, incapaz de solucionar os novos conflitos da sociedade emergente, e, como tal, não espanta que vozes da sociedade possam assumir o discurso de sua extinção.
Trata-se, aqui, portanto, de pensar e contribuir para que estes novos conflitos coletivos sejam de fato incluídos no sistema trabalhista, do contrário a estrutura torna-se sem sentido e o direito do trabalho já não será capaz de se legitimar como ramo especializado, porque se não pode sequer processar o conflito, dando-lhe uma decisão de mérito da lide, socorrendo-se os julgados a expedientes de extinção do processo sem julgamento do mérito nos conflitos e demandas coletivas ou outros procedimentos formais de "prestação" da tutela jurisdicional, estes conflitos na realidade estão ficando excluídos do sistema, conflitos estes que, pensamos, dominarão os novos caminhos da Justiça Laboral. Assim, se não pode processá-los, melhor é que esta deixe de existir. (49)
A grita por "Justiça" na tutela de direitos/interesses coletivos, de forma mais célere e expedita, leva a que o político cause irritabilidade ao sistema jurídico para que estes conflitos coletivos passem a ser processados por meio dos códigos próprios do sistema jurídico, daí o surgimento em toda parte de leis que tutelam os chamados interesses metaindividuais. Mas é preciso mais. É necessário construir-se uma nova racionalidade que seja adequada a estes especiais conflitos.
Assim, o direito vem incluir em sua operação os interesses metaindividuais, antes apenas processados pelo sistema político, agora possíveis de serem processados pelo jurídico. Alerta-se que o direito não passa a reconhecer estes novos direitos, mas apenas transforma (50) em direito aqueles eventos que tinham outro significado no ambiente. Para a teoria da sociedade, esta inclusão de novos princípios ou interesses não torna o direito mais justo ou mais adequado à sociedade, como se costuma dizer, mas apenas lhe torna possível o processamento conforme o código específico do direito (51).
Desse modo, os conflitos típicos desta nova sociedade tornam-se cada vez mais públicos porque é exigida a presença do Estado, que servirá de mediador do conflito, onde passaram a ser incluídos no direito positivo e, dentro deste conteúdo e campo de reflexão dos direitos laborais, por dizerem respeito aos mínimos de dignidade do trabalho reforçam um dos princípios basilares do direito do trabalho que é a proteção do hipossuficiente, que passa a ser encarado como a coletividade de trabalhadores em situação de inferioridade ante o capital.
As irritações que o ambiente estabelece com o sistema jurídico, onde cada vez mais se destaca o pouco valor do trabalho como um patrimônio individual, com flagrante redução do campo de direitos subjetivos atribuídos ao indivíduo, e os sujeitos coletivamente considerados é que passam a ter mais espaço de tutela dos poucos de direito que restam ou restarão, levam à clara necessidade de que se estabeleçam novas premissas decisórias, para que estes conflitos de massa sejam passíveis de uma práxis decisória efetiva e não apenas formal.
Nessas condições estruturais, a função do direito é permitir a estabilização da contigência, isto é, da possibilidade de que várias ações sejam oferecidas para que uma seja escolhida como a melhor (52).
Estes interesses, que antes somente possuíam como meio de processamento as reivindicações pelos atos políticos e atuações diretas dos trabalhadores, usando do código deste sistema, agora podem ser submetidos ao crivo do judiciário, mas necessário faz-se que a magistratura seja capaz de realizar efetiva solução destes novos conflitos.
É certo que este caminho é difícil, pois como alerta o Professor José Eduardo Faria :
"Os textos legais editados a partir de concepções mais contemporâneas de direito, aptas a lidar com os conflitos coletivos e com os que envolvem questões distributivas ou de natureza "social" (...) têm esbarrado numa cultura profissional da magistratura que padece de um excessivo individualismo e formalismo em sua visão-de-mundo. Esse individualismo se traduz pela convicção de que a parte precede o todo, ou seja, de que os direitos do indivíduo estão acima dos direitos da comunidade; como o que importa é o mercado, espaço, onde as relações sociais e econômicas são travadas , o individualismo tende a transbordar em atomismo: a magistratura é treinada para lidar com as diferentes formas de ação, mas não consegue ter um entendimento preciso das estruturas socioeconômicas onde elas são travadas. Já o formalismo decorre do apego a um conjunto de ritos e procedimentos burocratizados e impessoais, justificados em nome da certeza jurídica e da "segurança do processo". Não preparada técnica e doutrinariamente para compreender os aspectos substantivos dos pleitos a ela submetidos, ela enfrenta dificuldades para interpretar os novos conceitos dos textos legais típicos da sociedade industrial, principalmente os que estabelecem direitos coletivos, protegem os direitos difusos e dispensam tratamento preferencial aos segmentos economicamente desfavorecidos" (53).
Resulta disto que, uma vez que a nova sociedade é de poucos direitos sociais do trabalhador, este não será o principal sujeito das relações de trabalho, mas sim a comunidade produtiva da qual faz parte, seja nas diversas cooperativas que florescem no país, seja na terceirização da produção e outros modos que serão engendrados a cada dia. Bem como os trabalhadores do mercado informal, que também merecem tutela do Estado, onde cada vez mais o emprego formal torna-se a exceção.
Porquanto é cada vez mais difícil compreender estes direitos sem se estabelecer uma racionalidade que seja capaz de realizar a interdependência do sistema jurídico com o político e o econômico e a inclusão destes direitos coletivos no direito positivo, pela sua codificação. Não basta. Para enfrentar os novos desafios, é preciso mais. Necessário faz-se um atuar judicial que se apresente capaz de estabelecer decisões em novos moldes a fim de legitimar-se à frente destes novos conflitos sociais, mas é mister destacar que a autonomia dos sistemas permanece, e hoje o desafio é processa-los de forma efetiva, realizando-se uma justiça distributiva.
Desta forma, existindo hoje no Brasil, como reflexo da efervescência de novos sujeitos, apesar da histórica presença dos conflitos coletivos desenvolvidos dentro dos limite do poder judiciário trabalhista na forma de greve e dissídios coletivos, é preciso ser destacado que a legislação resultante da interação entre o sistema político e o jurídico, tais como a Lei 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública), consolidando-se com a Constituição de 1988, e posteriormente com a Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), é resultante de nova realidade e gestada fora do campo do direito do trabalho.
Portanto, vem sendo integrada por meio de construção jurisprudencial e doutrinária a este ramo. É importante que não seja confundida com os tradicionais conflitos coletivos trabalhistas, mas devem ser construídos raciocínios próprios e sob novas bases, a tanto que a lei permite, pois a Lei 8.078/90 conceituou as formas de manifestação destes interesses característicos da sociedade pós-industrial (difusos, coletivos e individuais homogêneos) de forma aberta, ou seja, jurisdificou-lhes de três modos abertos, fazendo possível o seu processamento pelas estruturas do direito, mas não lhes retirando as características políticas e econômicas de mutabilidade no tempo e espaço.
Resta claro que os interesses metaindividuais, como fenômeno da sociedade de massas, não foram reconhecidos pelo direito, mas transformados em direito, que os retirou do " limbo jurídico" (54) onde permaneciam.
Interessante para o nosso trabalho é a conceituação de Mancuso do que seja interesse metaindividual, compreendendo como tal aquele que " quando, além de depassar o círculo de atributividade individual, corresponde à síntese dos valores predominantes num determinado segmento ou categoria social" (55).
Percebe-se, pelo conceito exposto, que há um destaque para elementos que indicam alta fluidez dos interesses metaindividuais e estreita ligação com noções próprias do político e econômico, nem poderia ser de outra forma, pois a jurisdicização dos interesses metaindividuais não lhes retira as características que possuíam e possuem no ambiente jurídico (os elementos que estão fora do sistema jurídico), mas que ao serem processados pelo sistema jurídico, aquela passam a ser compreendidas pelo código que é próprio e específico deste sistema.
Por isso é que se diz que no plano das operações de um sistema não existe nenhum contato com o ambiente/entorno (56) , mas isto não leva ao entendimento do sistema jurídico como hermeticamente fechado, onde predomine da Lei da Entropia (sistema que possui dentro de si todas as leis e se auto sustenta). Logo, percebendo a elevada fluidez destes interesses, preferiu o legislador, ao codificar estes interesses, estabelecer três conceitos abertos para eles.
Permitindo que estes conceitos estabeleçam uma ponte contínua entre o ambiente altamente fluído que é próprio dos interesses metaindidividuais e o sistema jurídico, que se caracteriza justamente por permitir maior estabilidade das relações que se desenvolvem em juízo, assim, tornam-se o meio adequado para que o judiciário laboral possa enfrentar os novos conflitos decorrentes de relações de produção mutáveis dia-a-dia, onde os aparatos técnicos e de gestão estão em constante transformação.
Daí nossa compreensão da Lei 8.078/90 (CDC), que introduziu no sistema jurídico pátrio, por meio do artigo 81, incisos I, II e II, os conceitos de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Estes foram gestados fora do direito do trabalho e, conseqüentemente, permitem novo atuar, mais adequado à Justiça do Trabalho e que seja capaz de encontrar um dos caminhos para a superação da crise.
De fato, estes conceitos legais podem ser compreendidos como instrumentos que permitem o "acoplamento estrutural" entre o ambiente das relações entre capital e trabalho onde se gestam, e os processos judiciais emergentes para solucionar estes conflitos, porque o operar do direito exige certa estabilidade e previsibilidade de acontecimentos para o seu processamento.
A noção de "acoplamento estrutural" é desenvolvida pela teoria da sociedade a fim de explicar como se dá a relação de um sistema com o entorno/meio, sem que este necessite abdicar de suas estruturas próprias e código específico, porque se isto ocorresse, resultaria um seccionamento da sua "autopoiese", impedindo a sua reprodução a partir de suas próprias estruturas .
Exemplificativo desta observação pode ser verificada no seguinte trecho da obra de Niklas Luhmann, Introducion a la teoria de Sistemas:
"El acoplamiento estrutural , entonces excluye el que datos existentes en el entorno puedan especificar , conforme a las proprias estructuras , lo que sucede en el sistema. Maturana diria que el acoplamiento estructural se encuentra de modo ortogonal com respecto a la autodeterminación del sistema. No determina lo que sucede en el sistema , pero debe estar presupuesto , ya que de outra manera la autopoiese de detendría y el sistema dejaría de existir. En este sentido, todos los sistemas están adaptados a su etorno (o no existirian) , pero hacia el interior del radio de acción que así se les confiere, tienen todas lbas possibilidades de comportarse de un modo no adaptado" (In Introducion a la teoria de sistemas. Javier Torres Nafarrate. Gualajara : Universidade Iberoamericana; Iteso; Anthropos. 1996, página 99) (57).
A "autopoiese" pressupõe que um sistema opere determinado por uma estrutura e operações próprias, distinguindo-se de outros sistemas. Mas infelizmente, os operadores do direito têm acentuado o apego ao formalismo, como critério específico do direito, e deixando em segundo plano as variantes dos conflitos coletivos que surgem no entorno (meio ambiente), e se refugiam para "prestar" jurisdição em conflitos coletivos nos aspectos formais, negando a atividade de acoplamento estrutural que é própria no operar destes novos conflitos (58).
Podemos observar, então, que, na maioria dos processos que tivemos oportunidade de ler os Acórdãos, e as lides envolvem interesses metaindividuais. Sempre há discussão sobre aspectos processuais da natureza do interesse tutelado. Se o objeto está dentro da conceituação legal do CDC, discute-se a questão da legitimidade ativa ou passiva, a fim de se descaracterizar que o interesse pode ser tutelável por meio de ação civil pública ou ação coletiva etc., sendo os temas que mais dominam dentro do processamento do conflito em detrimento dos aspectos materiais.
A solução jurisdicional poderia servir de instrumento eficaz e expedito para a solução e acautelamento de direitos básicos da comunidade trabalhadora, realizando, assim, o escopo de uma justiça distributiva, elevando-se o patamar dos conflitos para além do sujeito individual como sujeito principal de imputação de direitos, ou seja, para interesses da coletividade, que é justamente o objeto principal da legislação resultante.
Verificação que se dá pela jurisprudência a respeito do tema, a exemplo do Acórdão TRT 12ª Região RO - V7.922/97 -2. Ac. 3ª T, 3.465/98,3.4.98 (59), onde a discussão versava sobre se determinado interesse seria ou não passível de tutela mediante ACP na justiça do Trabalho.
Podemos destacar ainda, a título de exemplo, como, dependendo da forma de raciocínio da magistratura, mesmo interesse violado pode ser considerado como passível de efetiva solução por meio de tutela coletiva e, noutro momento, não, ainda que envolva o mesmo objeto e partes com igual situação. De turmas diferentes, reproduzimos, em síntese, acórdãos do E. TRT- 8ª. Região.
No processo TRT 4ª T. RO 3200/98 (60), autor Ministério Público do Trabalho e ré TRANSBRASIL S/A. Pretendia o autor que a ré fosse condenada em obrigação de não fazer, para que os trabalhadores que não estivessem recebendo o adicional de periculosidade não fossem postos a trabalhar no pátio de manobras do aeroporto internacional de Belém "Val-de-Cães", A decisão excluiu a legitimidade ativa do MPT, pois não estaria configurada a hipótese de direito coletivo ou difuso a ser tutelado.
Apontando que :
"Na hipótese em exame, o que pretende o Ministério Público do Trabalho é o mesmo que já define a lei , sendo absolutamente fora de propósito individualizá-la para reconhecer os direitos daqueles que trabalham nesse ou naquele lugar a receberem o adicional de periculosidade . Ademais a obrigação pretendida é de não fazer, ou seja, não permitir o exercício de trabalho no pátio de manobras do aeroporto aos que não recebem o adicional, frustrando-lhe o direito de trabalhar e depois discutir"
"Em consequência, ainda que de acordo com o entendimento desta Relatora, a mens legis impulsione no sentido de fortalecer a ação do Parquet , sem dúvida fundamental para os fins sociais das normas de proteção ao trabalho, aqui não se trata de limitar seu campo de atuação, mas de evitar que um comando condenatório genérico venha trazer prejuízos para a sociedade, até porque se de um lado estão trabalhadores exigindo proteção, de outro estão empregadores que também fazem jus ao contraditório, na defesa de seus interesses." (Acórdão TRT 8ª Região -4ª T. RO 3.200/98, Relator Luiz Albano Mendonça de Lima- Juiz Togado. sessão 8 de setembro de 1998.) (grifo nosso).
Por outro viés, nos autos do Processo TRT 8ª Região- 3ª T/RO 3695/98 (61), autor Ministério Público do Trabalho e ré VARIG S/A, pretendia também o autor que a ré fosse condenada em obrigação de não fazer para que os trabalhadores que não estivessem recebendo o adicional de periculosidade não fossem postos a trabalhar no pátio de manobras do aeroporto internacional de Belém "Val-de-Cães". Foi reconhecida a legitimidade ativa do MPT e a possibilidade jurídica do pedido. Em brilhante fundamentação, demonstra a configuração na hipótese de direito laboral essencial aos trabalhadores, onde pressentimos o juízo de que não é o número de sujeitos afetados ou determinados que leva à configuração de um interesse como social, mas sim a sua importância para o tecido social, para ao fim deferir a tutela.
De fato, o acórdão é vazado nos seguintes termos:
"A lei prevê que para os trabalhadores sujeitos a riscos seja pago o adicional de periculosidade (art. 193 consolidado). Trata-se , portanto, de indeclinável obrigação empresarial." (..) "Sabe a Egrégia Corte , que já decidiu inúmeras reclamações trabalhistas sobre o tema, que as empresas que operam nesse Aeroporto - a ré inclusive - de forma reiterada , exigem o trabalho de seus empregados nessa área de risco, mas, também, de forma reiterada, deixam de pagar o adicional de periculosidade devido. São inúmeras as decisões favoráveis aos trabalhadores" (...) " A ação civil pública proposta permite, a meu ver, uma solução única e definitiva, prevenindo evitando as reiteradas reclamações trabalhistas" (..)" Pelo que se vê neste e em outros autos, as inovações resultantes da emergência de novos direitos das coletividades e dos grupos e de seu correspondente direito processual ainda não foram bem assimilados pelos operadores do direito , magistrados principalmente. Só assim se explica a resistência em acolher ações como a destes autos. Em lugar de se entregar a prestação jurisdicional de forma mais ampla e concentrada possível , prefere-se as soluções individuais. Em lugar de uma única ação , prefere-se miríades delas. Em lugar de acolher a benfazeja inovação, se a rejeita" (TRT 8ª Região -3ª T. RO 3695/98, revisor e prolator José Maria Quadros Alencar - Juiz Togado.sessão de 9 de outubro de 1998).
Seguindo no raciocínio ilustra o acórdão :
" não compreendo a alegação de usurpação do poder de comando da empresa. Afinal, o poder de comando da empresa há de ser exercido nos limites da lei, e é isso o que pretende o Ministério Público." (...)" De igual modo não compreendo em que a pretensão do Ministério Público afrontaria a liberdade do trabalho. Afinal o conceito de liberdade de trabalho não inclui , como é evidente, a exigência pelas empresas de traballho em desacordo com a lei, A liberdade de trabalho não é princípio que possa ser invocado para permitir a realização de atividades em contrariedade com a lei" (TRT 8ª Região -3ª T. RO 3695/98, revisor e prolator José Maria Quadros Alencar - Juiz Togado.sessão de 9 de outubro de 1998).
Podemos perceber nos dois exemplos o quanto a perspectiva de realização da justiça distributiva, adaptando-se aos moldes específicos dos direitos laborais, pode levar a caminhos tão opostos e, cumpre nos destacar que, uma vez que os interesses dos trabalhadores, tutelados pelo direito do trabalho, sempre serão interesses sociais, e que, vislumbramos no futuro próximo, serão poucos estes direitos tutelando o mínimo, de forma a não permitir a maior desagregação do tecido social, restando sempre um campo mínimo e necessário de garantias básicas da dignidade do trabalho humano.
Temos de aceitar a premissa que, neste campo, não interessa o número de trabalhadores atingidos, pois ainda que sejam apenas alguns trabalhadores a ser lesados efetivamente em um direito básico, que pode até não ter um efeito patrimonial imediato, temos de considerar a potencialidade do dano social caso a conduta perdure de forma injustificada, pois mesmo nesta sociedade de exclusão, ainda existirá senso mínimo de interesses cuja violação diz respeito a um direito social e coletivo da comunidade trabalhadora, como nos exemplos acima.
Assume, também, a jurisdição caráter pedagógico sobre a empresa que, além de ser condenada a não exigir o ilícito, terá conseqüências patrimoniais no caso de descumprimento, à serem aplicadas em processo de execução das multas fixadas.
Um interesse no campo laboral, para ser definido como metaindividual, não deve estar relacionado ao número de sujeitos lesados concretamente mas à gravidade para o tecido social que representa, hoje quase desagregado pela violência do capital.
Sendo evidente que a menor ou maior definição dos sujeitos ou da indivisibilidade do objeto levará ao enquadramento do interesse como difuso, coletivo ou individual homogêneo, de acordo com a lei, que atua como estrutura de acoplamento e serve o manuseio destes conceitos como meio de inclusão destes interesses no sistema jurídico, não devem e não podem substituir a finalidade do permissivo legal de melhor possibilitar a tutela de tais interesses, que é o que vem ocorrendo em muitos processos, por haver distorção de visão causada pelo paradigma normativista que predomina nos tribunais.
Por outro lado, o avanço na construção de novos paradigmas traz urgente o repensar de uma estrutura judicial centrada apenas sobre o emprego formal, nos moldes do artigo 3º da CLT, e isto hoje é isento de dúvidas. Para tal, é necessário não apenas ampliar a tutela do trabalho de vínculo estável, como é o caso dos servidores públicos, como também que seja tutelado pela Justiça do Trabalho o trabalho não regido pela relação de emprego, na defesa de todos os princípios básicos de sua organização, como os acidentes de trabalho, os crimes contra a organização do trabalho, a ordenação até mesmo dos trabalhadores do comércio informal no caso de conflitos etc.
Essa mudança de paradigma poderá ter efeito de justiça distributiva, por exemplo, no questionamento dos novos conflitos entre capital e trabalho no caso das cooperativas que se espalham pelo país.
De fato, dentro do paradigma vigente, verificamos nestes casos, quando se questiona uma cooperativa, é o fundamento de que, na verdade, o que ocorre é relação de emprego, requerendo-se, portanto, o pagamento das verbas trabalhistas devidas e o desfazimento do engodo legal mediante o reconhecimento do vínculo empregatício, justamente porque, do contrário, a Justiça do Trabalho se tornaria incompetente para solucionar o conflito.
Dentro da nova perspectiva que vislumbramos da atuação judicial, temos que em casos semelhantes não seria de se reconhecerem vínculos empregatícios etc., pois, no mais das vezes, isso leva à demissão de trabalhadores.
Deveria ocorrer uma intervenção de justiça distributiva fazendo com que a cooperativa se torne efetiva, distribuindo-se os lucros entre os cooperados, fazendo-se depositar as parcelas previdenciárias devidas, tendo a Justiça do Trabalho a competência para decretar a intervenção em falsas cooperativas, para que de fato funcionem como cooperativas, tornando indisponíveis bens de falsos administradores e outras medidas judiciais, a fim de que os possíveis prejuízos dos trabalhadores quanto aos direitos e lucros auferidos por aquela revertam de fato a seu favor, até que, por meios democráticos, pudessem designar novos diretores.
Evidente que, dentro da estrutura atual esta forma de intervenção soa de todo impossível, o que evidente pressupõe lógico aumento da competência dos Tribunais e redimensionamento da forma de atuação destes e, especialmente, da sua relação com o Ministério do Trabalho e suas Delegacias Regionais do Trabalho e Ministério Público do Trabalho.
Neste sentido, eficaz intervenção nesta espécie de conflito, requer nova estrutura judiciária e regulamentação legal. Com efeito, devemos pensar a criação no âmbito trabalhista de legislação nos moldes da Lei 8.884/94 - Lei Antitruste - o que requer mudança na estrutura e competência dos TRT´s para apreciar conflitos para além da mera dimensão de reparação do dano.
Dentro deste prisma, impõe-se nova Lei definidora da atribuição de competências ao Ministério do Trabalho e suas Delegacias Regionais, com profunda reforma em sua estrutura neste aspecto, para a instauração de processos administrativos assemelhados aos dos hoje existentes e regulados pela Lei 8.884/94 - Lei Antitruste -, inclusive com regulamentação específica e nos mesmos moldes e atribuições previstas da referida lei, adaptando-se, logicamente, aos parâmetros necessários e indispensáveis à proteção dos interesses da coletividade trabalhadora, que seria a titular dos bens jurídicos protegidos por esta nova legislação (62).
Isto se torna lógico, porque a lei 8.884/94 é hoje eficaz por surgir no contexto da nova sociedade pós-industrial e adaptada aos conflitos desta, sendo para nós evidente que os conflitos entre capital e trabalho, mutatis mutandis, assumem os mesmos perfis. É necessário e urgente uma legislação que permita a solução dos conflitos, nos mesmos moldes, em defesa dos bens jurídicos mínimos de garantia do tecido social do trabalho (63).
Isto evidentemente traz um redimensionamento do inquérito civil público do MPT, que seria mais um instrumento dentro do escopo de pacificação destes novos conflitos, e que vem sendo competentemente usado pelo parquet trabalhista (64), mudando a forma de atuação deste, deixando de ser, como hoje parece evidenciar-se, o meio extrajudicial de processamento de conflitos de dimensão coletiva.
Destarte, também impõe uma reestruturação do Judiciário Trabalhista, onde vislumbramos poderiam ser mantidos os atuais tribunais regionais, mas criando-se uma Turma ou Seção Especializada para julgamento destes conflitos para o exercício do duplo grau de jurisdição de caráter definitivo, ou como instância originária para conflitos de dimensão regional, com recurso ordinário para uma câmara ou seção especializada a ser criada dentro do Superior Tribunal de Justiça para apreciar estes conflitos.
Desta forma seria extinto o Tribunal Superior do Trabalho, somente existindo duas instâncias recursais no processo trabalhista, mantida e respeitada a competência de Recurso Extraordinário, sem efeito suspensivo, para o Supremo Tribunal Federal nos casos de violação direta e literal da Constituição.
Necessário também o desenvolvimento de novos instrumentos de tutela coletiva. Assim, podemos amadurecer a Reclamação Trabalhista Civil Coletiva, considerando o recente dano feito pelo legislador na Lei 7.347/85 - Lei de Ação Civil Pública (65), recompondo a integridade do sistema processual originário do Código de Defesa do Consumidor .
Com efeito, as alterações na lei de ação civil pública não tiveram o efeito de alterar o CDC, por se tratar de lei complementar, o que pensamos permite a construção de ação inominada, que aqui preliminarmente atribuímos o nomen Reclamação Trabalhista Civil Coletiva onde podem ser eficazmente tutelados os interesses metaindividuais do campo trabalhista, com aplicação dos aspectos processuais previstos na Lei 8.078/90, somente se adaptando ao direito material e bens jurídicos dos conflitos coletivos entre capital e trabalho, o que deverá ser mais aprimorado pela doutrina mais abalizada ou outro estudo mais específico.